Elementos para interpretação da liberdade contratual e função social: o problema do equilíbrio econômico e da solidariedade social como princípios da Teoria Geral dos Contratos.

May 24, 2017 | Autor: Gerson Branco | Categoria: Contratos, Autonomia privada, liberdade contratual, função social dos contratos
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A prova ilícita

Essas considerações suscitam refletir sobre o que «é» a doutrina (com ênfase na doutrina civilista, tradicional fornecedora de modelos hermenêuticos), para o que se torna necessário mencionar «o que foi», antes de averiguar como realiza – se é que o vem realizando – aquele «objeto primordial» de formular modelos doutrinários destinados a explicitar, examinar e desenvolver os modelos jurídicos, afinal, a tarefa proposta nessa obra coletiva.

ISBN 978-85-66722-16-1

t Decisão judicial: a cultura

Modelos de Direito Privado Judith Martins-Costa

Modelos de direito privado

A elaboração e o desenvolvimento dos modelos dogmáticos é a tarefa primeira da doutrina jurídica. É «objeto primordial» da dogmática jurídica, escreveu Reale, «a análise das significações» dos modelos jurídicos, «de sua linguagem específica, bem como do papel e das funções que os mesmos desempenham como elementos componentes das estruturas normativas fundamentais, integradas, por sua vez, no macromodelo do ordenamento jurídico». Estudos recentes têm apontado à irrealização desse «objeto primordial» e, de certo modo, ao descenso da atividade doutrinária como um todo, modificando-se, em consequência, a relação entre o jurista e o direito positivo. Hoje «já não podemos silenciar com êxito» sobre o fato de a doutrina civilista «padecer de sérios problemas», observa o civilista espanhol Tomás Rubio Garrido. Fundamentalmente, diz entre nós Humberto Ávila, a doutrina «cessou de ser seguida porque parou, em parte, de ser necessária à aplicação do Direito e de orientar tanto os operadores quanto os destinatários». Tal se deve, no diagnóstico de Otávio Luiz Rodrigues Jr., por ter deixado «de ser uma arte de juristas», o que explica em grande parte «seu desprestígio».

Teresa Armenta Deu

JUDITH MARTINS-COSTA

«No campo da experiência jurídica», escreveu Miguel Reale, «as estruturas sociais apresentam-se sob a forma de estruturas normativas ou sistemas de modelos, sendo cada modelo dotado de uma especial estrutura de natureza tridimensional». Modelos são estruturas normativas dinâmicas, que integram fatos e valores em normas jurídicas. Correspondem às fontes, mas dela se desprendem por se apresentarem no devir da mutável experiência jurídico-social: há modelos legislativos, jurisprudenciais, costumeiros e negociais, os quatro consubstanciando a categoria dos modelos jurídicos. E há, por igual, modelos dogmáticos – também ditos hermenêuticos, ou doutrinários – «estruturas teoréticas referidas aos modelos jurídicos, cujo valor eles procuram captar e atualizar em sua plenitude».

JUDITH MARTINS-COSTA é Livre Docente e Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Lecionou entre 1992 e 2010 na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado. É conferencista em Universidades brasileiras e estrangeiras. É Presidente do Comitê Brasileiro da Association Internationale des Sciences Juridiques e Vice-presidente do Instituto de Estudos Culturalistas (IEC). Também atua como Árbitra e Parecerista em litígios civis e comerciais no Brasil e no Exterior.

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elemeNtos para iNterpretaÇÃo da liBerdade CoNtratUal e FUNÇÃo soCial: o proBlema do eQUilÍBrio eCoNÔmiCo e da solidariedade soCial Como priNCÍpios da teoria Geral dos CoNtratos

Gerson luiz Carlos BranCo suMário: introdução – i) socialidade e solidariedade. ii) liberdade contratual, função social dos contratos e equilíbrio econômico. iii) da factualidade social do contrato – Conclusão – Bibliografia.

iNtrodUÇÃo apesar de o Código Civil brasileiro já ter completado 10 anos de sua promulgação, há temas que ainda estão em um estágio inicial de debate, já que as dúvidas sobre a real extensão das normas jurídicas são maiores do que uma certeza mínima sobre o seu significado. o art. 421 do Código Civil11 está entre as disposições que provocam debates inconclusivos, assim como justificam correntes jurisprudenciais e doutrinárias incertas sobre o seu significado. a contribuição desse artigo volta-se a esgrimir dois aspectos de relevante importância para traçar os limites da aplicação do art. 421 do Código «art. 421. a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.» 11

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Civil, cujo conteúdo diz com a existência de dois novos princípios do direito contratual conexos à liberdade contratual: «solidariedade social» e «equilíbrio econômico do contrato».12 Embora a afirmação de tais princípios para o Direito Contratual esteja sempre calcada em valores dos mais consideráveis, sendo sustentada na disposição do art. 421 do Código Civil por ilustres juristas, é preciso verificar se a estrutura técnica do contrato admite a recepção de tais princípios. O ponto de partida dessa verificação passa pelo reconhecimento de que o Código provocou uma mudança de problemas: se, antes do Código ora vigente, «o problema» do direito contratual era o sistema fechado, o «grande problema» do direito contratual, após 2003, é a identificação de parâmetros mínimos e comuns a respeito da aplicação das cláusulas gerais, e sobre como controlar as decisões judiciais que fazem a aplicação de tais cláusulas. essa preocupação com o controle faz parte das legítimas preocupações em um estado democrático de direito, em que há repulsa ao subjetivismo (ou voluntarismo) como critério de decisão dos conflitos jurídicos e sociais. O subjetivismo é a atitude ou a prática de atribuir significados às expressões normativas sem que tais significados tenham uma justificação racional, revelando uma atitude arbitrária do intérprete, que apresenta como norma jurídica uma visão pessoal muitas vezes ideológica e distorcida da experiência Ferreira da silva, luis renato. a função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a solidariedade social. sarlet, ingo Wolfgang (org.). O novo Código Civil e a Constituição. porto alegre: livraria do advogado, 2003, p. 129. Ferreira da silva, Jorge Cesa. princípios de direito das obrigações no novo Código Civil. sarlet, ingo Wolfgang (org.). O novo Código Civil e a Constituição. porto alegre: livraria do advogado, 2003, p. 99-125. neGreiros, teresa. Teoria do contrato: Novos paradigmas. rio de Janeiro: renovar, 2006, p. 156. tiMM, luciano. O novo direito contratual brasileiro. são paulo: Forense lv, 2008. Junqueira de azevedo, antonio. princípios do novo direito contratual e desregulamentação de mercado – direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. são paulo: Ed. Revista dos Tribunais, vol. 750, 1998, p. 113-120. MaCedo Júnior, ronaldo porto. Função social dos contratos. são paulo: Cadernos Direito GV, vol. 6, 2005, p. 15-21. No direito Comparado, o principal expoente do solidarismo contratual é denis mazeaud, que defende veementemente a ideia de que o contrato também precisa realizar o ideal da «fraternidade». Mazeaud, denis. «loyauté, solidarité, faternité, na nouvelle devise contractuelle?». em: Lávenir du droit, Mélanges en hommage à F.Terré. paris: dalloz, 1999. Mazeaud, denis. la commission lando: le point de vue dún juriste français». em: L’harmonisation Du Droit Des Contrats En Europe. paris: econômica, 2001, p. 141-161; Mazeaud, Denis. La confiance legitime et l’estoppel. Revue internationale de Droit Comparé, vol. 58, 2006, p. 363-392. importante trabalho sobre a matéria foi recentemente objeto de tese de doutorado: Fandiño, mariana Bernal. El deber de Coherencia en el Derecho Colombiano de los Contratos. pontifícia Universidad Javeriana, Bogotá, inédito, 2012. Nesse trabalho é realizada uma ponderação para verificar a compatibilidade da noção de função social com a concepção de solidarismo desenvolvida no direito Francês e adotada em algumas decisões das cortes colombianas. 12

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jurídica em que está inserido. a esse propósito inafastável a dicção de Judith Martins-Costa ao afirmar que «nenhum código provém do nada, nenhum código opera no vazio, pois seu modelo sempre expressa uma reflexão e uma tomada de posição diante dos problemas do mundo…».13 a «tomada de posição» democraticamente adotada pelo legislador e expressa no Código há, portanto, de ser o limite ao subjetivismo, sob risco de perda de um valor inerente e essencial ao estado democrático de direito:14 um grau mínimo de segurança jurídica e de legitimidade do processo de criação e aplicação das normas. porém, ainda que preponderantemente caiba ao legislador a realização das escolhas necessárias à conformação do ordenamento, a proliferação das cláusulas gerais e a aplicação no direito privado dos direitos fundamentais de forma direta e imediata – como vêm ocorrendo –, recomendam debater os modelos interpretativos oferecidos prioritariamente pela doutrina,15 mas, igualmente, deduzidos de um conjunto de decisões judiciais, pois o conteúdo do direito é definido no processo de aplicação e interpretação. os modelos interpretativos (ditos também «modelos dogmáticos»; ou «hermenêuticos»; ou «doutrinários») são essenciais no processo constitutivo da experiência jurídica. embora as normas sejam o elemento nuclear do ordenamento – pois estabelecem prescrições de organização e conduta a partir das quais são formados os direitos e deveres nas relações horizontais típicas do direito privado –, é sempre necessário determinar o conteúdo de tais direitos e deveres que serão exigidos reciprocamente pelos particulares. essa determinação é «tarefa primordial» da dogmática jurídica,16 isto é, da doutrina. Cabe-lhe, com efeito, formular proposições interpretativas ou «modelos hermenêuticos» sugerindo um determinado conteúdo e significado para as normas jurídicas, esclarecendo-as e muitas vezes preenchendo lacunas dos sistemas normativos. a transformação do modelo doutrinário em modelo dotado de força prescritiva depende do acolhimento de seu sentido por uma das fontes dotadas do poder de decidir e vincular comportamentos, a saber: a lei, a jurisprudência, os negócios jurídicos ou os usos.17 ainda assim, a 13 Martins-Costa, Judith. Culturalismo e experiência no novo Código Civil. Revista do Tribunal Regional Federal da 1.a Região. vol. 18, n. 6, jun./2006. 14 art. 1.º, da Constituição Federal: «a república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do distrito Federal, constitui-se em estado democrático de direito e tem como fundamentos:». 15 No sentido atribuído por miguel reale na obra Fontes e modelos do direito – para um novo paradigma hermenêutico. são paulo: saraiva, 1999. 16 reale, miguel. vida e morte dos modelos jurídicos. Estudos e filosofia e ciência do direito. são paulo: saraiva, 1978, p. 16. 17 a propósito ver reale, miguel. Fontes e Modelos do Direito – para um novo paradigma hermenêutico. são paulo: saraiva, 1994, p. 105-122.

