Elementos para o retrato político de Ésquines e Demóstenes à luz dos Caracteres de Teofrasto

June 19, 2017 | Autor: Elisabete Cação | Categoria: Demosthenes, Ancient Greek Politics, Aeschines
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Plut. 5.3.1. Plut. Dem. e Cícero (trad. Marta Várzas, Classica Digitalia, 2010).
O assunto não é novo, pois há um excelente artigo da PROF ESPANHOLA que caracteriza Demóstenes e Ésquines, pelos seus textos também, e sob várias perspectivas. O Prof. Muñoz também o caracteriza sob a perspectiva do teatro e da teatralidade dos discursos públicos comparando-os com a comédia e com o texto da comédia, que em muitos casos se assemelha ao discurso da invectiva política no caso dos dois oradores. (e dão exemplos).
Edward Harris 1995, 17-40.
Dem. 18.262.
Llamosas 2008.
Rowe 1966, p. 397: The Oration on the Crown skirts the facts and seeks to establish the issue on an abstract, moral plane. Lacking strong refutation for Aeschines' specific charges, Demosthenes was concerned that his defense transcend the finite situation and assume universal validity.
Rowe 1996, p. 402. "The three recurrent images of Aeschines as the political hireling, the quack-doctor, and the third-rate actor have both individual and combined significance. Separately they may be seen as emphasizing Aeschines' venality, corruption, and hypocrisy. But what all three have in common is indicative of a more subtle purpose than solely that of assailing an opponent in the usual manner. The three descrip- tions represent a specific type of comic character-the alazon."
trad. Marta Várzeas.
MFS (2014) 13-14.
MFS (2014) 16.
harris 1995, 11. "If each orator gives a different account of the same event, one tends to have good evidence to support his account while the other always has either only irrelevant evidence or no evidence at all."
Elementos para o retrato político de Ésquines e Demóstenes
à luz dos Caracteres de Teofrasto

Elisabete Cação
Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos
Universidade de Coimbra


Introdução (alguns dados biográficos/políticos, textos)

Em relação à nossa comunicação de hoje, não é uma novidade fazer o retrato político de Ésquines e, sobretudo, de Demóstenes. Apesar de o estudo dos oradores áticos se ter recuperado há apenas alguns anos, há bibliografia sobre o assunto. Desde a Antiguidade que os autores antigos analisam e comentam os textos dos oradores gregos, como é o caso de Dioniso de Halicarnasso, Cícero ou Plutarco, este último que dedicou, precisamente, uma das suas Vidas Pararelas a Demóstenes e Cícero, na qual se predispõe a avaliar e a confrontar o carácter de ambas as personalidades, mas não a avaliar os seus textos. Cito:

Διὸ καὶ γράφοντες ἐν τῷ βιβλίῳ τούτῳ, τῶν παραλλήλων βίων ὄντι πέμπτῳ, περὶ Δημοσθένους καὶ Κικέρωνος, ἀπὸ τῶν πράξεων καὶ τῶν πολιτειῶν τὰς φύσεις αὐτῶν καὶ τὰς διαθέσεις πρὸς ἀλλήλας ἐπισκεψόμεθα, τὸ δὲ τοὺς λόγους ἀντεξετάζειν καὶ ἀποφαίνεσθαι, πότερος ἡδίων ἢ δεινότερος εἰπεῖν, ἐάσομεν.
Por essa razão, ao escrever neste livro - o quinto das Vidas Paralelas - sobre Demóstenes e Cícero, examinarei em confronto o carácter e as disposições de alma de ambos a partir das acções e da vida pública de cada um, mas renunciarei a comparar os seus discursos e a dar opinião sobre qual dos dois é mais agradável ou mais hábil a falar.

No entanto, com este trabalho pretendemos fazer a caracterização dos dois rivais através dos seus discursos políticos, ou seja, através dos discursos que apresentaram na assembleia.
O período em estudo cobre o mencionado no discurso de Ésquines, Contra Ctesifonte, isto é, desde a celebração da Paz de Filócrates em 346, até mais ou menos à apresentação na assembleia do discurso Contra Ctesifonte em 330.
Por este motivo, apresentamos em handout uma cronologia com algumas datas importantes de eventos a reter. Abordaremos, depois, questões relacionadas com o início da rivalidade dos dois oradores para perceber finalmente o objectivo do discurso Contra Ctesifonte; consideraremos ainda textos dos oradores antigos, Ésquines e Demóstenes, bem como ainda de Plutarco para uma caracterização rápida dos rivais e, finalmente, residindo aqui a novidade do trabalho, de acordo com os Caracteres de Teofrasto, analisaremos algumas passagens mais impressivas.
A metodologia do trabalho foi, então, pesquisar determinados termos dos Caracteres de Teofrasto nos discursos que mais se adequam a caracterizar este período, nomeadamente:
Vidas Paralelas. Demóstenes e Cícero de Plutarco
Sobre a Falsa Embaixada e Contra Ctesifonte, de Ésquines
Sobre a Falsa Embaixada, Sobre a Coroa, as Filípicas, de Demóstenes

