Egito e Oriente Próximo: Quem é quem nas Cartas de Amarna

July 5, 2017 | Autor: Priscila Scoville | Categoria: Egyptology, Ancient Near East, Amarna Letters, Ancient Egyptian History, Ancient Egypt, Egito Antigo
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ISSN: 2359-1072

Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

EGITO E ORIENTE PRÓXIMO: Quem é quem nas cartas de Amarna Priscila Scoville

RESUMO: Os estudos a cerca do Egito faraônico comumente o isolam do mundo antigo, centrando-se em práticas a cultos internos, sem maiores contatos e trocas com um panorama externo e mais amplo. Contudo, quando as Cartas de Amarna foram encontradas, pesquisadores do mundo todo puderam entender, ao menos um pouco, sobre como eram feitas as negociações diplomáticas na antiguidade. A chamada XVIII dinastia inicia um período de expansão e hegemonia do poder egípcio. Batalhas e alianças foram fomentadas na região, estabelecendo, assim, relações diplomáticas entre os povos nilótico e asiáticos. Procurando entender os padrões de escrita e de conduta presentes nas correspondências, este trabalho visa expor quais eram os reinos do Oriente Próximo mais influentes e como era feito seu contato com o Egito. Para tanto, utilizaremos as Cartas de Amarna, para, a partir delas, apontar o mundo conhecido no Oriente Próximo. PALAVRAS-CHAVE: Antigo Egito; Oriente Próximo; Relações Diplomáticas.

EGYPT AND NEAR EAST: Who is who in the Amarna Letters ABSTRACT: The studies about Ancient Egypt generally isolate it from the ancient world, focusing on internal practices and cults, without further contacts and exchanges with an external and wider panorama. However, when the Amarna Letters were found, researchers from all around the world could understand, at least a little, about how the ancient diplomatic negotiations where made. The eighteenth dynasty began a period of territorial expansion and Egyptian hegemony. Battles and alliances were promoted in the region, thus, providing diplomatic relations between the Asians and Nilotic peoples. By trying to understand the writing and behavior patterns in the letters, this paper aims to expose which were the most influential kingdoms of the Near East and how the relations with Egypt where made. Therefore, we will use the Amarna letters, to point the known world in the Near East. KEYWORDS: Ancient Egypt; Near East; Diplomatic Relations.

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Mestranda em História na Universidade Federal do Paraná, membro do NEMED, bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

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Egito e oriente próximo: quem é quem nas cartas de Amarna

A

s Cartas de Amarna trouxeram à luz um complexo sistema diplomático presente no mundo antigo. Graças a elas, pudemos conhecer um pouco sobre as trocas políticas, culturais, religiosas e

sociais feitas entre o Egito e o Oriente Próximo. Contudo, para que possamos entender os tratados é necessário conhecer os territórios aos quais as correspondências se referem. Para tanto, este texto tem como objetivo apresentar, de forma breve, como é feito e quais são os reinos em contato com o Egito. Na introdução de seu livro, Cohen e Westbrook já nos lembram que, por nossa visão em retrospectiva ser limitada, não podemos saber exatamente como as relações aconteciam na antiguidade, havendo uma dificuldade em identificar as tendências mais marcantes 1. Podemos ver as consequências antes das causas, o que muitas, senão todas, vezes interfere em nossas análises. É preciso, então, que nós entendamos alguns conceitos do mundo moderno que foram apropriados aqui para aplicarmos ao mundo antigo. Uma das coisas necessárias que clareemos é o que entendemos como sendo o Oriente Próximo. De acordo com Van de Mieroop, a expressão era usada durante o século XIX para identificar o que restaria do Império Otomano na margem oriental do Mar Mediterrâneo. Apesar de os limites geográficos serem chamados atualmente de Oriente Médio, muitos arqueólogos e historiadores utilizam “Oriente Próximo” em suas pesquisas, tratando-o como a região física. Os limites, porém, não são bem estabelecidos e cada autor define sua área 2. Aqui, consideramos como fronteira a região entre a Babilônia e a Anatólia, como no mapa da imagem 1. Dito isso, é interessante lembrar que para os antigos essa noção de “Oriente Próximo” não existia. As negociações transitavam pelo mundo conhecido, que se estendia pouco além dos limites apontados acima, chegando ao sul da Europa, por exemplo.

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COHEN, Raymond & WESTBROOK, Raymond (ed.). Amarna Diplomacy. The beginnings of international relations. Baltimore: The John Hopkins University Press, 2002, p. 5. 2 VAN DE MIERROP, Marc. A History of the Ancient Near East ca. 3000-323 BC. 2ª edição. Oxford: Blackwell, 2007, p.1.

