Eleições 2.0: Ódio nas redes durante a disputa pela Presidência em 2014 1

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Eleições 2.0: Ódio nas redes durante a disputa pela Presidência em 2014[1]



Autor: Angelo Carnieletto Müller[2]

Orientador: Jacques A. Wainberg

[email protected]



Resumo

A eleição de 2014 repetiu pela sexta vez consecutiva o confronto direto
entre PT e PSDB pela presidência da República no Brasil. Marcada pela
militância nas redes sociais, a campanha ofereceu o processo eleitoral como
pauta do dia e possibilitou, por um lado a democratização da discussão
política, mas de outro, a exacerbação das diferenças ideológicas na forma
de discurso do ódio. Neste trabalho, apresentamos uma metodologia para
verificar o Potencial Ofensivo dos Discursos aplicada sobre os programas do
segundo turno do horário eleitoral gratuito de televisão disponíveis na
rede social Facebook. A partir destes resultados, analisamos a propagação
do ódio e do clima de ruptura social cruzando dados sobre engajamento,
número de "curtidas" e "compartilhamentos" dos seguidores de cada perfil, o
que nos possibilitou verificar como o eleitorado da internet interagiu com
os candidatos na questão do ódio e da ruptura social.

Palavras-chave: Comunicação Social; Discurso do Ódio; Política; Clivagem;
Mídias Sociais.

Abstract

The 2014 election featured for the sixth consecutive time the direct
confrontation between PT and PSDB for the presidency in Brazil. Marked by
activism on social networks, the campaign offered the electoral process as
the daily agenda and while made it possible on the one hand, the
democratization of political discussion, on the other, presented the
exacerbation of ideological differences in the form of hate speech. This
paper features the original methodology to verify the Offensive Potential
of the Discourses, applied to the second round of the Free Airtime
television programs, available on the Facebook social network. From these
results, the author analyze the propagation of hatred and the climate of
social disruption crossing data on engagement, number of 'likes' and
'shares' of the followers of each profile. Those results allowed us to see
how the internet electorate interacted with the candidates on the question
of hatred and social disruption in Brazil 2014 run for Presidency.



Justificativa:

Por vezes, o discurso do ódio, como uma estratégia de comunicação,
parece ter a natureza de um argumento retórico. Ele até pode estar
banalizado na cultura de uma sociedade e não se fazer percebido em todas as
suas formas, mas ainda assim, tem um poder, pois é discurso, e quando
direcionado sobre questões políticas, atua no sentido de reforçar ou até
mesmo criar novas crenças a respeito de determinados grupos sociais,
étnicos, políticos e religiosos. Enquanto estratégia de um discurso
retórico, ele pôde ser percebido nos pronunciamentos em tempos de guerra,
da mesma forma que em jogos de futebol, entre torcedores rivais e,
naturalmente, em campanhas eleitorais. Confrontos, rivalidade,
antagonismos, inimigos, oponentes. Estes são alguns dos conceitos, que
fazem parte do léxico que envolve o Discurso do Ódio e a natureza dos
sentimentos que são reforçados através do seu uso.
De fato, ele vem sendo utilizado ao longo dos anos para fortalecer
lideranças, ideologias, governos, e regimes ocidentais e antiocidentais em
quase toda a sociedade europeia e latino-americana. Ao longo do tempo,
estes discursos, foram perdendo o caráter de novidade e constituindo um
lugar-comum, foram estabelecendo uma tradição de simbologia e interpretação
que se transformou numa epistemologia do entendimento sociopolítico
universal, baseada no ódio. Um ódio que, da mesma forma como acontece com
as tecnologias como nos lembrou Mark Weiser (1991), apresenta todo o seu
poder, especialmente quando sua presença deixa de ser percebida.
Mesmo como um mero argumento, este tipo de discurso tem acompanhado as
narrativas sociopolíticas ao longo da história. E tem transformado
gradativamente o arcabouço conceitual que envolve personagens e
personificações políticas em todo o mundo, recaindo tanto sobre
conservadores como liberais, ou até mesmo sobre os símbolos do ocidente e
do oriente. Podemos dizer, portanto, que a recorrência destes discursos
também contribuiu para definir o imaginário sociopolítico mundial. E
passamos a reconhecer, tanto as grandes correntes ideológicas, como as
minorias e maiorias culturais e religiosas, justamente a partir daqueles
valores com os quais menos nos identificamos pessoalmente.
Isso resultou em sociedades altamente divididas. Mas a ruptura de que
tratamos neste trabalho, apesar de não ser de ordem religiosa, como
percebemos na convivência entre muçulmanos e católicos na Europa; nem
cultural, como percebemos entre orientais e ocidentais; é a ruptura
possível de ser percebida entre os simpatizantes das diferentes correntes
políticas que protagonizaram, ao longo dos últimos 20 anos, a disputa pela
presidência da República no Brasil. Uma ruptura que, apesar de se dar em
camadas diferentes daquelas culturais e religiosas, está enraizada em
valores profundos para boa parte dos envolvidos nesta disputa. Desta forma,
sobretudo quando tratamos de sociedades onde as divisões já são bastante
pronunciadas por fatores econômicos, culturais ou religiosos, tais rupturas
começam a se mostrar propícias a gerar desencadeamentos radicais e de ordem
violenta, a partir da mesma lógica que justifica o fato de que uma política
governamental de apoio ao ocidente contra o Estado Islâmico aliada ao
problema social dos argelinos na França, teve parte nos atentados que
acompanhamos tomados de horror em novembro de 2015 na capital francesa.

Sobre o ódio


Para definirmos o discurso do ódio, devemos partir do princípio que
ele é uma manifestação externalizada na forma de discurso de uma
discriminação, onde o agente emissor deste discurso se considera superior
ao individuo ou grupo ao qual o discurso pretende atingir (Silva, 2011).
Desde os primeiros agrupamentos sociais, os seres humanos têm
aprendido a conviver com o elemento da diferença. Seja ela física, sexual
ou racial, o fenômeno é apontado pela psicologia como o desencadeador de
atitudes originadas da estranheza, ou seja, da postura de não reconhecer o
que é externo ao ser como comum ou aceitável; e do egocentrismo, resultando
em pensamentos ou comportamentos que podem ser eventualmente enquadrados em
uma definição, ao menos superficial, daquilo que conhecemos pelos
sentimentos associados ao ódio.