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doutrina é dotada de eficácia persuasiva e, como tal, é elemento constitutivo da experiência jurídica.18 seja formulado por meio da doutrina («modelo hermenêutico»), seja por via judicial («modelo prescritivo»), a intersubjetividade é essencial para a formação de consensos mínimos que assegurem um núcleo conhecido e minimamente estável de interpretação das normas jurídicas. esta recomendação tanto mais importante é quando se trata de uma cláusula geral19 com conteúdo tão amplo e importante como a da cláusula geral do art. 421 do Código Civil. a própria racionalidade do direito contratual precisa ser pensada para assegurar que o conteúdo das cláusulas gerais seja definido por decisões coerentes com a ratio desse instituto e com as demais regras e princípios a ele incidentes, e não por mera aleatoriedade. essa preocupação não é exclusivamente nossa, mas tem afetado o debate jurídico sobre o direito contratual moderno, inclusive no direito do common law, em que há debates importantes para definição de critérios mínimos de racionalidade: racionalidade formal (não contradição da doutrina), racionalidade instrumental (capacidade de a doutrina fornecer guias para decisão judicial e não meramente afirmações genéricas) e racionalidade substantiva (razões empíricas que sustentam as doutrinas particulares).20 a própria transformação dos princípios nesse campo do direito tem sido compreendida como um processo de «refinamento e qualificação» diante das transformações sociais e econômicas, que exige uma reinterpretação e diferenciação, mais do que a «invenção» de novos princípios.21 para analisar o modelo interpretativo segundo o qual a liberdade contratual, tal como positivada no art. 421, comporta o princípio do equilíbrio econômico do contrato, e a função social representa a adoção do princípio da solidariedade social,22 toma-se como paradigma decisão do superior tribunal 18 vide, neste volume: Martins-Costa, Judith. Autoridade e utilidade da doutrina: a construção dos modelos doutrinários, p. 9. 19 a propósito das cláusulas gerais, em especial sobre o Código Civil brasileiro, ver MartinsCosta, Judith. as cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. Revista de Informação Legislativa, n. 112, p. 13-32. Martins-Costa, Judith. o direito privado como um «sistema em construção». as cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 15, 1998, p. 134. Martins-Costa, Judith. Notas sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Literária de Direito, n. 53, ano X, ago./2004, p. 17-21. 20 BroWnsWord, roger. Contract Law. Themes for the twenty-first century. Oxford: Oxford University press, 2006, p. 273-293. 21 Collins, Hugh. The Law of Contract. Cambridge: lexisNexis, 2003, p. 20 – 45. 22 Uma importante observação é a de que a noção de princípio a que se refere este artigo é a de «princípio com estrutura e eficácia normativa». A importância deriva da circunstância de que no direito Francês, em especial por conta da obra de Courdier-Cuisinier, anne-sylvie. Le Solidarisme Contractuel. Paris: Litec, 2006, p. 246 e ss., há a afirmação de que o «solidarismo» pode ser considerado como um princípio demonstrativo». princípio demonstrativo é espécie

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de Justiça na qual essa matéria foi objeto de análise. a razão para utilização da decisão adiante apresentada como paradigma para o enfrentamento do tema é a circunstância de ter sido a primeira decisão da Corte encarregada de unificar a jurisprudência a aplicar a cláusula geral do art. 421. a decisão problematizou de maneira expressa opiniões doutrinárias e questões a que esse artigo se propõe a debater. por isso, em certa medida, este artigo é um debate entre uma determinada concepção de função social dos contratos e uma decisão judicial que lhe aplicou.23 É importante mencionar o que antecedeu à decisão, para sua melhor compreensão. logo após o início da vigência do Código Civil, o tribunal de Justiça do estado de Goiás proferiu diversas decisões permitindo a revisão de contratos de compra e venda, e, consequentemente, declarando ineficazes as cláusulas contratuais que definiam um determinado preço para a soja. Como fundamento daquelas decisões, foi usada a função social dos contratos prevista no art. 421 do Código Civil, cuja incidência exigiria a intervenção judicial para que o contrato mantivesse seu equilíbrio econômico. Os fatos à época submetidos à apreciação judicial tinham como razão de ser a variação do preço da soja no mercado internacional, que entre a data do contrato e a data do adimplemento havia sofrido grande alteração. os produtores que celebraram contratos de compra e venda logo após ou durante o plantio da soja venderam o produto para entrega futura por preço fixo. tendo em vista o ciclo de produção da soja, o período entre a data da contratação e o da entrega e pagamento era de aproximadamente seis meses. Porém, esse período de seis meses foi suficiente para que o mercado internacional e a conjuntura interna do ano da primeira eleição de Lula à presidência (2003) provocasse uma «perda» (segundo a concepção dos agricultores), por conta do preço fixo ajustado no contrato, pois os vendedores receberam aprode princípio lógico, sem caráter normativo, pertencente não propriamente ao Direito, mas à Ciência do direito: «Plus précisément, les príncipes démonstratifs ‘désignent des règles issues dúne élaboration méthodique et réfléchie, disposées dans un ordre systématique» (p. 252). sob o ponto de vista prático, essa concepção permite revisar os princípios da liberdade contratual, força obrigatória e efeitos relativos (p. 259), para o fim de considerar várias exceções a tais princípios. A título exemplificativo, o princípio da liberdade contratual impõe limites, entre eles uma obrigação pré-contratual peculiar: «Elle peut être présentée comme l’obligation de ne pas contracter mise à la charge de la partie s’étant nécessairement rendu comte de l’inaptitude de l’autre à réaliser son intérêt au contrat, même si les juges l’imposent indirectement sous couvert du devoir de conseil ou de mise en garde», p. 264. em outras palavras, se na fase pré-contratual um dos contratantes observa a incapacidade do outro cumprir sua obrigação, deverá recusar o contrato. 23 embora a decisão tenha tratado de vários aspectos do direito contratual, a análise deste artigo ficará adstrita àqueles atinentes à função social.

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ximadamente a metade do valor que o mercado passou a pagar. assim, em razão da alegada perda patrimonial, os agricultores propuseram ações visando à revisão contratual para reconhecer o direito à alteração do contrato, tendo a demanda, entre outros fundamentos, a função social dos contratos e a necessidade de preservar o equilíbrio econômico dos contratos. as demandas invocavam a onerosidade excessiva prevista no art. 478 do Código Civil como fundamento legal para a revisão contratual, afirmando ter aquela regra como substrato o princípio do equilíbrio econômico do contrato. a adoção desse princípio pelo direito contratual autorizava – segundo o alegado – a aplicação dos efeitos da onerosidade excessiva, pois afinal de contas será sempre «excessivamente oneroso» o contrato em que há desequilíbrio econômico, caracterizado pela disparidade do valor das prestações quando comparadas na data da contratação frente ao seu valor na data do adimplemento. embora o tribunal de Justiça de Goiás tivesse entendido que a revisão era necessária em prol da preservação do equilíbrio econômico, tendo como fundamento jurídico a função social dos contratos, o superior tribunal de Justiça decidiu em sentido diretamente inverso.24 a relatora do recurso em análise, ministra Nancy andrighi, decidiu a questão analisando diversos aspectos, entre eles a boa-fé e os critérios de incidência do art. 478 do Código Civil, tendo, no que respeita a este artigo, afirmado o seguinte: «A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. este não pode ser ignorado, a pretexto de cumprir-se uma atividade beneficente. Ao contrato incumbe uma função social, mas não de assistência social. por mais que o indivíduo mereça tal assistência, não será no contrato que se encontrará remédio para tal carência. o acórdão reformado no superior tribunal de Justiça foi o seguinte: tribunal de Justiça de Goiás. apCiv 200400673805, rel. des. vitor Barboza lenza, j. 17.05.2005. Com a seguinte ementa: «apelação cível. revisão de cláusulas contratuais com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Contrato de compra e venda. soja. alegação de desequilíbrio entre as partes. preço pré-estabelecido. entrega futura. substancial elevação do preço. prejuízo insuportável por parte do devedor. revisão do reajuste. possibilidade. Pacta sunt servanda. Função social. Boa-fé. 1 – nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosas, com extrema vantagem para outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato, os defeitos da sentença que o decretar retroagirão a data da citação. 2 – o principio pacta sunt servanda deve ser interpretado em consonância com a realidade sócio-econômica, de sorte a evitar desequilíbrio econômico entre os contratantes. 3 – em contrato de compra e venda de soja para entrega futura, acontecendo substancial aumento do preço e do produto, não pode prevalecer a clausula contratual entre as partes. 4 – os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução os princípios de probidade de boa-fé. recurso conhecido e parcialmente provido.» 24

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O instituto é econômico e tem fins econômicos a realizar, que não podem ser postos de lado pela lei e muito menos pelo seu aplicador. a função social não se apresenta como objetivo do contrato, mas sim como limite da liberdade dos contratantes em promover a circulação de riquezas.»25

As afirmações deixam clara a opção por afastar a ideia de uma «solidariedade social» compreendida ao modo de «assistência social» que seria ínsita ao contrato, o que faz questionar qual é o sentido do «social» atribuído pela lei, quando afirma que a liberdade de contratar deve ser exercida «em razão e nos limites da função social dos contratos». além do mais, a decisão entende que, embora os fins do contrato sejam econômicos, o equilíbrio necessário para os contratos não deve levar em conta o «valor das prestações», mas sim a função do contrato na distribuição dos riscos da operação econômica que pretende regular. Esse entendimento justifica o questionamento sobre o significado do «social», assim como da função do contrato em relação ao que se convencionou chamar de «equilíbrio econômico». i) soCialidade e solidariedade segundo o que dispõe o art. 3.º, i, da Constituição Federal, é um dos objetivos da república Federativa do Brasil constituir uma sociedade justa e solidária. Para realização desse fim, o próprio texto constitucional estabelece uma série de princípios e comandos ao legislador, para obrigá-lo a respeitar direitos e garantias fundamentais (entre elas os direitos sociais, com ampla aplicação no direito do trabalho). além do mais, institui um título destinado a regular a ordem social,26 baseado em mecanismos jurídicos complexos com a finalidade de estabelecer políticas públicas, órgãos e sistemas para realização da solidariedade social. dentre estes não está o contrato, disciplinado que foi em dois capítulos do texto constitucional, no art. 5.º, como um dos efeitos da liberdade geral, e no art. 170, que trata da ordem econômica. o reconhecimento da liberdade contratual como efeito da liberdade geral prevista no art. 5.º como direito Fundamental não é novidade em nosso ordenamento, pois decorre do antigo debate que emergiu da tríade «liberdade, segurança e propriedade» presente desde a tradição liberal e das primeiras constituições posteriores à revolução francesa.

superior tribunal de Justiça, 3ª turma, resp 803.481-Go, rel. ministra Nancy andrighi, j. 28.06.2007. 26 «art. 193. a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.» 25