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Outra coisa que precisamos esclarecer antes de continuar é a ideia de diplomacia. Hoje, entendemos que as relações diplomáticas são ligadas às internacionais, contudo, como sabemos, o conceito de nação surge somente no início da Idade Moderna, muito ligado ao contexto político. Nesse sentido, o conceito de Estado aparece como o setor administrativo de uma nação, que por sua vez é entendida como uma sociedade, estabelecida em determinado território, que compõe uma “unidade étnica, histórica, linguística, religiosa e/ou econômica” 3. Tais noções, como já apontado, não existiam no mundo antigo e, portanto, devemos ter isso em mente para evitar entendimentos equivocados. Então, ao falarmos de diplomacia, neste trabalho, referimo-nos aos atos tomados por governantes em prol de seu território e interesse, além de servir como uma ferramenta para o processo de criação de um império4. Neste caso, as ações diplomáticas podem ser analisadas a partir das Cartas de Amarna, tanto através do discurso, quanto pelo conteúdo expresso – como listas de presentes e requisições. Não cabe a este trabalho analisar o discurso por trás das correspondências, contudo devemos entender um pouco sobre os padrões diplomáticos estabelecidos para a escrita e comportamento.

Imagem 1: Mapa do Oriente Próximo em c. 1350 AEC. Disponível em: . Acesso em: 13/03/2015

3

SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009, p.308. 4 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond, Op. Cit., 2002, pp.10-11.

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As Cartas Em 1887, na cidade de Tel el-Amarna, antiga Akhetaten, foi encontrado um conjunto de tabletes com escritas em cuneiforme. Essas correspondências, chamadas de Cartas de Amarna, foram trocadas entre governantes egípcios e vizinhos e são datadas entre os últimos anos do reinado de Amenhotep III (c. 1390 – 1352 5) e os primeiros anos do governo de Tutankhamon (c. 1336 - 1327). Os temas mais recorrentes são casamentos diplomáticos, trocas de presentes e declarações de amizade6. Segundo Moran, essas correspondências podem ter sido, inicialmente, encontradas em expedições clandestinas 7 e com o passar dos anos outros fragmentos foram sendo encontrados. Em 1907, quando J. A. Kunudtzonpublica o primeiro volume de “Die El-Amarna-Tafeln”, 358 tabletes eram conhecidos. Knudtzon organizou-os cronológica e geograficamente, em um sistema utilizado até hoje com a sigla “EA”. Após 1907, mais 24 tabletes foram encontrados. Com exceção dos EA80, EA81 e EA82, os tabletes encontrados após a publicação de Knudtzon foram analisados por Anson F. Rainey, em 19708. Somente em 1992, Moran publicou a tradução destas cartas em inglês, fato que possibilitou o trabalho de outros pesquisadores, uma vez que, até então, a única forma de saber o conteúdo das cartas era conhecendo o cuneiforme. Em seu livro, Moran nos traz todas as cartas até então encontradas, com exceção de 32 tabletes que provavelmente foram usados para o aprendizado de escribas. Para esse texto, então, utilizaremos a versão proposta por Moran. A grande maioria das cartas foi recebida pelos egípcios, tendo como remetentes reis da Babilônia (EA1 - 14), da Assíria (EA15 - 16), de Mitani (EA17, 19 30), de Arzawa (EA31 - 32), de Alashia (EA33 - 40) e de Hatti (EA41 - 44), além de regiões da sírio-palestina e locais submetidos ao poder egípcio, como, por exemplo, 5

Como as datas podem variar de acordo com cada autor, neste trabalho usaremos a datação proposta em SHAW, Ian & NICHOLSON, Paul. British Museum Dictionary of Ancient Egypt. Londres: British Museum Press, 1995. 6 COELHO, Liliane. O Egito e seus vizinhos: relações de poder nas cartas de Amarna. IN: BIRRO, R. M. & CAMPOS, C. E. da C. (org). Relações de Poder: da Antiguidade ao medievo. Vitória: Departamento de Línguas UFES, 2013, pp.1-24. 7 MORAN, William L.The Amarna Letter.Baltimore: The John Hopkins University Press, 1992, p. xiii. 8 Idem,pp.xiv-xv

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Amurru, Biblos, Shechem, Kadesh, Damasco, Ugarit e ‘Apiru. Por isso, apesar de todas estarem em cuneiforme, algumas cartas apresentam variações de escrita, adaptados aos moldes locais. O cuneiforme já havia sido implantado na Síria cerca de mil anos antes das Cartas de Amarna, na metade do terceiro milênio AEC, sendo muito usado na Acádia e na Suméria. No início do segundo milênio AEC, o cuneiforme se espalhou e babilônico havia se tornado a língua principal das relações diplomáticas. Na alta Mesopotâmia e ao oeste desenvolveu-se um dialeto local, que foi levado a Anatólia, formando a base do cuneiforme hitita. Na Síria, por sua vez, houve a influência semita e hurrita. Apesar da maioria das cartas estarem escritas em babilônico (a EA15 está em assírio; EA24, em hurrita, EA31 - 32, em hititia) algumas palavras da tradição mais antiga sobrevivem apenas na língua culta. A tradição mais nortenha, Hurro-Acadiano, é encontrada em cartas da Assíria (EA6), de Mitani (EA17, 19 - 23, 25 - 30), de Hatti (EA41 - 44), de Ugarit (EA45 - 49), de Nuhashshe (EA51), de Qatna (EA52 - 55) e de Amurru (EA156 - 61, 164 - 71)9. Estruturalmente, porém, as cartas são parecidas. Começa-se revelando o destinatário e o remetente, normalmente na seguinte forma: “Diga para [...]. Assim disse [...]”. Em alguns casos (EA5, 31 e 41) a ordem aparece invertida, apresentando o remetente antes do destinatário. Em seguida são feitas as saudações: reporta sobre o governante e seu território (exceto nas EA 15 - 16) e expressa os desejos para o endereçado. Deste modo, o início das cartas segue o modelo do exemplo a seguir: Diga para Naphurereya [Akhenaton], rei do Egito, meu irmão, meu genro, que eu amo e que me ama. Assim disse Tushratta, rei de Mitani, seu sogro, que te ama, seu irmão. Para mim tudo vai bem. Que tudo vá bem para você. Para sua família, para Tiye, sua mãe, a senhora do Egito, para TaduHeba, minha filha, sua esposa, para o resto se suas esposas, para seus filhos, para seus magnatas, para suas bigas, para seus cavalos, para suas topas, para suas terras e para qualquer coisa mais que lhe pertença, que 10 tudo vá muito, muito bem .