Com o passar dos anos, o processo civilizatório foi responsável por
tornar os homens e as sociedades mais tolerantes. Esse processo demorado
sempre esteve agregado ao pensamento progressista, e envolveu não apenas a
reunião de indivíduos em comunidades, mas o desenvolvimento da ciência, da
educação, até chegarmos no período vitoriano, quando a revolução industrial
e a corrida pela mecanização se encarregou de acelerar ainda mais o
potencial tecnológico e a própria historia humana. De acordo com Samuel
Huntington (2010), o conceito de civilização teria surgido no século XVIII,
justamente para que fosse feita a oposição entre aquelas sociedades que
viviam em um estado considerado avançado e os povos bárbaros. "A sociedade
civilizada diferia da sociedade primitiva porque era estabelecida, urbana e
alfabetizada". (2010:54).
Da mesma forma como acontece hoje, naquela época, pressupunha-se que
as sociedades primitivas compartilhavam valores diferentes. O que em parte
é verdade. O compartilhamento destes valores significava, para a sociedade
ocidental, a primeira a experimentar a força da industrialização e a vida
em grandes centros organizados pela rotina do trabalho industrial, uma
desvalia. Era uma desvalia em escala, pois estava no habitante de cidades
como Paris em relação ao habitante de Vichi, e deste em relação a Giverny,
mas que assim por diante, aumentava em grau na medida em que a sociedade em
questão ia se afastando dos centros e perdendo traços de sua identidade
urbana. Mas a este sentimento de desvalia, no entanto, não parece que
podemos associar o de ódio, quando consideramos o pensamento do homem
urbano em relação ao homem habitante dos pequenos centros, mesmo que ambos
os sentimentos estejam fundamentados na diferença.
Esta questão se mostra especialmente importante, a da diferença,
quando se buscam as razões psicológicas ou psicanalíticas para o
desenvolvimento do sentimento de ódio. Sabemos que, para que ocorresse a
vida em comunidade, primeiramente, se exigiu do homem um gradativo controle
de seus impulsos, um abandono do estado natural de que fala John Locke
([1690] 2006), e a assunção de princípios pacíficos em nome da vida, da
propriedade e do bem comum. A sociedade decorrente desse contrato, só foi
possível porque limitou, ainda que razoavelmente, a execução das vontades
humanas, em um trabalho que passou a ser completado através da educação
(Postman, 2005). Desta forma, nas sociedades civilizadas e desenvolvidas, o
ódio gradativamente foi perdendo o lugar legítimo entre os atos humanos,
passando a ser um inquilino habitante dos discursos.
Fato é que os seres humanos têm aprendido a conviver com o elemento da
diferença. Seja ela física, sexual ou racial, o fenômeno tem sido apontado
pela psicologia como o desencadeador de atitudes originadas da estranheza,
ou seja, da postura de não reconhecer o que é externo ao ser como comum ou
aceitável; e do egocentrismo, resultando em pensamentos ou comportamentos
que podem ser eventualmente enquadrados em uma definição, ao menos
superficial, daquilo que conhecemos pelos sentimentos associados ao ódio.
Para que seja aceito esse argumento, porém, é necessário admitir que
exista no ser humano, além da natural propensão para o amor, uma natural
propensão para o ódio. Afirmação controversa, ao extremo debatida, de
Aristóteles e Platão a Locke e Rousseau, e que gerou, no campo da
psicanálise, uma teoria sobre a dualidade proposta por Sigmund Freud
(1930), traduzida, basicamente na forma de duas pulsões, a da vida e a da
morte, que seriam responsáveis por guiar nossas atitudes diante das
situações proporcionadas especialmente pelo convívio social. À primeira, o
psicanalista relacionou a construção dos laços, segurança, associações, as
trocas que aproximam os seres. Enquanto que a pulsão da morte seria o
resultado das frustrações dos desejos, das insatisfações, da insegurança,
do medo daquilo que foge ao controle, ou seja, o que é externo ao homem. É
por essa razão que a psicanálise freudiana admite a presença da pulsão de
morte até mesmo nas relações mais vitais, como a do amor. Ou seja, não há
um julgamento desse princípio, que não seja o da naturalidade.
O quê de realidade por trás disso, que as pessoas gostam de
negar, é que o ser humano não é uma criatura branda, ávida
de amor, que no máximo pode se defender, quando atacado,
mas sim que ele deve incluir, entre seus dotes instintuais,
também um forte quinhão de agressividade. Em consequência
disso, para ele o próximo não constitui apenas um possível
colaborador e objeto sexual, mas também uma tentação para
satisfazer a tendência à agressão, para explorar seu
trabalho sem recompensá-lo, para dele se utilizar
sexualmente contra a sua vontade, para usurpar seu
patrimônio, para humilhá-lo, para infligir-lhe dor, para
tortura-lo e matá-lo. (FREUD, 1935, p.49)


Partindo da proposta de Freud, podemos imaginar que a medida em que a
sociedade foi tronando-se mais complexa, a partir da admissão em sua
constituição de cada vez mais indivíduos, esta conformação foi responsável
por inserir nos agrupamentos sociais maiores níveis de diferenças. Por essa
razão, o que chamamos de mundo civilizado também poderia ser definido como
o agrupamento das sociedades onde os indivíduos aprenderam a controlar, a
suprimir sentimentos violentos, entre eles o do ódio. Isso feito em nome de
uma pretensa maior segurança que conferia ao indivíduo a sensação da vida
em grupo.
De acordo com Freud, o problema da supressão da Pulsão de morte, e não
por outro motivo o nome dado ao instinto agressivo é "Pulsão", é que ao
mesmo tempo em que possibilita a vida em sociedade, ela represa em
determinados indivíduos uma agressividade latente. Deste modo, a pulsão
nunca se afasta, se consome, desaparece verdadeira e totalmente do
indivíduo.
Evidentemente não é fácil, para os homens, renunciar à
gratificação de seu pendor à agressividade; não se sentem
bem ao fazê-lo. Não é de menosprezar a vantagem que tem um
grupamento cultural menor, de permitir ao instinto um
escape, através da hostilização dos que não pertencem a
ele. Sempre é possível ligar um grande número de pessoas
pelo amor, desde que restem outras para que se exteriorize
a agressividade. [...] (FREUD, 1935, p.51)


Freud chamou de "narcisismo das pequenas diferenças" as animosidades
entre comunidades vizinhas, como portugueses e espanhóis, ingleses e
escoceses. O psicólogo explica que através dessa característica, há uma
"cômoda e relativamente inócua satisfação da agressividade" (1935:52) de
maneira que a união entre os membros de uma comunidade é facilitada.
O autor acredita que o homem aos poucos vai moldando e estado da
civilização de maneira a satisfazer melhor as suas necessidades. Também
acredita, por outro lado, que o homem possa familiarizar-se com os
empecilhos inerentes à cultura, e a partir daí se sentir mais confortável
com alguns deles. Mas alerta para um outro perigo, que ele chama de
"miséria psicológica da massa" (1930:53).
Se a cultura impõe tais sacrifícios não apenas à
sexualidade, mas também ao pendor agressivo do homem,
compreendemos melhor por que para ele é difícil ser feliz
nela. De fato, o homem primitivo estava em situação melhor,
pois não conhecia restrições ao instinto. Em compensação,
era mínima a segurança de desfrutar essa felicidade por
muito tempo. O homem civilizado trocou um tanto de
felicidade por um tanto de segurança. Mas não esqueçamos
que na família primitiva somente o chefe gozava dessa
liberdade instintual; os outros viviam em submissão
escrava. (FREUD, 1930, p. 52)


Carl Jung (2006), em seus escritos sobre o imaginário coletivo,
discutiu também a questão da dualidade analisando o caráter da "anima", ou
alma, espírito. A alma em Jung seria, portanto, a experiência dos lados bom
e mau do homem, ambos em constante busca de realização, satisfação e vida.
E aqui há uma chave em nossa pesquisa, que trata da compreensão da vida
humana a partir da alma, do espírito humano, que para Jung significa os
lados bom e mau em busca de realização. E do que se trata a busca da
realização para bem, para a construção, é aquilo que normalmente debatemos.
Mas o entendimento de que há um lado oposto a esse, que também vive e busca
realização, e que deve ser suprimido em nome da vida em sociedade, esta é
uma discussão difícil de se realizar.
Assim como Freud, Jung, que desenvolveu sua própria abordagem
psicanalítica - a partir de Freud, mas de maneira independente e original –
atribui sobretudo aos fatores externos, estranhamento e frustração, as
causalidades das reações que entendemos como carregadas do elemento do
ódio. Para Jung (2006), "A agressividade advém desta percepção de que o
Outro é falho..." [...] (2006:22). Esta é também, de certa forma, a mesma
problemática encontrada por Merleau-Ponty quando o autor aborda a
singularidade da interpretação dos fenômenos:
[...] Como a coisa, como o outro, o verdadeiro cintila
através de uma experiência emocional e quase carnal, onde
as "ideias" – as de outrem como as nossas – são antes
traços de sua fisionomia e da nossa, e são menos
compreendidas do que acolhidas ou repelidas no amor ou no
ódio. [...] (MERELAU-PONTY, 2014, p. 24).


O que esse trecho de Merleau-Ponty aponta é que parece não haver a
necessidade de uma compreensão exata dos fenômenos, das ideias que compõe o
imaginário do outro. Seus traços, suas nuances, são suficientemente capazes
de determinar que tipo de emoções teremos, de que forma reagiremos ao que
nos é proposto, se com amor, através do acolhimento, se com ódio, através
da repulsão.