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A tradição civilista desde o advento do Código de Napoleão afirma tanto a liberdade quanto a propriedade como instrumentos para proteger a liberdade «mercantil e negocial», que consiste basicamente em «possibilidade de mobilização da riqueza, de livre aquisição e disposição de bens patrimoniais».27 É certo também que, na perspectiva iniciada em meados do século XX (cujo marco maior em sede doutrinária pode ser considerado a obra do jurista italiano Natalino Irti sobre a descodificação), afirma-se um fenômeno que corta a incomunicabilidade entre direito Civil e direito Constitucional. os «vasos comunicantes» entre um e outro no ordenamento jurídico brasileiro, ficam evidentes não apenas em razão da «força normativa da Constituição», mas, expressamente, ex vi da disposição do § 1.º do art. 5.º da Constituição Federal de 1988, segundo a qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. a perspectiva de haver uma «intencionalidade material» que submete a validade de todas as regras do sistema ao texto constitucional coloca a Constituição no cume do ordenamento, não apenas formalmente, mas com suas «opções valorativas»,28 o que provoca o debate da liberdade contratual e da autonomia privada na perspectiva constitucional, não sendo mais possível discutir tais princípios sob a ótica exclusivamente infraconstitucional. a liberdade para regular as relações jurídicas (não econômicas ou econômicas), e o resultado do exercício desta liberdade formando um ato jurídico perfeito, tornando a autonomia privada (como gênero do qual a liberdade contratual é espécie) direito fundamental diretamente emanado do mandamento do art. 5.º, caput, da Constituição Federal, ao assegurar essa condição para os direitos de liberdade, aos quais estão associados. dentre os direitos de liberdade está a autovinculação29 que atribui significado à autonomia privada e à liberdade contratual, recepcionada essa liberdade

27 riBeiro. Joaquim de souza. Direito dos contratos. Coimbra: Coimbra editora, 2007, p. 8. sobre a evolução do conceito de negócio jurídico e sua objetivação, bem como da superação da teoria da vontade por uma teoria da «autonomia privada» tratamos em BranCo, Gerson luiz Carlos. Função social dos contratos. são paulo: saraiva, 2009. 28 riBeiro. Joaquim de souza. Direito dos contratos – Estudos. Coimbra: Coimbra editora, 2007, p. 11. 29 steinMetz, Wilson antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. são paulo: malheiros, 2004, p. 200: «se todos esses princípios e direitos constitucionais mencionados contêm um conteúdo básico de autodeterminação e autovinculação da pessoa, então a autonomia privada – que é um poder geral de autodeterminação e autovinculação – também é constitucionalmente protegida ou tutelada. dizendo, ainda, de outro modo, a tutela constitucional da autonomia privada deflui desses princípios e direitos expressos no texto constitucional.»

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na disposição que reconhece e protege o ato jurídico perfeito.30 o fato de não existir um «enunciado normativo» expresso no texto constitucional afirmando a autonomia privada e a autodeterminação como direitos fundamentais não lhes retiram tal condição, pois é o sistema de proteção de uma determinada norma que assegura a sua existência. Usando-se a terminologia de alexy, pode-se considerar que tanto autonomia privada quanto autodeterminação são «direitos fundamentais atribuídos»,31 cujos efeitos são de faculdades que emanam imediata e diretamente a capacidade jurídica do sujeito de direitos.32 Nesse contexto e tomando-se o contrato como uma «competência» atribuída pela Constituição Federal que o considera como ato jurídico perfeito, cuja eficácia é insuscetível de ser prejudicada sequer pela lei, essa competência (competência para a nomogênese nas relações intersubjetivas de natureza econômica), ao ser exercitada pelos particulares, precisa gerar preceitos cujo conteúdo esteja adequado aos princípios e ditames que a Constituição Federal estabeleceu para a ordem econômica. os princípios que foram estabelecidos para a ordem econômica estão consubstanciados no art. 170, tendo lugar de destaque a liberdade de iniciativa. a liberdade de autodeterminação não se esgota nisso. trata-se de liberdade com conteúdo amplo em que estão incluídos atos que não formam atos jurídicos perfeitos e que, por isso, estão fora do âmbito da autonomia privada ou liberdade contratual, sendo próprios dos direitos da personalidade, em que o principal comando normativo restringe a possibilidade de limitação convencional. sobre o tema, tratamos no texto BranCo, Gerson. l. C. autodeterminação e limitação negocial aos direitos da personalidade. narCiso, Baez; Cassel, douglas (org.). A realização e a proteção internacional dos direitos humanos fundamentais – Desafios do século XXI. Joaçaba: Unoesc, 2011, vol. 1, p. 219-237. 31 Há os «direitos fundamentais atribuídos»: «Normas como (4), (5) e (6) não são estabelecidas pelo texto constitucional, elas são atribuídas às normas diretamente estabelecidas pela Constituição. Isso justifica chamá-las de normas atribuídas. as normas de direito fundamental podem, portanto, ser divididas em dois grupos: as normas de direito fundamental estabelecidas diretamente pelo texto constitucional e as de direito fundamental atribuídas» alexy, robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2 ed. são paulo: malheiros, 2011, p. 50 e ss. 32 Mota pinto, Carlos alberto da. Teoria geral do direito civil. 3. ed. Coimbra: Coimbra editora, 1992, p. 170. aMaral, Francisco. a autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica. perspectivas estrutural e funcional. Revista de Direito Civil. são paulo: ed. Revista dos Tribunais, ano 12, n. 46, 1988, p. 11, afirma que a autonomia privada, considerada princípio para atuação dos particulares com eficiência normativa, consiste em «uma verdadeira projeção, na ordem jurídica, do personalismo ético, concepção axiológica da pessoa como centro e destinatário da ordem jurídica privada, sem o que a pessoa humana, embora formalmente revestida de titularidade jurídica, nada mais seria do que mero instrumento a serviço da sociedade». No mesmo sentido, considerando a liberdade de contratar emanação da personalidade, larenz, Karl. Derecho civil. parte general. madrid: editorial revista de derecho privado, 1978, p. 258: «El derecho fundamental al libre desenvolvimiento de la personalidad (…) significa más, en realidad (…) se concretiza en diferentes derechos especiales de libertad (…), y en el derecho privado, principalmente en las instituciones de la libertad contractual, la libertad de disponer sobre la propiedad, la libertad de testar, la libertad industrial y la libre competencia». 30

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embora a liberdade contratual não se confunda, tampouco se subsuma a liberdade de iniciativa, há uma relação estreita entre ambas as liberdades, pois a forma de realização da segunda passa pela utilização do contrato como principal instrumento para formalização e regulamentação das relações econômicas.33 a liberdade de iniciativa não é absoluta, pois o próprio texto constitucional condiciona essa liberdade de iniciativa à «valorização do trabalho humano», da «justiça social», da «função social da propriedade», além da defesa do consumidor, meio ambiente, desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e proteção da pequena empresa. a questão que se põe, portanto, é: esses limites dos incisos do art. 170 são aplicáveis aos contratos? podem ser considerados «princípios» inerentes aos contratos? pensamos que não, ao menos de forma direta e imediata, pois como mencionado acima, a liberdade de iniciativa é distinta da liberdade de contratar. Não é possível atribuírem-se aos contratos indistintamente, todos os efeitos, princípios e regime de atividades que são realizadas primariamente por outros meios, pois enquanto a liberdade de iniciativa é uma faculdade de agir e interagir economicamente na vida social, a liberdade de contratar é uma «competência» para criar preceitos com eficácia jurídica normativa. o modelo jurídico da liberdade contratual foi sendo construído ao longo da História a partir das experiências sociais na medida de sua realização, ligada a fatos e exigências valorativas, tendo seu conteúdo derivado de um conjunto de elementos em que a técnica jurídica assume um papel de grande relevância, já que cabe ao filtro da técnica recolher os elementos significativos gerados pela «vida de relação». por isso, a regulação da liberdade de iniciativa não altera substancialmente a liberdade de contratar, que continua sendo uma competência normativa: enquanto os atos de livre iniciativa podem ser considerados permitidos ou proibidos, os atos de liberdade contratual são considerados pelo ordenamento como válidos ou inválidos, eficazes ou ineficazes. Ou seja, o texto constitucional não é suficiente e não consegue transformar o modelo jurídico da liberdade contratual em instrumento para reali-

33 aMaral, Francisco. Direito civil: introdução. rio de Janeiro: renovar, 2000, p. 353-355. Em sentido contrário ao pensamento de Francisco Amaral, Paulo Lôbo afirma que «a ordem econômica se realiza mediante contratos. a atividade econômica é um complexo de atos contratuais direcionados a fins de produção e distribuição dos bens e serviços que atendem às necessidades humanas e sociais». lôBo, paulo luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa, ano 36, n. 141 jan.-mar./1999, p. 107. o fato de a liberdade de iniciativa não ser realizada somente através de contratos não afasta o argumento de que a liberdade de contratar é decorrente da liberdade de iniciativa econômica, pois boa parte das iniciativas econômicas e as ações que são realizadas no mercado dão-se através de contratos.

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zação de políticas públicas, sequer aquelas descritas nos incisos i a viii do art. 170 da Constituição Federal. Hoje em dia superou-se o modelo da «incomunicabilidade»34 que vigorava em período anterior, em que havia uma separação quase que absoluta entre os campos do Direito Privado e da Constituição, mas isso não significa desconhecer e aplainar a riqueza e complexidade do direito privado, fazendo incidir a Constituição sem a mediação e a preservação das estruturas e dos modelos jurídicos conformados gradual e lentamente pela tradição ao longo de séculos. vai no mesmo sentido o alerta de Canaris a respeito da possibilidade de aplicação indiscriminada das disposições constitucionais sem a mediação da tradição do Direito Privado, com a consequente perda de sua especificidade técnica e vínculo com a própria realidade.35 a solidariedade é, sem dúvida, valor constitucionalmente tutelado, mas o contrato não é o instrumento jurídico adequado à sua realização. Por isso miguel reale, com a clareza de quem compreendia que a vinculação entre o direito e a realidade social, afirmou que o princípio jurídico adotado pelo Código Civil para os contratos foi o da socialidade e não da solidariedade,36 tal como se viu na decisão do superior tribunal de Justiça antes comentada. sua proposição é de que a socialidade foi positivada no Código Civil como elemento para construção de um sistema adequado em uma «época em que o desenvolvimento dos meios de informação vem ampliar os vínculos entre os indivíduos e a comunidade».37 a socialidade se produz na necessidade de o direito individual não se sobrepor a valores socialmente relevantes. É assim possível a conciliação entre diretrizes centrais do ordenamento, polos em torno dos quais o direito realiza os seus valores, ligados à individualidade e à sua dimensão social. essa análise serve para apresentar a dimensão da socialidade e sua indissociável ligação com a funcionalização dos modelos jurídicos postos no Código, o que gera uma diretriz central, sem a qual não se pode dimensionar o conteúdo e o sentido das normas.