Onde começa a rivalidade?
Edward Harris diz que Demóstenes invejava Ésquines por ter uma voz incrivelmente potente, como o afirma mais do que uma vez ao longo dos seus discursos, mas, contrariamente ao esperado, por exemplo uma amizade na vida privada e política, Demóstenes insulta Ésquines ao chamá-lo de tritagonistes, ou seja, aquele que tem o terceiro papel menos importante nas tragédias. Isto deve-se ao facto de Ésquines ter sido actor antes de se tornar orador; e ainda que tivesse participado ao lado de grande actores da Atenas do século IV, Demóstenes acusa-o de ter um papel menor e de apanhar as uvas e os figos que lhe arremessavam para o palco. Além disso, Ésquines serviu também como secretário público para magistrados e esse trabalho e o exaustivo conhecimento das leis permitiu-lhe ter um bom treino para acusar, dentro dos discursos que nos chegaram, Timarco e Ctesifonte.
Demóstenes, por outro lado, durante as negociações da construção da Paz de Filócrates, era apoiado por Timarco. Durante a embaixada os dois uniram-se para acusar Ésquines de traição durante o seu serviço na embaixada a Filipe II da Macedónia. Antes que ambos o pudessem fazer, Ésquines acusou Timarco de ter levado uma vida de lascívia e, por esse motivo, não podia tomar palavra na assembleia.

Invectiva política

Virgina Muñoz Llamosas recupera variadas passagens dos textos de Ésquines e Demóstenes em que analisa pragmaticamente como os dois oradores se dirigem um ao outro, recorrendo a um léxico, e cito, "socialmente marcado como ofensivo, grosero o vulgar" (fim de citação), classificando-os em diferentes campos semânticos, nomeadamente: educação, ocupação profissional, política defendida, defeitos morais, defeitos físicos, questões de sexualidade, rescorrendo, inclusivamente, a insultos de temática animal.

Invectiva e Auto-louvor (texto próprios, textos de outros autores)
A caracterizaçao de Ésquines e Demóstenes não é realizada apenas através da invectiva política, mas também é possível aproveitar parágrafos dos seus discursos políticos de auto-louvor. Os textos 1 e 2 do handout são apenas dois exemplos retirados do discurso Sobre a Coroa de Demóstenes.

Texto 1 [Dem. 18. 285]
Πολλὰ καὶ καλὰ καὶ μεγάλ' ἡ πόλις, Αἰσχίνη, καὶ προείλετο καὶ κατώρθωσεν δι' ἐμοῦ
A cidade, Ésquines, deve-me muito grandes e belas coisas, e por minha causa teve sucesso.

Texto 2 [Dem. 18. 286]
ἀμφότερ' ᾔδεσαν αὐτοί, τήν τ' ἐμὴν εὔνοιαν καὶ προθυμίαν μεθ' ἧς τὰ πράγματ' ἔπραττον
Eles viam ambas as minhas bondade e prontidão com as quais eu conduzia os assuntos.

De facto, como sublinha Galen Rowe acerca de Demóstenes, com o discurso Sobre a Coroa, Demóstenes pretendia elevar a sua actuação política a um plano abstracto, quase semi-divino, necessariamente acima do nomos, concedendo à sua situação uma validade de um acontecimento limite e concedendo à sua defesa validade universal.
Por outro lado e segundo o mesmo autor, apesar do Contra Ctesifonte de Ésquines apresentar argumentos jurídicos factuais (por exemplo a ilegalidade da proposta de Ctesifonte ou as propostas das políticas de Demóstenes), isso não é suficiente 1) para que Ctesifonte, e por consequência Demóstenes, sejam condenados e 2) (não é suficiente) para que Demóstenes, recorrentemente, denigra Ésquines. Rowe assinala três imagens recorrentes para caracterizar Ésquines: o mercenário político, o médico charlatão, e o actor de terceira categoria, que de uma maneira geral são um alazon, isto é, um caracter específico da comédia.
Todavia, nem a invectiva nem o auto-louvor são unilateirais e também o próprio Ésquines terá a sua parte de auto-louvor. Como é exemplo disso o texto 3, acerca da sua actuação política, ou o texto 4, acerca da sua carreira militar, ambos criticados por Demóstenes.

