EDUCAR NA E PARA A ALTERIDADE: A PARTIR DE UMA COMPREENSÃO DO SER PARA UM PROJETO NUMA LEITURA DA PEDAGÓGICA DE ENRIQUE DUSSEL

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EDUCAR NA E PARA A ALTERIDADE: A PARTIR DE UMA COMPREENSÃO DO SER PARA UM PROJETO NUMA LEITURA DA PEDAGÓGICA DE ENRIQUE DUSSEL

Hugo Allan Matos1

RESUMO: Pretendo indicar um caminho a seguir para que a relação pedagógica entre educador - educando, seja eficaz e favorável à tão falada: construção do conhecimento. Faço uma síntese para situar o interlocutor, na leitura de contexto histórico em que esta proposta pedagógica está inserida e abordo alguns conceitos centrais da Filosofia da Libertação dusseliana que a meu ver são indispensáveis para sua compreensão. Palavras-chave: Modernidade, Totalidade, Alteridade, Pedagógica, Ser-projeto. 1. Introdução Este pequeno artigo surge do estudo centrado em uma obra de Dussel que estou traduzindo e disponibilizarei em meu trabalho de conclusão de curso. (DUSSEL 1977) Obra esta que é a transcrição de discursos proferidos pelo filósofo em 1972, no transtorno da militância filosófica em tempos de ditadura militar e perseguição política. Assim, todos os conceitos aqui explicitados estão presentes nesta que existe apenas em castelhano e teve sua edição esgotada há muitos anos. Portanto, não farei referencias conceituais propositalmente, uma vez que todos os conceitos aqui trabalhados estão nesta mesma obra.

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Aluno do oitavo semestre de Licenciatura em Filosofia na UMESP, membro do Núcleo de Estudos de Filosofia Latino Americana, membro do Núcleo de Estudos de Filosofia para Crianças. Email: [email protected]

Sua proposta pedagógica é inseparável de sua ética-política e é por isso que a vejo como um caminho válido e autêntico a ser seguido. Contudo, apresento aqui panas um aperitivo com o intuito de despertar o interesse do interlocutor a pesquisar mais. Dividirei este em três partes: na primeira que chamarei de contextualização pretendo mostrar como se constituiu o mito da modernidade e a opressão que este nos impõe; contextualizar a Filosofia da Libertação e abordar o objetivo dessa filosofia de Enrique Dussel e dar a conhecer sinteticamente, o método utilizado pelo filósofo para superar tal ideologia. A segunda parte, que chamarei de Educar para e na alteridade dividirei pedagogicamente em duas sub-partes: uma indicativa e outra construtiva. Indicativa porque vou indicar quais são as principais dimensões que esta filosofia quer libertar e dar um enfoque em como ocorre a opressão pedagógica. Indicarei ainda um caminho2 possível para a libertação, a partir de uma atitude do educador em conscientizar-se enquanto oprimido-sub-opressor, como chama Paulo Freire3. A outra é construtiva porque a partir desta conscientização do educador, surge a inevitável questão: o que fazer? E aqui começa a construção efetiva de uma nova postura, que levará em consideração que somos seres para um projeto e na construção do conhecimento é necessário não só ter esta concepção acerca do ser, mas dá-la a conhecer aos educandos, contemplando neste processo seus interesses e valores existenciais. Por último, farei uma breve conclusão comentando o que foi dito e sintetizando a importância desta reflexão nos dias de hoje. Contextualização 2. A Filosofia da Libertação Com um simples olhar ao redor, por uma conversa informal com qualquer pessoa que goste de pensar na vida, ao ler ou conversar com muitos filósofos e intelectuais das mais diversas áreas é possível constatar que estamos caminhando para um abismo. Ou seja, que a humanidade caminha para a sua extinção. O sistema de sociedade vigente

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Dentre infinitas possibilidades FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1987. p.16-17.