34 Martins-Costa, Judith. os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. sarlet, ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. porto alegre: livraria do advogado editora, 2003, p. 61-86. 35 Canaris, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na alemanha. sarlet, ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. porto alegre: livraria do advogado editora, 2003, p. 205-220. 36 reale, miguel. O projeto do novo Código Civil. 2. ed. são paulo: saraiva, 1999. 37 reale, miguel. visão geral do projeto de Código Civil. disponível em www.miguelreale. com.br/artigos/vgpcc.htm acesso em: 20.06.2012.

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a função social deve ser realizada na «dimensão singular» do contrato, pois continua em vigor o princípio da eficácia relativa das convenções, apesar da possibilidade da eficácia transubjetiva naqueles casos em que a lei expressamente permite tal eficácia. a sociedade não é parte da relação contratual, e o «interesse social» presente em todos os contratos não pode ser confundido com o «interesse público», que excepcionalmente pode estar presente, mas que não tem vínculo direto com a função social do contrato.38 a funcionalização implica intervenção no regime dos efeitos para proteção do interesse social, que não representa a «sociedade» corporificada em um «interesse» concreto eventualmente oposto ao interesse das partes, mas a uma atribuição normativa para o contrato (considerado como instituto jurídico), que pode estar presente na realização dos interesses individuais dos contratantes, sem qualquer limitação por parte da coletividade. o «interesse» somente adquire a adjetivação «social» se o contrato for observado sob o ponto de vista macroeconômico e normativo, inserido no sistema de direito privado, pois, sob o ponto de vista singular, a consequência direta da função social dos contratos é a proteção de interesse econômico particular de um dos contratantes. Em outras palavras, a finalidade imediata a ser alcançada é de natureza econômica e particular, e a finalidade mediata é de natureza social.39 No direito brasileiro, tem sido feita a distinção entre interesse público e interesse social com base na afirmação de que no primeiro estão em jogo os interesses da administração pública para consecução de seus fins, enquanto no segundo se trata dos interesses não específicos da «sociedade», considerada como a massa indeterminada de indivíduos que integram determinada nação. tal distinção tem origem na diferença entre «desapropriação por interesse público» e «desapropriação por interesse social». importante a observação de paulo lôbo, de que a constitucionalização do direito civil não representou uma «publicização» do mesmo, mas de regulação de matérias típicas de direito privado, que continuam afeitas a esse ramo do direito, com regulação cogente de determinadas matérias: «É certo que o estado social eliminou o critério de distinção tradicional, a saber, o interesse; o interesse público não é necessariamente o interesse social, e os interesses públicos e privados podem estar embaralhados tanto no que se considerava direito público quanto no direito privado». lôBo, paulo luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 36, n. 141 jan./mar. 1999, p. 100. sobre o mesmo problema, mas com a ótica voltada para o direito de propriedade, ver varela, Laura Beck. Das propriedades à propriedade: construção de um conceito. Martins-Costa, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. são paulo: ed. revista dos tribunais, 2002, p. 730-762. varela, laura Beck e ludWiG, Marcos de Campos. Da propriedade às propriedades: função social e reconstrução de um direito. Martins-Costa, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. são paulo: ed. revista dos tribunais, 2002, p. 763-788. 39 A referência a uma finalidade imediata e outra mediata no âmbito da autonomia privada é apresentada sob o ângulo do interesse por Ana Prata, a partir de reflexão de Salvatore Pugliatti. prata, ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: almedina, 1982, p. 38

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a existência de contratos em que o paradigma de justiça não é propriamente o da justiça comutativa, mas da justiça distributiva – como nos casos dos contratos de seguro, daqueles concluídos em vista do sistema financeiro da habitação ou mesmo dos contratos de concessão de crédito no âmbito do sistema financeiro nacional – não representa a adoção de uma ideia de solidariedade contratual, embora o sistema seja orientado por ideais de solidariedade. por isso o risco afeta o preço do seguro para todos os segurados, os juros bancários dependem do grau de inadimplência dos tomadores de crédito etc. Não que inexista solidariedade contratual – se entendida essa como a «parceria» ocorrente nos contratos relacionais, nos contratos de colaboração empresária, nos contratos de sociedade, em que o objeto do contrato é a divisão de riscos e lucros comuns, como, paradigmaticamente, o contrato de sociedade de advogados.40 porém, este sentido de «solidariedade» como obrigações das partes para consecução de fins comuns é característica dos contratos colaborativos (ou «de colaboração»), não sendo parâmetro para a aplicação da função social dos contratos ou para a consideração de valores sociais externos ao contrato. Pelo contrário, os interesses que justificam o ato de solidariedade são internos e constitutivos do próprio negócio jurídico associativo ou parassociativo. Foi justamente acerca desse aspecto que se travou importante debate no superior tribunal de Justiça. tratava-se de decidir se cabia a revisão de cláusula contratual em contrato de seguro saúde estipulado entre duas empresas, mas cujos beneficiários eram uma gama significativa de empregados de uma das empresas. para a relatora, ministra Nancy andrighi, seria inválida a cláusula que prevê a possibilidade de reajuste do contrato em razão do aumento da sinistralidade, por considerar implícito ao ajuste o aumento de valor de mensalidade em razão da alteração da faixa etária e, portanto, o reajuste consistiria em um bis in idem. a maioria dos julgadores rejeitou a revisão do contrato compreendendo que o mecanismo de alteração do preço fora pactuado entre duas empresas, devendo o empregador procurar outro plano mais barato ou adequado ao padrão de seus empregados.41

20: «Um direito subjectivo privado, seja qual for, tem como fonte a norma que protege um interesse privado (finalidade imediata) para a realização daquele interesse público (finalidade mediata) que se encontra na base da própria protecção, e é a razão última pela qual a protecção é concedida». 40 porto MaCedo, ronaldo. Contratos relacionais e defesa do consumidor. vol. 1. são paulo: max limonad, 1998, p. 169. 41 superior tribunal de Justiça, 3ª turma, resp 1102848-sp, rel. ministra Nancy andrighi, relator para o acórdão: min. massami Uyeda, j. 03.08.2010. disponibilizado em 25.10.2010.

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o que importa reter, contudo é que, independentemente da discussão realizada, da possibilidade ou não de revisão do contrato, ambos os votos consideraram que a circunstância de estar subjacente a uma das empresas uma coletividade não seria o fator determinante para a revisão do contrato. Nesse caso o stJ reconhece a inserção social do contrato, mas negou que as circunstâncias externas à relação contratual fossem fundamento à sua revisão pelo Judiciário. Faz parte do interesse social a preservação do mercado e das normas básicas que garantem a integridade da autonomia privada, da qual o contrato é o instrumento essencial para que se possa promover a circulação de bens e serviços, com segurança jurídica e previsibilidade. e para o exercício de uma «função de proteção», o direito contratual cria regras tendentes a tutelar certas categorias de contraentes quando elas «se encontram numa situação que tipicamente as impossibilita de uma autotutela dos seus interesses, sob responsabilidade própria».42 essa autotutela é realizada pela criação de um preceito que, antes de eficácia jurídica, tem eficácia social, baseado na liberdade que os agentes econômicos possuem de poder determinar o conteúdo dos deveres que irão reger a futura relação jurídica. trata-se de instrumento de que os particulares dispõem para regular sua vida privada, podendo com ele realizar aquisição e alienação de seus bens em geral.43 A ideia de uma eficácia social do contrato paralelamente à eficácia jurídica é particularmente criticada por Natalino irti,44 ao considerar inaceitável uma dualidade factual e jurídica, algo que é e, ao mesmo tempo, deve ser com fundamento no que é. a «natureza social» é antecedente ao direito e se conserva no plano jurídico, dentro de uma nova posição. apesar da crítica, o art. 421 do Código Civil está conforme com a proposição de que o fato social «autonomia» não perde essa natureza ao ser juridificado, embora lhe seja agregada uma eficácia jurídica cuja «função» é justamente a de realizar a finalidade social do ato de autonomia. A socialidade do contrato também está vinculada à característica de transposição do fato social como fonte de deveres jurídicos. a socialidade não está presente no ordenamento somente pela função social do contrato, mas também pela força atribuída aos usos e costumes e para as cláusulas de estilo, que na condição de modelos dogmáticos criam normas de eficácia 42 riBeiro. Joaquim de souza. Direito dos contratos – Estudos. Coimbra: Coimbra editora, 2007, p. 41. 43 Betti, emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra editora, 1969, p. 108: «ele é o acto pelo qual o indivíduo regula, por si, os seus interesses, nas relações com outros (acto de autonomia privada): acto ao qual o direito liga os efeitos mais conformes à função económico-social que lhe caracteriza o tipo». 44 irti, Natalino. Letture bettiane sul negozio giuridico. milano: Giuffrè, 1991, p. 48.

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geral. embora não haja tradicionalmente vinculação entre função social e usos e costumes, a dimensão da socialidade também é reconhecida pelo forte poder normativo que os valores sociais produzem em relação ao direito; nesse aspecto, as disposições e referências constantes aos usos arts. 113, 42945 e 43246), aos costumes ou costumes do lugar (arts. 596,47 615,48 695,49 70150 e 87251) são reveladoras dessa dimensão.52 tanto função social dos contratos, quanto socialidade como princípio jurídico fazem parte de um processo de materialização em forma de normas do direito contratual, em que se levam em conta as condições e os fatores materiais de diferenciação entre os contratantes, abandonando a concepção da teoria clássica de dois contratantes absolutamente iguais em um mercado absolutamente livre de interferências.53 Não se confundem, pois, com a perspectiva solidarista que avança para atribuir um diverso e mais extenso papel à função social do contrato, atribuindo ao julgador (sujeito estranho, pois, às partes contratantes) buscar, «dentre as opções disponíveis» o «equilíbrio entre aquelas que aproveitem ao máximo as circunstâncias particulares, só se «art. 428. a oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.» 46 «art. 432. se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, se a recusa não chegar a tempo.» Uma comparação da redação do art. 432 do Código atual com a do art. 1.084 do Código de 1916 revela que a diferença está justamente na redação da referência ao costume. No art. 1.084 se reputa celebrado o contrato nos casos «em que se não costuma a aceitação expressa». Casos «em que não se costuma» diferenciam-se de casos em que «não haja o costume» da aceitação expressa. O conceito de costume tem significação mais aberta em relação às condições objetivas que o mercado estabelece sobre determinada circunstância, sem vinculação estrita com uma relação objetiva em que «se costuma a aceitação expressa.» 47 «Art. 596. Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade.» 48 «art. 615. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la; poderá rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas de trabalhos de tal natureza.» 49 «art. 695. o comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instruções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedi-las a tempo, proceder segundo os usos em casos semelhantes. Parágrafo único. Ter-se-ão por justificados os atos do comissário, se deles houver resultado vantagem para o comitente, e ainda no caso em que, não admitindo demora a realização do negócio, o comissário agiu de acordo com os usos.» 50 «art. 701. Não estipulada a remuneração devida ao comissário, será ela arbitrada segundo os usos correntes no lugar.» 51 «Art. 872. Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens.» 52 a propósito, ver o livro ludWiG, marcos de Campos. Usos e costumes no processo obrigacional. são paulo: ed. revista dos tribunais, 2005. 53 riBeiro. Joaquim de souza. Direito dos contratos – estudos. Coimbra: Coimbra editora, 2007, p. 42. 45