Texto 3 [Aeschin. 2.118]
Ἡ μὲν τύχη καὶ Φίλιππος ἦσαν τῶν ἔργων κύριοι, ἐγὼ δὲ τῆς εἰς ὑμᾶς εὐνοίας καὶ τῶν λόγων. Παρ' ἐμοῦ μὲν οὖν ἐρρήθη τὰ δίκαια καὶ τὰ συμφέροντα ὑμῖν
A sorte e Filipe eram senhores do assunto [dos debates da segunda embaixada], mas eu sou-o para vós na bondade e nas palavras. Por mim, eu falei o que era justo e o mais útil para vós.

Texto 4 [Aeschin. 2. 169]
ἐξῆλθον, καὶ τὴν ἐν Μαντινείᾳ μάχην συνεμαχεσάμην οὐκ αἰσχρῶς οὐδ' ἀναξίως τῆς πόλεως καὶ τὰς εἰς Εὔβοιαν στρατείας ἐστρατευσάμην, καὶ τὴν ἐν Ταμύναις μάχην
Combati na batalha de Mantineia, auxiliando sem desonra nem indingação para a cidade, servi em expedições a Eubeia e na batalha em Tamina.

Acerca das Vidas Paralelas que Plutarco dedica a Demóstenes e Cícero, Plutarco mostra-se bastante favorável ao carácter de Demóstenes e não deixa de fazer juízos de valor acerca de ambos os oradores, prejudicando o carácter de Ésquines em favor do de Demóstenes, mesmo em situações da vida privada, como é o caso do luto pela morte da filha. Vejamos o texto 5.

Texto 5 [Plut. Dem. 22.1-3]
καὶ μετ' οὐ πολὺ παρῆσαν οἱ τὸν Φιλίππου θάνατον ἀπαγγέλλοντες. εὐθὺς οὖν ἔθυον εὐαγγέλια καὶ στεφανοῦν ἐψηφίσαντο Παυσανίαν, καὶ προῆλθεν ὁ Δημοσθένης ἔχων λαμπρὸν ἱμάτιον ἐστεφανωμένος, ἑβδόμην ἡμέραν τῆς θυγατρὸς αὐτοῦ τεθνηκυίας, ὡς Αἰσχίνης (3, 77) φησί, λοιδορῶν ἐπὶ τούτῳ καὶ κατηγορῶν αὐτοῦ μισοτεκνίαν, αὐτὸς ὢν ἀγεννὴς καὶ μαλακός, εἰ τὰ πένθη καὶ τοὺς ὀδυρμοὺς ἡμέρου καὶ φιλοστόργου ψυχῆς ἐποιεῖτο σημεῖα, τὸ δ' ἀλύπως φέρειν ταῦτα καὶ πρᾴως ἀπεδοκίμαζεν
Não muito tempo depois chegavam os mensageiros, anunciando a morte de Filipe. Os Atenienses ofereceram logo um sacrifício aos deuses pela boa notícia e votaram a favor da atribuição de uma coroa a Pausânias. Demóstenes saiu à rua com uma veste magnífica e uma coroa na cabeça, embora a sua filha tivesse morrido há seis dias, razão pela qual Ésquines o censura, acusando-o de falta de amor à filha. Mas é o próprio Ésquins que se mostra vulgar e frouxo, por considerar o luto e o pranto sinais de uma alma doce e afectuosa para com o seus, e rejeitar que o sofrimento ossa ser suportado serenamente e sem desespero.

Plutarco faz ainda elogios rasgados ao esforço de Demóstenes, por se ter mostrado sempre perseverante na perseguição da carreira oratória, já que não tinha nascido com as características físicas necessárias tanto para esta actividade, como para outras, como a carreira militar. Isto é, era fisicamente debilitado (ver texto 6)
4.5 (defeitos físicos) ἦν γὰρ ἐξ ἀρχῆς κάτιςχνος καὶ νοσώδης, διὸ καὶ τὴν λοιδορουμένην ἐπωνυμίαν, τὸν Βάταλον, εἰς τὸ σῶμα λέγεται σκωπτόμενος ὑπὸ τῶν παίδων λαβεῖν
Com efeito, sempre foi muito magro e enfermiço, e por isso se diz que as outras crianças o tratavam pela alcunha injuriosa de "Bátalo", troçando do seu aspecto físico