O Ódio na política e no imaginário ideológico do brasileiro


No Brasil, tratar do ódio entre as pessoas é matéria geradora de
grande controvérsia. Ela se estabelece quando o assunto envolve o mito de
que o brasileiro é um ser pacífico, acostumado às diferenças, receptivo e
alegre. De acordo com o historiador Leandro Karnal (2012)[3] esse mito tem
origem no início do século XX, através das ideias de Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, que estimularam por meio de
suas publicações, um pensamento sobre um Brasil cortês, onde convive um
povo pacífico. Ao menos em parte, toda essa construção simbólica sobre o
brasileiro também é herdada da Igreja Católica, que teve na ira – ou no
ódio – um dos seus sete pecados capitais. Para o catolicismo, o pacífico e
aquele que perdoa, este sim, é digno herdeiro do Reino de Deus. Essas
características, segundo o historiador, teriam sido profundamente
assimiladas pela cultura nacional e explicariam o porquê de a população
brasileira, quando em face à violência e ao ódio, viva em um constante
estado de espanto e, mais, que tenda a endereçar essas manifestações aos
outros, seja um outro país, uma outra cidade, outra torcida ou outro
partido.
Este é o argumento que levanta Karnal (2012), que cita a série de
guerras civis pelas quais passou nosso país, algumas extremamente violentas
como os eventos em Canudos e no Contestado, que não interferiram na
construção desse imaginário social do brasileiro. Nem mesmo de Guerras
Civis estes eventos foram chamados. O ódio no Brasil trata-se, segundo o
historiador, de uma realidade histórica que envolve desde os maus-tratos
aos escravos e as repressões aos eventos emancipatórios, nos primeiros
séculos de nossa história, e que se faz presente, sobretudo hoje, na
relação entre moradores das grandes cidade e favelas ou periferias, entre
habitantes das regiões do sudeste, sul e norte e nordeste, mas que também
mostra sua face obscura na disputa política pelo poder entre diferentes
facções ideológicas.

Foi isso que esteve tão claro durante a eleição de 2014 no Brasil, e
que deixou marcado o problema da convivência com a diferença no nível
político-ideológico. Alimentada pelas diferenças de opiniões e pela
tradição de disputa entre dois partidos - o PT e o PSDB - mas
principalmente, pela exacerbação do uso do discurso do ódio, a ruptura que
foi disseminada e propagada nas redes sempre fez parte do jogo político. Os
conflitos ideológicos estão presentes antes mesmo do esclarecimento do
conceito de ideologia, e sempre foram determinados, de acordo com Giovanni
Sartori (1961), pela relação que existe entre os diferentes sistemas de
crenças. O autor italiano sugere que estes sistemas apresentam elementos
que podem ser comuns ou distintos em relação aos sistemas de outros
indivíduos, e a intensidade com que se acredita em cada um seria aquilo que
dá a medida do afastamento ideológico. Para Sartori (1961), quando os
elementos distintos são acreditados de maneira flexível e aberta, é
possível esperar de um choque entre dois sistemas de crenças alguns
ajustamentos comportamentais, enquanto no caso de os elementos distintos
são fixos, fechados e imutáveis, o que resulta é a completa
incompatibilidade. Foi o que vimos ns discursos da militância de PT e PSDB
nas eleições de 2014, que apontaram justamente para esta relação de
incompatibilidade e exclusão.

[...] De um lado, se os elementos distintivos não são
apenas fechados, mas apaixonadamente mantidos, nós podemos
ter a "guerra ideológica", a relação de incompatibilidade e
o conflito fora de controle. [...] (SARTORI, 1969, p.409)

O uso, portanto, dos sistemas de crenças – ou das ideologias – para
motivar eleitores a, além do voto, promover e defender determinado partido
político, tornou-se o problema central de nossa análise. Isto porque o
resultado dessa estratégia extrapolou o âmbito da cidadania e resultou em
uma guerra ideológica que ficou registrada através de seus discursos nas
redes sociais. Essa relação está desenvolvida no pensamento de Mullins
(1972) que afirma que o conflito entre dois sistemas de crenças
incompatíveis se dá na medida que a ideologia passa a agir através do seu
"poder de comunicar cognições, avaliações, ideais e propostas entre membros
de grupos" (1972:509). Portanto, é natural que os discursos de dois
partidos em conflito ideológico tendam a ser carregados de elementos que,
para além de justificarem suas próprias escolhas ideológicas, intencionem
atingir de alguma maneira os seus oponentes. E é presumível que essas
mensagens atendam a uma lógica semelhante à da publicidade.

Os procedimentos para fabricar os problemas que apaixonam a
opinião e a vontade popular sobre estes problemas são
similares exatamente aos que se empregam na propaganda
comercial. Neles encontramos os mesmos esforços para chegar
a um contato com o subconsciente. Encontramos a mesma
técnica de criar associações favoráveis e desfavoráveis,
que são mais eficazes quanto menos racionais sejam. [...]
(SCHUMPETER, 1961, p.336).

Shcumpeter (1961), assim como Mullins (1972), também está atento a
esse caráter publicitário da mensagem política, uma maneira de atuar que
pouparia ao receptor o trabalho do escrutínio da verdade, na medida que
apresenta raciocínios prontos, e que visa a produção de vontades, enquanto
atua como instrumento ideológico (SCHUMPETER, 1961). Daí que a divulgação
de mensagens políticas começa a exercer sobre a sociedade um poder que a
atinge como uma reação em cadeia, que começa em alguns membros do corpo
social e se propaga através da comunicação, e até mesmo através do
comportamento de grupos situados dentro da estrutura social, carregando
mensagens que podem conter elementos profundamente preconceituosos,
promotores da segregação e do ódio, mascarados sob o manto da ideologia, de
dogmas ou de pressupostos de sistemas de crença, que deixam de ser
analisados pelo público uma vez que são apresentados já na forma de uma
cognição, ou seja, ao invés da operação do raciocínio, o resultado pronto.
E estes grupos acabam propagando os efeitos da mensagem política, como nos
alerta dessa vez Philip Converse (1964), provocando as mesmas reações,
independentes de verificação, ou nas palavras do autor, que ligam o
comportamento "a certos canais bastante independentes de cognições
específicas e percepções dos próprios atores" (CONVERSE, 1964, 231). A
importância da análise destes elementos está no poder que os discursos dos
líderes políticos têm de gerar polarização e estimular o conflito dentro do
eleitorado (JOST, FEDERICO E NAPIER, 2009), e no papel "decisivo" da
ideologia para a mobilização e manipulação das massas (SARTORI, 1969, 409).


[…]Os leitores de periódicos, os rádio escutas, os membros
de um partido, ainda quando não estejam reunidos
fisicamente, têm uma enorme facilidade para transformarem-
se em uma multidão psicológica e para chegar a esta
situação de frenesi em que uma intencionalidade de
argumentação não faz mais do que despertar os espíritos
animais. (SCHUMPETER, 1961, p.330-331).




Eleições 2.0

Hanna Arendt, naquele que talvez tenha sido seu trabalho mais
filosófico[4], elabora sobre a natureza da ação e do discurso a qualidade
de existirem em uma espécie de simbiose, onde um existe na dependência do
outro de modo seja possível algum tipo de significação social. É o que ela
deixa claro ao sentenciar que através da ação e da fala "[...] os homens
mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais únicas, e
assim fazem seu aparecimento no mundo humano [...]" (Arendt, 2014, p.222).