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justificando desigualdade de tratamento quando vantajosas a todos, ou seja, quando interessem à coletividade». tal opinião extrapola os parâmetros e o sentido de socialidade posto no direito Contratual, assim como subverte a principiologia constitucional por atribuir ao contrato princípios que lhe são estranhos tanto sob o ponto de vista técnico, como sob o ponto de vista cultural e histórico. de modo algum, se está esquecendo que a compreensão da solidariedade como necessidade de pensar no próximo, obrigatoriedade de um sujeito refletir sobre suas ações e o reflexo destas sobre a outra parte ou sobre terceiros. Porém, a consideração da alteridade e a necessidade de refletir sobre a consequência de nossos atos sobre a parte contrária está prevista no nosso ordenamento por meio de outras vias, em especial nas regras e nos princípios cujo escopo é a proteção das expectativas legítimas derivadas das situações de confiança e pelas hipóteses de incidência do princípio da boa-fé como norma de conduta.54 a solidariedade social se estende não só como exigência de cooperação, como também como o dever de neminem laedere no âmbito das relações extranegociais. Assim, a exigência de respeito à alteridade no âmbito das relações privadas se consubstancia nas relações negociais pela exigência de agir segundo a boa-fé com sua conotação positiva de exigir ações para realizar os fins do negócio entabulado, como por ações negativas, de respeito e de não intervenção na esfera alheia.55 em suma: uma teoria da solidariedade social que torne o contrato instrumento dessa solidariedade não compactua com o que está disposto no ordenamento e com os fins e as funções atribuídos ao contrato como instrumento por excelência da circulação de riquezas entre particulares. tal concepção não encontra eco senão em parte de opiniões doutrinárias, e em algumas esparsas decisões judiciais, estando completamente afastada da realidade social e cultural. em contrapartida, o direito contratual recebe e abriga a noção de socialidade e de função social do contrato. este a cumpre quando, como competência normativa que é, instrumentaliza e veicula licitamente os interesses econômicos e sociais que subjazem à circulação de riquezas entre os particulares. À mesma conclusão se chega se a análise for feita a partir do ângulo dos interesses e não propriamente das finalidades. É possível, com efeito, afirmar não serem toleráveis os prejuízos sociais obtidos à custa de um aproAdvirta-se que o princípio da boa-fé, porém, embora possa ser reflexo de uma compreensão «mais solidária» do ordenamento, impondo a obrigação de pensar no outro, não tem a conotação de realização de fins ou valores exteriores, superiores aos interesses das partes, mas somente a realização dos fins da relação de cooperação instaurada com a relação obrigacional. 55 Betti, emilio. Teoría general de las obligaciones. madrid: editorial de derecho privado, p. 69 e ss. 54

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veitamento individual injustificado, o que remete ao debate sobre a eventual vinculação entre função social e o pretenso princípio do equilíbrio econômico do contrato. ii) liBerdade CoNtratUal, FUNÇÃo soCial dos CoNtratos e eQUilÍBrio eCoNÔmiCo O debate sobre a inerência ou vinculação à liberdade contratual e à função social dos contratos de um princípio do equilíbrio econômico surge, em geral, nos casos de contratos massificados nos quais se questiona a tolerância do ordenamento para suportar custos sociais contrapostos a um aproveitamento individual com imputação dada por meio de um ato de autonomia privada. Conforme o acórdão paradigma inicialmente indicado, o papel do poder Judiciário, ao lançar mão da função social dos contratos, passa pela preservação da «economia do contrato», o que não significa a realização de um «princípio do equilíbrio econômico», mas sim a compreensão do contexto social e econômico no qual o contrato está inserido, isto é: como socialmente as partes estabelecem a distribuição dos riscos de sua atividade, e qual é a «natureza» da operação econômica da qual o contrato é a «veste jurídica».56 dito de outro modo: também no exame do «princípio do equilíbrio econômico» como expressão da função social, a «função econômica» ali aparentemente implícita somente pode ser compreendida como «função social» se analisada a função do contrato como competência normativa, sob pena de supressão da liberdade contratual. roger Brownsword, em livro sobre a liberdade contratual como tema do direito contratual para o século XXi,57 acentua a escolha histórica realizada pelo direito contratual clássico que nos legou um direito contratual cujo caráter é «intencional» e, portanto, prospectivo, diferentemente do regime da responsabilidade civil e do enriquecimento ilícito nos quais as «ações» determinam a produção de efeitos jurídicos. todo contrato, disse excelentemente Jean Carbonnier, é uma «ponte lançada sobre o futuro».58 Consequentemente, não é possível transformar o conceito de contrato e seu vínculo com a liberdade e autodeterminação em uma «relação social juridificada», dissolvendo filtros históricos que homogeneizariam o regime dos atos da vida privada, eliminando e ignorando os fatores culturais e históricos que levaram a construção da dogmática do direito contratual.

expressão da clássica obra de roppo, enzo. O contrato. Coimbra: livraria almedina, 1988. BroWnsWord, roger. Contract Law. Themes for the twenty-first century. oxford: oxford University press, 2006, p. 48. 58 CarBonnier, Jean. Flexible droit. 2. ed. paris: lGdJ, 1971, p. 120. 56 57

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os processos de homogeneização cultural (advindos de um mau comparatismo, dissolvido na mera assimilação do que vem do exterior) e a dissolução dos modelos construídos pela tradição doutrinária em prol da «novidade» pela «novidade» contribuem substancialmente para o subjetivismo judicial e para a perda de referências sobre qual é o papel do direito contratual. É certo que o direito contratual não tem mais a função única de ser um conjunto de regras destinadas a compelir o devedor a cumprir as obrigações voluntariamente constituídas.59 o direito contratual moderno também possui outras funções, entre elas de resolver controvérsias entre credores e devedores sobre a correta interpretação, validade e eficácia das disposições contratuais, regulação das práticas de mercado,60 sendo exemplo paradigmático o contrato de investidura ou receptum arbitii.61 porém, em paralelo a essa novas funções, continua com a velha função, que é a de fornecer os meios coercitivos para fazer o devedor cumprir contratos válidos.62 A confirmar que o tema do «princípio do equilíbrio econômico do contrato» é posto geralmente no âmbito das relações de consumo, a análise de uma das mais importantes obras sobre o direito contratual produzida nos últimos anos (a tese de doutorado de teresa Negreiros), remete, nas suas referências ao proposto «princípio», aos contratos das relações de consumo, tomando como base principalmente a possibilidade de revisão pela lesão ou pela onerosidade excessiva,63 não se podendo inferir do conjunto da obra a inclusão de tal princípio nos quadros da teoria Geral dos Contratos. pelo contrário, afirma, não se deve admitir um princípio absoluto de equivalência entre as prestações, sob pena de afronta aos princípios constitucionais.64 aliás, mesmo no direito do consumidor, em que os elementos fáticos são valorizados substancialmente, tais como hipossuficiência, práticas publicitárias etc., não há como reconhecer a existência de requisitos técnicos para aplicar o princípio em questão de forma direta, revelando que ainda nesse microssistema não se

BroWnsWord, roger. Contract Law. Themes for the twenty-first century. oxford: oxford University press, 2006, p. 49. 60 riBeiro. Joaquim de souza. Direito dos contratos – Estudos. Coimbra: Coimbra editora, 2007, p. 41. 61 também dito receptum arbitrii. vide: Baptista, luiz olavo. primeiras anotações sobre o árbitro e os contratos – entre o poder e o dever. Cadernos IEC. Canela: n. 1, abr./2010; leMes, selma maria Ferreira lemes. Árbitro: princípios da independência e da imparcialidade. são paulo: ltr, 2001, p. 48-50. 62 Uma análise dessas funções está em Martins-Costa, Judith. Contratos. Conceito e evolução. lotuFo, renan; nanni, Giovanni ettore (orgs.). Teoria geral dos contratos. são paulo: atlas, 2011, p. 23-66. 63 neGreiros, teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. rio de Janeiro: renovar, 2006, p. 156 a 206. 64 Idem, ibidem, p. 202. 59

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pode compreendê-lo de maneira abrangente, mas como critério de integração dos contratos nas hipóteses em que a lei permite expressamente a revisão. o direito do consumidor não tornou o equilíbrio econômico obrigatório, ou o estabeleceu como critério de imputação de efeitos jurídicos a serem alcançados. o conjunto de disposições legais do Código de defesa do Consumidor estabelece regras para a proteção contratual do consumidor tendo como enfoque a proteção da transparência, confiança, boa-fé, não havendo qualquer disposição que estabeleça uma exigência de equilíbrio econômico. Ao definir a vantagem exagerada a que se refere a disposição do art. 51, iv, do Código de defesa do Consumidor, a vinculação feita pelo legislador está baseada na necessidade de obediência aos princípios fundamentais do sistema jurídico, limitação aos direitos decorrentes da natureza do contrato que prejudiquem seu equilíbrio ou caracterizem a onerosidade excessiva. assim, se o consumidor for proprietário de um veículo que nas estatísticas das seguradoras é objeto de furto de forma reiterada, irá pagar um prêmio superior ao proprietário de um veículo que não atende tal condição. ora, ocorrendo ou não o sinistro não será caso de revisão do contrato para equacionar qualquer fórmula de equilíbrio, já que a imputação dos deveres e a distribuição dos riscos são realizadas pelo contrato, e não por uma balança sobre as vantagens ou desvantagens econômicas desse mesmo contrato. seguindo no exemplo do seguro de automóveis, poderíamos tomar em questão a corrente jurisprudencial do final dos anos 199065 que considerava como valor devido na indenização de veículos sinistrados o «valor contratado» e não o valor do contrato.66 essas decisões podem servir para dizer que o contrato de seguro (compreendido dentro do sistema de seguros privados) é comutativo (pois paga-se em troca de garantia), mas jamais para sustentar que é regido pelo equilíbrio econômico. No caso acima lembrado, as seguradoras invocavam como fundamento o «desequilíbrio econômico» que tais decisões provocavam no sistema de distribuição de riscos, enquanto os consumidores invocavam o fundamento do «desequilíbrio entre prestação e contraprestação». Contudo, em nenhum deles manifesta-se qualquer relevância para a definição do conteúdo do contrato o equilíbrio econômico – embora tratando-se de relação de consumo –, pois o exemplo dessa concepção pode se vista nas seguintes decisões: tribunal de Justiça do rio Grande do sul, apCív 598358596, 5ª Câmara Cível, rel. marco aurélio dos santos Caminha, j. 13.05.1999. tribunal de Justiça do rio Grande do sul, apCív 70006719272, 5ª Câmara Cível, rel. antônio vinícius amaro da silveira, j. 04.03.2004. 66 em certa medida, a corrida dos consumidores aos tribunais foi estimulada pela portaria n. 3, de 19.03.1993, da secretaria de direito econômico do ministério da Justiça, que considerou como abusiva as cláusulas contratuais que «subtraiam ao consumidor, nos contratos de seguro, o recebimento de valor inferior ao contratado na apólice». 65