Era também pouco corajoso (ver texto 7)
3.3 ὁ δαίμων πολλὰς μὲν εἰς τὴν φύσιν ἐμβαλεῖν αὐτοῦ τῶν ὁμοιοτήτων, ὥσπερ τὸ φιλότιμον καὶ φιλελεύθερον ἐν τῇ πολιτείᾳ, πρὸς δὲ κινδύνους καὶ πολέμους ἄτολμον
Parece que, desde o princípio, quando os formou, a divindade colocou na natureza de Demóstenes e Cícero muitas características semelhantes, como a ambição e o amor pela liberdade na vida pública, e a falta de coragem perante guerras e perigos;

Mas Demóstenes sempre se mostrou determinado (ver texto 8)
8.3 (preseverança e esfoço no treino do discurso oratório) ἐκ δὲ τούτου δόξαν ἔσχεν ὡς οὐκ εὐφυὴς ὤν, ἀλλ' ἐκ πόνου συγκειμένῃ δεινότητι καὶ δυνάμει χρώμενος
Por essa razão ganhou fama de não ter dotes naturais mas de a sua habilidade e força oratórias resultarem do esforço

Ainda que Plutarco se não tivesse proposto a analisar os discursos políticos de Demóstenes, como vimos anteriormente, ele apelida o orador como o estandarte da luta dos Helenos contra Filipe II da Macedónia. Por isso Plutarco diz o seguinte
12.7 (opiniões sobre Demóstenes) Λαβὼν δὲ τῆς πολιτείας καλὴν ὑπόθεσιν τὴν πρὸς Φίλιππον ὑπὲρ τῶν Ἑλλήνων δικαιολογίαν, καὶ πρὸς ταύτην ἀγωνιζόμενος ἀξίως, ταχὺ δόξαν ἔσχε καὶ περίβλεπτος ὑπὸ τῶν λόγων ἤρθη καὶ τῆς παρρησίας, ὥστε θαυμάζεσθαι μὲν ἐν τῇ Ἑλλάδι, θεραπεύεσθαι δ' ὑπὸ τοῦ μεγάλου βασιλέως, πλεῖστον δ' αὐτοῦ λόγον εἶναι παρὰ τῷ Φιλίππῳ τῶν δημαγωγούντων, ὁμολογεῖν δὲ καὶ τοὺς ἀπεχθανομένους, ὅτι πρὸς ἔνδοξον αὐτοῖς ἄνθρωπον ὁ ἀγών ἐστι. (12.8) καὶ γὰρ Αἰσχίνης καὶ Ὑπερείδης (or. 1 col. 22, 10 Jens.) τοιαῦτα περὶ αὐτοῦ κατηγοροῦντες εἰρήκασιν.
Adoptou como princípio da sua prática política a defesa em justiça dos Helenos contra Filipe, e por ela lutando com afinco logo adquiriu fama e, com os olhos todos postos em si, foi exaltado pela liberdade com que proferia os discursos; de tal maneira que causou a admiraçao na Hélade e suscitou a atenção do grande rei, pois para Filipe, ele era o melhor dos oradores e até os que o odiavam reconheciam nele um adversário ilustre. (12.8) Com efeito, tanto Ésquines como Hipérides, mesmo quando o acusavam, afirmavam estas coisas a seu respeito.

Parece-nos que as deficiências físicas apontadas são um modo de caracterizar e justificar a fraqueza de Demóstenes, sem ele o ser verdadeiramente, conferindo-lhe, desse modo, uma proeminência superlativa maior do que a justificada. Plutarco vai ainda mais longe quando, já na comparação das duas vidas, entre Demóstenes e Cícero, no final do seu livro, fala sobre a incorruptabilidade de Demóstenes (31.3 τὸ ἀδωροδόκητον τοῦ Δημοσθένους Plut. Comp. Dem. Cic. (5). texto 10
A Antiguidade não foi condescendente com Ésquines, e ainda que até aqui tenhamos falado sobre louvor e auto-elogio, são muitas mais as passagens de ataque pessoal e político a Ésquines do que o contrário. Por exemplo, logo na abertura do discursos de Demóstenes Sobre a Falsa Embaixada, no texto 11, Demóstenes acusa Ésquines de traição e, no texto 12, de mudança de política, associado com Filócrates.

Texto 11 [Dem. 18. 9]
εἰδῆθ᾽ ὅτι τοῖς ὑφ᾽ ἑαυτοῦ πεπραγμένοις καὶ δεδημηγορημένοις ἐν ἀρχῇ μάλιστ᾽ ἐξελεγχθήσεται δῶρ᾽ἔχων.
Vereis que pelos suas acções e os seus discursos na assembleia se provará bem que é corrupto.