se constituiu por uma ideologia que assim como tantas na história, falhou em seus propósitos. Contudo, esta nomeada por alguns como: modernidade4 é tão influente e forte que acabou com quase todas as perspectivas de formas alternativas de organização social. A crença de que iria dar certo, que a modernidade (e o capitalismo neoliberal, globalizado) iria elevar a sociedade a um patamar superior foi tão acentuada que subsumiu e subsume grande parte das formas e esperanças de possibilidades de sociedades alternativas a ela. Todavia, a partir da década de 1960, surgiram novas forças ideológicas enraizadas no cristianismo primitivo e no contexto social da América Latina5. Dentre os vários movimentos que surgiram destas reflexões, está a Filosofia da Libertação que teve diversos momentos. O primeiro é tido como momento emergente (1960-1970) alguns, dentre os vários expoentes: Arturo Roig, Rodolfo Kusch, Leopoldo Zea, Salazar Bondy, Enrique Dussel e Hugo Asmmann. Depois, o período de crítica e difusão (197080) realizado principalmente por: Horácio Cerutti, Pablo Guadarrama, FornetBetancourt. E por fim, sua consolidação com Enrique Dussel, a partir dos anos 90. (MANCE 2000) 2.1 O Mito da Modernidade Vamos nos centrar neste expoente: Dussel. Ele faz uma crítica à história vigente, ao modo como é contada. Sendo assim, rompe com a hegemônica história da filosofia, fazendo filosofia da história. Nesta crítica, inclui, sobretudo, a história da filosofia que permitiu teoricamente que chegássemos a este contexto de ameaça à espécie humana. Para ele o mundo está dividido em centro e periferias. Esta divisão foi iniciada a partir de 1492 com a subsunção da América à Europa. Explico: antes disso, o mundo sempre teve centros e periferias, mas, eram sistemas regionais, e havia vários centros e periferias dentro destes sistemas e conviviam harmoniosamente. Significa dizer que a Europa configurou-se enquanto centro do mundo com o roubo das riquezas da América Latina. Antes disso, era periferia do sistema regional anterior. E a partir desta 4 5

Ou de alguma forma: capitalismo, se considerada a modernidade fruto do capitalismo. Contexto de opressão acentuada: censura, militarismo, ditaduras militares...

configuração política e ideológica, pretende-se universal, constitui o sistema mundo, justificando a imposição de seus valores, crenças, religiões e culturas... como universalmente válidos, importantes para todos. É por isso que ainda hoje, quando ouvimos falar sobre qualidade na educação, mesmo estando no Brasil, o parâmetro é o sistema educacional eurocêntrico... Assim, esta constituição da Europa enquanto centro, não foi apenas geográfica e política, foi principalmente cultural e ideológica. Primeiro afirmando-se internamente como centro do mundo, depois, interpretando toda história como corroboradora com esta afirmação, lendo-a como história antiga enquanto início; idade medieval enquanto pré-moderna e principalmente com Hegel, idade moderna como fim da história.6 Contudo, a Europa7 só conseguiu ser centro pela violência, dominação, exploração, roubos... que cometeu e comete à América Latina e países periféricos ainda hoje. Além disso, uma das coisas que lhe permite estar no centro é a censura cultural e intelectual que impõe ao nosso continente. Através de intelectuais e governantes vendidos a este propósito – e/ou ao dinheiro vindo dele – não medem esforços em perpetuar esta ideologia, tendo como um dos principais instrumentos o sistema educacional de ensino público. Estas ações produzem uma periferia mundial em dimensões nunca vistas na história da humanidade. O que a modernidade faz, ideologicamente é a simplificação do mundo (banindo a multiplicidade de seres, por exemplo, resumindo toda relação em ser - objeto) para depois teorizar sua compreensão e poder dominá-lo. Este sistema de dominação tem sua fundamentação principal na ontologia8, criada nesta mesma modernidade. Ignorando e negando a tradição metafísica que vinha desde muito antes do nascimento da filosofia grega9, os filósofos modernos, sem contextualizar os problemas metafísicos vigentes negam-os totalmente, ignorando a tradição e criam uma nova filosofia. Filosofia esta que fundamenta o eu10- ontológico como centro da existência, vindo a gerar a forma de relacionar-se que bem conhecemos hoje (egoísta, egocêntrica, utilitarista, conquistadora, dominadora...). Esta 6 6

