Egressos do XI de agosto: Um estudo sobre a influência da política acadêmica nos destinos dos alunos de Direito

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S456 III Seminário Nacional sobre ensino jurídico e formação docente [livro eletrônico]/ Organização Adriana Sena... [et al.] . -- Belo Horizonte, MG : Relicário Edições, 2016. 1,5 MB. Vários autores ISBN: 978-85-66786-35-4 1.Direito – Estudo e ensino - Brasil.2. Seminários jurídicos. I. Sena, Adriana, [et.al].II. Título. CDD 340.07081

Revisão: Maria Fernanda Moreira Diagramação: Ana Fontes Coordenação editorial: Maíra Nassif Layout da capa: João Paulo Tiago

Egressos do xi de agosto

Um estudo sobre a influência da política acadêmica nos destinos dos alunos1 de Direito Caio Sartorelo Franco Maike Wile dos Santos Guilherme de Souza Meirelles Felipe Dias Gonçalves

RESUMO Este trabalho procurou levantar dados acerca de egressos do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Mais precisamente, seu foco dirigiu-se àqueles egressos que foram eleitos para integrar a gestão do Centro Acadêmico XI de Agosto (entidade política representativa dos alunos daquela instituição), entre os anos de 1984 e 2012. De um total de 334 integrantes das 29 gestões em questão, 103 puderam ser consultados (cerca de 31% do total). Os objetivos da pesquisa são (i) traçar um perfil objetivo desses antigos alunos em suas vidas profissionais subsequentes à graduação em Direito e (ii) vislumbrar, a partir da perspectiva dos próprios egressos, um entendimento acerca do valor formativo da política acadêmica em suas trajetórias, localizando-a no contexto mais amplo das atividades acadêmicas em geral. Para isso, o estudo – levado a cabo por um grupo de pesquisadores do Centro de Análise e Pesquisa em Educação Jurídica (CAPEJur-FDUSP) – utilizou-se de questionários elaborados e respondidos através da plataforma surveymonkey. A intenção é, de um lado, 1. O uso tradicional de pronomes masculinos para se referir a pessoas de ambos os sexos tem sido motivo de controvérsias. O masculino universal e neutro incomoda e, em trabalhos acadêmicos, diferentes estratégias têm sido adotadas frente a esse incômodo. Neste trabalho, usou-se o pronome “ele” e o masculino universal na maioria das vezes, e “ele ou ela” ocasionalmente (e, nesse sentido, outros substantivos e adjetivos). Fez-se isso para evitar confusões e tornar mais clara e econômica a escrita, referindo-se as expressões no masculino tanto a homens quanto a mulheres.

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trazer à tona a necessidade de maiores e mais sistemáticos estudos, na linha das pesquisas de egressos, para a evolução do debate nacional em torno da educação jurídica e da função desempenhada pelas faculdades de Direito no Brasil. De outro, pretende-se veicular uma primeira aproximação a um dos aspectos do problema: a relação da política acadêmica com a formação jurídica e com o destino dos egressos dos cursos jurídicos – ainda que o campo de estudo inicial restrinja-se a apenas um desses cursos. Aqui, apresentamos somente uma parcela das informações obtidas. Os dados completos estarão disponíveis para consulta e uso no endereço online do CAPEJur2. Palavras-chave: Egressos. Política acadêmica. Valor formativo. ABSTRACT This paper sought to collect data about law school graduates of the University of São Paulo Law School (FDUSP). More precisely, it focused on those graduates that were elected for the Centro Acadêmico XI de Agosto (the political entity charged with representing the students of that institution), between the years of 1984 and 2012. Out of a total of 334 members of the 29 administrations in question, 103 were consulted (approximately 31%). The objectives of the research are (i) to provide a concrete profile of these former students in their professional lives subsequent to their graduation from law school and (ii) to glimpse, from the point of view of the graduates themselves, an understanding about the formative value of student politics in their trajectories, locating it within the greater context of academic activities in general. For that, the study – executed by a group of researchers of the Centre for Analysis and Research on Legal Education (CAPEJur-FDUSP) – made use of questionnaires elaborated and responded to through the surveymonkey platform. The intention is, on the one hand, to bring forth the necessity of more constant and systematic studies with the same aim for the development of the national debate around legal education and the role of law schools in Brazil. On the other, we attempt a first approximation at one of the aspects of the problem: the relation between student politics, legal education and the fate of law school graduates – even though the initial field of research is only one of these schools. Here, we present only a part of the data obtained. The complete data will be made available for consultation and usage at CAPEJur’s online address. Keywords: Graduates. Student politics. Formative value. 2. Endereço online: http://capejur.com.br.

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1. INTRODUÇÃO E PANORAMA DA LITERATURA Não parece novidade que a política acadêmica, vista tanto de maneira ampla – como envolvimento de alunos de graduação nos debates sobre os rumos da universidade – quanto de maneira estrita – como participação nos processos eleitorais internos dos quais decorre a elevação de um determinado coletivo político à gestão dos centros acadêmicos das diversas faculdades brasileiras – desempenha um papel importante dentro da universidade. Também não é novidade que a política acadêmica feita dentro das faculdades de Direito tem apresentado, ao menos no Brasil, um destaque particular – o que é perceptível, por exemplo, pela quantidade de políticos de expressão nacional com formação jurídica e a porcentagem, entre eles, de antigos membros de agremiações político-acadêmicas3. Paralelamente, há um longo debate construído na literatura nacional acerca de diagnósticos variados sobre as funções das faculdades de Direito no Brasil e o papel desempenhado pelos egressos dessas instituições na sociedade. Disso, tem-se frequentemente entendido que a formação e a educação jurídicas têm influência direta nos rumos da sociedade e da política brasileiras, embora os contornos exatos dessa influência (aquela exercida pelas faculdades de Direito sobre os destinos de seus egressos e aquela exercida por estes sobre os destinos do país) não estejam sempre claros, e embora não haja em torno deles completo acordo. San Tiago Dantas, em aula inaugural proferida na Faculdade Nacional de Direito, em meados de 1955, examina o papel do Direito e da educação jurídica na cultura de uma comunidade. Segundo o autor, o Direito é uma das formas precípuas de controle de uma sociedade, sendo portanto pela educação jurídica que a vida social consegue se ordenar segundo uma hierarquia de valores, em que a posição de dirigente compete àqueles que dão à vida humana sentido e finalidade. O diagnóstico que fez, à época, relacionava a crise na classe dirigente brasileira à crise no ensino jurídico. Nesse sentido, propunha ele um movimento de restauração da supremacia da cultura jurídica e de confiança no Direito como técnica de controle do meio social (S. T. DANTAS, 1955, p. 14-15). Dessa forma, o papel das faculdades de Direito talvez fosse o de formar “técnicos do controle do meio social”. José Eduardo Faria, numa versão condensada de seu relatório sobre a reforma do curso jurídico apresentado à Comissão de Ensino da FDUSP em 1986, 3. A título de exemplo, e apenas para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP): Washington Luís, Júlio Prestes, Jânio Quadros, Ulisses Guimarães, Michel Temer, Fernando Haddad, entre outros.