Seguindo seu raciocínio, Arendt posiciona ação e discurso
significantes, mesmo em suas manifestações mais objetivas, em um domínio
comum, um espaço-entre (p.226) habitado por sujeitos e significações
prévias, que por sua vez faz parte um espaço ainda mais amplo, de mesma
natureza, constituído pelos atos e palavras originados do agir e falar dos
homens uns com os outros. É nesse espaço maior, ou meta-espaço[5], que a
autora chamara de "teia" de relações humanas e que nós temos nos acostumado
a chamar redes, que estão em convivência simbiótica os atos e discursos que
constituem o ambiente onde se percebe a opinião pública. Um lugar onde

"[...] os homens se desvelam como sujeitos, como pessoas
distintas e singulares, mesmo quando inteiramente
concentrados na obtenção de um objeto completamente
material e mundano. [...] (ARENDT, 2014, p. 226)

Essa característica da teia de relacionamentos elaborada por Arendt,
da desvelação do homem como sujeito, aponta para um campo que é legítimo,
apropriado, autorizado a receber este desvelamento. A autora parte do
princípio que o discurso e a ação estão inseridos numa rede já existente, e
que o princípio de um ou outro nesta rede significa necessariamente uma
afetação de todos os discursos e ações em andamento. Não há referência a
qualquer habilidade, talento ou sentimentos necessários para que se
manifestem o discurso e a ação, mas o seu contrário, ou seja, o não-
discurso e a não-ação seriam, de acordo com Arendt, um constrangimento
relacionado com o choque a um sistema relativamente estável[6]. "[...] É em
virtude dessa teia preexistente de relações humanas, com suas inúmeras
vontades e intenções conflitantes, que a ação quase nunca atinge seu
objetivo [...]" (Arendt, 2014, p.228).

Podemos a partir daí, estabelecer uma relação entre o ambiente físico
das redes de relacionamento, dotado das características levantadas por
Arendt, ao ambiente virtual das redes sociais. Ao contrário da rede física,
onde as vontades e intenções conflitantes têm um peso determinante para o
discurso e a ação, as redes sociais, com suas características de
velocidade, alcance, fluidez, aceleração ou efemeridade, ou talvez
liquidez, como prefere Zygmunt Bauman (2001), mas acima de tudo, com a
segurança que oferecem ao indivíduo em relação ao ambiente físico, são
propícias para a ocorrência e intensidade dos conflitos verificados no
espaço virtual, pois eles decorrem justamente do encontro registrado de um
grande número de vontades e intenções conflitantes, o que desorganiza e
tira o foco do indivíduo único, aliados à sensação de segurança que o
ambiente virtual oferece, ambos experimentados num ambiente onde os laços
são tantos que, se estabelece um paradoxo onde ao mesmo tempo, este grande
número de relações fornece mais garantia para o sucesso do discurso e da
ação, pois "[...] Estar isolado é estar privado da capacidade de agir.
[...]" (Arendt, 2014, p.233), e ao mesmo tempo essas relações se tornam
menos importantes porque são mais rapidamente substituíveis.

É principalmente a partir dos anos 2000 que a presença de um novo
fenômeno na comunicação, a internet, começa a modificar os paradigmas da
vida em sociedade e, particularmente, da participação política. A internet
e a Web 2.0 colocaram em prática a interação nas formas de produção,
participação e compartilhamento de informação, estendendo o poder do
usuário sobre os canais informativos. Se para além dos exemplos encontrados
ao redor do mundo, que nos mostravam uma sociedade organizada em redes, que
havia se levantado contra regimes opressores, ditatoriais e tirânicos,
Manuel Castells (2013) referiu-se às redes como o local onde as sociedades
se engajariam nos conflitos que devem ajudar a determinar os rumos destas
mesmas sociedades no futuro, a constatação de um ambiente de profunda
ruptura social como o verificado em 2014 nas redes durante a campanha
eleitoral no Brasil, traz à tona a pertinência dessa questão.

A ideia de que a internet passaria a exercer um papel cada vez mais
fundamental no comportamento individual e dos grupos, inclusive na
participação política, ganhou força e concretizou-se durante os últimos
anos do século XX. Partindo de uma relativa liberdade dos discursos na
internet, mais precisamente nas redes sociais, é possível reconhecer a
vantagem de que o pensamento livre é possível e até certo ponto livremente
manifestado. É possível transmitir uma mensagem para um grande número de
indivíduos independentemente dos gatekeepers ou de quaisquer guardiões do
acesso aos tradicionais e caros canais que monopolizavam o trânsito
informacional até bem pouco tempo.

Esse fenômeno tornou possível o livro de Manuel Castells (2013) Redes
de Indignação e Esperança, onde o autor trata das redes estabelecidas entre
os usuários da internet como uma espécie de organização e empoderamento da
sociedade desvinculado dos grandes grupos de poder e que ocorreria a partir
da sociabilização das demandas, dos anseios políticos, e do
compartilhamento de informação por intermédio, sobretudo, das redes
sociais. Dos Estados Unidos ao mundo Árabe, passando pela Europa, o autor
se utiliza de exemplos de grandes movimentos que desafiaram o status quo
governamental e exigiram mudanças de acordo com a vontade daquelas massas
sociais organizadas.

Ainda antes de Castells, ao observar o desenvolvimento e popularização
do ambiente midiático a partir das novas formas de interação entre
produtores e consumidores, Henry Jenkins (2006) já apontava para o
surgimento de uma nova cultura, caracterizada pelo domínio e uso de mídias
- como o telefone celular, e especialmente, o computador e seus programas
de produção, edição, distribuição e acesso à informação. Essa cultura,
popularizada pelo uso constante de ferramentas que se encontravam cada vez
mais acessíveis à boa parte da população mundial, se manifesta hoje em sua
grandeza avassaladora, através do uso social, organizado, político ou
cultural, da competência no domínio das novas tecnologias de comunicação.

A extensão do poder da sociedade a partir do domínio de novas mídias,
todavia, pressupõe a sua utilização democratizada e em grande escala. Em
termos de participação política, é possível verificar este pressuposto em
alguns marcos históricos, notadamente quando há um deslocamento do eixo de
poder, antes exclusivo dos meios de comunicação tradicionais, em direção à
sociedade usuária das novas mídias. Um destes primeiros marcos históricos
foi o episódio ocorrido na Espanha em 2004, quando às vésperas da eleição
presidencial, o atentado terrorista ao metrô de Madrid mobilizou a
população espanhola através de uma corrente de mensagens via SMS contra a
liderança do então presidente, José Maria Aznár e o Partido Popular (PP).
Em três dias, a vitória certa do candidato do PP transformou-se em uma
surpreendente virada e na eleição de José Luiz Rodríguez Zapatero, do
Partido Socialista Operário Espanhol (ABELAN, 2005).

Outro marco histórico na participação política através do uso de novas
tecnologias aconteceu no mesmo ano, durante a corrida presidencial norte-
americana. Através do domínio de programas como Photoshop, editores de
vídeos e a publicação e distribuição deste material na rede, transformados
em conhecimento comum para uma substancial parcela da população dos Estados
Unidos, a internet serve pela primeira vez como canal de participação
massiva no jogo político (JENKINS, 2006). O exemplo clássico desta produção
alternativa de conteúdo político foi o vídeo que satirizava a candidatura
do candidato republicano George W. Bush, onde imagens de noticiários foram
editadas junto às do reality show "The Aprendice", mostrando um momento
fictício onde o candidato era demitido pelo apresentador do programa por
incompetência, Donald Trump, aos gritos do jargão característico, you're
fired![7]

O uso e o domínio sobre estas novas ferramentas têm como
característica principal o seu público ser sobretudo jovem, um público que
até pouco tempo geralmente demonstrava pouco ou nenhum interesse pelo jogo
político. Com a possibilidade do uso destas ferramentas, tanto surge uma
nova forma de abordagem política, mais lúdica e interessante ao contingente
juvenil eleitoral, como há uma consequente adesão substancial de parte
deste público ao debate político e o consequente crescimento do interesse
do jovem sobre os partidos, as propostas, o histórico e as consequências da
política.

No brasil, durante a campanha pela presidência da república em 2010,
aconteceu o primeiro debate presidencial com transmissão exclusiva pela
internet. E enquanto portais de notícias, páginas institucionais e blogs já
vinham sendo utilizados como canais de manifestação política, o fenômeno
das redes sociais, muito populares no país, ensaiava formas de engajamento
e disseminação de informação que seriam utilizadas a plena potência nas
manifestações de 2013 e nas eleições de 2014. Com a popularização das redes
sociais, novos espaços de entendimento e participação política surgiram e,
não apenas influenciaram para sempre o modo como as campanhas passariam a
endereçar mensagens a seus eleitores, mas moldaram a forma como o público
passaria a reagir aos discursos políticos (JENKINS, 2006).