Texto 12 [Dem. 18.13]
προσελθὼν τοίνυν ἐμοὶ μετὰ ταῦτα συνετάττετο κοινῇ πρεσβεύειν, καὶ ὅπως τὸν μιαρὸν καὶ ἀναιδῆ φυλάξομεν ἀμφότεροι, τὸν Φιλοκράτην, πολλὰ παρεκελεύσατο
[Ésquines] veio até mim e propôs que agíssemos juntos na embaixada, e que ambos vigiássemos esse infame e desavergonhado do Filócrates e que o acusássemos.

Os Caracteres de Teofrasto são uma obra de trinta retratos de traços humanos, que, segundo Maria de Fátima Silva, "representam a sociedade ateniense do tempo de Alexandre com características marcadamente citadinas, avaliada dentro dos padrões contemporâneos com uma notória dose de humor" e, por isso, faz todo o sentido aproveitar alguns dos traços comentados por Teofrasto para caracterizar tanto os oradores, como a sua actuação política.
Continua a mesma autora, afirmando que:
"A mesma preocupação com o indivíduo, que se revela no pensamento de Aristóteles, Teofrasto e Menandro, desenvolve-se paralelamente na mentalidade contemporânea, e encontra outras expressões concordantes, particularmente plásticas, pelo aperfeiçoamento e valorização da técnica do retrato; nessa observação, o ser humano é analisado em contraluz com o meio social a que pertence, ou para que se lhe proponham normas de conduta, ou para que se lhe apontem os comportamentos e os pequenos ridículos, numa perspectiva didáctica ou satírica; logo, a compreensão do indivíduo pressupõe um enquadramento colectivo, sem o qual não é inteligível e para cuja reconstituição se torna um contributo indispensável."

Os insultos são a maior parte das vezes gratuitos, e ainda que possam ter conteúdo jurídico legal e/ou ainda ser verdade, o público ateniense sentir-se-ia mais atraído a ouvir os discursos que apelassem mais à emoção do que realmente aos factos apresentados. Na nossa opinião, o Contra Ctesifonte de Ésquines, que apresentava conteúdo legal para a condenação de Ctesifonte pela atribuição de uma coroa de ouro a Demóstenes, foi desconsiderado em favor do discurso Sobre a Coroa, a obra-prima do orador, que é, no fundo, um louvor a si próprio e uma lavagem da sua imagem aos olhos dos atenienses. Ésquines não conseguiu assegurar um quinto dos votos, perdeu obviamente o processo e foi votado ao exílio.
Em relação à obra de Teofrasto, dos 30 Caracteres, seleccionámos aqueles que são, pelo menos, referenciados directamente nos textos de Ésquines e Demóstenes, através de substantivos, adjectivos ou em forma verbal. Seguindo a tradução para português de Maria de Fátima Sousa e Silva, de uma recente edição dos Caracteres, apresentamos a seguinte lista de seis caracteres:

κολακεία - o bajulador
δυσχέρεια - o desmazelado
ἀναισχυντία, o impudente
δειλία - o cobarde
ὑπερηφανία (Dem. 18.252, Dem. 19.255, Aeschin. 2.22 o arrogante
ἀλαζονεία (Aeschi, 2.71, Aeschin. 3.101, 237, 256), o gabarola

Em relação a kolakeia, os textos referem-se sobretudo à bajulação e adulação de cada um dos oradores a Filipe II da Macedónia. Isto é, são sobretudo referidos nos textos apresentados à assembleia ateniense sobre a conduta das embaixadas para a construção da Paz de Filócrates. Há também referências no Contra Ctesifonte de Ésquines, mas estas referem-se novamente à actuação de Demóstenes na embaixada, em que Ésquines o acusa primeiro de se prestar a bajular Filipe, e mais tarde, ainda no mesmo discurso, de se prestar a bajular Alexandre, como é exemplo disso o texto 13.

Texto 13 [Aeschin. 3.162]
Διὰ τούτου γράμματα πέμψας ὡς Ἀλέξανδρον, ἄδειάν τινα εὕρηται καὶ διαλλαγάς, καὶ πολλὴν κολακείαν πεποίηται.
Através dele [Ariston], Demóstenes enviou uma carta a Alexandre, conseguindo reconciliação e amnestia, continuando a sua bajulação.

Por seu lado, Demóstenes também critica Ésquines, enumerando uma série de más carcaterísticas, no discurso Sobre a Coroa, como apresentamos no texto 14.