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constata um crescente questionamento do ensino do Direito, identificando as razões dele na maneira como os conceitos de educação, sociedade e Estado eram transmitidos aos alunos (J. E. FARIA, 1986) – e isso em um contexto de mudança dos papéis dos juristas na sociedade moderna, principalmente na sua participação cada vez maior em movimentos políticos contestadores, por meio de sindicatos e movimentos comunitários ou populares4. O mesmo autor sinaliza no sentido de uma mudança, a partir da década de 1930, com a perda da centralidade das faculdades de Direito na formação de uma elite política, papel este deslocado para as faculdades de Economia, de Filosofia e de Ciências sociais (J. E. FARIA, 1981). Essa transição parece observável sobretudo no seio da própria Universidade de São Paulo – a maior e mais tradicional do país – em que o protagonismo (que para Faria está tanto no campo político quanto no da intelectualidade) dos egressos da Faculdade de Direito decai em favor daqueles advindos da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). No mesmo sentido, Sergio Adorno identifica como função central das faculdades de Direito a formação de quadros para a máquina estatal (ADORNO, 1988, p. 91). Lilia Moritz Schwarcz aponta forte tendência das elites brasileiras a enviar seus filhos para as faculdades de Direito com a intenção de encaminhá-los na vida (e então, como parte razoável desses herdeiros da elite ocupa naturalmente os ranques da política, os quadros estatais acabariam preenchidos, seja esse o objetivo das faculdades de Direito ou não, por indivíduos com formação jurídica) (SCHWARCZ, 2008, p. 142). Roberto Mangabeira Unger, consultado sobre a organização de uma nova faculdade de Direito no Brasil, em um projeto que resultou na criação do curso da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, propõe uma graduação jurídica organizada em “cinco currículos”. Em determinado trecho de seu memorando, o autor afirma: Entre as regras técnicas e as abstrações filosóficas, está o nível intermediário onde se colocam as questões cruciais da organização e da reorganização da sociedade. Neste nível está a vantagem comparativa do jurista. O direito é o lugar privilegiado 4. Nesse sentido, ver J. E. Faria, "A Reforma do Ensino Jurídico", Revista Crítica de

Ciências Sociais, v. 21, 1986, p. 47: “Entre outras razões porque, ao lado das suas preocupações de natureza profissional, muitos desses advogados também vão assumindo uma postura eminentemente política, engajados em movimentos sindicais, comunitários e populares, valendo-se dos aspectos ambíguos e contraditórios do direito positivo para uma ‘práxis libertadora’ das estruturas normativas, em prol de uma efetiva justiça material [sic]”.

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onde práticas e instituições se encontram com interesses e ideais, com toda a riqueza de uma realidade histórica e singular. Aproveitar essa vantagem comparativa é o objetivo do currículo das alternativas institucionais. (SCHWARCZ, 2008, p. 142)

Sob esse viés, o papel do jurista estaria, acima de tudo, no exercício da “imaginação institucional”, superando concepções estabelecidas e fazendo transformar-se, por dentro, o Direito, entendido como “a forma institucional da vida de um povo”. Dessa forma, caberia às faculdades de Direito oferecer uma formação que prepare os juristas para serem arquitetos institucionais. Esses são apenas alguns exemplos de trabalhos que abordaram o papel das faculdades de Direito e o impacto da formação em seus egressos. Se o diagnóstico varia o que permanece é uma constatação metodológica: apenas raramente essas diferentes abordagens preocuparam-se em argumentar com base em dados empíricos sobre o efetivo destino dos alunos nas faculdades de Direito. Não havendo, no Brasil, o costume – um pouco mais arraigado na tradição anglo-saxã – de se manter, nas próprias faculdades de Direito, um banco de dados mais ou menos atualizado acerca do paradeiro de seus egressos e de se prolongar no tempo o relacionamento desses egressos com suas almae matres, poucos trabalhos têm versado acerca do tema. Essa circunstância, conquanto em nada mitigue o valor dos trabalhos anteriores, indica um caminho novo de pesquisa: a saber, o levantamento de uma base de dados relevante (ainda que a princípio embrionária) reunindo informações em volume representativo acerca dos reais destinos dos egressos das faculdades de Direito. É nesse contexto que o presente trabalho se insere: havendo necessidade, em algum grau, de pesquisa empírica exploratória nessa área, intenta-se aqui um primeiro esforço no sentido de concentrar informações sobre egressos (ainda que apenas um grupo muito específico – aqueles que participaram da gestão de um centro acadêmico – e ainda que apenas em um contexto particular – a FDUSP). Pretende-se, através do exemplo inicial da FDUSP, tentar visualizar o que as faculdades de Direito efetivamente produziram e têm produzido por meio das pessoas que elas efetivamente formam, em vez de discutir-se aquilo que elas são concebidas para formar. Neste trabalho em específico, cujo interesse se restringe a um olhar interno lançado na direção da formação jurídica, pretendese esboçar o papel das atividades de política acadêmica como parte integrante do quadro mais amplo da educação jurídica. Há alguma incidência de um discurso relativamente difuso em se tratando dessa questão. Frequentemente se pretende que parte relevante do valor da formação jurídica esteja na política acadêmica experienciada dentro das faculdades de Direito. Na contramão, há quem afirme, sempre em um discurso difuso e