O corpo do texto é menos estereotipado, podendo ser uma carta de envio, que reporta itens que estão sendo enviados; uma carta de injunção, que possui um ou mais 9

Idem, pp.xvii-xx. Trecho da carta EA28, Tradução própria, do inglês. MORAN, William. Op. Cit. 1992, pp.90-91.Original no British Museum, número de catálogo 37645, disponível em: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?searchText= 37645&ILINK|34484,|assetId=411074&objectId=317825&partId=1 (acesso: 16/03/2015). 10

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pedidos; ou uma carta combinada – mais comum –, que tanto aponta itens enviados como solicita algo. A predominância de cartas combinadas nos ajuda a compreender o modo como aconteciam as relações entre os reinos. A aliança de irmandade11 tornava os governantes irmãos, membros da mesma família e casa, e, portanto, iguais. Assim, o sistema tornou-se policultural, uma sociedade em quem culturas diferentes coexistem em termos igualitários12. Contudo, nem todos os reinos recebem o mesmo tratamento. Havia um grupo de reinos, aqui identificados como (Clube dos) Grandes Poderes, que se sobressaíam aos outros. O sistema de Amarna não é o primeiro a tratar os assuntos diplomáticos, mas é o primeiro a ser usado em todo o Oriente Próximo com termos igualitários e responsabilidades, além de ser único sistema policultural viável. É por isso, então, que optamos pelo uso destas correspondências para identificarmos e refletirmos sobre os Grandes Poderes e seus submetidos no Oriente Próximo.

Clube dos Grandes Poderes O período entre o os séculos XVI e XII AEC é referido, em termos políticos, através do Clube Grandes Poderes, uma vez que a região foi dividida entre alguns governantes, que chamavam uns aos outros de “Grande Rei” e “irmão”, usando termos como “irmandade” para descrever seu relacionamento. A princípio os reinos que se destacavam eram Babilônia, Hatti, Mitani, Assíria. O Egito só entrou para esse grupo após as campanhas de Tothmés III (c. 1479 – 1425) o levarem até o Eufrates e conquistarem Canaã. Além deles, os reinos de Arzawa, na Anatólia, e Alashiya, no Chipre, aparecem como locais independentes, que não faziam parte da irmandade, mas tampouco eram dependentes dela13. Dos quatro Grandes Poderes iniciais, a Babilônia talvez seja o nome mais conhecido pela sociedade em geral nos dias atuais. O nome é dado para a região do sul da Mesopotâmia e foi usado politica e geograficamente desde os tempos de 11

É importante ter em mente que o termo irmandade, aqui, não tem qualquer relacionamento com preceitos religiosos, apenas refere-se a uma ligação fraternal, como irmãos. 12 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond.Op. Cit. 2002, p.10. 13 Idem, pp.6-8.

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Hammurabbi(c. 1792 - 1750) até a era cristã. A região norte da Babilônia foi conhecida de Acádia enquanto a sul chamava-se Suméria. Por isso, a frase “terra da Suméria e Acádia” foi bastante usada para referir-se ao local14. Nas Cartas de Amarna, porém, os nomes de Karaduniyash e Shanhar também aparecem como opção. A Babilônia não dispunha de muitos materiais, precisava importar metais, pedras e madeira. Talvez por isso o Egito tenha enviado grandes quantidades de objetos em ébano e ouro para lá, como podemos ver, por exemplo, na carta EA5: Eu recentemente ouvi que você está construindo novos quartos. Eu estou, com isso, te enviando alguns móveis para sua casa [...] Com isso, eu te envio, a cargo de Shutti, presentes para sua nova casa: 1 cama de ébano revestida com marfim e ouro; 3 camas de ébano revestidas em ouro; 1 urushshu de ébano revestido em ouro; 1 grande cadeira revestida em ouro; 5 cadeiras de ébano revestidas em ouro; 4 cadeiras de ébano revestidas em ouro. Estas coisas, o peso de todo o ouro: 7 minas, 9 shekels [unidade de peso] de ouro. O peso de prata: 1 mina, 8 1/2 shekels de prata. Adicionalmente, 10 escabelos de marfim cobertos com ouro; [trecho 15 danificado] [...] 10 e 7 shekels de ouro .