A eficácia destas redes sociais no campo político foi amplamente
verificada e estudada na campanha vencedora de Barack Obama para a
presidência dos Estados Unidos em 2008 (KREISS, 2012). As declarações do
candidato democrata através de sua conta na rede social Twitter, foram
compartilhadas entre milhares de usuários, repercutindo significativamente
na captação de novos simpatizantes até mesmo entre republicanos. Estes
eleitores que vivenciaram e promoveram a campanha de Obama através da rede
social se tornaram fundamentais para a construção de um momento eleitoral
positivo e da consequente vitória dos democratas sobre o republicano John
McCain (SAMS & RICE, 2009).

Porém, a internet não traz apenas contribuições positivas para o
ambiente político. É certo que ela oferece uma liberdade sem precedentes
para qualquer tipo de publicação e pouquíssimas barreiras para que se
acessasse ideias inovadoras ou revolucionárias. Porém, a necessidade de se
fazer ouvir, especialmente entre aqueles que estiveram alijados do processo
comunicativo dominado pela mídia tradicional, fez com que surgisse uma nova
classe de emissores, que reúne tanto aqueles interessados no debate
democrático e na construção de conhecimento, como pessoas que exacerbam
preconceitos, xenofobia, traumas e desequilíbrios em seus discursos.

[...] Os que são silenciados pelas mídias corporativas têm
sido os primeiros a transformar o computador em uma
gráfica. Essa oportunidade tem beneficiado outros, sejam
revolucionários, reacionários ou racistas. [...] (JENKINS,
2008, p.290).

Assim, a internet coloca em contato diferentes grupos de interesses e
seus discursos, inicialmente, através dos Blogs, mais tarde, das redes
sociais. Ao contrário da relativa organização – evidentemente perpassada
pela ideologia e pelo interesse corporativo – da mídia tradicional, o
conteúdo encontrado na internet e caótico e quando muito anárquico. Isso
faz com que o indivíduo que acessa este conteúdo necessite atuar como seu
próprio gatekepper. Além disso, a narrativa das redes sociais mimetiza a
narrativa jornalística, fornecendo notícias – na forma de estímulos
textuais ou visuais – que tendem a atingir o público indiscriminadamente,
não importando o seu conteúdo nem tampouco sua origem. Isso age, por um
lado, dando um certo caráter de credibilidade – herdado das publicações
impressas ou veiculadas via TV ou rádio – e por outro, permitindo com que
determinadas ideias sejam estimuladas e retransmitidas a partir de um
conjunto de fatos verdadeiros e/ou falsos, manipulados por interessados que
podem ser diretos ou indiretos, mas que têm por objetivo, ao final do
processo, gerar uma mudança de comportamento, e que consiste num processo
parecido com o de uma campanha de marketing digital e do que convencionou-
se chamar de groundswell (LI; BERNHOFF, 2008), ou seja, uma informação ou
tendência que se espalharia via rede através dos próprios usuários, sem a
necessidade de publicidade direta, e portanto, sem parecer ser propaganda.

Ao proporcionar estas novas formas de campanha propagandística, a
internet e as redes sociais se tornam ainda mais interessantes para o jogo
político. Por outro lado, o contraste entre o virtual contato com um
universo de milhares de usuários, e o exílio físico proporcionado pela
atuação via computador, possibilitou que os discursos eventualmente se
desprendessem de algumas características da comunicação tradicional, entre
elas o constrangimento e o medo da reação imediata. A falta destes
elementos seria apenas um dos fatores que nos ajudaria a justificar o alto
grau de animosidades presente entre os eleitores de PT e PSDB nas eleições
presidenciais de 2014.

Uma tradição de disputa

A tradição de disputa entre os dois partidos (Müller, 2015), que
remonta há mais de 20 anos, além da contextualização dos seus surgimentos
na esteira da abertura política e da redemocratização após o período de
ditadura militar, são todos fatores que ajudaram a fortalecer as crenças de
seus membros e simpatizantes e criar entre eles e seus adversários suas
representações.

Embora adversários, PT e PSDB são partidos que surgiram na esquerda
do espectro ideológico, ambos fundados sob princípios socialistas, mesmo
que o primeiro estivesse em sua origem bem mais afastado do centro que o
segundo. Inicialmente, estes partidos nem ao menos foram adversários.
Fernando Henrique Cardoso teve o apoio de Luís Inácio Lula da Silva quando
foi candidato a Senador pelo Estado de São Paulo, no início dos anos 80 e
os dois estiveram juntos durante boa parte desse período de transição
democrática.

Portanto, o que parece ter sido mais significativo realmente nessa
construção simbólica foi o viés dos discursos adotados por direita e
esquerda, que buscaram imprimir no imaginário do eleitorado brasileiro
visões ideologizadas sobre cada partido e seus candidatos. Convém lembrar
que, quando falamos em esquerda e direita, há de se garantir ao leitor que
entenda bem o que estas palavras pretendem dizer: a direita que conduziu a
construção simbólica do Partido dos Trabalhadores não teve por pelo menos
dez anos, ligação alguma com o PSDB, até porque este partido nem ao menos
havia sido fundado quando o PT surgiu no cenário nacional e, mais uma vez,
tratava de um partido fundado na ideologia da socialdemocracia.

Inicialmente, a direita conservadora brasileira, desejosa da abertura
democrática, relacionava o projeto petista a uma certa identidade com o
bloco comunista, composto por China, Cuba, Alemanha Oriental e,
especialmente, União Soviética (URSS), em um mundo ainda dividido e sob o
terror da Guerra Fria e a ameaça nuclear.

De fato, o Partido dos Trabalhadores era o que mais radicalmente
defendia mudanças na estrutura política e econômica do Brasil, e a agenda
apresentada pelas propostas do PT realmente poderiam ser comparadas aquela
dos países socialistas aliados à URSS. Lech Walessa e o Solidariedade
chegavam ao poder na Polônia e inspiravam o projeto petista de um governo
dos trabalhadores, dando gás para contra-ataques veementes e discussões
acaloradas. Rapidamente, os discursos de revolta contra um sistema de
governo baseado na economia capitalista e uma sociedade nem um pouco
igualitária, se tornaram a marca da política petista.

Em 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, a bancada
petista na Câmara Federal se recusou a assinar o documento, sob a liderança
do Deputado Federal mais votado na história, Luís Inácio da Silva. No mesmo
ano, era fundado o Partido da Social Democracia Brasileira, liderado entre
outros por Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra. O partido
lançaria o ex-governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, na campanha
presidencial de 1989. Covas chegaria em quarto lugar, atrás de Brizola
(PDT) e Lula, que foi ao segundo turno contra Fernando Collor de Mello
(PRN).

O distanciamento entre Fernando Henrique Cardoso e Lula tem um ponto
importante nesta campanha, uma vez que o apoio do PSDB a Lula só foi aberto
após longas discussões, em parte porque Fernando Henrique Cardoso não
apoiava a proposta do PT. Ao fim e ao cabo, Mário Covas, José Serra e
Fernando Henrique subiram no palanque ao lado de Lula no segundo turno da
campanha de 1989.


Em 1994 tinha início uma sequência ininterrupta de disputas entre PT e
PSDB pela presidência da República no Brasil que já dura mais de 20 anos e
completou seis eleições. Naquele ano de 1994, Fernando Henrique Cardoso
(FHC), o idealizador do Plano Real, era o candidato do PSDB aliado ao
Partido da Frente Liberal (PFL), representado pelo candidato a vice, Marco
Maciel. Enquanto o PT reforçava seu posicionamento à esquerda, coligando-se
com PPS, PSB, PCdoB e PV[8], e mais uma vez apresentando Lula como
candidato, sob o ponto de vista ideológico, conforme vimos em Guerring
(1997) e Knight (2006), a socialdemocracia defendida pelo PSDB se
fragilizava ao aliar-se ao conservadorismo do PFL. E enquanto o PT se
afirmava mantendo-se coerente à sua ideologia, o PSDB dava os primeiros
passos em direção a uma identificação com a direita.