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externo ao âmbito acadêmico, que a política constitui verdadeiro empecilho ao bom transcurso da formação em Direito. Não se tem notícia, ainda, de qualquer esforço sistemático no sentido de enfrentar esses discursos, nem de se entender como a política acadêmica ajuda (ou atrapalha) a formar juristas a partir da perspectiva de seus atores. Com isso, também pouca luz tem sido jogada sobre o processo pelo qual a faculdade de Direito forma quadros políticos ou gestores para o Estado. Esta pesquisa tem a ambição de articular uma primeira tentativa de desenvolver um estudo com esse intento, no sentido de (i) fornecer um perfil objetivo dos egressos das faculdades de Direito (novamente, focando-se em um grupo específico de egressos e no universo específico de uma faculdade) e (ii) procurar entender o quão importante foi a formação proporcionada pela participação na política acadêmica (ao menos no plano da percepção desses egressos). Adiante, na porção metodológica do trabalho, esses dois planos aparecerão de maneira mais detida e articulada. Por fim, vale dizer que esta pesquisa é tributária de um projeto maior, ainda em execução, levado a cabo pelo Centro de Análise e Pesquisa em Educação Jurídica (CAPEJur-FDUSP) em parceria com o Núcleo de Metodologia de Ensino da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (NME–Edesp). O projeto busca traçar o perfil profissional dos alunos egressos de faculdades de Direito paulistas, entendendo o tipo de influência e impacto que teve nele a formação jurídica a que estiveram expostos. 2. METODOLOGIA E RECORTE Como já se afirmou, nem as experiências anteriores de pesquisa, nem as próprias faculdades de Direito brasileiras se preocuparam especificamente em coletar e organizar dados acerca dos alunos egressos. Essa limitação – que, aliás, se alastra de maneira geral pela maioria dos cursos superiores do Brasil, não se restringindo aos de Direito5 – faz desta pesquisa, necessariamente, um trabalho de cunho exploratório. Sendo preciso, primeiro, proceder às primeiras coletas sistemáticas de dados em torno da questão central – o perfil e o paradeiro dos egressos das 5. Nesse sentido, recentes esforços de recolher informações sobre egressos de variados cursos superiores, envidados da Folha de São Paulo, através de seu “Ranking Universitário Folha” (RUF), encontraram dificuldades com o escasso volume de dados disponíveis, conforme afirma recente reportagem que tratou sobre uma pesquisa desse tipo conduzida nos Estados Unidos da América. Disponível online em: http://abecedario.blogfolha.uol.com.br/2014/12/04/mentortriplica-chance-de-aluno-ser-bem-sucedido/. Acesso em: 18 nov. 2015.

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faculdades de Direito –, seu escopo limita-se ao esboço majoritariamente quantitativo dessas duas circunstâncias. Daí decorre a escolha pelo método do survey, dos questionários relativamente curtos que permitem maximizar o número de respondentes e assim garantir aos pesquisadores o domínio sobre um conjunto mínimo de dados básicos. Futuramente seguido de um estudo qualitativo, a partir de entrevistas com uma parcela dos seus respondentes6, este estudo encontra-se ainda inserido em um projeto mais abrangente, em colaboração entre o CAPEJur-FDUSP e o NME-Edesp, cujo escopo engloba os egressos das faculdades de Direito de uma maneira geral. Ainda em curso, essa pesquisa maior procura construir, de fato, uma primeira base de dados de aspiração universal para o debate em torno dos egressos do Direito e do impacto das faculdades de Direito nas carreiras jurídicas. Visto isso, passa a fazer sentido que a presente pesquisa – largamente tributária daquela – possa preocupar-se com um enfoque mais especializado e estreito, lidando pontualmente com apenas uma das problemáticas suscitadas pelo debate. A preocupação especial com os egressos que fizeram parte da política acadêmica se justifica, levado em conta o levantamento bibliográfico esboçado na introdução, pela relativa ubiquidade do diagnóstico que, na literatura pertinente, liga frequentemente os alunos formados pelas principais faculdades de Direito do Brasil às elites políticas nacionais e aos rumos do país. No intento de investigar a pertinência e os moldes efetivos dessa ligação, parece importante examinar a relação estabelecida entre a sociedade na qual são desaguados aqueles alunos e a política que é feita no seio das próprias faculdades que os formaram. Sobretudo, parece adequado entender que papel desempenham na sociedade, depois de formados, aqueles que se destacaram na política acadêmica daquelas faculdades. A opção pelo estudo inicial dos egressos da FDUSP explica-se, de um lado, pela centralidade dessa instituição, tanto como modelo em nível nacional para os cursos jurídicos, quanto como alma mater de porção considerável dos políticos de maior expressão no Brasil, entre os quais grande parte de seus presidentes da República7. Do outro, explica-se pela própria possibilidade de coleta de um volume mais representativo de dados, dada a própria composição do grupo de pesquisa, que é vinculado àquela faculdade. 6. De modo a constituir, quando terminado o projeto, um esforço de pesquisa multi-method, com componentes de vocação quantitativa e qualitativa, panorâmica e aprofundada. Por multimethod research, em sua aplicação ao projeto em curso, entendemos, em linhas gerais, o mesmo que NIELSEN, Laura Beth. “The need for multi-method approaches in empirical legal research”. In: CANE, Peter; KRITZER, Herbert M (eds.). The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Oxford University Press, 2010, p 951-975. 7. Ainda que, evidentemente, a maior parte deles tenham sido presidentes da República Velha.

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A restrição da pesquisa àqueles que efetivamente participaram da gestão do Centro Acadêmico XI de Agosto se justifica, novamente, em dois planos. Em abstrato, o interesse imediato é por aqueles que mais se destacaram na política acadêmica, já que se pode supor que – ao menos na média – seu sucesso se tenha replicado também fora da universidade (e para isso de fato aponta o grande número de políticos de expressão, por exemplo, entre os ex-presidentes do XI de Agosto). Em concreto, o universo quantitativo em que se desenrola a coleta de dados é mais preciso se considerados apenas os eleitos. Isso porque, ao contrário da miríade de partidos, coletivos e agremiações políticas em geral que já se lançaram em tentativas (mais ou menos sérias) de controlá-lo, o XI de Agosto mantém, através de seus anuários junto à Faculdade de Direito, o registro de todos os nomes de seus ocupantes, bem como seus respectivos cargos, ano a ano. Desse modo, é possível saber precisamente a extensão da base de dados com que se lida – e, portanto, aferir melhor a representatividade das informações coletadas. Também é possível realizar buscas muito mais consistentes por aquelas pessoas, para que tomem parte como respondentes. O recorte temporal – o intervalo entre os anos de 1984 e 2012, que inclui os dois extremos – tem também suas razões. Fixa-se 1984 como o ano de partida por datar dali o novo e atual “Estatuto do XI de Agosto”, documento que estabelece as regras do jogo político dentro da instituição – entre elas o número de cargos de gestão e a previsão dos “conselheiros fiscais”, que são eleitos no mesmo pleito como membros externos às chapas concorrentes, mas que constam dos anuários, sendo considerados para os efeitos da pesquisa como parte da gestão. O ano de 2012 é o último analisado por ser o ano mais recente em que há, entre os membros da gestão, uma maioria de efetivos egressos, isto é, uma maioria de membros da gestão que não são ainda alunos de graduação na FDUSP. O recorte adotado resulta em um total de 334 egressos, já descontadas as reeleições daqueles que integraram por mais de uma vez a gestão do centro acadêmico. Dos 334, contamos com 103 respondentes (a maioria dos quais respondeu ao questionário por completo), correspondendo a amostragem a pouco menos de 31% do universo de pesquisa. Em que pese a impossibilidade de generalizar os resultados da pesquisa para os egressos das faculdades de Direito brasileiras em geral, ao menos para o grupo escolhido, o levantamento apresenta, portanto, relevância estatística – sobretudo se considerada a uniformidade do espaço amostral e dos resultados obtidos.