Método para uma Filosofia da Libertação: Superação analética da dialética hegeliana Hoje também o Japão, China e principalmente os Estados Unidos: o que constitui o conceito Eurocentro. 8 Que significa estudo do ser 9 Que acompanha a humanidade desde os primeiros resquícios de comunidade humana 10 E não mais Deus, como era na filosofia medieval e nem o logos da filosofia antiga 7

ontologia causa um fechamento do ser humano nele mesmo. Este fechamento se dá de tal forma que o único Ser existente passa a ser o Eu11 e tudo e todos com quem se relaciona passam a ser objetos, entes. Descartes afirma que somos coisas pensantes, Heidegger afirma que somos entes (coisas) abertas ao Ser, Hegel afirma que Ser e pensamento são a mesma coisa. Para termos uma idéia mais clara do que estou dizendo, tudo com que (EU) me relaciono é pensado por mim, é ente, objeto de meu mundo. Se aceito alguma ou todas estas definições sobre o ser, toda violência, toda manipulação, dominação, reificação12 e negação do outro estão justificadas, pois o centro é o eu. Assim, justifica-se o extermínio e roubo de toda a América Latina, justifica-se ainda hoje toda a manipulação, subsunção, aniquilação causada pelo eurocentro aos países diferentes dele, aos países tidos como pobres, como bárbaros, etc... pois o que não pensa (como o centro) não é (ser) e portanto é coisa a serviço do ser (eurocentro). Toda afirmação ou filosofia que aceite ou repita isso, está perpetuando o mesmo, o que já está aí, este fechamento que Emmanuel Lévinas chama de Totalidade e Dussel assume como um dos principais conceitos de sua filosofia. Para sintetizar, permitir-me-ei algumas repetições de termos. O eurocentro, a partir da filosofia, nega toda a tradição ignorando e opondo-se à metafísica13, transforma o eu em centro ontológico do universo. Transforma a Europa em centro geográfico do universo. Sendo o eu (ser-racional), centro do universo e o centro do universo é a Europa, segue que a Europa é o eu (ser-racional) do universo e todo o resto que não seja o mesmo que é este centro, que não esteja neste centro, que não pense como ele é objeto e portanto está a seu serviço. Esta é a dialética dominadora européia, na qual, a tese, antítese e síntese são todas elaboradas pelo mesmo. Não há espaço para outro ser, ou seja, apesar do fato de que a Europa justifica-se enquanto dominadora legítima por causa desta forma de pensar, nós, os dominados não temos possibilidade de fazer a antítese, de argumentar, de reagir, pois afinal, não somos. Os índios são apenas bestas, são bárbaros, são outra coisa que não nós, portanto deve 11

E no caso de Heidegger (inspirado em filósofos anteriores) nem o Eu escapa de ser transformado em objeto, e ainda sim, está fechado em si. 12 Transformação do ser em coisa 13 Assunto será abordado no subtítulo 2.3: Superação ética: metafísica da alteridade: analética.

ser submetido a nos servir, a meu ver, baseado na história, é assim que pensava um europeu no contexto da invasão européia à América e muitos pensam ainda hoje. 2.2 Tarefa da filosofia da libertação dusseliana A Filosofia da Libertação dusseliana se apresenta com dois propósitos que se fundem em um único: Libertar filosófico-politicamente. Ou seja, quer libertar a filosofia da hegemonia eurocêntrica14 que se perpetua em nosso meio, mesmo com a incompatibilidade de não verificarmos sua validação na sociedade, por termos valores, crenças, culturas... diferentes àquelas em que foram elaboradas, fazendo assim que filosofia seja sinônimo de viagem, abstração, fuga da realidade, etc... E quer libertar-nos politicamente, mostrando-nos alguns mecanismos de dominação e exploração que normalmente nos passam desapercebidos no cotidiano e são tão eficazes em seus propósitos em todas as dimensões de nossa vida. A libertação filosófica e a libertação política se completam e são inseparáveis, contemplam todas as dimensões de nossa vida pessoal e social, sendo assim, possibilitam-nos instrumentos teórico-práticos para libertação integral, não só enquanto pessoas, mas como sociedade. 2.3 Superação ética: metafísica da alteridade: analética A filosofia ocidental sempre foi metafísica. Desde a Grécia até os dias de hoje. Aristóteles, Descartes, Hegel e Heidegger trataram e confirmaram como hegemonia a questão do ser, da essência das coisas, da ontologia, como preocupação hegemônica. Nem Marx que criticou a estes escapou. O que chegou mais perto foi Lévinas, mas não rompeu esta totalidade, ainda sua preocupação, apesar de criticar toda a tradição anterior, é com o ser, criticando a ontologia e propondo a ética em seu lugar. E a partir da leitura de Emmanuel Lévinas, Dussel afirma que a necessidade da transcendência (metafísica) é inerente e essencial ao ser humano que sai de si, por sua alteridade, ou seja, a afirmação de ser outro, diferente de tudo e todos, com sua personalidade própria e não pode, como pretende esta totalidade, ser transformado num objeto, pois é outro