Hatti é um reino fundado pelos hititas na parte oriental da Anatólia, algumas vezes chamado pelo nome de sua capital, Hattusha16. Os reis hititas promoveram expedições ao sul e ao leste, saqueando a Babilônia, conquistando a região norte da Síria e entrando em conflito com Egito, Assíria e Mitani17. Em c. 1400, o poder hitita se fortaleceu, iniciando o que chamamos de “Reino Novo Hitita” ou “Império Hitita”18. Foi nesse período, que Hatti passou a fazer parte dos Grandes Poderes. As relações com o Egito, a partir do governo de Akhenaton19, parecem ter sido problemáticas, como vemos nas cartas. E agora, como o tablete que você enviou para mim, por que você colocou seu nome sobre o meu? E quem agora é o que desaponta o bom 14

BIENKOWSKI, Piotr & MILLARD, Alan (ed.). British Museum Dictionary of the Ancient Near East. Londres: British Museum Press, 2000, pp.44-45. 15 Trecho da carta EA5, enviada por Amenhotep III. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit., 1992, pp.10-11. Original no British Museum, número de catálogo 29787, e no Egyptian Museum of Cairo, número de catálogo 12195. Fragmento disponível em: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=274 101&partId=1&searchText=29787&page=1 (Acesso: 16/03/2015) 16 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.). Op. Cit., 2002, p.7. 17 SHAW, Ian & NICHOLSON, Paul (ed.). Op. Cit., 1995, pp.130-131. 18 BIENKOWSKI, Piotr & MILLARD, Alan (ed.). Op. Cit.,2000, pp.146-147. 19 Não temos cartas enviadas para Amenhotep III, apenas para possivelmente Akhenaton,Tutankhamon ou Smenkhkare. Sabemos, porém, que Akhenaton diminuiu os padrões de relacionamento com os reinos vizinhos, por isso, acreditamos que, quando as cartas referem-se ao modo como “seu pai” o tratava, o remetente esteja falando de Amenhotep III, apesar de não termos alguma forma de comprovar.

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relacionamento entre nós, e tal conduta é uma prática aceitável? Meu irmão, você escreveu para mim pensando na paz? E se você é meu irmão, por que você exaltou o seu nome, enquanto eu, por minha parte, me passo 20 por um corpo? .

Localizada na região ao nordeste da Mesopotâmia, a Assíria por algum tempo foi submetida ao governo de Mitani, mas, no período das Cartas de Amarna, além de ter se libertado, havia se estabelecido com um dos Grandes Poderes do Oriente Próximo. As relações da Assíria aparentemente não foram muito tranquilas. Seu governante fazia reclamações sobre a Babilônia (mais tarde acertaram-se por meio de um casamento diplomático), e, anos mais tarde, Hatti não a aceitava como um Grande Poder, uma vez que ambos competiam e se desentendiam tentando controlar o antigo território de Mitani21. Contudo, apesar de um pedido por mais ouro, o relacionamento com o Egito foi mais pacífico, havendo apenas duas cartas disponíveis. Uma delas nos revela o primeiro contato da Assíria com o Egito: Diga para o rei do Egito. Assim disse Ashshur-uballit, o rei da Assíria. Para você, para sua família, para suas terras, para suas bigas e suas tropas, que tudo vá bem. Eu enviei meu mensageiro para visitar você e visitar suas terras. Até agora, meus predecessores não escreveram, hoje eu escrevo para você. Eu te envio uma bela biga, 2 cavalos, e 1 pedra de datação de genuína lápis-lazúli, como seus presentes. Não atrase o mensageiro que eu enviei para visitá-lo. Ele deve visitar e então voltar aqui. Ele deve ver como 22 você é e como são suas terras, e então voltar aqui .

Também chamada de Nahrin e Hanigalbat, Mitani formou-se a partir de um grupo hurrita, no norte da Síria, entre os rios Tigre e Eufrates. Apesar de ser um reino pouco conhecido nos dias de hoje, teve um papel de grande importância na antiguidade. Quando Tothmés III expandia a área de hegemonia egípcia, Mitani precisou resistir, havendo, então, embates entre os reinos23. Contudo, as divergências entre os reinos acabaram a partir de um casamento diplomático. Assim, no tempo das Cartas de Amarna, Mitani e Egito eram grandes aliados. As correspondências encontradas foram enviadas por Tushratta e endereçadas para Amenhotep III ou

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Trecho da carta EA42. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit., 1992, pp. 115-116. Original no Vorderasiatische Teil do Staatliche Museen zu Berlin, número de catálogo VAT 1655. 21 COHEN, Raymond & WESTBROOK, Raymond (ed.). Op. Cit., 2002, p.7. 22 Carta EA15. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit., 1992, pp. 37-38. Original no Metropolitan Museum of Arts, número de catálogo 24.2.11. Disponível em: http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/544695 (Acesso: 16/03/2015) 23 FREU, Jacques. Histoire du Mitanni. Paris: L’Harmattan. 2003, p.55.