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3. O FORMULÁRIO DE PESQUISA O questionário a que responderam os pesquisados divide-se grosso modo em duas partes. Uma primeira, cujo objetivo é fundamentalmente estabelecer um “perfil objetivo” dos egressos, coletando informações básicas a seu respeito, e uma segunda, focada nas percepções daqueles egressos acerca do valor da política acadêmica em sua trajetória formativa na faculdade de Direito. A primeira parte articula-se a partir da questão: “quem são e o que fazem os egressos?”. A segunda parte articula-se em uma pergunta fundante e duas perguntas derivadas. A pergunta fundante é formulada através da indagação: “sob a ótica da percepção dos egressos, a política acadêmica possui valor formativo?”. As perguntas que dela derivam procuram lançar luz sobre a natureza desse valor e entender como esse valor se compara às demais facetas e atividades da vida acadêmica. Em síntese8, o perfil objetivo dos egressos inclui, para cada um deles, informações sobre: a data de nascimento, o gênero, a raça/etnia, o ano de formação em Direito (ou a falta dessa formação), a afiliação ou não à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o município e a unidade da federação de residência antes e depois da graduação em Direito, a formação complementar (ou sua ausência), a instituição de atuação profissional (definida como aquela instituição à qual o egresso consagra mais tempo em sua vida profissional), a intenção (ou não) de mudar de carreira no futuro próximo, o número de eleições disputadas e o número de eleições vencidas para o centro acadêmico, para o Diretório Central dos Estudantes9 (DCE) e para a União Nacional dos Estudantes (UNE), além os cargos exercidos nas eventuais gestões. A seção do formulário destinada a averiguar a percepção dos egressos sobre o valor formativo da política acadêmica, por si só e comparada às demais atividades acadêmicas desempenhadas ao longo da faculdade, contém outras perguntas. Entre elas, estão: as que pedem por uma avaliação de impacto da política acadêmica na formação dos egressos (se de impacto positivo ou negativo, ou ainda se de pouco impacto relevante), as que exigem a classificação comparativa do impacto da política acadêmica (se mais importante, se menos importante, ou se de igual importância) relativamente a outras cinco atividades acadêmicas típicas da graduação em Direito (aulas do currículo disciplinar, participação em grupos de pesquisa, atividades de cultura e extensão, clínicas ou núcleos de prática 8. O formulário completo, bem como as diferentes opções de resposta objetiva e a indicação das questões de resposta aberta, estará disponível online, no mesmo endereço em que publicaremos a tabela com a base de dados construída e utilizada. Aqui, apenas uma visão panorâmica sobre o questionário é oferecida. 9. Entidade representativa dos alunos da Universidade de São Paulo de maneira geral.

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jurídica e estágios profissionais), além do principal motivo percebido daquele impacto positivo ou negativo (que variam do desenvolvimento de habilidades até o estabelecimento de uma rede de contatos). 4. PERFIL OBJETIVO DOS EGRESSOS Superadas as questões metodológicas, neste ponto pretendemos traçar um breve panorama sobre o perfil do egresso de política acadêmica. Tal panorama será articulado a partir da questão: “quem é e o que faz o egresso?”. Para responder a essa questão, tem-se em vista as respostas às questões objetivas elencadas no survey e exploradas na porção metodológica deste trabalho. Isso nos fornecerá elementos objetivos do perfil do egresso, que será analisado posteriormente à luz do valor percebido da política acadêmica como parte de sua formação. Para isso, tais dados serão apresentados de duas formas: (i) mediante gráficos com os dados individuais (e. g., dados referentes ao gênero dos egressos) e (ii) mediante gráficos com dados cruzados (e. g., dados cruzando o gênero dos egressos com o número de gestões). Quanto a (i), serão apresentados dados referentes ao gênero dos egressos, sua cor/etnia, número de gestões no CA XI de Agosto, se participaram da gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE), se têm algum tipo de formação complementar, o tipo de instituição em que trabalham e, por fim, o chamado “fluxo migratório”. Quanto a (ii), serão apresentados dados cruzando o gênero dos egressos com o ano em que se formaram, com o número de gestões e a instituição em que trabalha, além de gráficos cruzando a instituição em que trabalha com o ano em que se formaram e com o número de gestões. Começamos com os gráficos referentes a dados individuais. Esse gráfico divide os egressos de acordo com seu gênero. Dos respondentes, 73% são homens e 27% são mulheres. Esses números correspondem a uma leve distorção, desfavorável à categoria “mulheres”, uma vez que em termos do total de postos políticos no centro acadêmico ocupados no período abrangido (380 postos), pouco mais de 30% (117) estiveram ocupados por pessoas do gênero feminino. Esse dado inclui ocorrências de repetições de uma mesma pessoa em mais de um cargo, já que o que parece mais relevante é o número total de vezes em que mulheres ocuparam cargos de gestão, e não necessariamente o número exato de mulheres (embora esse dado também seja interessante). No gráfico a seguir, a parte externa diz respeito aos respondentes, e a interna, aos números totais.

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Figura 1 – Gênero dos respondentes x gênero dos ocupantes dos cargos de gestão

De maneira geral, há domínio masculino na política acadêmica. Esse dado será melhor trabalhado quando cruzado com outros dados, tais como o ano da gestão, o número de gestões e a instituição de trabalho. Quanto à cor/etnia do egresso, há um predomínio maciço de brancos (84%), seguido por pardos (8%) e amarelos (3%). Vale destacar que nenhum respondente se declarou negro.

Figura 2 – Cor/etnia dos respondentes

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Este gráfico, por sua vez, diz respeito ao número de gestões de que o egresso fez parte. O limite mínimo, por óbvio, é apenas uma gestão. Dos respondentes, o limite máximo foi de três gestões. A maioria participou de uma ou duas gestões (48% e 40%, respectivamente), e uma pequena parcela (12%) participou de três gestões.

Figura 3 – Número de gestões por respondente

Parte dos egressos, além de participarem do Centro Acadêmico XI de Agosto, também participaram do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Apenas 9% dos respondentes participaram do DCE, além do Centro Acadêmico XI de Agosto. A esmagadora maioria (91%) participou apenas da gestão do Centro Acadêmico. Diversos egressos, além da graduação em Direito, têm algum tipo de formação complementar. Dos respondentes, 50% têm mestrado, 30% têm doutorado e 8% têm pós-doutorado. 14% desses egressos têm outra graduação, e 19% têm algum outro curso de especialização.