ser. Eis o único sentido válido para a afirmação de que somos todos iguais, pois todos somos seres. Contudo, somos todos diferentes e qualquer tentativa de igualação, classificação, nominalização... passa a ser violência, dominação e virtualização do outro. É necessária uma filosofia que tenha a ética enquanto filosofia primeira, que impeça esta violência contra o outro. A alteridade ou o fato de reconhecer-se como diferente tem seu ápice na relação rosto-a-rosto15. O rosto, para Lévinas expressa toda nossa subjetividade e alteridade, pois é único desde sua configuração física. Toda subjetividade do rosto, desde rugas configuradas pelo sofrimento, até a pele esticada por causa de plásticas. E o que parece nos expor à alteridade é o olhar. Quando olhamos para alguém, sentimo-nos interpelados por este e somos, por natureza, responsáveis desde sempre, mas especialmente a partir do olhar ao outro. Imagine-se olhando frente–a–frente, demoradamente para uma pessoa que ama. Milhões de sentimentos podem lhe ocorrer, não é mesmo? Dussel intensifica este conceito de rosto afirmando que este rosto que trata Lévinas, não pode ficar na abstração, pois para nós, ele tem nome, o vemos todos os dias: é o do pobre. E mais: não é qualquer pobre, é de um pobre específico, que lhe traz todo seu sofrimento, exploração, agonias... Agora, imagine-se olhando, do mesmo modo que anteriormente, mas, para uma criança desconhecida que está chorando de fome e que lhe pede algo de comer. É bem provável que sinta-se responsável por ela. Pode até atribuir esta responsabilidade a outros, contudo, naquele momento do olhar, sabe que és tu, responsável por ela. Isso ocorre, segundo Lévinas, porque temos desejo do infinito16. Desejo este que só se alimenta na relação concreta, no respeito à alteridade, no olhar e na relação responsável com o outro. Desta forma, todas as nossas relações pessoais passam a ter outro significado, passamos a respeitar o outro em sua totalidade, não importando quem seja. Quando nos damos conta desta responsabilidade que temos (e negávamos) por este outro, é conseqüência abrir-se para ele, sair de si e deixá-lo expressar-se, num ato de compaixão17. Se isso não é realizado, de nada adianta, a alteridade não é 15

Dussel chama de cara – a - cara, talvez a melhor tradução aqui seja olho – no - olho, se levado em consideração que ao olhar no olho de oura pessoa, enxergamos também seu rosto... 16 Resumidamente, desejo do sagrado que se opõe e desmistifica a “vontade de poder” Nietzscheana. 17 Sofrer com, sofrer junto à