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Akhenaton (com exceção da carta EA26, enviada para Tiye, esposa de Amenhotep III e mãe de Akhenaton). Aparentemente, o grande poder de Mitani, segundo Bryan, fez com que referências a ele somente aparecem no Egito após o ano 33 de reinado de Tothmés III, e a aliança só fosse estabelecida anos mais tarde, no governo de Amenhotep II (c. 1427 – 1400), quando Mitani passa a ser representada como uma força estrangeira, não mais como cativos ou com butins24. Ao escrever a longa carta EA29, Tushratta os revela sobre a trajetória dessa união, para tentar reverter a situação: Do começo de meu governo, desde que Nimmureya [Amenhotep III], seu pai, foi escrever para mim, ele escreveu várias vezes sobre paz. [...] Quando ele [pai de Amenhotep II] escreveu pela sétima vez, então sobre tanta pressão ele [avô de Tushratta] entregou ela [princesa mitânia].Quando Nimmureya, seu pai, escreveu para Shuttarna, meu pai, e pediu por uma das filhas de meu pai, minha própria irmã, ele escreveu 3, 4 vezes, mas ele não a entregou. Quando Nimmureya, seu pai, escreveu para mim e pediu por minha filha, eu não neguei. [...] e quando eu recebi seu dote, eu a enviei. E o dote que Nimmureya, seu pai, enviou, era sem comparações [...] E assim Nimmureya, seu pai, não permitiu que em nenhum caso, nem mesmo um, aflição fosse causada. [...] Mas quando eu vi que o ouro que o próprio Nimmureya tinha prometido, não era ouro e não era sólido [...] então eu estava em ainda maior dor. Além disso, os artigos que Nimmureya, meu irmão, me deu, meu irmão [Akhenaton] diminuiu drasticamente. [...] Agora, que meu irmão envie as estátuas de ouro sólido e maciço, que meu irmão me envie prontamente muito ouro que não tenha sido trabalhado. Seu pai meu concedeu estátuas de ouro. 25 Por que para você é tanta aflição?

Além disso, muitas das cartas de Tushratta reclamam da maneira como Akhenaton se porta perante as relações entre os reinos. Diversas cartas pedem para que ele cumpra com o combinado. A carta EA26, enviada para Tiye (que comentamos anteriormente), é um reflexo disso. Tushratta pede para que a rainha interfira no governo de seu filho. Tiye ainda aparece referenciada em outras cartas de Tushratta, nas quais o rei mitânio pede para que Akhenaton ouça as palavras de sua mãe. Tiye, sua mãe, sabe todas as palavras que eu faleicom seu pai. Ninguém mais as sabe. Você deve perguntar para Tiye, sua mãe, sobre elas, para que ela possa te dizer26.

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BRYAN, Betsy M. The 18th dynasty before the Amarna Period (c. 1550- 1352 BC) IN: SHAW, Ian. The Oxford History of Ancient Egypt. New York: Oxford University Press, 2003, pp. 238-245. 25 Trecho da carta EA29. Tradução própria do inglês. MORAN, William L. Op. Cit., 1992, pp.9299.Original no Vorderasiatische Teil do Staatliche Museen zu Berlin, número de catálogo VAT 271, mais fragmentos 1600, 1618-20, 2192, 2194-97. 26 Trecho da carta EA28. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit, 1992, p.91.Original no British Museum, número de catálogo 37645. Disponível em:

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Reinos independentes Os reinos Alashiya e Arzawa, não pertenceram aos Grandes Poderes, mas tampouco eram subjugados a estes. O reino de Alashyia aparece como uma grande fonte de cobre no Chipre27, o que possibilitou a expansão do contato e das relações com os outros reinos – garantindo sua independência. São comuns os tratado com Babilônia, Hatti, Levante e Egito, por exemplo28. Agora eu envio meus mensageiros a você. Eu também envio com meus mensageiros 100 talentos [unidade de medida] de cobre. Ademais, que seus 29 mensageiros agora tragam-me algumas mercadorias .

Arzawa era um reino de tamanho médio, localizado na costa sul da Anatólia, ao oeste da zona de influência hitita30. Existem somente duas cartas referentes a essa região, das quais uma é enviada por Amenhotep III e a outra é a resposta recebida por ele. As cartas negociam um casamento diplomático, para estabelecer laços de sangue entre os reinos. Aparentemente, essa iniciativa egípcia visava garantir a lealdade de Arzawa, por meio de uma aliança, para evitar o fortalecimento do poder hitita 31. Eu enviei para você Irshappa, meu mensageiro, com as instruções: “Deixe-nos ver a filha que eles irão oferecer para minha majestade em casamento”. E ele irá derramar óleo na cabeça dela 32.

Reinos subordinados A maior parte das Cartas de Amarna é composta por reinos submissos ao poder egípcio na região Sírio-Palestina. A grande área de influência egípcia, todavia, dificulta o controle sobre os locais de seu domínio, havendo conflitos entre eles. As http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=317 825&partId=1&searchText=37645&page=1 (Acesso: 16/03/2015). 27 COHEN, Raymond & WESTBROOK, Raymond (ed.). Op. Cit., 2002, pp.7-8. 28 BIENKOWSKI, Piotr & MILLARD, Alan (ed.). Op. Cit.,2000, p.11. 29 Trecho da carta EA34. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit, 1992, pp.105-106. Original no British Museum, número de catálogo 29789. Disponível em: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=274 290&partId=1&searchText=29789&page=1 (Acesso: 16/03/2015). 30 COHEN, Raymond & WESTBROOK, Raymond (ed.). Op. Cit., 2002, p.7. 31 MORAN, William L., Op. Cit, 1992, p.102. 32 Trecho da carta EA31. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit, 1992, p.101.Original no Museu Egípcio do Cairo, número de catálogo 4741 (12208) (informação presente em Moran, mas não confirmada).

