Educando o Olhar para Transformar Atitudes

June 5, 2017 | Autor: Teresa Cunha | Categoria: Education, Diversity, Social transformation, Cultures of Peace
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Conferência Olhares sobre a Educação III Auditório da Assembleia da República 23 e 24 de Maio de 2006

Protocolo: Agradecer o convite e cumprimentar as/os ilustres convidadas/os na mesa e participantes no público. Saudar a Cooperativa Luso-Afro-Brasileira e todas as organizações que se associaram a estes Olhares sobre a Educação e felicitar a realização desta III Conferência. Pedidos de desculpa por não estar fisicamente presente já que por motivos profissionais de força maior me impedem. Contudo estou de outra maneira.

Educando o Olhar para Transformar Atitudes

Olhar sobre a Educação atenta e, cuidadosamente, é hoje uma tarefa essencial para quem acredita que uma Cultura de Paz é urgente e possível. Esta Conferência assume-se, assim, de grande importância e a sua riqueza e potencial criador reside na diversidade e no carácter cosmopolita que lhe está associada e que procura conjugar as visões e as experiências de pessoas de pelo menos três continentes: Europa, África e América do Sul. Ligar responsavelmente e, cada vez, mais o Norte com o Sul, aprender com o Sul, estabelecer um diálogo horizontal parece-nos essencial para a criação de alternativas concretas inovadoras, “inéditos viáveis” criadores de PAZ e Felicidade! Aos nossos olhos o Mundo aparece-nos cada vez mais como um lugar em constante, rápida e profunda transformação. Facilmente prendemos o nosso olhar nas transformações negativas trazidas pelo processo da globalização neoliberal: um Mundo em que a guerra e a violência proliferam, ora de contornos subtis e difusos, ora de uma 1

crueldade e de uma visibilidade aterradoras. Em quase todos os casos assistimos ao uso e abuso de pretextos ridículos, populistas que manipulam, negativamente, o medo e a insegurança das pessoas. Vivemos um mundo em que aumentam as violações dos direitos humanos e a precarização da dignidade humana e da vida, um mundo onde em cada esquina o nosso olhar se cruza com a pobreza, a tristeza, a injustiça, a exploração, a desesperança e a indelicadeza. Este olhar transforma o Mundo que vemos em algo profundamente sombrio e triste. Um dos efeitos mais perversos da globalização neoliberal é exactamente este: a cegueira paralisante face a tudo o que é belo, bom e positivo, impedindo-nos de ver e agir. Somos assim empurradas/os para uma desvalorização sistemática das alternativas diariamente construídas e vividas, geradoras de Paz, de Amor pela Diversidade, de Dignidade Humana, de Justiça, de Democracia, de Respeito e Amor pela Terra, pelo Desenvolvimento e pelos Direitos Humanos. Desta forma, debater a Educação, enquanto uma dimensão forte da vida que forma e transforma o nosso olhar sobre o Mundo, bem como pôr em diálogo os diferentes olhares existentes a SUL e a NORTE e a Educação, apresenta-se hoje como tão urgente quanto necessário. Esta é assim, uma iniciativa notável e que esperamos ver repetida para o bem e a salvaguarda de todas e todos de bem que querem construir e contribuir para um Mundo onde as e os guerreiras/os não tenham lugar. Na AJP entendemos que a Educação tem variadas e complexas dimensões como a de ser uma ferramenta para olhar e compreender o Mundo e um instrumento de participação na sua transformação, ou seja, um Mundo onde todas as pessoas tenham lugar e possam ser felizes. Assim, parece-nos que a Educação tem de se entender a si mesma como uma tarefa e um instrumento de emancipação individual e colectiva. Porque se são muitos e concretos os velhos e os novos problemas que a globalização coloca hoje 2

ao Mundo e à Educação, mais importante do que eles tem que ser a nossa capacidade de transformar positivamente esses problemas, e essa depende em grande parte da atitude com que nos posicionamos face às dificuldades. Ou seja, se formos capazes de ver desafios onde antes víamos problemas, e oportunidades onde antes víamos dificuldades, reuniremos uma maior capacidade de transformação emancipatória da sociedade e do Mundo, pondo ao serviço da humanidade uma energia criativa e criadora de PAZ. A Diversidade ocupa hoje um lugar central nas nossas sociedades e no trabalho social e educativo. A crescente centralidade e visibilidade da diversidade e a assunpção de que esta não é o mero o reconhecimento das diferenças, faz dela um princípio político da maior importância. O olhar que queremos suscitar, formar e educar deve ser capaz de ver e fazer emergir todas as cores, formas e feitios presentes na sociedade e apreciá-las como vitais para todas e todos e sobretudo para o respeito pela dignidade humana e a sustentabilidade da vida. Na AJP, a Diversidade é considerada condição para a criação de uma Cultura de Paz e portanto princípio e valor a acarinhar desde a primeira ideia até à avaliação final de qualquer intervenção educativa ou sócio-política que geramos. É por este motivo principal que a Diversidade, como sendo o reconhecimento das diferenças e a inalienável igualdade nas diferenças, se constitui como um conceito e desafio social e político crucial em todas as esferas de acção da associação. Sabemos, no entanto, e não podemos ignorar que, num mundo capitalista cada vez mais