Os discursos do horário eleitoral gratuito apresentaram os dois
partidos como representantes dos interesses de uma parcela da população
desfavorecida economicamente. PT e PSDB focam nas questões sociais, como a
fome, o combate à pobreza e a educação. Ambos se preocupam com o rumo da
agricultura. Enquanto o PT tem uma visão pessimista do Brasil e critica
diretamente Fernando Henrique em todos os programas analisados, o PSDB
apresenta uma visão nacionalista, sem fazer nenhuma referência direta ao
candidato do PT. Nas referências à FHC, o discurso do PT utiliza expressões
como a falta de "respeito aos cabelos brancos" dos aposentados; o "país das
injustiças governado pelos aliados de Fernando Henrique Cardoso"; ou "O
governo do qual Fernando Henrique era ministro da fazenda mandou comida
estragada para os pobres". Em um programa, o narrador chega a comparar
Fernando Henrique ao personagem Ali Babá: "Dizem que Ali Babá não era um
mau sujeito, estudioso... o problema é que andava com os quarenta ladrões".
Já o PSDB ataca Lula de maneira indireta, normalmente comparando os dois
candidatos através de características que supostamente existiriam em FHC e
inexistiriam em Lula. Referências à diferença de educação dos dois
candidatos está, por exemplo na expressão "foi professor"; ou ainda, à
inexperiência de Lula como gestor, quando o discurso de que FHC é
"experiente" por ter sido Ministro das Relações Exteriores e Ministro da
Fazenda de Itamar Franco; e em relação à retórica de Lula, revolucionária e
ainda conflitante, o discurso dos programas do PSDB diz que FHC é
"equilibrado". Fernando Henrique Cardoso atingiu 54% dos votos válidos para
vencer os 27% do candidato do PT no primeiro turno[9].

O primeiro governo de FHC teve como uma de suas principais marcas as
políticas de direita associadas à "diminuição" do Estado. As quebras do
monopólio estatal nas áreas dos combustíveis e telecomunicações e a
privatização de empresas como a Vale do Rio Doce fizeram parte da
estratégia do PSDB e foram fortemente criticadas pela candidatura do PT
durante a campanha de 1998[10]. Com isso, apesar do lançamento de programas
sociais, das reformas no ensino fundamental e na previdência, e da
ampliação do seguro desemprego (Draibe, 2003), o primeiro mandato de FHC
foi vinculado à imagem de um governo de direita. Ao mesmo tempo, a aliança
que enfrentou a reeleição congregava os principais partidos de esquerda no
Brasil, PT, PDT, PCdoB, PCB e PSB. A união destas siglas em torno de uma
nova candidatura de Lula "fechava o grupo" e legitimava o campo ideológico
da esquerda, atraindo para si a propriedade sobre os discursos que
envolvessem temas como a responsabilidade do Estado, a divisão dos lucros e
a injustiça social.

No horário político, o discurso do PT contra Fernando Henrique Cardoso
passa a apostar no humor e na ironia. Na área social, o partido critica
duramente os planos do governo tucano dizendo que seria possível fazer
mais. Já o PSDB se refere aos programas pelo viés do avanço que representam
e pela possibilidade de ampliação em caso de uma reeleição de Fernando
Henrique. Na questão agrícola, o PT direciona o discurso para a
distribuição de terras e critica os planos do governo para o financiamento
agrícola. O PSDB, aponta a safra recorde daquele ano e fala em ser possível
produzir ainda mais. Na questão econômica, entra em cena a crise financeira
e o PT critica as estratégias do governo tucano de buscar apoio no Fundo
Monetário Internacional e elevar a taxa de juros para conter a inflação. Os
ataques diretos à FHC, trazem expressões como a "monstruosidade" de um
pacote financeiro que o governo estaria elaborando para conter a inflação.
Já o PSDB sustenta nos seus discursos que é graças ao Plano Real que o
Brasil estava sendo capaz de enfrentar o período econômico turbulento que o
mundo atravessava naquele momento. Mesmo assim, a confiança nas propostas
de governo tucanas foi novamente vencedora no primeiro turno, atingindo 53%
dos votos válidos contra 31% de Lula[11].

Em 2002, o PT apresenta a "Carta ao Povo brasileiro" onde, sem deixar
de criticar os oito anos de governo do PSDB, esclarecia um novo
posicionamento petista, que levava em consideração a estabilidade econômica
em consonância com as realizações na área social. A mudança com
estabilidade representa a proposta do PT. A figura de Lula representa essa
transformação: o candidato aparece sorridente, tranquilo e extremamente
confiante. Pelo PSDB, o candidato é José Serra, ex-Ministro do Planejamento
e da Saúde do governo FHC, que apostava na continuidade dos programas de
governo tucanos e trazia algumas propostas de mudanças, especialmente na
educação e na segurança.

No horário eleitoral gratuito, o PT apresenta seu o candidato e sua
equipe de governo. As críticas ao candidato do PSDB aparecem agora apenas
de maneira indireta, e se resumem a raros momentos, como quando se fala no
"ultrapassado modelo econômico", ou no país passar a ser "o país da
produção e não o país da exploração". Os nomes de FHC e José Serra nem
mesmo são citados nos programas analisados. A ideia de confrontação ainda
perdura, mesmo com a diminuição das críticas. O referencial extremista está
na fala de Lula, quando diz que o Brasil "não será o país dos exploradores,
dos agiotas e dos sonegadores que sugam a economia do nosso país". Já o
programa do PSDB segue a estratégia de não fazer referência direta ao
candidato do PT. A maior parte do tempo é gasto apresentando a biografia de
José Serra, vinculando-o à classe trabalhadora. Apenas em alguns momentos,
há um apontamento para a candidatura de Lula em expressões como "enquanto
os outros candidatos falam em mudança" e "tem candidato que fala economês".
A ironia destas expressões aponta para a mudança do perfil da candidatura
de Lula, que agora estava relacionada com antigos inimigos como bancos e
empresários, mas também faz referência à uma suposta falta de propriedade,
conhecimento e profundidade no discurso sobre economia do candidato do PT.
Um ponto do discurso que relaciona o PSDB mais à direita do que nas outras
campanhas é a proposta para a segurança pública de endurecimento do papel
do Estado e a responsabilidade dividida entre governos estadual e federal.
O resultado da eleição deixou claro que o país queria mudanças mais
profundas do que as conquistadas com o governo FHC. No primeiro turno, o
PSDB obteve a pior votação desde 1989 e Serra atingiu apenas 23% dos votos
válidos contra 46% de Lula. Embalado pela certeza na vitória, Lula superou
em quase 20 milhões a votação de Serra no segundo turno, perdendo para o
candidato tucano apenas no Estado de Alagoas[12].

Na campanha de 2006, o Brasil vivia a sombra escândalo do Mensalão. As
investigações revigoraram a oposição e o PSDB lançou como candidato o ex-
Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alkmin para concorrer à
presidência. O país vivia um período de crescimento econômico e, durante o
primeiro mandato, Lula havia ampliado e criado novas políticas sociais.

No horário eleitoral do PSDB começavam a aparecer as referências
diretas ao adversário, na forma de críticas ao governo PT vinculadas
especialmente ao Mensalão. As críticas também recaem sobre programas de
governo como à lentidão nas obras de infraestrutura. Em um dos programas, o
narrador diz que Lula "abandonou os mineiros", ao não repassar verbas
federais. O minuto final é totalmente dedicado à investigação do escândalo
do Mensalão, apresentando manchetes de jornais que ligam os envolvidos
diretamente ao então presidente da República. Pelo PT, novamente, não há
referências diretas ao candidato do PSDB. Porém iniciam-se as comparações
entre o Brasil governado pelos tucanos e o governado por Lula a todo o
momento. Frases como "um presidente pode ficar conhecido por grandes
obras", "pelo trabalho social" e "pelo desempenho do seu governo na área
econômica" atuam como resposta ao vínculo com o Mensalão. O primeiro turno
encerrou com Lula obtendo 46,6 milhões de votos contra 39,9 milhões de
Alkmin e o segundo turno apresentou um surpreendente recuo na votação do
candidato do PSDB. A vitória de Lula veio com a maior vantagem da história
desde 1989, mais de 20 milhões de votos. Mesmo com esses números, a divisão
no eleitorado entre PT e PSDB começaria a ser percebida territorialmente.
Se em 2002, Serra havia vencido apenas em Alagoas, em 2006 o PSDB de
Alckmin foi superior em sete Estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná (Região Sul); São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (Região
Sudeste); e Roraima (Região Norte)[13].