respeitada. Para superar a ontologia, de forma ética não basta a constatação da existência do outro, enquanto diferente. Nem a constatação da nossa responsabilidade por ele. Mas tem que sair de si e ir até ele, num ato de escuta, gratuidade, compaixão, alteridade, dando-lhe a palavra e escutando-o de forma que sua palavra (com toda subjetividade, sobretudo quando oprimida) é encarada como verdade suprema. A única forma de ocorrer uma relação concreta é na alteridade e para que esta seja respeitada, a palavra é o principal meio de expressão, na relação rosto–a–rosto, no olhar. É neste momento da abertura ao outro, ao diferente, que ocorre a superação da dialética da dominação. A esta abertura, Dussel chama de analética. Portanto, a metafísica da Filosofia Latino Americana, é antes de qualquer outra coisa ética. Não preocupa-se mais com o ser, mas com a relação entre os seres, expondo assim, uma nova razão, a razão ética. Educar na e para a alteridade 3. Dimensões de Libertação Apontando caminhos de resoluções e reflexões, no decorrer de sua obra Dussel afirma que a libertação do ser humano, em todas as suas dimensões é justamente o respeito e afirmação de sua alteridade seja em sua filiação e educação: (pedagógica), seja com seus irmãos e concidadãos: (política), seja em sua relação afetiva: (homemmulher: erótica) ou ainda em sua relação com o absoluto: (arqueológica) e com a natureza: (poiética), de forma anti-fetichista. Ambas se complementam e não têm uma ordem determinada, ocorrem diariamente de forma complexa. Ter ciência da necessidade desta libertação é muito importante, mas é apenas o primeiro passo para que ela ocorra. Dussel nos mostra várias implicações que são apresentadas pelo cotidiano que são impossíveis de serem apenas ignoradas. Pretendo agora, refletir sobre como ocorre a dominação apenas na pedagogia e apresentar alguns caminhos de libertação a partir da leitura de conceitos que o filósofo apresenta.

3.1 Libertação Pedagógica A libertação pedagógica divide-se, ao menos aqui, por fins didáticos, em pedagógica-erótica18 no sentido de ser a relação de educador - educando e pedagógica–política: quando considerados o sistema de ensino, relação institucional educacional, etc. A segunda, (política) passa pela libertação política, que Dussel tem trabalhado recentemente, mas não vou desenvolvê-la, apenas citá-la, mantendo-me na pedagógica–erótica que é minha preocupação neste artigo. Um casal pode em seu ato de liberdade incondicional decidir ter um filho. A criança que nasce de uma família cuja mulher não tem sua alteridade respeitada (erótica) será oprimida, desde seu nascimento, começando, por exemplo, por levar o mesmo nome do pai ou avô, o que manifesta explicitamente a dominação e perpetuação do mesmo. Ou pior, pode ser negada antes de nascer, pelo aborto. Contudo, se não abortada, ela cresce e precisa ser educada. Mas seus pais, professores e educadores são mulheres e homens que geralmente não têm sua alteridade respeitada e não respeitam, portanto, a alteridade desta criança. Como pode ocorrer uma pedagógica de libertação? Para que ocorra, é necessária antes, uma libertação pedagógica que se dá no combate contra a alienação cultural e na conscientização do povo, do excluído, do oprimido, do pobre. A Filosofia da Libertação, além de política, é antes, pedagógica. Dussel nos aponta caminhos eficazes para que essa pedagógica erótica ou política seja de libertação e não de opressão, dominação e perpetuação do mesmo. É característico de uma pedagogia dominadora fazer crer que suas idéias é que são as verdadeiras, entre tantas outras (como a maiêutica socrática). Esta é a dominação pedagógica, querer instituir suas verdades como verdadeiras em detrimento de outras como mentiras, falsas, ou inválidas. Concretamente, no Brasil, na América Latina, o europeu chega e destrói nossas religiões, nossas línguas, nossas culturas, nossas formas de viver, como se nada fossem. E nos impõe o mesmo que ele é. Contudo, antes nos relacionávamos de forma respeitosa com a natureza, tínhamos simbologia própria. Mas imporam a nós o modo 18

Divisão copiada de Daniel Pansarelli.