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critério para a revisão foi a «falta de opção do consumidor» no momento da contratação. ou seja, o processo de contratação desequilibrado, que limitava substancialmente o exercício da «autonomia» e a «liberdade» de escolher os efeitos do contrato foi determinante para a invalidação da cláusula contratual do «valor de mercado». o problema foi apenas superado quando a susep67 regulamentou e facultou às seguradoras a inclusão dos dois modelos de cláusula, para que o consumidor opte pelo regime de efeitos e escolha se quer receber o valor contratado ou de mercado, pagando, é claro, a diferença de preço que isso representa.68 No mesmo sentido, há reiteradas decisões proferidas em sede de relações de consumo considerando depender o equilíbrio econômico do atendimento de critérios técnicos indicativos da onerosidade excessiva, não bastando o simples «desequilíbrio» como fundamento para revisão. paradigmática é a decisão proferida pela 4a Câmara de direito privado do tJsp, a propósito de pedido de revisão de parcela de prêmios de saúde, tendo o julgado considerado que, embora possa o juiz intervir para assegurar a «justiça contratual», isso não se dá sem o atendimento dos requisitos legais que disciplinam a modalidade contratual e a natureza dos riscos assumidos pelas partes. se não houver uma onerosidade excessiva (no sentido jurídico dessa expressão), não há que se revisar o contrato para buscar o equilíbrio econômico, tendo em vista que as partes aceitaram os riscos inerentes ao contrato no momento da contratação.69 se tomarmos os contratos civis ou empresariais, menor razão existe para reconhecer um princípio jurídico do equilíbrio econômico como princípio geral dos contratos. a propósito, talvez seja o contrato de locação e a disposição do art. 19 da lei 8.245/1991, o principal exemplo de reconhecimento pelo ordenamento da necessidade de revisão do contrato pela alteração das circunstâncias nos contratos de longa duração. porém, mesmo nessa situação, o desequilíbrio econômico não é fundamento jurídico suficiente para a revisão do contrato, como se pode ver das decisões judiciais que negam a possibilidade de revisão de contratos empresariais em que os aluguéis são calculados a partir de escalas móveis, tais como no percentual de faturamento dos postos de combustíveis. Nesses casos, ainda que exista desequilíbrio econômico ou valor desconexo superintendência de seguros privados, órgão regulador do setor. a questão deixou de ser objeto de discussão a partir do momento em que foi editada a Circular susep n. 269, de 30.09.2004, consolidando as regras sobre a matéria, tendo tornado obrigatório que seja ofertado ao consumidor as duas possibilidades. 69 tribunal de Justiça de são paulo, 4ª Câmara de direito privado, apCiv 023270146.2008.8.26.0100, rel. des. enio Zuliani, j. 28.04.2011. «o que fere preceitos cogentes não é a previsão de aumento das mensalidades, mas sim o seu volume e o seu modo, caso não tenha amarração a critério objetivo e previamente aferível pelo segurado». 67 68

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com o valor de mercado do imóvel, a adoção de um critério de adequação e divisão de riscos no contrato afasta a possibilidade de revisão, já que o «valor de mercado» dos aluguéis estabelecido pelo legislador não é a razão da revisão, mas o critério que deve ser adotado para a integração do contrato, naqueles casos em que o tempo provoca a alteração das circunstâncias com base nas quais o negócio jurídico foi celebrado. ou seja, é a alteração das circunstâncias e a quebra da base objetiva do negócio jurídico que determinam a revisão e não o pretenso princípio do equilíbrio econômico do contrato.70 Neste ponto é preciso retomar a decisão acima eleita como paradigma, para dizer que o superior tribunal de Justiça examinou a realidade econômica subjacente ao contrato e chegou à seguinte conclusão: «(...) no ato da contratação, o agricultor é motivado pela expectativa de alta produtividade do setor, o que, em tese, conduz à queda dos preços. Em contrapartida, ele sabe da possibilidade de alta na cotação do dólar, circunstância em que, vale repisar, é absolutamente previsível nesse ramo e leva à alta do valor da saca. Em suma, trata-se de um contrato cuja finalidade econômica é minimizar o risco de prejuízo das partes, tendo como contrapeso um estreitamento das margens de lucro.»71

o acórdão bem demonstra a técnica e a forma de enfrentamento do juiz na consideração dos elementos fáticos para construção da regra do caso concreto. ao considerar as circunstâncias do caso, pontuou não ter o autor da demanda recebido «nenhum adiantamento, evidenciando que não necessitava de dinheiro para viabilizar sua produção». e indicou que, no caso pode se caracterizar um «desvio social típico», o financiamento da produção para assegurar-se de preços fixos na compra e venda de commodities. E foi suficientemente claro ao afirmar que o «equilíbrio econômico» não é um princípio incidente sobre todas as relações contratuais, já que a liberdade contratual se sobrepõe à necessidade de paridade econômica. Em outras palavras, os contratos não são instrumentos para «equilibrar economicamente as relações», mas para regulamentar as relações econômicas entre os particulares segundo as regras previstas no preceito criado voluntariamente entre as partes, salvo se

veja-se o acórdão do tribunal de Justiça de são paulo, 30ª Câmara de direito privado, apCív 0062442-23.2005.8.26.0100, rel. des. edgard rosa, j. 29.06.2011. ora, se o locativo é proporcional ao preço total das vendas de combustíveis, jamais poderá ser tido como excessivo ou irrisório, em comparação com o preço de mercado. Não importa o preço de mercado, se muito aquém ou muito além, e sim o preço total das vendas de combustíveis. se o empreendimento tiver enorme sucesso, o aluguel será maior até do que o de mercado, porque proporcional à venda de combustível. se não tiver grande sucesso ou mesmo for um fracasso, o aluguel será irrisório, muito abaixo de mercado. esse foi o critério escolhido livremente pelas partes e deve ser preservado. 71 superior tribunal de Justiça, 3ª turma, resp 803.481-Go, rel. ministra Nancy andrighi, j. 28.06.2007. 70

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a intenção das partes contrarie a função social típica ou caracterize um desvio social típico.72 Comprovando o mesmo argumento, poder-se-ia seguir com a análise de outros casos, inclusive vinculados aos contratos gratuitos. Consideram-se inválidos os contratos de compra e venda para realização de doações inoficiosas, ou nulas as cláusulas contratuais do contrato de comodato conexo a outros contratos celebrados para a «distribuição de combustíveis, derivados de petróleo, cervejas e refrigerantes». essa invalidade vem fundada, em geral, na impossibilidade de utilização de fragmentos contratuais integrantes de uma operação social e econômica complexa, característica de uma operação socialmente típica, normalmente utilizados para obter indevidas posições vantajosas, com abuso de posição jurídica e econômica de uma das partes.73 Assim, a escolha de tipos que não correspondam à operação econômica subjacente não produzirá os efeitos esperados, principalmente nos casos de «sistemas contratuais» ou «contratos conexos», como já tem reconhecido a jurisprudência pátria desde meados dos anos 1970, no caso da distribuição de combustíveis.74

sobre o conceito de tipicidade social e desvio social típico ver a conclusão da tese de doutorado publicada como livro: BranCo, Gerson luiz Carlos. Função social dos contratos. são paulo: saraiva, 2009. 73 sobre a matéria, ver Brito, maria Helena. O contrato de concessão comercial. Coimbra: almedina, 1990. ChaMpaud, Claude. la concession comerciale. Revue Timestrielle de Droit Commerciale, vol. 3, 1963, p. 451-504. Guyenot, Jean. les conventions d‘exclusivité de vente. Revue Timestrielle de Droit Commerciale, vol. 3, 1963, p. 513-537. MayMon-Goutaloy, mireille. Contre une intervention legislative en matière de concession commerciale. Revue Trimestrielle de Droit Commerciale et de Droit Economique, vol. 4, 1982, p. 519-538. MosChel, Wernhard. la distribuition sélective d‘automobiles em dorit europén de la concurrence. Revue Trimestielle de Droit Commerciale e de Droit Économique, vol. 1, 1991, p. 1-26. reale, miguel. sistema normativo das concessões comerciais de veículos automotivos. em: Questões de Direito Privado, são paulo: saraiva, 1997, p. 149-183. reale, miguel. Característicos do contrato de concessão comercial. em: Questões de direito privado. são paulo: saraiva, 1997, p. 183-191. CoMparato, Fábio Konder. Franquia e concessão de venda no Brasil: da consagração ao repúdio? Revista de Direito Mercantil, vol. 18, p. 53-65. Guerreiro, José alexandre tavares. aplicação analógica da lei dos revendedores. Revista de Direito Mercantil, vol. 49, p. 34-41. Melo, Claudineu. Contrato de distribuição. são paulo: saraiva, 1987, p. 4. requião, rubens. o contrato de concessão de venda com exclusividade (concessão comercial). Revista de Direito Mercantil, vol. 7, p. 17-45. Wald, arnoldo. os contratos de concessão exclusiva para distribuição de gasolina no direito brasileiro. em: Estudos e pareceres de direito comercial. são paulo: ed. revista dos tribunais, 1979, p. 180-207. 74 supremo tribunal Federal, 2ª turma, re 84.727, rel. min. Bilac pinto, j. 27.04.1976. disponibilizado em 16.06.1976. acórdão no qual é reconhecida a tipicidade social da distribuição de combustíveis, não obstante sejam celebrados diversos contratos típicos de natureza diferente: «comprovam, portanto, na hipótese, a existência de um negócio único, embora concretizado em três contratos». 72