Na eleição de 2010 o PT lança a ex-ministra chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff, para substituir Lula na presidência da República. Os atributos
como gestora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a larga
experiência no setor energético apontavam para o talento administrativo da
candidata petista. Apostando na força retórica da mulher, mãe e gestora,
Dilma enfrentava a José Serra, o líder das pesquisas no início do ano,
impulsionado ainda pelo processo contra os envolvidos no escândalo do
Mensalão.

Os discursos da candidatura do PSDB no horário eleitoral traziam ainda
mais referências diretas aos adversários petistas. Os ataques estavam nas
críticas ao Programa de Aceleração do Crescimento, na alegada ausência de
biografia de Dilma Rousseff em comparação à de Serra, além de fazer
constantes referências ao envolvimento dos petistas nos escândalos e em
"armações", como uma violação de arquivos da receita federal para a criação
de um dossiê contra os tucanos. O narrador do programa atribui a culpa
indiretamente ao PT: "a quem interessaria mais essa armação contra José
Serra"? Já a programação de TV da candidatura de Dilma mais uma vez não
apresenta referências diretas ao adversário José Serra nos programas
analisados. A aposta da candidatura de Dilma é na continuidade das ações do
governo Lula. A imagem da candidata é ligada à do presidente e os oito anos
de governo do PT continuam sendo constantemente comparados aos oito anos de
governo tucano". A eleição foi mais uma vez para o segundo turno. Dilma
venceu por 55,7 milhões (56%) contra 43,7 milhões (43,9%) de Serra. A
diferença de votos entre as duas legendas caiu para 12 milhões, e o número
de Estados da Federação com vitória do PSDB aumentou para 11 somando, aos
sete de 2006, Acre, Rondônia, Goiás e Espírito Santo[14].

Em 2014, Dilma Rousseff disputou a reeleição enfrentando, além do
PSDB, que desta vez trazia Aécio Neves como candidato, uma chapa encabeçada
pelo ex-governador do Estado de Pernambuco, Eduardo Campos, do Partido
Socialista Brasileiro (PSB). Campos tinha como vice a terceira colocada na
corrida presidencial de 2010, Marina Silva[15]. A menos de dois meses da
eleição, um acidente aéreo vitimou fatalmente o candidato do PSB e Marina
assumiu a candidatura. A partir do acidente, as pesquisas passaram a
apontar Marina Silva no segundo turno contra Dilma Rousseff e esse cenário
somente se modificaria nos últimos cinco dias que antecederam a votação. O
resultado das urnas levou Dilma com 43,2 milhões de votos (41,5%) e Aécio
Neves com 34,8 milhões (33,5%) para o segundo turno, contra 22,1 milhões de
votos (21,3%) para Marina Silva.




Metodologia e Análise: A medição do Potencial Ofensivo dos discursos

O artigo teve por objetivo comparar os programas eleitorais de PT e
PSDB, veiculados durante o segundo turno das eleições presidenciais de
2014, procurando por aqueles que apresentassem discursos compatíveis com a
ideia de discurso do ódio para, a partir daí, verificar sua relação com o
número de compartilhamentos e de curtidas registrados nas páginas oficiais
da rede social Facebook dos candidatos.

A hipótese que norteou a pesquisa trazia em conta a ideia de que o
ódio seria um elemento gerador de coesão no eleitorado digital, e que
aqueles programas que estivessem mais carregados de ódio, seriam os mais
curtidos e compartilhados nas páginas dos candidatos. E para realizar a
pesquisa, escolhemos como objeto de análise três programas de cada
candidato, veiculados nos mesmos dias e horários da programação eleitoral
gratuita de televisão. Foram assim selecionados os programas das quintas-
feiras à noite, dos dias 09, 16 e 23 de outubro.

O maior desafio metodológico deste trabalho surgiu diante da
necessidade de verificarmos e quantificarmos a presença de discurso do ódio
nos programas dos candidatos. A partir desse dilema, desenvolvemos uma
metodologia que, após os primeiros testes e adaptações, se mostrou capaz de
dar conta deste problema, a qual explicamos a seguir.

O método inicia com a divisão dos vídeos da programação eleitoral em
cortes de dez segundos, que serão analisados individualmente. Num primeiro
momento, é realizada a medição do Potencial Ofensivo Específico dos
discursos, onde são avaliados os termos, a ênfase, a sonoridade, a imagem e
os todos os demais elementos que compõem o quadro retórico do corte em
análise. O segundo momento é a contagem do tempo dentro deste intervalo de
dez segundos de discurso.

Como normalmente estes programas são divididos em quadros - como
entrevistas, discursos dos candidatos, discursos de apoiadores, imagens de
campanha e outros - consideramos estes quadros como as referências
principais na contagem do tempo, ou seja, os cortes de dez segundos são
realizados dentro de cada quadro específico e, assim, os quadros apresentam
a somatória dos resultados que lhes confere seu próprio Potencial Ofensivo
Relativo. E uma vez que todos os quadros de um programa estiverem
avaliados, teremos condições de somar seus resultados e atribuir ao
programa um Potencial Ofensivo Geral.

A medição do Potencial Ofensivo Específico é feita com base em uma
tabela que atribui três conceitos para os discursos dos candidatos em
relação à proposta concorrente, ou o que chamamos de o "Outro Antagonista".
Discursos com Potencial Ofensivo Leve seriam aqueles que, apesar de fazerem
referência ao outro antagonista, não chegam a projetar sentimentos de
ruptura. Já os discursos com Potencial Ofensivo Moderado, são aqueles que
projetam o sentimento de ruptura, e podem conter acusações explícitas ou
implícitas ao "outro antagonista". Os discursos com Potencial Ofensivo
Alto, são aqueles que projetam sentimentos de ruptura, contêm acusações
explícitas ou implícitas, utilizam símbolos de caráter pejorativo e figuras
de linguagem para atribuir sentido negativo ao outro antagonista. Uma vez
enquadrado em um destes conceitos, Leve, Moderado ou Alto, a avaliação do
Potencial Ofensivo do Discurso recebe uma pontuação com base na tabela 1:

"Potencial Ofensivo "Elementos "Grau "
"Específico " " "
"(Tipos de discurso) " " "
"Potencial Ofensivo Leve "Não projeta sentimento de ruptura. "0 - 3 "
"Potencial Ofensivo "Acusações implícitas ou explícitas. "3,1 - 6 "
"Moderado "Projeta sentimento de ruptura. " "
"Potencial Ofensivo Alto "Acusações implícitas ou explícitas. "6,1 a 10"
" "Projeta sentimento de ruptura. Uso de " "
" "símbolos pejorativos ou figuras de " "
" "linguagem. " "


Tabela 1: Medição do potencial
ofensivo dos discursos

Após a identificação do Potencial Ofensivo Específico, observa-se o
Tempo Relativo do discurso ofensivo dentro de cada corte de dez segundos.
Atribui-se inicialmente um conceito entre Leve, Moderado e Alto para o uso
do tempo e, por fim, um grau que seguirá a mesma lógica da escala do
Potencial Ofensivo, e receberá uma avaliação entre zero e dez.