Texto 14 [Dem. 18.296]
οὗτοι πάντες εἰσίν, ἄνδρες Ἀθηναῖοι, τῶν αὐτῶν βουλευμάτων ἐν ταῖς αὑτῶν πατρίσιν ὧνπερ οὗτοι παρ' ὑμῖν, ἄνθρωποι μιαροὶ καὶ κόλακες καὶ ἀλάστορες
Todos estes [traidores] têm, ó Atenienses, as mesmas propostas na política, esses entre vós, homens impuros, bajuladores e ímpios

Sobre o segundo caracter, a dyschereia, há variadas possibilidades de tradução. Nos Caracteres de Teofrasto significam, em primeiro lugar, o desmazelado, isto é, aquela pessoa que não toma conta de si. No entanto, nos textos de Ésquines e Demóstenes nunca aparecem com esse significado de desmazelo físico da pessoa, mas sim significando o desmazelo interior, sem cuidar por ser justo e bom. Por isso, muitas vezes, a tradução pode oscilar entre a perversidade, a degradação, e a vexação.
A impudência ou a petulância, distinta da arrogância em Teofrasto, é sobretudo aproveitada por Ésquines para reclamar do facto de que Demóstenes não cumpria o costume de permitir que os oradores mais velhos fossem os primeiros a discursar, pois considerava-se o melhor orador entre eles e o que mais tinha condições para apresentar as propostas justamente sem se deixar subornar.

Texto 15 [Aeschin. 2. 108]
παρῇμεν οὐ καθ' ἡλικίαν, ὥσπερ ἐν τῇ προτέρᾳ πρεσβείᾳ, ὃ παρά τισιν εὐδοκιμεῖ καὶ κόσμος εἶναι τῆς πόλεως ἐφαίνετο, ἀλλὰ κατὰ τὴν Δημοσθένους ἀναισχυντίαν.
não avançámos segunda a idade, como na embaixada anterior, ordem que era apreciada por todos e que parecia bem para a cidade, mas como [queria] o descaramento de Demóstenes

Outro caracter é a deilia, isto é, a cobardia, é a falha de carácter mais apontada. É Ésquines que mais a utiliza, e fá-lo sobretudo para sublinhar a deserção de Demóstenes do campo de batalha. Contudo, é muito mais impressionante o momento em que Ésquines relata o emudecimento de Demóstenes perante a figura de Filipe II da Macedónia.

Texto 16 [Aeschin. 2. 34]
ἤδη καθῆκεν εἰς Δημοσθένην τὸ τῆς πρεσβείας μέρος, καὶ πάντες προσεῖχον ὡς ὑπερβολάς τινας δυνάμεως ἀκουσόμενοι λόγων· […] Οὕτω δὲ ἁπάντων διακειμένων πρὸς τὴν ἀκρόασιν, φθέγγεται τὸ θηρίον τοῦτο προοίμιον σκοτεινόν τι καὶ τεθνηκὸς δ ιλίᾳ […] ἐξαίφνης ἐσίγησε καὶ διηπορήθη, τελευτῶν δὲ ἐκπίπτει τοῦ λόγου.
chegou a vez de Demóstenes falar na embaixada, e todos atentaram nele, para ouvir palavras de superioridade e cheias de força. Assim que todos estavam prontos para o ouvir, a criatura declamou um qualquer proémio obscuro e morreu de medo […] de repente, calou-se e ficou especado e por fim emudeceu.

Por outro lado, Demóstenes raramente menciona a sua cobardia, naturalmente, ou se a menciona, muda rapidamente o assunto para qualquer deformação de Ésquines, como é exemplo disso o texto 17.

Texto 17 [Dem. 18. 261, 262]
ἐπειδὴ δ' εἰς τοὺς δημότας ἐνεγράφης ὁπωσδήποτε, (ἐῶ γὰρ τοῦτο,) ἐπειδή γ' ἐνεγράφης, εὐθέως τὸ κάλλιστον ἐξελέξω τῶν ἔργων, γραμματεύειν καὶ ὑπηρετεῖν τοῖς ἀρχιδίοις. […] Σιμύλῳ καὶ Σωκράτει, ἐτριταγωνίστεις, σῦκα καὶ βότρυς καὶ ἐλάας συλλέγων ὥσπερ ὀπωρώνης ἐκ τῶν ἀλλοτρίων χωρίων, […] ἦν γὰρ ἄσπονδος καὶ ἀκήρυκτος ὑμῖν πρὸς τοὺς θεατὰς πόλεμος, […] τοὺς ἀπείρους τῶν τοιούτων κινδύνων ὡς δειλοὺς σκώπτεις.
Depois que se registou no seu demo, consintamo-lo, depois que se registou, escolheu logo a mais bela ocupação - foi secretário e serviçal de magistrados. […] Com Símilo e Sócrates, foi tritagonista, recolhendo figos, uvas e azeitonas de espaços que pertenciam a outros […] A tua guerra não teve tréguas nem armistício para os que viam, […] pois troçavas dos cobardes ignorantes desses perrigos.