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da mesma maneira, as decisões que consideram nula a celebração de negócios típicos para fins contrários à sua «finalidade típica», situação que caracteriza um desvio social típico, a ser invalidado com fundamento na função social dos contratos ou da funcionalização dos modelos jurídicos do direito Contratual.75 em síntese: o desequilíbrio econômico somente pode ser fundamento para invalidação de cláusulas contratuais na hipótese de lesão e será caso de revisão nas hipóteses de onerosidade excessiva. em ambos os casos, devem ser atendidos os requisitos específicos das disposições legais que regulam as matérias em comento, sejam as disposições do Código Civil ou do Código de defesa e proteção do Consumidor. iii) da FaCtUalidade soCial do CoNtrato a perspectiva adotada neste artigo toma em conta linha de pensamento exposta, na doutrina portuguesa, por Joaquim de sousa ribeiro quando analisa a liberdade de contratar, mediante a compreensão de que «autodeterminação» e «funcionalidade» são elementos inerentes à «autonomia privada». Defende-se que, embora a autodeterminação tenha caráter intencional, há situações em que são criados deveres de maneira paralela à vontade das partes, seja por problemas no processo de formação do contrato, pela preservação da confiança ou em razão da incidência de outros princípios jurídicos. Nessa hipótese o ordenamento não atribui efeitos ao preceito criado a partir do ato de vontade das partes, operando vetores funcionais em razão das exigências de regulamentação das relações econômicas. o aspecto funcional deixa sua latência em razão da necessidade de uma «ordenação social equilibrada».76 a perspectiva apresentada e sintetizada no parágrafo acima tem um pressuposto, que é a transformação do modelo legislativo vigente desde o Código de Napoleão até meados da segunda metade do século XX. esse era baseado no paradigma de um Código Civil fechado e totalizante. a técnica legislativa de antanho foi superada por um modelo aberto e flexível, não totalizante, em que sistema de direito privado é estruturado a partir de cláusulas gerais e princípios jurídicos cuja permeabilidade é a nova realidade do direito privado.77 «É nula a emissão de cédula de produto rural, pois desviada de sua finalidade típica, qual seja, a de servir como instrumento de crédito para o produtor rural». superior tribunal de Justiça, 3ª turma, resp 866.414-Go, rel. min. Humberto Gomes de Barros, j. 06.03.2008. 76 riBeiro, Joaquim de sousa. O problema do contrato, as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: almedina, 2003, p. 46 e 47. 77 a respeito do processo de abertura do sistema, bem como a crise do modelo exegético, ver, entre outros enGisCh, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6. ed. lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988. assim como Martins-Costa, Judith. as cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. Revista de Informação Legislativa. Brasília: n. 112, p. 13-32; Martins-Costa, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. são paulo: ed. revista dos tribunais, 1999, p. 286-377; e, mais recentemente, 75

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a concepção de um sistema axiológico, em que o papel do legislador é transformado em um fixador dos grandes padrões e parâmetros de legitimação do ordenamento, permite que os padrões sociais de moralidade do tráfico econômico transformem-se em normas jurídicas pela formulação de regras para o caso concreto a partir da aplicação de cláusulas gerais pelo juiz. aquilo que sob os auspícios da antiga metodologia do direito civil seria uma lacuna passa a ser visto como uma «falha de mercado», decorrente das insuficiências regulatórias das relações econômicas, consistindo em oportunidade para a criação da norma do caso concreto por meio da atividade judicial. Nesses casos, em vez de normas particulares ditadas pelo legislador, o juiz utilizará «novos conceitos dogmáticos, tais como fim contratual, função e organização, que regulam a definição substantiva dos pressupostos da conduta».78 essa doutrina, surgida no contexto da ampliação da atuação judicial na construção do direito privado chega a afirmar que a partir desses elementos o juiz pode decidir em razão das «exigências funcionais» contra o próprio consenso das partes.79 sustenta-se, ainda, que a disciplina do contrato por meio de cláusulas gerais promove uma «factualidade social» do direito contratual.80

em: Cláusulas gerais: um ensaio de qualificação (livro em homenagem a eros roberto Grau, no prelo). as cláusulas gerais descrevem fatos de maneira genérica que não permitem a construção de um silogismo perfeito com subsunção automática dos fatos do mundo com os fatos descritos em abstrato na norma. para sua aplicação, é preciso que o juiz construa a regra do caso concreto, levando em consideração as peculiaridades do caso e o princípio que se quer realizar através da cláusula geral, dentro dos limites ditados pelo legislador. tratamos sobre o tema da A linguagem do Código Civil: a técnica das cláusulas gerais como instrumento de funcionalização e realização da socialidade e eticidade. em: BranCo, Gerson luiz Carlos. Função social dos contratos. são paulo: saraiva, 2009. 78 a expressão «falhas de mercado» é de teuBner, Gunther. O direito como sistema autopoiético. lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 241. 79 teuBner, Gunther. O direito como sistema autopoiético. lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 241. 80 a radical concepção funcionalista de Gunther teubner aponta que os graus de diferenciação social entre as diversas esferas provocam a formação de sistemas e subsistemas. Considera o contrato como um sistema autorreferencial que mantém relação de interdependência com a política, economia, família, cultura e religião. Nesse contexto, a função dos contratos é a de estabilizar a interdependência sistêmica e a determinação normativa de riscos futuros. independentemente da crítica de Teubner ao contrato relacional, e de seu apego extremo à ideia de sistema autopoiético, suas afirmações são importantes para que se evidencie a relação entre a criação jurisprudencial e a respectiva dependência de elementos sociológicos, também valorizados por luhmann, a partir das quais se deduz que no contrato existem expectativas recíprocas e complementares que influenciam na definição jurídica das obrigações contratuais. teuBner, Gunther. O direito como sistema autopoiético. lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 237-240. «Complementaridade e reciprocidade das expectativas e consistência das condutas são os mecanismos essenciais da formação de normas que influenciam a definição jurídica das obrigações contratuais».

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em certa medida, a factualidade social do direito contratual não é uma invenção dos juristas, antes resultando das exigências econômicas e tecnológicas, que somente se apresentaram contemporaneamente,81 como é o caso dos «contratos lacunosos».82 porém, o reconhecimento dessa circunstância, de modo algum autoriza, todavia, afirmar que o direito contratual seja regido pelo princípio da solidariedade social ou que o juiz tenha o poder-dever de remodelá-lo, em substituição às partes contratantes. No início do século XX, os contratos resumiam-se basicamente àquilo que conhecemos como «contratos típicos». No cenário então apresentado, a compra e venda tinha papel dominante, em todas as suas modalidades. a tipicidade era cunhada de forma muito lenta; alguns dos tipos contratuais previstos nos Códigos Civis eram herança do velho direito romano. Essa realidade gerava basicamente duas únicas exigências: verificação das regras legais postas no Código a respeito de forma, cuja desobediência resultava na invalidade ou se havia liberdade no ato de declaração de vontade.83 se a vontade era livre, considerada a liberdade como ausência de coação, erro a jurisprudência tem recepcionado essa concepção de contrato, reconhecendo as transformações sociais em algumas decisões. exemplo disso é a decisão cuja ementa é a seguir transcrita: tribunal de Justiça do rio Grande do sul, 9.º Grupo de Câmaras Cíveis, embargos infringentes 599178050, rel. des. Fernando Braf Henning Júnior, j. 17.09.1999. «Consórcio. Contemplação por sorteio. opção por sorteio. opção por outro bem. Falência da concessionária. autorização de faturamento do veículo em nome da concessionária. Não recebimento do bem pela consorciada. responsabilidade solidária da administradora do plano consortil. Código de defesa do Consumidor. 1 – a pretensão de direito material enquadra-se albergada no contrato de adesão a grupo de consórcio, cuja qualificação da fornecedora emerge cristalinamente como sendo a administradora, prestadora do serviço, integrante do grupo econômico autolatina volkswagen. 2 – a obrigação imposta a consorciada, por cláusula de adesão, para efetuar a opção por outro bem deve ter eficácia relativizada diante da obrigação de melhor informação e compreensão do consumidor. a par disso, reserva-se o princípio da boa-fé a garantia do exercício do direito. aplicação dos arts. 30 e 54 do Código de defesa do Consumidor. 3 – a responsabilidade solidária da administradora configura-se no fato de a concessionária permitir a modificação do pedido, com suporte na marca do grupo econômico Volkswagen, conduzindo o negócio sob a confiança do consumidor. Inteligência do art. 34 do Código de Defesa do Consumidor. 4 – Hipótese concreta em que a relação jurídica consortil reclama abordagem sob a égide das regras de consumo, em face da nova realidade denominada de pós-moderna, reflexiva a globalização e acumulação de riquezas e bens intangíveis, conquanto reservado ao princípio da boa-fé objetiva as funções de modificação, adaptação a prestação contratual, ou mesmo a resolução do contrato. 5 – embargos infringentes providos, por maioria». 82 atacam essa temática Martins-Costa, Judith; nitsChke, Guilherme Carneiro monteiro. Contratos lacunosos e poderes do árbitro. Questões teóricas e práticas. Revista de Arbitragem, Belo Horizonte: ano i, n. 2, jul.-dez./2012, p. 63-114. 83 É claro que a doutrina já alertava para impossibilidade de aplicação esquemática das normas legais, sendo necessária a compreensão do sentido das estipulações das partes, sempre tendo em vista que «toda regulación contractual particular prevalece sobre las normas legales “dispositivas”», principalmente tendo em vista os contratos mistos. larenz, Karl. Derecho de obligaciones. t. ii. madrid: erdp, 1959, p. 6 e 7. 81

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ou dolo, os tradicionais vícios da vontade, somente o ato poderia ser fustigado com a invalidade ou ineficácia se estivessem presentes vícios sociais, como eram a simulação ou a fraude contra credores. o mesmo não acontece quando o homem contemporâneo contrata, pois a dinâmica da vida social é extremamente veloz e não permite que aquele que contrata conheça, em toda a extensão, os efeitos econômicos, fáticos e jurídicos do ato praticado. o processo de tipificação social é muito rápido, assim como é a velocidade dos meios de comunicação e transporte, o que provoca alterações em lições como a da clássica obra de larenz, a respeito do processo de tipificação, no qual há uma das mais preciosas análises sobre o processo de tipificação contratual e do papel do tráfico jurídico na formação do direito.84 Estas circunstâncias também se refletem na extrema agilidade dos atores econômicos na conformação dos desvios socialmente típicos, que são formas reconhecidas empiricamente, com atributos sociais típicos e desvios com resultados gravosos e não equitativos. esse desvio típico também é acompanhado por um prejuízo típico, «observável na prática negocial», que demonstra o desvirtuamento da função de ordenação da autonomia privada.85 Como no caso do acórdão aqui eleito como paradigma, em que se cogitou da invalidade das disposições contratuais como eficácia da função social dos contratos, para autorizar a revisão mesmo sem o atendimento do art. 478 do Código Civil, em prol do reconhecimento de um princípio do equilíbrio econômico do contrato, interessa discutir a validade do regulamento contratual, não para verificar a liberdade da declaração de vontade, mas para identificar uma relação entre meios e fins. pode parecer forte, porém a expressão que melhor explica o problema posto acima é a circunstância de que os fatos sociais dominam o contrato. Isso porque examinar os fins normalmente visados pelos grupos sociais que se utilizam de um contrato de compra e venda de soja a preço futuro é o único meio que se tem para verificar a compatibilidade entre os valores sociais e os princípios jurídicos positivados e o regulamento contratual em análise. a

larenz, Karl. Derecho de obligaciones. t. ii. madrid: erdp, 1959, p. 2-11. O método de verificação, portanto, das condições de intervenção é baseado na verificação empírica de adequação de uma generalidade de situações negociais típicas em que ocorre a distorção funcional da liberdade contratual. para isso, é necessário «integrar-se o contrato concreto numa categoria de contratos» em que as condições negociais são similares para aplicação de determinada disciplina jurídica, e, assim fazer o controle do conteúdo do contrato a partir dos parâmetros valorativos respectivos. a propósito ver riBeiro, Joaquim de souza. O problema do contrato, as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: almedina, 2003, p. 174-176. 84 85