Tendo medidos o Potencial Ofensivo Específico e o Tempo Relativo de
cada corte de dez segundos, somamos os resultados obtidos e chegamos no
Potencial Ofensivo Relativo. O cálculo do Potencial Ofensivo Relativo pode
ser aplicado separadamente, sobre cada fala, discurso, entrevista, ou
ainda, como foi feito neste trabalho, sobre cada quadro do programa, para
depois se chegar, com a soma de todos os elementos de um objeto, neste
caso, o programa veiculado no horário eleitoral gratuito de televisão e
publicado no Facebook, ao resultado final do Potencial Ofensivo Relativo.

A partir deste ponto, passamos a cruzar os dados obtidos sobre cada
programa de cada candidato com os dados sobre visualizações, curtidas e
compartilhamentos registrados nas páginas oficiais mantidas durante a
campanha no Facebook, ao que chegamos nos seguintes resultados:

Gráfico 1: Potencial Ofensivo de Aécio Neves

Os programas analisados do candidato do PSDB, Aécio Neves,
apresentaram uma variação significativa em termos de uso de Potencial
Ofensivo. Os discursos enquadrados na categoria de Potencial Ofensivo Leve
aqueles que apontavam para a recuperação da esperança, o novo jeito de
governar, e a ideia de que o Brasil precisava mudar. Em relação aos de
Potencial Ofensivo Moderado, os elementos davam conta de ideias como a
população sentir-se enganada, o adversário não assumir os erros cometidos e
não ter limites quando estaria "em jogo o seu projeto de poder". Já os
discursos com Potencial Ofensivo Alto foram aqueles que trouxeram ideias
sobre o governo do adversário não ter decência, não ter valores, recessão
financeira, escândalos políticos, corrupção na Petrobrás, Brasil "no fundo
do poço", estatais serem "a galinha dos ovos de ouro" e sobre o Brasil não
merecer este governo.





Gráfico 1: Potencial Ofensivo
Relativo de Aécio Neves



Gráfico 2: Potencial Ofensivo de Dilma Rousseff

Os programas analisados da candidata do PT à reeleição, Dilma
Rousseff, apresentaram menor variação no Potencial Ofensivo Geral. Entre os
discursos considerados de Potencial Ofensivo Leve, encontramos elementos
como referência à vitória nas urnas no Estado natal do candidato Aécio
Neves, sobre a candidata saber o que o povo pensa e garantir os resultados.
Entre os discursos considerados de Potencial Ofensivo Moderado, os
elementos davam conta de ideias como o seu governo não olhar para os
números, mas para as pessoas, sobre estar em jogo um modelo de país, sobre
o país não poder voltar atrás nas conquistas. E os discursos de Potencial
Ofensivo Alto, traziam elementos como o candidato adversário representar o
modelo que "quebrou o país três vezes", abafou escândalos, privatizou
empresas "a preço de banana", causou desemprego e recessão, "se curvou ao
FMI", "varreu a corrupção para baixo do tapete", e focava na figura do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso ter chamado aposentados de
"vagabundos", ter dito que os "pobres votam em Dilma porque são mal
informados" e que então, ele teria dito na verdade que os eleitores de
Dilma são "ignorantes", que os trabalhadores em seu governo eram jogados no
desalento, e que o remédio que o PSDB dizia que tinha para o país, na
verdade teria o "gosto amargo do desemprego".



Gráfico 2: Potencial Ofensivo Relativo
de Dilma Rousseff.

Além destes gráficos, foram gerados gráficos comparativos e
relacionados com o desempenho dos programas em relação ao Potencial
Ofensivo.






Gráfico 3: Comparativo do Potencial Ofensivo Relativo entre os
programas dos

candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves



Gráfico 4: Comparativo de compartilhamento obtido por seguidores nos perfis

dos candidatos na rede Facebook.






Gráfico 5: Percentual de compartilhamentos por número de
visualizações




Considerações Finais

Este trabalho procurou encontrar uma relação entre o discurso do ódio
presente nos dois principais partidos políticos do Brasil, o Partido dos
Trabalhadores e o Partido da Social Democracia Brasileira, e o clima de
opinião pública que se revelou na rede social Facebook, durante a eleição
de 2014 para Presidente da República, disputada no segundo turno entre os
candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves.

A hipótese que norteou este trabalho supunha que o ódio seria um
elemento gerador de engajamento e que, os programas que apresentassem um
maior potencial ofensivo seriam aqueles que se revelariam os mais populares
na rede, popularidade medida em número de curtidas e, principalmente, de
compartilhamentos. Esta expectativa não foi plenamente atingida na análise
dos três programas selecionados por parte de cada candidato.

O programa que revelou o menor Potencial Ofensivo Relativo por parte
do candidato Aécio Neves, do PSDB, do dia 09 de outubro de 2015, atingindo
apenas 75 pontos na escala de Potencial Ofensivo Relativo, foi o mais
visualizado, atingindo quase 350 mil visualizações. Também foi o programa
que obteve o maior número de compartilhamentos, de percentual de
compartilhamento por seguidores (0,79%) e por visualizações (5,60%).

Da parte da candidata Dilma Rousseff, da mesma forma, se observou que
o programa com menor Potencial Ofensivo Relativo, o que foi ao ar no dia 16
de outubro de 2015, foi o que obteve o maior número de compartilhamentos.
No entanto esse também foi o programa com o maior número de visualizações,
mais de 500 mil, o que refletiu neste resultado e garantiu um número também
maior no percentual de compartilhamentos por seguidores (0,98%).

No entanto, nossa hipótese se confirma para os seguidores do Facebook
de Dilma Rousseff através do percentual de compartilhamento por número de
visualizações, que se revelou maior para o programa que obteve o maior
Potencial Ofensivo Relativo, 236 pontos, e que foi ao ar no dia 09 de
outubro. Este programa teve 20.105 compartilhamentos para 381.207
visualizações, o que representa que 5,27% dos que assistiram ao programa
compartilharam o arquivo em suas redes pessoais ou privadas.

Estes resultados não representam o quadro geral do segundo turno. Eles
levam em consideração apenas os programas veiculados à noite e, nas quintas-
feiras de programação eleitoral gratuita na televisão. Portanto, para dizer
que o público que seguia a candidata Dilma Rousseff estava mais propenso a
compartilhar conteúdo contendo discurso do ódio, deve-se levar em
consideração que a amostragem dos programas analisados representa pouco
mais de 17% do total.

Da mesma forma, ao analisar os três programas de cada candidato
utilizando a medição do Potencial Ofensivo Relativo, chegamos a números
totais que demonstram uma marcada diferença entre os Potenciais Ofensivos
de Aécio Neves e Dilma Rousseff. A programação da candidata do PT atinge
602 pontos, enquanto a programação do candidato do PSDB atinge 317 pontos.



Gráfico 6: Potencial Ofensivo Relativo Total Dilma x
Aécio




Referências Bibliográficas

ABELLÁN, Mar. 72 horas, del 11m al 14m. Espanha. 2005. 70 minutos.

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[1] Trabalho em andamento. Original apresentado no Grupo de Comunicação
Política do XIII Seminário Internacional de Comunicação da PUC RS
(nov/2015).
[2] Mestre em Comunicação (2014) e Doutorando do PPPGCOM da PUCRS. Bolsista
do Capes.
[3] Programa Café com Filosofia, Rede Cultura. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=iG-OGc1bufs.

[4] A Condição Humana, 1958.
[5] Superestrutura, de acordo com a terminologia marxiana.
[6] Espiral do silêncio
[7] "Você está demitido", é o jargão do apresentador do programa que tem
versão brasileira na Rede Record desde 2004.
[8] Partido Popular Socialista, Partido Socialista Brasileiro, Partido
Comunista do Brasil e Partido Verde.
[9] Fonte: TSE:

[10]Em 1998, uma alteração na norma eleitoral passou a permitir a reeleição
dos ocupantes de cargos do executivo em todo o país.
[11] Fonte: TSE
.
[12] Fonte: TSE
.
[13] Fonte: TSE
.
[14] Fonte: TSE .
[15] A candidata concorreu em 2010 pelo Partido Verde (PV) e atingiu quase
20% dos votos válidos.
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