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Figura 4 – Formação complementar dos respondentes

A instituição de trabalho do egresso é um outro aspecto desta pesquisa. O gráfico a seguir traz os valores numéricos de egressos atuantes como autônomos, em departamentos jurídicos de empresas privadas e de órgãos públicos, em empresas privadas em função não jurídica, em escritórios de advocacia, em instituições de ensino privadas e públicas, em ONGs, em órgãos do poder judiciário, órgãos estatais de litigância ou órgãos públicos em função não jurídica, e em movimentos sociais.

Figura 5 – Instituição de trabalho principal dos respondentes

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A maioria trabalha em escritórios de advocacia (32%), seguida por órgão público em função não jurídica (15%). Carreiras acercadas ao judiciário brasileiro, como em órgãos do Poder Judiciário e em órgãos estatais de litigância (a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Advocacia Geral da União e as diversas procuradorias, por exemplo), também aparecem com alguma expressão. As respostas restantes são bastante difusas. Chama atenção o fato de apenas um dos respondentes trabalhar com movimentos sociais. Em seguida, alguns cruzamentos dos dados obtidos apresentam-se como interessantes. Um primeiro gráfico correlaciona o gênero dos respondentes e o número de gestões integradas por eles. Nota-se que há predominância masculina independentemente do número de gestões. Quanto àqueles que fizeram uma ou três gestões, a proporção de mulheres corresponde a aproximadamente 1/3 do total. Quanto àqueles que fizeram duas gestões, aproximadamente metade eram mulheres.

Figura 6 – Gênero dos respondentes x número de gestões integradas pelos respondentes

É possível correlacionar também o gênero dos egressos com a instituição em que trabalham. Nos escritórios de advocacia, 82% dos respondentes são homens. Nos departamentos jurídicos de órgãos públicos ou de empresas privadas, e nos movimentos sociais, todos os respondentes são homens. As mulheres são maioria atuando como autônomas (80% dos respondentes), apenas. Nos órgãos estatais de litigância, representam 44% do total de respondentes.

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Figura 7 – Gênero dos respondentes x instituição de trabalho principal dos respondentes

Em seguida, a instituição de atuação profissional dos egressos passa a ser relacionada com seu ano de formação. Nota-se que, com o passar dos anos, as possibilidades de atuação parecem cada vez mais difusas, com múltiplas opções para o egresso. Essa observação deve ser relativizada em certa medida, entretanto, pelo fato de que egressos formados mais recentemente compõem uma parcela proporcionalmente maior na amostra, donde há uma pequena distorção.

Figura 8 – Instituição de trabalho principal dos respondentes x ano de formação dos respondentes

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Como última ilustração desta etapa basicamente descritiva, trazemos a seguir o “fluxo migratório” apresentado pelos respondentes. Em primeiro lugar, figuram as cidades de origem dos egressos em questão. Depois, as cidades em que esses egressos radicaram-se após a graduação em Direito. Como a localização geográfica da FDUSP sugere e o próprio volume da população paulistana impõe, a cidade de São Paulo é, ao mesmo tempo, o maior ponto de origem e de destino desse fluxo. Origem:

Figura 9 – Município de residência dos respondentes antes da graduação em Direito

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Destino:

Figura 10 – Município de residência dos respondentes após a graduação em Direito

A princípio, a população dos egressos em São Paulo pareceria extremamente estável, sendo alterada em apenas um egresso de “ponto de origem” para “ponto de destino”. Uma análise, não dos números totais, mas dos fluxos de deslocamento, entretanto, revela a cidade como tendo forte atração sobre egressos originários do interior paulista, ao mesmo tempo em que cede alguns de seus moradores originais apenas (em quantidades minimamente expressivas) para Rio de Janeiro e Brasília – o que, em si, pode ser objeto de interessante estudo. À esquerda, a origem, e, à direita, o destino dos egressos após a graduação em Direito pela FDUSP:

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Figura 11 – Fluxo de respondentes

O VALOR FORMATIVO DA POLÍTICA ACADÊMICA Terminado o breve panorama do perfil objetivo dos egressos, resta debruçar-se sobre o valor percebido da política acadêmica como parte de sua formação. Para tanto, adotamos duas sortes de abordagens. Em primeiro lugar, apresentamos os dados referentes ao valor formativo da política acadêmica de maneira geral – para todos os respondentes, indistintamente. Nesse ponto, os dados coletados dizem respeito ao impacto percebido da política acadêmica na formação – negativo, positivo, ou pouco relevante –, aos motivos percebidos desse impacto e ao valor percebido comparado da política acadêmica com outros tipos de atividade formativa. Assim, tentamos oferecer os primeiros elementos de resposta à questão fundante da pesquisa – aquela referente à existência ou à inexistência de um valor formativo da política acadêmica (sempre no plano subjetivo, na perspectiva e percepção do próprio egresso) – e às suas duas questões derivadas, sobre

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a natureza (ou motivo) desse valor e sobre a relação de comparação entre esse valor e o valor percebido das demais atividades acadêmicas. Em segundo lugar, perseguimos duas hipóteses simples, ambas com a intenção de identificar eventuais recortes dentro do recorte – isto é, de identificar grupos específicos de egressos que apresentem perfis destoantes da média geral. Aqui, a variável analisada é sobretudo a dos motivos percebidos do valor da política acadêmica. Em síntese, o que se quer é verificar se esse valor formativo é diferente para diferentes grupos de egressos. A primeira hipótese é, em um recorte de gênero, que há uma diferença na percepção do valor formativo entre homens e mulheres. A segunda, agora em um recorte que poder-se-ia chamar de reincidência, é a de que há também uma diferença na percepção de egressos que participaram de um número diferente de gestões (há egressos eleitos para uma, duas, ou mesmo três gestões durante sua trajetória acadêmica). Todos os 103 respondentes posicionaram-se acerca do impacto da política acadêmica em sua formação. Perguntados sobre se esse impacto fora positivo, negativo ou se houvera pouco impacto relevante, a quase totalidade (99 egressos) optou por “impacto positivo”, restando 4 egressos para os quais houve pouco impacto relevante. Nenhum egresso dentro do recorte sob análise considerou como negativo o impacto da política acadêmica em suas trajetórias formativas.