deles se relacionarem com a natureza (do mesmo: a exploração, o domínio, etc...) e esta é incompatível com nossas origens e assim, ficamos entre o que éramos e o que eles são. Daí a farsa de dizerem que o Brasil é um país multi-cultural, multi-racial, ou coisa do tipo, mas não faz sentido algum. Pois ou realmente temos uma cultura que podemos definir e nos identificar como sendo uma marca preponderante de nosso povo, cultura da criatividade, por exemplo e não tomamos como nossa, devido a esta exploração; ou então, realmente a nossa cultura é múltipla, é o misto que nos constitui enquanto povo e podemos assumi-la assim, não como mistura das culturas centrais, mas como nossa cultura, que não fica nada aquém da européia. Na verdade, esquecemos (ou negamos) quem somos. Precisamos nos redescobrir, pois estão tomando nossa terra, o que nos era mais caro e mais valorizávamos, estamos entregando de bandeja. Como se daria esta libertação pedagógica? Dussel, ao longo de sua filosofia, nos propõe um caminho concreto, prático. Sem contudo, nos dar uma bula de como fazer. Estes caminhos apontados pela filosofia dusseliana são a partir da alteridade e por isso, podem ser úteis em qualquer realidade, porque são respeitadas as diferenças abrindose para o diferente. A libertação pedagógica ocorre em primeiro momento quando nós educadores, nos reconhecemos como oprimidos–sub–opressores, como diz Paulo Freire, parte da dominação e portanto: dominadores19. Depois, a consciência de que o mundo está dividido em centro e periferia e que fazemos parte da periferia e é a partir dela que temos que nos educar e educar aos nossos. A meu ver deve ser levado em consideração para uma educação libertadora que quando respeitamos a alteridade dos educandos antes de tentar ensiná-los algo, devemos aprender com eles: quem são e o que precisam saber? Assim, em salas de aula com 30, 40 e até 50 alunos, temos um grande desafio e é aqui que começa a aparecer a importância da pedagógica política, ou seja, o educador por si, pode fazer muito e se tiver uma ajudinha do sistema educacional instituído, por exemplo, será importante e eficaz para a educação como um todo, mas isso não justifica o que estamos vivendo: educadores preocupados apenas consigo e que se quer configuram 19

Aqui levanto a discussão, sem querer justificar como positiva, a rebeldia de muitos educandos contra seus educadores: somos, muitas vezes, a representação do poder instituído, do Estado, da conjuntura à qual determinado educando está submetido e é oprimido por ela.

uma classe e que não têm participação enquanto tal na elaboração, cobrança e prática de políticas publicas que efetivamente libertam. Ao contrário, o comum é vê-los corroborando20 com o sistema vigente que a cada dia vem perpetuando esta totalidade. Copiando táticas e estratégias norte-americanas (do centro) e aplicando-as à nossa realidade, por exemplo, acentuando cada vez mais a já drástica má-distribuição de renda e o abismo educacional existente entre a elite capacha da perpetuação deste projeto do mesmo e os excluídos, pobres, dominados por este. O educador conscientizado de que é parte da opressão e põe-se como aprendiz de seu educando, estabelecendo um vínculo concreto e responsável com ele, agora sim, pergunta-se: o que faço para ensinar-lhe? Como ensinar-lhe? O que posso ensinar-lhe? Desde minha época de escola (aproximadamente 1986-1998), percebi que: só aprendo efetivamente o que é de meu interesse e quando gosto do professor. Contudo, o currículo escolar é basicamente o mesmo. A escola continua ensinando esta mesma matemática, física, química, biologia, história, geografia... e as vezes até o idioma português como coisas abstratas que nada têm a ver com a realidade, que não tem utilidade alguma no dia-a-dia. Por isso, penso que é necessário auxiliar o educando a questionar-se sobre o que tem valor para ele e como ele pode projetar sua vida a fim de que possa contemplar estes valores. 3.2 O ser para um projeto Vivemos no presente, limitados pelo passado e desde o futuro. Explico: Nós vivemos o dia de hoje, pensando no amanhã, de acordo com o que queremos, com o que temos como objetivos, limitados pelas nossas condições atuais, que vieram de nossa história. Assim, como mudam nossos projetos, de acordo com a conseqüência de nossas escolhas no presente, nosso mundo não é um mundo estático, mas mutável: à medida que uma criança ou povo vai crescendo, os horizontes vão mudando. Quando dizemos que conhecemos algo, o conhecemos desde nossa situação atual, tendo em vista nossa história e nossos interesses, valores e projetos. Entretanto, pode ser – e 20

A simples omissão já é corroborar para a perpetuação do mesmo. Mas muitos educadores vão além e ao invés de esforçarem-se para propor soluções eficazes, atribuem a culpa aos educandos, à sociedade, ao governo e permanecem no comodismo.