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cartas apontam, por exemplo, que Jerusalém faz acusações contra Gezer, Shechem, Gath e Qiltu33. Por se tratar de um leque muito grande de regiões, optamos por abordar apenas algumas. ‘Apiru refere-se a senhores da guerra e salteadores dos terrenos montanhosos de Canaã. Por ser um grupo de mercenários, ‘Apiru não é um território propriamente dito, e, portanto, não pode ser um reino subjugado, mas é constantemente referenciado nas cartas34. No período das Cartas de Amarna, Amurru era liderado por ‘Abdi-Ashirta e seu filho, Aziru35. Apesar das constantes declarações que afirmavam sua lealdade, ‘AbdiAshirta começa a expandir o território de Amurru, a ponto de tornar-se uma ameaça aos interesses egípcios. Por esse motivo, enviou-se uma expedição atrás de ‘AbdiAshirta, capturando-o e levando-o para o Egito, onde, aparentemente, foi executado. Nesse momento, Aziru assume o governo de Amurru e convence ao faraó que seus interesses não conflitariam mais com os egípcios, aceitando, enfim, a supremacia egípcia sobre a região36. Para o Grande Rei, meu senhor, meu deus, meu sol: mensagem de Aziru, seu servo. Eu caio aos pés de meu senhor, meu deus, meu sol, 7 vezes e 7 vezes. Meu senhor, eu sou seu servo, e em minha chegada a presença do rei, meu senhor, eu disse de todas as minhas afinidades na presença do rei, meu senhor. Meu senhor, não escute aos homens traiçoeiros que me denunciaram na presença do rei, meu senhor. Eu sou seu servo para 37 sempre .

Contudo, Aziru estava, ao mesmo tempo, negociando com os hititas e fingindo defender as fronteiras do Egito. Eventualmente, após os egípcios desconfiarem de Amurru, Aziru declarou-se leal aos hititas38. A desconfiança pode ser notada, por exemplo, na carta que o próprio faraó envia para Aziru. Todas as coisas que você escreveu ainda não são verdade. [...] Por que você age assim? Por que você está em paz com o governante com o qual o rei está lutando? [...] Você não prestou atenção nas coisas que disse antes. 33

JAMES, Alan. Egypt and her vassals. IN: COHEN, Raymond & WESTBROOK, Raymond (ed.). Op. Cit., 2002, p.115. 34 Idem, pp.115-116. 35 BIENKOWSKI, Piotr & MILLARD, Alan (ed.)., Op. Cit.,2000, p.16. 36 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.)., Op. Cit., 2002, p.8. 37 Trecho da carta EA161. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit., 1992, p.247.Original no British Museum, número de catálogo 29818. Disponível em: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=317 675&partId=1&searchText=29818&page=1 (acesso 16/03/2015) 38 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.).Op. Cit., 2002, p.8.

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O que aconteceu com você entre eles que você não está do lado do rei, seu 39 senhor? .

Dentre todos os governantes que declararam lealdade ao Egito, Rib-Hadda, rei de Biblos, foi o mais próspero, tendo, inclusive, denunciado as ações de ‘Abdi-Ashirta e Aziru40. O Egito exerceu influência em Biblos durante muito tempo e em 400 AEC os nativos da região ainda representavam a antiga deusa da cidade como Hathor41. Biblos foi uma fonte de madeira para a construção de barcos e ataúdes, por exemplo. Nas cartas podemos ver pedidos de assistência militar, feitos pelo rei de Biblos42. Que o rei, meu senhor, saiba que Gubla [Biblos], a leal criada do rei, está sã e salva. A guerra, entretanto, das forças de ‘Apiru contra mim está extremamente severa, então, que o rei, meu senhor, não negligencie Sumur para evitar que todos se unam com as forças de ‘Apiru. [...] A guerra contra nós está extremamente severa, e então que o rei não negligencie 43 suas cidades .

Damasco, assim como Biblos, foi legitimamente leal ao Egito e por isso, e por ser uma das regiões mais ao norte, sofreu ataques de Amurru e Kadesh44. Nesse momento o poder hitita era cada vez mais forte e, cada vez mais, cidades se uniam a Hatti. Damasco, assim, pedia por ajuda e proteção egípcia, tentando resistir aos ataques. Eles continuam dizendo “nós somos servos do rei de Hatti”, e eu continuo 45 dizendo “eu sou um servo do rei do Egito”. Arsawuya [rei de Ruhizzi ] foi para Kissa, capturou algumas das tropas de ‘Aziru, e capturou Shaddu. Ele os entregou para os ‘Apiru e não os entregou ao rei, meu senhor. [...] Que o rei de fato esteja em contato com seu servo. Que o rei não abandone seu 46 servo .