Figura 12 – Impacto percebido da política acadêmica na formação dos respondentes

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Esse dado tem um aspecto interessante e outro problemático. De um lado, fica claro que aquele discurso difuso e ubíquo entre quase todos os estudantes de Direito10, segundo o qual o aspecto central de suas formações seria preenchido pela política acadêmica, encontra ressonância nos egressos do curso mesmo muitos anos após a formatura. Nesse sentido, pode-se argumentar com alguma força que a política acadêmica apresenta definitivamente algum valor formativo, e que essa é uma percepção perene e bastante uniforme. Por outro lado, o dado é problemático porque não revela a natureza de um tal valor – que poderia, por exemplo, ser ínfimo (ainda que positivo). Justamente por isso a pesquisa procurou promover uma aproximação à natureza daquele valor através de sua qualificação e de sua comparação com atividades geralmente reconhecidas como parte importante da formação jurídica. Cada um dos 99 respondentes optando por “impacto positivo” foi instado, em seguida, a eleger um “motivo principal” daquele impacto – em outras palavras, eleger o principal ganho adquirido, como parte da formação jurídica, por meio da política acadêmica. As opções disponíveis foram o “contato com questões políticas relevantes” (alternativa elaborada com o fito de dar vazão àqueles que consideram que o aspecto mais importante da política acadêmica tenha sido a política em si, seus resultados e lições), o “desenvolvimento de habilidades de trabalho sob pressão e com alta exposição pública”, o “desenvolvimento de habilidades interpessoais” (como as capacidades de negociação e trabalho em grupo), o “desenvolvimento de responsabilidade”, o “estabelecimento de uma rede de contatos” (isto é, o chamado networking) e a opção “outra” (neste caso, o respondente declara por extenso sua “razão do impacto positivo”).

10. Essa observação é feita tanto com base nas máximas de experiência de qualquer pesquisador que tenha frequentado os círculos políticos da graduação em direito da Universidade de São Paulo quanto nas entrevistas exploratórias realizadas previamente à realização dos questionários definitivos.

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Figura 13 – Principal motivo percebido do impacto positivo

A parte predominante das respostas (83%) concentra-se, portanto, nas três primeiras categorias. Nesse sentido, há que se indagar se habilidades interpessoais e de trabalho sob pressão, bem como a reflexão sobre questões relevantes da política – todas as quais são identificadas, pelo próprio número de respostas, como importantes para a formação do futuro bacharel – não são desconsideradas ou, no mínimo, negligenciadas pela estrutura curricular da faculdade de Direito. Uma tamanha ênfase na política acadêmica como veículo para o desenvolvimento dessas habilidades pode querer dizer apenas que esse se trata de um espaço bastante privilegiado para o seu cultivo – mas pode, do contrario, sinalizar também uma deficiência relativa do curso, que não ofereceria outras vias para o mesmo tipo de aprendizado. Acerca disso, talvez novos estudos, mais aprofundados, possam ser realizados. Por fim, os respondentes puderam ainda fazer uma avaliação da importância formativa da política acadêmica em suas trajetórias em comparação com outras atividades normalmente desenvolvidas na faculdade, ou ao menos durante o período de graduação. As atividades disponíveis consistem em: “aulas do currículo disciplinar”, “participação em grupos de pesquisa”, “atividades de cultura e extensão”, “clínicas ou núcleos de prática jurídica” e “realização de estágios”. Sobre isso, uma explicação preliminar faz-se necessária. Das referidas atividades, apenas as aulas e o estágio desfrutam, já desde muito tempo, de grande reconhecimento social e institucional. As outras três, ainda que sempre tenham, de alguma forma, existido, apenas recentemente (ao longo da década de 2000) 41

vieram a receber um estatuto próprio, com uma organização bem definida e com reconhecimento oficial como atividades acadêmicas pela própria faculdade (por exemplo, por meio da atribuição de créditos). Até então, a participação dos alunos do curso da FDUSP tendeu a ser menos regular e mais informal do que aquilo que se verifica hoje em dia. Essas circunstâncias – considerada a faixa temporal ao longo da qual espalham-se os respondentes – talvez expliquem parcialmente (i) a variação no número de respostas, já que, embora todos os respondentes tenham feito comparações entre a política acadêmica e outras atividades, nem todos o fizeram para todas as outras cinco atividades, abstendo-se em relação a algumas delas – o que ligar-se-ia ao desconhecimento de sua própria existência; e (ii) o baixo valor relativo constatado para essas atividades entre aqueles que às compararam à política acadêmica – esse explicável, provavelmente, pelo baixo índice de organização dessas atividades à época da graduação de boa parte dos respondentes. Nem por isso, entretanto, deixa de saltar aos olhos o resultado observado.

Figura 14 – Comparação da importância formativa percebida da política acadêmica com as demais atividades acadêmicas

Em contraste com todas as demais atividades, a política acadêmica, como demonstra a linha verde do gráfico acima, aparece consistentemente como “mais importante” para a formação do egresso na opinião da maioria dos respondentes. Somando-se a isso, o segundo maior número de avaliações é, também para todos os casos, o da opção que considera a política acadêmica como tendo a 42

“mesma importância” do que as demais atividades. A opção “política acadêmica foi menos importante” é a menos sufragada em todos os casos. Ainda que as considerações anteriores não nos permitam concluir claramente sobre uma relativa desimportância (no nível da percepção dos egressos) das atividades de pesquisa, extensão e clínica e prática jurídica, duas ordens de observações se fazem possíveis. Em primeiro lugar, os resultados unem-se àqueles referentes ao impacto (majoritariamente positivo) da política acadêmica na formação dos estudantes para confirmar a coerência do discurso que propõe essa mesma política acadêmica como ponto nevrálgico da vida estudantil na faculdade. Para o bem ou para o mal, a conclusão provisória e sujeita à confirmação para a qual esta pesquisa aponta é a de que a política acadêmica possui um estatuto muito especial como atividade formativa – o que há de ser estudado mais a fundo, se o objetivo é, como tem sido para boa parte da literatura no assunto, entender a função e os produtos das principais faculdades de Direito no Brasil. Em segundo, salta aos olhos a manutenção de patamares elevados (ao menos comparativamente às atividades que não a própria política acadêmica) de consideração do valor formativo (i) das aulas regulares, o que faz interessante contraste com a crítica corrente aos excessivos dogmatismo e formalismo da didática jurídica no Brasil, e sobretudo na tradicional FDUSP; e (ii) do estágio, atividade que, ainda que legalmente integrada à formação acadêmica, é objeto de muito pouco controle efetivo pelas instituições de ensino – e notadamente na FDUSP – e desenvolve-se em ambientes externos à própria faculdade. Em sua totalidade, esse conjunto de dados permite vislumbrar um início de resposta à questão acerca da natureza e das características precisas do valor formativo da política acadêmica. Com efeito, transparece que a política acadêmica é comparável (e favoravelmente comparável) a outras atividades largamente reconhecidas como parte da formação jurídica, do ponto de vista de seus participantes. Transparece, ainda, que nela há espaço para o desenvolvimento de certas habilidades identificadas como importantes para a formação do jurista. A essas considerações, contudo, parece interessante adicionar duas, relativas às “hipóteses menores” do trabalho. Em uma primeira hipótese, imaginamos que perfis diferentes pudessem surgir entre grupos de egressos com diferentes índices de ligação com a gestão do centro acadêmico. Em síntese, o que se pretendeu testar foi a eventual relação entre um maior número de gestões de que fez parte o egresso e tipos específicos de motivos para o impacto positivo da política acadêmica em sua formação.