Os dois últimos caracteres, a arrogância e a gabarolice, são abertamente gratuitos, vexatórios, usando nessas passagens um estilo de linguagem baixo, e que em diversos casos, parece-nos, em vez de denunciar essa falha de carácter, torna-se muitas vezes o acusador o próprio acusado. A imoderação nas palavras é tão grande que é difícil perceber, por exemplo, quem de entre os oradores possui a verdade dos factos ou se a invectiva é apenas modelo retórico.

Texto 18 [Dem. 18. 252]
ἐπειδὴ δ' οὗτος πρὸς πολλοῖς ἄλλοις καὶ περὶ τούτων ὑπερηφάνως χρῆται τῷ λόγῳ, σκέψασθ', ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι, καὶ θεωρήσατε ὅσῳ καὶ ἀληθέστερον καὶ ἀνθρωπινώτερον ἐγὼ περὶ τῆς τύχης τούτου διαλεχθήσομαι
Mas já que esse aí [Ésquines] tratou, tão arrogantemente, desse e de outros assuntos, examinai, ó Atenienses, e vereis que o que eu argumento sobre a sorte é mais verídico e mais humano

Para terminar a análise dos caracteres, apresentamos um exemplo da gabarolice de Demóstenes criticado por Ésquines no final do discurso Contra Ctesifonte, como motivo para introduzir uma peroração desacreditando a actuação política de Demóstenes em favor da Peitho, a deusa da Persuasão, em intervir em determinados acontecimentos.

Texto 19 [Aeschin. 3. 256]
Ἀλλ' εἰς τὴν ἀλαζονείαν ἀποβλέψαντες, ὅταν φῇ Βυζαντίους μὲν ἐκ τῶν χειρῶν πρεσβεύσας ἐξελέσθαι τῶν Φιλίππου, ἀποστῆσαι δὲ Ἀκαρνᾶνας, ἐκπλῆξαι δὲ Θηβαίους δημηγορήσας· οἴεται γὰρ ὑμᾶς εἰς τοσοῦτον εὐηθείας ἤδη προβεβηκέναι ὥστε καὶ ταῦτα ἀναπεισθήσεσθαι, ὥσπερ Πειθὼ τρέφοντας, ἀλλ' οὐ συκοφάντην ἄνθρωπον ἐν τῇ πόλει.
Mas prestai atenção à sua gabarolice, quando diz que, enquanto embaixador, retirou Bizâncio das mãos de Filipe, impulsionou a revolta dos Acarnenses, conquistou os Tebanos pelos seus discursos. Parece-lhe que vós chegastes a um estado de tal tolice que fostes persuadidos por estes acontecimentos, como se a Persuasão vos tivesse encantado, e não esse sicofanta na cidade.

Para concluir, a invectiva política e pessoal é um elemento base e ao mesmo tempo formador do retrato político de Ésquines e Demóstenes. A apresentação de argumentos sustentado por provas pode ser uma forma de valorizar o teor verdadeiro da caracterização, mas, como sabemos, o discurso Sobre a Coroa quebra essa regra e faz uso de toda a arte retórica, tendenciosamente manipulativa, de tal modo que a validade legal dos argumentos deixa de prevalecer. Esta foi, assim, a última humilhação de Ésquines, perante a assembleia, antes de partir para o exílio.

Bibliografia
Edward Haris (1995), Aeschines and Athenian Politics, Oxford University Press
Felipe G. Hernández Muñoz (2006), «Demóstenes, Esquines y el teatro», Koinòs Lógos. Homenaje al profesor José Garcia López, Murcia, pp. 425-430
Fiona Hobden (2007), «Imagining Past and Present: A Rhetorical Strategy in Aeschines 3, Against Ctesiphon», The Classical Quarterly vol. 57.2, pp. 490-501
Galen O. Rowe (1966), «The Portrait of Aeschines in the Oration on the Crown», Transactions and Proceedings of the American Philological Association, vol. 97, pp. 397-406
Pat Easterling (1999), "Actors and voices: reading between the lines in Aeschines and Demosthenes", Performance Culture and Athenian Democracy, Cambridge University Press, pp. 154-166
Teofrasto, Caracteres, tradução do grego, introdução e comentário de Maria de Fátima Sousa e Silva, Imprensa da Universidade de Coimbra, Annablume, 2014
Virgina Hunter (1990), "Gossip and the Politics of Reputation in Classical Athens", Phoenix, vol. 44.4, pp. 299-325
Virginia Muñoz Llamosas (2008), "Insultos e invectiva entre Demóstenes y Esquines", Minerva 21, pp. 33-49