Kadesh era governado por Aitukama e era o território mais ao norte sob a influência egípcia. Entretanto, como pudemos ver, a região aliou-se aos hititas e a Amurru para atacar os outros territórios egípcios. Anos mais tarde, foi em Kadesh em 39

Trecho da carta EA162. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit.,1992, pp.248-249. Original no Vorderasiatische Teil do Staatliche Museen zu Berlin, número de catálogo VAT 347. 40 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.).Op. Cit., 2002, pp.8-9. 41 ERMAN, Adolf. A Handbook of egyptian religion. Londres: Archibald Constable & CO. Ltd., 1907, pp.194-195. 42 BIENKOWSKI, Piotr & MILLARD, Alan (ed.). Op. Cit., 2000, p.62. 43 Trecho da carta EA68. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit., 1992, pp.137-138. Original no Vorderasiatische Teil do Staatliche Museen zu Berlin, número de catálogo VAT 1239. 44 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.).,Op. Cit., 2002, p.9. 45 Uma região sob o domínio egípcio que, também, aliou-se aos hititas. 46 Trecho da carta EA197. Tradução própria, do inglês. MORAN, William L. Op. Cit., 1992,pp.274275.Original no British Museum, número de catálogo 29826. Disponível em: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=274 103&partId=1&searchText=29826&page=1 (acesso 16/03/2015).

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que aconteceu a famosa batalha entre os hititas e o Egito47. Possuímos fragmentos de uma carta enviada pelo faraó a Kadesh, mas a leitura de seu texto torna-se quase incompreensível, com exceção de poucas frases. Na única carta que temos de Kadesh, o rei Etakkama declara-se servo egípcio e acusa Damasco de mentir para seu senhor. Meu senhor, eu sou seu servo, mas o maldoso Biryawaza passou a me difamar aos seus olhos, meu senhor, e quando ele estava me difamando aos seus olhos, em seguida, ele tomou toda a propriedade paterna juntamente com as terras de Qidshu [Kadesh], e botou minhas cidades em 48 chamas .

Outra região que traiu o Egito era Shechem, também chamada de Shakmu. Seu governante, Lab’ayu, expandiu suas terras entrando em conflito com os interesses egípcios, enquanto, ao mesmo tempo, declarava sua lealdade ao faraó. Lab’ayu, assim como o governate de Amurru, foi capturado pelos (ou a mando dos) egípcios, mas seus filhos continuaram com a política de seu pai49. Nas cartas, Lab’ayu explica que não é um reino rebelde e tenta justificar suas ações perante o faraó. Diga ao rei, meu senhor: mensagem de Lab’ayu, seu servo. Eu caio aos pés do rei, meu senhor. Como você escreveu para mim “Guarde os homens que tomaram a cidade”, como eu deveria guardar tais homens? Foi na guerra que a cidade foi tomada. Quando eu jurei minha paz e quando eu jurei os magnatas juraram para mim – a cidade, juntamente com meu deus, foi tomada. [...] Além disso, quando uma formiga está presa, ela não revida e morde a mão do homem que a prendeu? Como nesse momento eu posso mostrar deferência e depois outra cidade minha ser tomada? Por outro lado, se você também mandar, “caia, para que eles possam atacar você”, eu farei isso. Eu vou guardar os homens que tomaram a cidade e meu deus. 50 Eles são saqueadores de meu pai, mas eu vou guardar eles .

Ugarit, por fim, foi uma região importante na costa síria. Aparentemente, a região manteve-se leal ao Egito, contudo, poucos anos após as cartas, Ugarit foi absorvida pelos hititas e, portanto, fiel a Hatti51. As cartas estão fragmentadas, dificultando, ainda mais, nosso entendimento sobre a região e seus relacionamentos. Podemos ver nas correspondências, porém, que Ugarit destina presentes e desejos a 47

COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.).,Op. Cit., 2002, p. 9. Trecho da carta EA189. Tradução própria, do inglês. MORAN, William. Op. Cit., 1992, pp. 269-270. Original no Vorderasiatische Teil do Staatliche Museen zu Berlin, número de catálogo VAT 336. 49 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.)., Op. Cit. 2002, p. 9. 50 Carta EA 252. Tradução própria, do inglês. MORAN, William., Op. Cit., 1992, pp. 305 – 306. Original no British Museum, número de catálogo 29844. Disponível em: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=327 262&partId=1&searchText=29844&page=1 (acesso 16/03/2015). 51 COHEN, Raymond &WESTBROOK, Raymond (ed.),Op. Cit., 2002, p. 9. 48

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rainha, declara sua lealdade ao Egito, envia homens ao faraó, pede esclarecimentos e pede para que um físico seja mandado. Para o rei, o Sol, meu senhor. Mensagem de Niqm-Adda, seu servo: eu caio aos pés do rei, meu Sol, meu senhor. Que tudo vá bem para o rei, o Sol, meu senhor, sua família, sua esposa principal, para suas outras esposas, para seus filhos [...] Que meu senhor me dê dois atendentes, atendentes de palácio vindos de Kush. Dê-me também um atendente de palácio que seja 52 físico [conhecedores de práticas da medicina]. Não há físicos aqui .