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Figura 15 – Principal motivo percebido do impacto positivo x número de gestões integradas pelos respondentes

A ideia principal era a de que, para aqueles que participam de mais de uma gestão, o valor percebido da política acadêmica se deslocaria gradualmente da aquisição de habilidades ou de uma rede de contatos, indo alojar-se na “política stricto sensu”, ou na ideia de “participação no debate político” – opção que se procurou contemplar através da alternativa “contato com questões políticas relevantes”. Para testá-la, produzimos a comparação entre egressos com uma, duas e três passagens pela gestão, que pode ser sintetizada no gráfico acima. A princípio, o ligeiro mas perceptível aumento da participação dos egressos que integraram três gestões na alternativa “contato com questões políticas relevantes” (esse grupo representa 10% dos que responderam “desenvolvimento de habilidades interpessoais” e 12% dos que responderam “desenvolvimento de habilidades de trabalho sob pressão”, havendo um salto para 18% na alternativa “contato com questões políticas relevantes”) indicaria nessa direção. Da mesma forma, consideradas apenas as respostas dos integrantes de três gestões, 42% (5) fixam-se sobre esta última alternativa, contra 25% (3) em cada uma das duas outras principais. Essa impressão é, entretanto, desconfirmada ao se perceber que, tanto em um como no outro critério, os respondentes que fizeram parte de apenas uma gestão escolheram a alternativa “contato com questões políticas relevantes” mais frequentemente do que aqueles que estiveram em duas gestões. Esse dado, por si só, inviabiliza a hipótese aventada.

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A quantidade de egressos participantes de três gestões, além disso, parece pequena demais para permitir conclusões. Por fim, a própria alternativa escolhida parece ser de definição demasiado vaga, o que pode fazer com que nem todos os respondentes a tenham encarado com o mesmo sentido que a ela atribuímos, o que consistiu em uma das falhas do questionário. Trata-se, portanto, de uma hipótese que não pode ser confirmada, e sobre a qual pesam sérias dúvidas. Diferente sorte teve a segunda hipótese inicialmente veiculada, segundo a qual haveria provavelmente uma diferença não trivial na qualificação do valor da política acadêmica quando contrastadas as respostas de homens e mulheres. Conforme anteriormente exposto, considerada a totalidade das respostas obtidas, 30% dos egressos identificam no desenvolvimento de habilidades interpessoais a principal fonte do impacto positivo da política acadêmica em sua formação. Outros 28% indicam o contato com questões políticas relevantes, e 25% o desenvolvimento de habilidades de trabalho sob pressão e com alta exposição pública. Uma vez separadas as respostas pelo critério do gênero, contudo, pelo menos uma disparidade demonstra-se acentuada.

Figura 16 – Principal motivo percebido do impacto positivo x gênero dos respondentes

No gráfico acima, a parte externa corresponde às respostas fornecidas por homens, e a interna, àquelas fornecidas por mulheres. Sobretudo no que diz respeito à alternativa preferida pelo maior número de egressos no total (o desenvolvimento de habilidades interpessoais), homens e mulheres apresentam algum grau de afastamento. Enquanto, para os homens, a alternativa em questão cede em relação às demais, entre as mulheres ela tem um avanço notável, de 30 para

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41%, ganhando terreno (principalmente) sobre o desenvolvimento de habilidades de trabalho sob pressão. O dado é pouco para alçar grandes voos teóricos. É, entretanto, possível aventar a possibilidade de que essa marcada diferença seja reflexo de algo importante. Notadamente, parece lícito supor que a política acadêmica talvez funcione como um espaço mais propício para que mulheres se coloquem em evidência e trabalhem suas habilidades de comunicação, liderança e convencimento – o que talvez gere inclusive algum grau de “empoderamento” por parte dessas mulheres. Em um ambiente frequentemente criticado por representar um locus de atuação do machismo como é a academia, esse dado pode sinalizar uma importante contribuição que tem a dar a política acadêmica – que, talvez, venha se apresentando como um veículo mais favorável às mulheres e ao seu desenvolvimento interpessoal do que outras instâncias da faculdade, tais como a sala de aula e os grupos de pesquisa. Qualquer conclusão definitiva sobre o assunto não poderá prescindir, é claro, de maiores investigações. Mas o que se vê já aqui serve ao menos como uma hipótese instigante. 5. CONCLUSÃO O trabalho aqui apresentado ambiciona ser, acima de tudo, um passo inicial na direção de uma nova abordagem de pesquisa acerca da educação jurídica no Brasil. Por meio de maiores esforços de coleta, organização e análise de dados acerca dos alunos egressos das faculdades de Direito pode-se, a um só tempo, lançar luz sobre o que os cursos jurídicos do país vêm produzindo em termos de formação (de pensadores, quadros para o Estado, empreendedores, profissionais e cidadãos) e identificar deficiências formativas em relação às necessidades profissionais dos egressos. Esse expediente importa porque viria a permitir, no futuro, um duplo olhar, para dentro e para fora dos cursos de Direito, entendendo melhor seus resultados efetivos para projetar melhor os meios de produção desses resultados, que tenderão então a apresentar avanços. Nenhum desses objetivos é atingido por este estudo. Com sorte, entretanto, seus resultados estimularão novas pesquisas na área11, que poderão investigar mais a fundo uma série de aspectos importantes da educação jurídica pelo viés dos egressos. É, em primeiro lugar, nesse espírito que se desenham nossas conclusões. Embora os dados coletados e analisados tenham podido compor um panorama 11. A primeira, aliás, deve vir já no esforço de pesquisa em conjunto com os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, mencionado anteriormente, cujo objetivo é traçar um perfil muito mais abrangente, incluindo egressos de diversas faculdades de Direito paulista, em um recorte temporal mais amplo e sem restringir-se àqueles que foram ativos na política acadêmica.