normalmente é - que depois de algum tempo, já conceba aquela mesma realidade de outra maneira. Nosso presente só tem sentido se nos projetarmos para o futuro, se tivermos um projeto de vida, mesmo que este projeto mude constantemente, o que é natural. Se não tivermos objetivos na vida, nossa existência se limita ao presente e assim, não tem sentido. Somos seres imperfeitos e sempre seremos incompletos, sempre nos faltará algo. Este projeto deve estar de acordo com nossos interesses. 3.3 O que é Interesse? Nossa forma de relacionar-se com o mundo é existencial, de acordo com o que necessitamos. Interpreto tudo aquilo que está ao meu redor, inconscientemente, ou seja, quando vou de um lugar a outro vou interpretando o caminho, mas este processo de interpretação é espontâneo, cotidiano, acrítico, como quando estou com fome, vou à padaria, compro um pão e como. Sempre estamos interpretando tudo se tenho sede, quero água. Para isso devo ir até o bebedouro, para isso, devo levantar-me, ir por um caminho possível, apertar o botão... ao chegar ao bebedouro, beberei água, porque este é o sentido dele e é o que quero. Mas, poderia arrancá-lo dali e usá-lo como arma, por exemplo. O sentido é um que atribuo, dentre tantos possíveis, mas atribuí aquele determinado porque é o que tinha interesse. Mas, se estivesse em um protesto e quisesse algo para jogar em um vidro, por exemplo, seria outro interesse ao qual o bebedor seria válido. O sentido do bebedor, pra mim, agora é o de dar-me água, ou seja, de servir como mediação para matar minha sede. Assim, não vou pensar nele como uma arma. Isso acontece todos os dias conosco. Damos sentido para as coisas de acordo com nossos projetos, mas infinitas outras possibilidades nos passam desapercebidas porque a nós não têm valor. 3.4 O que é valor? Só damos valor ao que serve como mediação para nosso projeto. Para realizar meus projetos devo comprometer-me através de mediações. Para cumprir meu projeto

de ser filósofo, por exemplo, tenho que cumprir a mediação de estudar filosofia, fazer meu trabalho de conclusão, não reprovar, fazer filosofia... devo fazer tudo o que for necessário para ser filósofo. As coisas que dou valor diariamente são aquelas que servem para meu projeto. O que não tem valor pra mim, apenas ignoro. Muitas vezes, sequer nos questionamos sobre qual o nosso projeto e quando isso acontece pode ser que estamos vivendo projeto de outros, sem saber. Mas sempre somos projeto. E a compreensão cotidiana é o modo que vivemos este projeto. Modelamos este através de nossas escolhas diárias: se vou ao cinema, é porque não vou estudar, não vou assistir televisão, etc... O fato de ir ao cinema esta contemplando, por exemplo, meu projeto de entreter-me. A liberdade humana consiste nisso, em escolher. E toda escolha, traz renúncia de todas as possibilidades contrárias a ela. E o homem só é livre, porque nunca está completo, podendo assim, escolher a forma que vai constituir-se. Nós seres humanos, somos sempre um estar-sendo, nem na morte nos completamos, pois nesta, deixamos de ser apenas. Assim, é através das escolhas diárias que cada um de nós vai modificando seu projeto mediativamente, e este avança dialéticamente. A cada dia, somos mais responsáveis pelo que somos. Somos como o burro do conto, ao qual amarraram uma cenoura na cabeça, pendurada em um pau junto a seu pescoço. O burro andava para comer a cenoura, repetidamente, mas em vão, porque ele era quem a movia e quando ele avançava a cenoura avançava também, de modo que a distância entre ambos permanecia sempre a mesma(DUSSEL 1977, p.28)

Portanto, apesar de estarmos limitados por nossa história, cada um a cada dia, faz-se a si mesmo. E o que acontece quando não temos projetos? Quando não temos expectativas de vida? Quando não temos esperança? Vivemos o projeto de outros, muitas vezes, sendo usados, como objetos para a realização de projetos alheios.