estandardizado,

contemporâneas,

usada

a

Diversidade como

faz

pretexto

também e

parte

justificação

das

para

as

tensões mais

sociais variadas

discriminações, violências e guerras! As diferenças culturais e religiosas, as de sexo, as físicas, de orientação sexual, de condição social mas também os estilos e opções de vida e de convivência são hoje usadas como pretextos para injustiças e violações dos mais básicos direitos humanos, afastando qualquer vislumbre de possibilidade de felicidade 3

quando se é diferente da abstracção societal que designamos de ‘maioria’. Deste modo, na Educação que defendemos e praticamos há preocupação contínua e urgente de reinventar as relações baseando-as numa profunda democracia que ama e aprofunda a diversidade no sentido que atrás enunciamos. Para resistir à armadilha fácil de fazer da Diversidade apenas um exercício de retórica hipócrita, percorremos com determinação caminhos como aquele que esta Conferência nos propôs. A AJPaz faz e continuará a fazer estes caminhos de intolerância à desigualdade lado a lado com entidades e organizações, pessoas

e

colectivos

de

diferentes

contextos

geográficos,

políticos

e

sociais

transformando-os em momentos de aprendizagem concreta e solidária e de construção de alternativas densa e exigentemente democráticas. Temos aprendido que muitas das alternativas mais criativas nascem em contextos e condições difíceis e hostis. Sabemos que temos muito a aprender com o SUL e com as alternativas aí geradas e realizadas. Para podermos ver o potencial e a riqueza destas alternativas temos de mudar as lentes do nosso olhar, rejeitando o etnocentrismo e o olhar complacente mas arrogante do neocolonialismo recorrente na nossa sociedade. A “cegueira arrogante”1 praticada muitas vezes no Ocidente impede a formação de novos e outros olhares acerca do Mundo, rejeitando a diversidade e a intrínseca dignidade do outro2, desperdiçando a riqueza essencial para a construção de uma Cultura de Paz. Já aprendemos também que a PAZ e a Democracia se constroem no dia-a-dia, enfrentando todos os dilemas e contradições que a prática encerra, pois só assim se constrói a Vida. A oportunidade que hoje e amanhã temos de aqui de colocar em diálogo entidades, projectos, experiências e alternativas diversas, é a própria materialização da Diversidade e a prática de um olhar contra-hegemónico porque não repousa na ideia de que há um só modelo político legítimo, um só conhecimento e uma só interpretação das dificuldades e 1 2

Santos, Cunha, Reis

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das respostas a construir. Acreditamos que este é o caminho para a criação de sociedades verdadeiramente democráticas, multiculturais e cosmopolitas. Enquanto organização ligada à Educação, enquanto Educadoras/es mas também enquanto cidadãs e cidadãos, colocam-se-nos desafios exigentes que parecem ser demasiado pesados para os enfrentarmos isoladamente. A AJP tem vindo a levar a cabo experiências cooperativas que procuram realizar um pluriverso de actividades educativas (formais e não-formais) que procuram a promoção da Igualdade e da Dignidade Humanas, a aprendizagem intercultural que valoriza as diferenças, a participação e a capacitação cidadã das minorias, a paridade entre mulheres e homens, a construção de uma sociedade e cultura justas e pacíficas, assim como a criação de um ambiente saudável capaz de gerar e alimentar a vida. Esta definição retoma, necessariamente, alguns dos debates mais interessantes sobre questões como o conceito de Dignidade Humana e Cidadania e a sua irredutibilidade a um só modelo. Seguindo Paulo Freire, a AJPaz defende que a Educação corresponde a processos de humanização, democratização das subjectividades e das relações inter-subjectivas e a intensificação de práticas democráticas estruturantes de uma cidadania participativa, não-sexista e ampla. Na verdade, a dialogicidade da pedagogia freiriana assenta na imbricação entre a educação e a transformação social e a possibilidade de ‘reconhecer’ a(s) outra(s) pessoa(s) na sua inalienável dignidade. É esta extraordinária possibilidade educativa que nos interessa compreender e aprofundar. Esta opção metodológica e política recupera dimensões que têm vindo a ser retiradas à Educação como as emoções e os afectos, o compromisso para com o colectivo e a comunidade. A Cultura, a Arte, o Belo assim como a Amizade são importantes dimensões do ser humano que num contexto de Educação Cidadã têm espaço para emergir e se desenvolver. 5

Um Outro Mundo só será possível se na resposta ao individualismo e à competição as pessoas empoderadas responderem com um intransigente e profundo compromisso com a solidariedade, a cooperação, o respeito, a tolerância à ambiguidade, a transformação positiva de conflitos, a utopia e a esperança.

Teresa Cunha 18 de Maio de 2007

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