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estatisticamente relevante do espaço amostral específico (egressos integrantes de gestões do Centro Acadêmico XI de Agosto entre 1984 e 2012), servindo como um retrato competente desses egressos, enfatizamos seus resultados do ponto de vista das dúvidas que lançam à comunidade científica e das possibilidades de futuras investigações para as quais apontam. Paralelamente a isso, e no plano mais restrito, esboçamos também respostas para algumas perguntas simples acerca do valor formativo da política acadêmica – que não prescindem, por sua vez, de maiores pesquisas em pelo menos duas frentes: primeiro, é necessário replicar esta pesquisa para um número maior de faculdades, e em contextos acadêmicos diversificados, de modo a permitir alguma universalização dos resultados. Depois, é preciso, mesmo no restrito universo da pesquisa, avançar através de análises qualitativas de maior fôlego, notadamente por meio de métodos como a entrevista semiestruturada, o grupo focal e a etnografia, de modo a desvendar algumas perplexidades e desconstruir eventuais fabricações indevidas da análise quantitativa. Em termos gerais, a pesquisa aponta para um perfil objetivo dos egressos da política acadêmica do Centro Acadêmico XI de Agosto como um grupo majoritariamente branco, masculino, paulista e altamente graduado (do que fazem prova os números de mestrados, doutorados e pós-graduados). Esses dados – bem como, aliás, cada uma das descobertas desta pesquisa – parecem não surpreender muito, mas se beneficiarão da futura comparação com os dados gerais, relativos aos egressos em geral, de modo a verificar até que ponto é diferente o perfil dos egressos que participaram da política acadêmica (ou, mais precisamente, das gestões do centro acadêmico). Ao mesmo tempo, o trabalho carrega algumas linhas de força que, embora não totalmente desenvolvidas aqui, fazem pensar sobre algumas oportunidades interessantes de investigação subsequente. É destacando essas linhas de força em algumas palavras que concluímos o estudo. Em primeiro lugar, procuramos explicitar em números um dado que, ao menos intuitivamente, já se espera encontrar na prática. Trata-se do fluxo geográfico de pessoas que, anteriormente à graduação em direito na FDUSP, moravam em cidades do interior paulista ou de fora do estado de São Paulo e que, ao final da graduação, em geral não retornam. Nesse ponto, pelo menos três fenômenos foram observados. De um lado, um número substancial dessas pessoas acaba radicando-se na cidade de São Paulo, que apresenta o mais alto índice de atratividade entre as cidades contempladas. Em seguida, há um fluxo secundário, que leva uma quantidade também notável (embora consideravelmente menor) dos egressos a Brasília. Por fim, observa-se ainda que, entre os raros egressos pesquisados que retornam ao interior de São Paulo, boa parte acaba por instalar-se em 47

cidades maiores do que suas cidades de origem, de modo a atingir “metrópoles regionais”, que exercem também alguma atração. As razões da atração exercida por essas cidades sobre os egressos pode ser objeto de algumas hipóteses mais ou menos seguras: a maior demanda e as maiores oportunidades profissionais dos grandes centros econômicos (São Paulo e metrópoles regionais do interior paulista) e político-administrativos (Brasília), o baixo desenvolvimento da atividade jurídica em cidades muito pequenas, e a própria relação travada com São Paulo como decorrência de pelo menos cinco anos de residência na cidade são todas explicações que parecem razoáveis. Relacioná-las, medi-las e articulá-las em função de um estudo específico sobre o fenômeno do deslocamento de quadros altamente formados para esses centros continua, entretanto, uma via importante para entender o funcionamento e a função da educação jurídica no Brasil (sobretudo nas faculdades ditas “de ponta”). Um tal estudo poderia, além de lançar luz sobre tal fenômeno, acrescentar algo ao debate mais amplo sobre a ocupação de postos proeminentes na estrutura do Estado e nas grandes empresas (jurídicas ou não), em diversas regiões do Brasil, por quadros formados naquelas faculdades de Direito paulistas. Em segundo lugar, parece haver espaço para estudos importantes acerca do papel das mulheres na política acadêmica e, na chave inversa, do papel da política acadêmica na formação das mulheres no curso de Direito. De um lado, é preciso analisar se a porcentagem de mulheres envolvidas na política acadêmica (com especial importância para os cargos de destaque na gestão) contrasta favoravelmente com a participação das mulheres no curso de Direito como um todo. De outro, há que se explorar com maior detalhe a natureza específica do valor formativo da política acadêmica de acordo com a percepção das egressas que dela tomaram parte. O dado relevante levantado – a saber, o de que 41% das respondentes considera como o ponto mais importante o desenvolvimento de habilidades interpessoais – estimula hipóteses a se perseguir. Especialmente, parece possível uma investigação sobre a política acadêmica como um espaço diferenciado para as relações de gênero, talvez com algum grau de empoderamento das mulheres. Em caso afirmativo, estaria reafirmada a importância do espaço político estudantil como fornecedor de um tipo de espaço para o crescimento pessoal das mulheres que outras atividades acadêmicas talvez tolham (recorrentes são as referências ao caráter machista da sala de aula, cujos conteúdos são eminentemente veiculados a partir do ponto de vista masculino, e da dinâmica de muitos grupos de pesquisa, por exemplo). Em caso negativo, cabe descobrir se a política acadêmica simplesmente faz reproduzir as estruturas das demais atividades ou se ela se apresenta como um ambiente difícil para as mulheres de maneiras diferentes. 48

Em terceiro lugar, parece importante ir além do que se fez em termos de análise do perfil profissional dos egressos. Alguns dados interessantes despontam do que aqui se expôs, entre os quais uma forte concentração dos egressos em (1) escritórios de advocacia e (2) órgãos públicos em carreiras não-jurídicas, principalmente na gestão de políticas públicas, seguidas a alguma distância por (3) órgãos estatais de litigância e (4) órgãos do Poder Judiciário. Além disso, a predominância de mulheres nos órgãos estatais de litigância, dentre os quais sobretudo a Defensoria e o Ministério Públicos, pode ensejar estudos acerca da seleção realizada – talvez inadvertidamente – pela estrutura das faculdades de Direito, de determinados “perfis profissionais” com incidência sobre a maneira como a vida acadêmica se orienta e articula. Sem que se obtenha mais robustas informações sobre o destino profissional dos egressos, não será possível realizar um debate ao mesmo tempo coerente e útil acerca da razão de ser das faculdades de Direito no Brasil, nem tampouco se poderá intentar reformas eficazes e consistentes em suas estruturas curriculares. Finalmente, uma linha de pesquisa que se pode entrever é a exploração do efeito da estrutura curricular e acadêmica no sentido amplo, bem como a pequena rigidez relativa dos controles formais (presença e avaliação) – essa, característica sobretudo do curso da FDUSP – sobre a predominância da atividade política como veia formativa dos egressos das faculdades de Direto, e particularmente daquela instituição. Nesse sentido, pode-se pensar a atividade política estudantil de maneira mais integrada com a vida acadêmico-curricular na faculdade. De cada um desses esforços de pesquisa em potencial decorreriam, provavelmente, ganhos consideráveis para o debate da educação jurídica no Brasil e para a formação de uma nova agenda de pesquisa em torno dele.

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