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esse propósito, doutrinadores do porte de Natalino irti86 e Francesco Galgano87 tecem críticas às concepções que tratam da circulação desse modelo em duas realidades, a fática e a jurídica, qualificando tais concepções como problema teórico de construção. Suas críticas se dirigem, muito especialmente, à teoria do negócio jurídico de Emílio Betti, ao afirmá-lo como ato de autonomia privada que faz parte da vida de relação e somente então, mas sem perder tal condição, passa a ser tratado como fato jurídico.88 por outro lado, servindo-se de matriz teórica distinta daquela de Betti, teubner acentua ser justamente essa a característica essencial do contrato e sua função: servir como elo de conexão entre o sistema social e econômico com o sistema jurídico, para garantir estabilidade e previsibilidade em relação aos riscos futuros nas relações intersubjetivas, o que é muito bem sintetizado na expressão de que o contrato atua como «ilhas de estabilidade num mar de turbulências».89 sendo o contrato concomitantemente fato social e ato jurídico, admite-se a intervenção judicial para limitar sua validade ou eficácia por concreção da cláusula geral da função social dos contratos, pois esta reconhece e acolhe a concepção de que o contrato é um fato social que, no plano social também possui um caráter regulatório, ou «preceptivo» como prefere emílio Betti. A natureza dúplice do contrato é o grande desafio para a compreensão sobre quais são as regras vigentes que disciplinam validade e eficácia dos contratos. Os esquemas tradicionais da Teoria das invalidades não são mais suficientes em um contexto de aplicação de cláusulas gerais como a do art. 421 do Código Civil: esta pode ser multifuncional, ora levando ao plano da validade, ora ao da eficácia. Em certa medida já não temos mais um critério que nos diga, a crítica de irti é feita originalmente ao pensamento de emílio Betti, verbis, «Como è possibile, a questo punto, ricondurre il negozio nella sintesi normativa? Conciliare la logica dell’autonomiaprivata – che apre il mondo del diritto al sottostante piano sociale – e la logica della fattispecie, chiusa nel ritmo delle norme?». irti, Natalino. Letture bettiane sul negozio giuridico. milano: Giuffrè, 1991, p. 17. 87 irti, Natalino. Letture bettiane sul negozio giuridico. milano: Giuffrè, 1991, p. 31. Calasso faz a análise da crítica de Betti ao «dogma da vontade» tal qual elaborado pela pandectística alemã. Ao fazê-lo, afirma que, «deixando de lado o risco de tautologia, se põe em segundo plano próprio do ato de vontade que é o fato concreto do qual reconduzimos com um processo indutivo ao conceito de autonomia (…) Nesse processo dialético do qual nasce o negócio, não é conveniente afirmar que a vontade esteja em segundo plano, enquanto no primeiro plano está o regulamento de interesses disposto para o futuro…». tradução livre. Calasso, Francesco. Il negozio giuridico – lezioni di storia del diritto italiano. 2. ed. milano: Giuffrè, 1967, p. 27-40. 88 «Chi osservi lo svolgersi della vita di relazione in ogni società che abbia raggiunto un sufficiente grado di civilità, trova che gli interessi privati esistono in essa indipendentemente dalla tutela del diritto, e che l’iniziativa privata provvede ad ogni consapevole assetto di tali interessi, esplicandosi non solo nell’aspirare a certi scopi pratici, ma anche nel foggiarsi i mezzi ad essi rispondenti, prima di ogni intervento dell’ordine giuridico». Betti, emilio. Negozio giuridico. Novissimo digesto italiano, p. 209. 89 teuBner, Gunther. O direito como sistema autopoiético. lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 242. 86

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de forma prévia e abstrata, quais são os fatos que podem ser recepcionados pelo Direito e os que não podem passar pelos planos da validade ou eficácia. O desafio está na circunstância de que o contrato como fato social produzir regras. E como examinar a validade ou eficácia de um contrato a partir das regras sociais construídas no seio da liberdade contratual? essa questão não está respondida, mas a factualidade social do contrato pode ser considerada a partir das ferramentas que a tradição, incorporada nos modelos jurídicos do direito contratual já produziram ao longo da história. as tradicionais formas de intervenção nos contratos tem um comum ponto de partida: a análise estrutural da relação contratual, evidenciada a relação entre crédito e débito, e atribuindo um caráter «neutro» em relação aos sujeitos, cuja liberdade ao exarar o ato de «declaração de vontade» é o elemento central. Já o controle da validade dos contratos a partir de uma perspectiva funcional estabelece uma vinculação entre a relação de crédito e débito e sua origem, que não está mais cingida apenas à «declaração de vontade», mas considera a sua causa. por isso, a partir da função prático-social à qual corresponde e está expressa sua disciplina, há a definição dos direitos, obrigações e poderes do credor.90 É preciso, portanto, construir uma nova dogmática das causas de invalidade e de ineficácia, em que a funcionalização da liberdade contratual passa a ser um dos principais fatores. Nessa esteira, um dos pontos de partida que podem dar um caminho para a construção dogmática sobre como utilizar a função social dos contratos de forma agregada a uma nova teoria das nulidades, passa pela análise daquelas hipóteses que, de forma fragmentada, a jurisprudência legou ao longo da história como formas de controle de uma funcionalidade social típica. Isso significa que há trabalho a ser feito, que é o de compreender aqueles fatores sociais levados em consideração na análise de casos concretos homogêneos, nos quais a Jurisprudência utilizou a cláusula geral da função dos contratos como fator de afastamento do preceito criado pelas partes. Isso não significa outorgar para a Jurisprudência a definição integral do que é a função social dos contratos, mas considerar uma circunstância real de que o papel da jurisprudência é substancial na interpretação e no preenchimento das cláusulas gerais, cabendo à doutrina, além da crítica, a sistematização e a a busca da função está relacionada ao «aspecto causativo»: «ela assume uma disciplina segundo a sua causa, a qual é expressão da sua disciplina: o aspecto funcional e aquele causativo exprimem a mesma exigência, isto é, individuar e completar uma relação entre situações subjetivas. o credor, segundo seja a causa uma ou outra, tem, ou não, determinados poderes, obrigações…». perlinGieri, pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. trad. de maria Cristina de Cicco. 2. ed. rio de Janeiro: renovar, 2002, p. 117. 90

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uniformização dos critérios implícitos ou internos, que não podem ser observados em um único caso, mas na regulamentação geral da matéria a partir das decisões individuais, utilizando-se sempre do prisma da tradição, sem o qual não é possível ver todas as cores que a luz da jurisprudência proporciona. CoNClUsÃo a conclusão deste artigo pode ser sintetizada nas palavras de Canaris, para quem «a liberdade contratual é garantida por causa da liberdade, não por causa da justiça».91 a proposição de Canaris, reproduzida por Joaquim de souza ribeiro, ressalta um aspecto central do direito Contratual que, embora simples, muitas vezes é esquecido, referente à desnecessidade de fundamentação da autodeterminação e liberdade como valores, sem qualquer necessidade de justificação complementar. tratar da função social dos contratos como efeito da adoção da solidariedade ou da necessidade de reconhecimento de um princípio do equilíbrio econômico no direito contratual representa afastar a função social do contrato da liberdade contratual, transformando-a em limite externo que é aplicado quando a liberdade contratual cede seu lugar, aos moldes de um princípio jurídico. porém, a função social dos contratos não está afastada da liberdade contratual, pois a unidade de sentido produzida por ambos forma o modelo jurídico do contrato na sociedade contemporânea, com sua factualidade social e sua capacidade ímpar de permitir a realização da autodeterminação, mediante a preservação de uma competência aos particulares. A socialidade do contrato não pode representar o fim da competência que os particulares possuem para formação de atos jurídicos perfeitos que tornem sua vida econômica previsível e segura: é a profunda socialidade do contrato que lhe dinamiza e lhe mantém como principal instrumento de regulamentação social na sociedade contemporânea. É certo, porém, que as hipóteses em que o contratante deve ter em conta a parte contrária, ou até mesmo terceiros é levada em conta pelo ordenamento, através da boa-fé ou do neamine leadere, com seus requisitos e sua dogmática,

91 riBeiro. Joaquim de souza. Direito dos contratos – Estudos. Coimbra: Coimbra editora, 2007, p. 44. Joaquim ribeiro reproduz, em português, trecho do seguinte texto de Canaris, escrito em alemão: Canaris, Claus-Wilhelm. verfassungs- und europarechtliche aspekte der vertragsfreiheit in der privatrechtsgesellschaft. em: Weg und Verfahren des Verfassungslebens. munchen, 1993, p. 886.

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mas não pela compreensão de que isso decorra como efeito direito da necessária funcionalidade que o exercício da liberdade contratual deve ter. Nesse sentido este artigo reforça a importância da decisão do superior tribunal de Justiça, pelo voto da ministra Nancy andrighi, pois nessa decisão houve o reconhecimento de que o contrato é um modelo jurídico forjado dentro de uma determinada tradição sem qualquer incompatibilidade com a função social. pelo contrário, a liberdade contratual e sua função social formam uma unidade de sentido decorrente do reconhecimento da factualidade social do próprio modelo adaptado aos novos tempos. a decisão paradigma demonstra a técnica e a forma de enfrentamento da decisão judicial na consideração dos elementos fáticos para construção da regra do caso concreto, ao examinar a circunstância fática do caso concreto e ao contemporizá-la com um desvio social típico, que é o chamado «ensanduichamento» do agricultor. ainda nesse sentido, ao considerar que o autor da demanda «não recebeu nenhum adiantamento, evidenciando que não necessitava de dinheiro para viabilizar sua produção», também se privilegiou o método referido. isso foi relevante, indicando que os desvios sociais típicos consistem em critérios e parâmetros para verificação de outros casos, pois a prática de conceder financiamento para assegurar-se de preços fixos na compra e venda de commodities é prática social conhecida e reprovada como forma de pressão econômica. Além disso, a referida decisão é clara ao afirmar que o «equilíbrio econômico» não é um princípio incidente sobre todas as relações contratuais, já que a liberdade contratual se sobrepõe à necessidade de paridade econômica. Os contratos não são instrumentos para «equilibrar economicamente as relações», mas para regulamentar as relações econômicas entre os particulares segundo as regras previstas no preceito criado voluntariamente entre as partes, salvo se a intenção das partes contrarie a função social típica ou caracterize um desvio social típico. BiBlioGraFia alexy, robert. Teoria dos direitos fundamentais. trad. de virgílio afonso da silva. 2. ed. são paulo: malheiros, 2011. aMaral, Francisco. a autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica. perspectivas estrutural e funcional. Revista de Direito Civil, n. 46, 1988. _____. Direito civil: introdução. rio de Janeiro: renovar, 2000. Betti, emilio. Teoría general de las obligaciones. t. i. madrid: editorial de derecho privado, 1969. _____. Teoria geral do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra editora, 1969.

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