Reflexões finais Por meio da leitura das Cartas de Amarna podemos observar alguns padrões na forma de escrita. Tais padrões, em especial nas correspondências trocadas entre os Grandes Poderes, nos induzem a imaginar uma região estável, de respeito e negociações mútuas. Entretanto, ao analisarmos o conteúdo escrito nelas, podemos perceber que a aparente estabilidade, na verdade, era delicada e frágil. Os Grandes Poderes cobravam, uns dos outros, deveres não cumpridos, enviando ameaças sutis. Ao questionar a amizade do rei, por exemplo, entendemos que a aliança pode ser desfeita, caso os governantes não demonstrassem vontade em agradar seus irmãos. No caso de Hatti e da Assíria, a insatisfação com o comportamento egípcio, mais especificamente de Akhenaton, fez com que seus governantes iniciassem expedições para aumentar seu território, crescendo militarmente e ameaçando aos demais reinos. Mitani, por outro lado, continuou enviando cartas de cobrança ao Egito, exigindo que Akhenaton não negligenciasse os acordos estabelecidos. Aparentemente, mesmo que Akhenaton não tenha agido em favor de Mitani após tantos pedidos, Tushratta não revoltou-se por medo, talvez, de uma invasão hitita, como de fato aconteceu poucos anos mais tarde. A instabilidade do sistema diplomático amarniano fica ainda mais visível nas correspondências trocadas com os reinos que se declararam leais em troca de proteção do Egito. Os padrões apontam que os servos deveriam afirmar se curvar perante o rei sete vezes e sete vezes mais, mas os textos expõem um contexto agressivo. Territórios teoricamente leais ao Egito lutavam entre si. Traidores aliados

52

Trecho da carta EA49. Tradução própria, do inglês. MORAN, William, Op. Cit., 1992, p.121. Original no Museu do Egípcio do Cairo, número de catálogo 4783 (12238) (informação presente em Moran, mas não confirmada).

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aos hititas atacavam os reinos que se recusavam a fazer o mesmo e mandavam cartas ao faraó alegando que as denúncias contra eles eram inválidas. Ao negligenciar as relações diplomáticas com os reinos vizinhos, sejam subordinados ou independentes, Akhenaton contribuiu para que a região do Oriente Próximo entrasse em conflito. Com a inconstância do faraó, os povos ao seu redor não sabiam se poderiam depender do Egito quando fosse necessário. Os pedidos de ajuda constantes apontam que o faraó não enviou o auxílio necessário nos tempos de guerra. A desatenção de Akhenaton fez com que o sistema entrasse em decadência, acentuando os embates entre as regiões. Contudo, o sistema diplomático amarniano continuou sendo usado por mais cem anos após as cartas. Podemos dizer, então, que, apesar da instabilidade, o sistema de Amarna trouxe uma noção de estabilidade, que possibilitou uma noção de paz para a região por cerca de dois séculos. Acreditamos que além de uma análise da diplomacia no sistema amarniano, com suas fraquezas e especificidades, é fundamental conhecer os atores políticos que cercavam o Egito nesse período. Tal conhecimento ajuda na compreensão de um contexto mais amplo. Deste modo, este artigo buscou apresentar uma visão didática da história egípcia inserindo-o em seu conjunto no Oriente Próximo, para, enfim, fomentar os estudos históricos no Brasil.

Fontes MORAN, William L.The Amarna Letter. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1992. SCHROEDER, Otto. Vorderasiatische Schriftdenkmäler der Königlichen Museen zu Berlin.Parte 11. Leipzig: J. C Hinrich, 1915. Disponível em: https://archive.org/stream/vorderasiatische1113knuoft#page/n5/mode/2up (acesso: 26/03/2015) Referências Bibliográficas BIENKOWSKI, Piotr & MILLARD, Alan (ed.). British Museum Dictionary of the Ancient Near East. Londres: British Museum Press, 2000. BRYAN, Betsy M. The 18th dynasty before the Amarna Period (c. 1550- 1352 BC) IN: SHAW, Ian. The Oxford History of Ancient Egypt. New York: Oxford University Press, 2003 Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com

COELHO, Liliane. O Egito e seus vizinhos: relações de poder nas cartas de Amarna. IN: BIRRO, R. M. & CAMPOS, C. E. da C. (org). Relações de Poder: da Antiguidade ao medievo. Vitória: Departamento de Línguas UFES, 2013. COHEN, Raymond & WESTBROOK, Raymond (ed.). Amarna Diplomacy. The beginnings of international relations. Baltimore: The John Hopkins University Press, 2002. ERMAN, Adolf. A Handbook of Egyptian Religion. Londres: Archibald Constable & CO. Ltd., 1907. FREU, Jacques. Histoire du Mitanni. Paris: L’Harmattan. 2003. MORAN, William L. The Amarna Letter. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1992. SHAW, Ian & NICHOLSON, Paul. British Museum Dictionary of Ancient Egypt. Londres: British Museum Press, 1995. SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009. VAN DE MIERROP, Marc. A History of the Ancient Near East ca. 3000-323 BC. 2ªedição.Oxford: Blackwell, 2007. Artigo recebido em: 30 de Março de 2015 Artigo aprovado em: 20 de Abril de 2015

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