4. Educar na e para a Alteridade: a partir de uma compreensão do Ser para um Projeto A meu ver para que o ensino brasileiro seja autêntico, no sentido de ir ao encontro de necessidades reais dos educandos, é necessária uma revolução no sistema de educação: primeiro nas relações político-econômicas que afetam a educação: repasse de verbas, corrupção; deixar de tratar a educação como comércio e produto, e os educandos como clientes, pois os que têm dinheiro para pagar são bem tratados e os que não têm, ficam com as sobras...; deixar de tentar implantar modelos eurocêntricos (e libertar-nos de uma vez) olhando para a nossa realidade, que é única e específica e têm necessidades e interesses próprios; em uma frase: que a educação seja vista como prioridade. Enquanto isso não ocorre, temos que nos organizar para exigi-lo e fazer o possível. Ainda hoje, o melhor local para educar é através da escola, através do sistema de ensino oficial. Está mudando, mas ainda é. Assim, o melhor meio para educarmos para a alteridade, é através da escola (ensino infantil, ensino fundamental, básico, superior... envolvendo os familiares dos educandos...). Entretanto, estaríamos na contra-mão do projeto de educação atual, que se não está esquecido há muitos anos, cumpre papel de domesticador político, educando-nos para a sociedade vigente (moderna). Portanto o educador é o principal responsável pela educação. Este deve, por compromisso ideológico, conciliar as obrigações do sistema (e currículo de ensino vigente) com o que ele pensa ser a educação ideal. Penso ser inaceitável que este indivíduo (o educador) que exerce uma função social – que é um serviço voluntário assalariado21 - seja indiferente à situação atual de crise na educação e na sociedade moderna. Se o educador não está feliz e/ou é contrário à situação pedagógica atual, este por compromisso e meio para realização de seu projeto de ser bom educador22, deve engajar-se. Tanto politicamente (sobretudo, por meio de uma classe organizada para interferir eficaz e democraticamente na pedagógica política), quanto esforçar-se em

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Ou alguém é obrigado a ser educador? E se não tiver este projeto deve retirar-se do ensino.

acompanhar a linguagem de seus educandos, interessar-se por eles, pois só assim poderá efetuar vínculo autêntico. Entenda-se por linguagem tanto o vocabulário, quanto os meios utilizados, tais como estilos musicais, tipo de filmes, seriados, roupas, afazeres... Procurar conhecê-los. Após criar-se um vínculo saudável, efetivo e conhecido um pouco sobre seus educandos fica mais fácil a abordagem de temas de interesse destes, com linguagem comum e que possibilite a comunicação entre educador e educando. Dinâmicas como o simulado do tribunal, exposição de situaçõesproblemas, jogos lúdicos e de interatividade auxiliam muito para uma educação áltera. O motivo pelo qual o educador está na atividade é a chave de uma educação de boa ou má qualidade. Se está pelo salário (empregabilidade,...) as chances de ser bom educador são poucas. Agora, se está porque faz parte de seu projeto existencial e a ele tem valor o ato de educar, ou seja, se o educador realmente acredita no processo educativo e na sua importância neste processo, dificilmente não será um bom educador. Entretanto, é necessário que este saiba quem é, onde está situado, quem pretende educar, porque educar e o que educar.

EDUCAR EN LA Y PARA LA ALTERIDAD: A PARTIR DE LA COMPRENSIÓN DEL SER CÓMO PROYECTO EN UNA LECTURA DE LA FILOSOFÍA DE LA LIBERACIÓN DE ENRIQUE DUSSEL

Hugo Allan Matos23 RESUMEN: Tengo la intención de indicar un camino a seguir para que la relación entre el educador y los educandos sea eficaz y favorable a la tan hablada construcción de lo conocimiento. Hago una reseña de antecedentes para localizar a las personas en la lectura del contexto histórico en que esta enseñanza se inserta y abordo algunos conceptos centrales de la filosofía de la liberación dusseliana que creo que son esenciales para su comprensión. Palabras-clave: Modernidad, totalidad, alteridad, pedagógica, ser-proyecto. REFERENCIAL TEÓRICO DUSSEL, Enrique D. Introduccion a una filosofia de la liberación latinoamericana. Colección Latinoamericana 4. Ed. Extemporâneos. D.F. México. 1977.

23

Estudiante del octavo semestre de licenciado en Filosofía de la UMESP, miembro del Centro de Estudios de Filosofía Latinoamericana (NEFILAM) y miembro del Centro de Investigación en Filosofía con los Niños (NEFIC). Correo electrónico: [email protected]

MANCE, Euclides André. Uma Introdução Conceitual às Filosofias de Libertação.Revista Libertação -Liberación / Nova Fase - Curitiba, IFIL, Ano 1, N.1, 2000, p.25-80.

www.milenio.com.br/mance/umaint.htm

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