Sobre Demóstenes

Aeschin. 2
§1-10 character assassination against Demosthenes
§97-118 Demosthenes as timid, deceitful and incompetent
§166 Aeschines savages Demosthenes' character
§ 180-183 further attack on Demosthenes

Aeschin. 2
§51-53 private life of Demosthenes subjected to criticism
Plut. Comp. Vit. Paral. Dem. e Cíc. (5)
2.1 Ἔτι τοίνυν ἐν τοῖς συγγράμμασι κατιδεῖν ἔστι τὸν μὲν ἐμμελῶς καὶ ἀνεπαχθῶς τῶν εἰς ἑαυτὸν (de Demóstenes) ἁπτόμενον ἐγκωμίων, ὅτε τούτου δεήσαι πρὸς ἕτερόν τι μεῖζον, τἆλλα δ' εὐλαβῆ καὶ μέτριον.
É ainda possível verificar nos escritos de ambos que este [Demóstenes] só aceitava fazer um auto-elogio quando isso fosse necessário com vista a algo mais importante e fazio-o com medida, sem exagerar; de resto, ele era um homem contido e moderado.

Sobre Ésquines


Dem. De Corona
§126-131 ataque a Ésquines
§252-275 renovado ataque a Ésquines

Dem. De Falsa Legatione
§121-133 mais do mesmo
§192-200 anedotas do crácter de Ésquines
§241-255 lembrança do Contra Timarco de Ésquines (pode ter coisa boa)
§337 Demóstenes sobre a voz de Ésquines


Textos:
Aeschin. 2.
113 [Ésquines critica a lisonja e adulação de Demóstenes aos embaixadores de Filpe],
177 [Ésquines denuncia a atitude dos embaixadores da Macedónia em Atenas que não estão ali para celebrar de facto a paz, mas com as suas lisonjas, trazem o perigo para a Atenas];

Dem. Falsa Legat.
223 [adv. trad. descontentamento]
308 [adj. trad. perverso] Dem. acusa outros gregos (Ésquines?) de sucumbir a adulação de Filipe
309 [adj. trad. degradante] Dem. menciona Filócrates e como não é preciso falar mal de Filócrates porque ele já assim é conhecido

Aeschin. 1.
54 [vb. (não se) perturbou] Ésquines diz que Timarco levou um escravo da cidade para sua casa e nem se perturbou, pq só estava interessado nos prazeres lascivos.
158 [vb. (não se) indignou] os atenienses indignam-se com a conduta de Timarco
Aesch. 2. 23 [vb. cospe-nos/expressa indignação] Ésquines acusa Dem. de fazer passar-se por Aristides, "o Justo" acusando todos os outros embaixadores da embaixada a Filipe como traidores e subornados.
Aesch. 3. 118 [subs. trad. vexação] acusações vexatórias

Aeschin. 3.
77 [deilaios] Ésquines chama Dem. de 'homem miserável' por ter celebrado com uma coroa e roupa branca a notícia da morte de Filipe, ainda a morte da sua filha não tinha completado o sétimo dia.
81 [cobardia] Ésquines acusa Dem. de se reservar atrás da sua cobardia, depois da primeira embaixada a Filipe porque ia acusar os colegas embaixadores de traição, acusando e levando à ruína, desse modo, Filócrates de quem tinha sido apoiante
163 [medo] Ésquines acusa Dem. da falta de políticas numa guerra contra Alexandre quando ele assumiu o trono, depois do seu pai ter sido assassinado em 336
175 [] Ésquines faz uma breve referência à homosexualidade de Dem. e depois à sua cobardia, de não participar em combate e limitar-se a fazer discursos na assembleia, o que de facto Dem. não nega porque diz que é o melhor com as palavras
176 [] os desertores por cobardia não podem ser honrados com coroas nem caminhar nos precintos sagrados da ágora, segundo the lawgiver, Solon
214 [] Ésquines diz que Ctesifonte está apreensivo com este discurso porque com a revisão da vida e carreira de Demóstenes, os membros do juri da assembleia podem decidir pela versão de Ésquines e isso queria dizer que Ctesifonte seria acusado
244 [] Ésquines, com interregoações retóricas, pergunta se Dem. deve ser honrado por ter sido subornado, pela sua cobardia ou por ter desertado o posto de combate







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