Elementos para um debate entre arquitetura, urbanismo e tecnologia

May 22, 2017 | Autor: Bruno Schiavo | Categoria: Architecture, Digital Media, Urbanism, History of Art and Architecture
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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Programa de Pós-Graduação Primeiro semestre de 2013 AUH 5862-2 Intervenções em Redes Urbanas (espaços cíbridos e expandidos na arte e na cidade contemporânea) Docente Responsável: Giselle Beiguelman Trabalho Final Bruno Schiavo Número USP: 5403287 Mestrando em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo

O aumento de protestos em escala mundial de 1999 até hoje pôs em relevo não apenas múltiplos aspectos da dominação política e corporativa presente nas sociedades, como demonstrou poderes de mobilização e resistência diretamente vinculados à reestruturação dos seus sistemas de comunicação. Longe de se dar de modo contínuo, homogêneo, linear, o processo tem evidenciado as próprias aporias, entre a calmaria e a tormenta. O notável é que lhe tenha permeado uma meta-abordagem, igualmente suscetível a movimentos de retrocesso: a que considerou a progressiva diluição da fronteira até o suposto “mundo virtual”, habitado por entes informáticos, quase fantasmas não fosse o índice de que são regidos pela abstração binária do código digital, fonte de um temerário impacto no “mundo real”, este sim da ordem da sanidade empírica, da verdade, da objetividade, ainda que também contagiado por certo dualismo, a ser preservado como se noções de tempo e espaço antes lhe constituíssem. Em meio ao grande sentimento de desorientação imerso nos dados contextos das disputas ideológicas, da ameaça planetária, das descobertas falsificações científicas vigilantes, da sobreposição de agendas, discursos e camadas históricas a serem interpretados, parece prevalecer nos mais sensatos ao menos a atenção a um meta-valor emergente: digital, tudo redutível a este mínimo denominador circula pela internet, meio fundamental para todos os sistemas produtivos da sociedade, funcionando também como modelo a outros tipos de ensaio cuja estrutura rizoma possa vir a se assemelhar. Mais ainda, como os principais dispositivos técnicos afins operam cada vez mais na mobilidade e na velocidade, o seu sentido ubíquo tem sido plenamente enfatizado. Menos em sentido metafórico, sob os riscos do controle empresarial e tecnocrático, ocorre que no espaço da cidade, no âmbito das configurações urbanas planejadas, se espalha por meio da mesma mobilidade que confere às pessoas e mercadorias, quando não está ele tão embutido que se confunde com o próprio ambiente, em regime de vigilância ou propiciador de novas, significativas experiências relacionais, de levante, liberdade, êxtase. Assim como se extinguem os processos produtivos que não pautados pela ciência avançada, a cultura digital é um traço transversal nas sociedades contemporâneas, onde é fundamental que seja debatida amplamente, como coloca Evgeny Morozov, e que não tenda a um partido desta causa específica;1 podem levar a mais sérias consequências as reflexões que pouco considerarem, em seus respectivos campos, as dimensões éticas da tecnologia e da ubiqüidade das mídias digitais.

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Evgeny Morozov. “Information Consumerism: The Price of Hipocrisy”, http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/debatten/ueberwachung/information-consumerism-the-price-ofhypocrisy-12292374.html 2

Mas nem toda interpretação desse advento está livre do seu duplo, que a faz nostálgica, e mesmo quando expressamente circunscrita ao alcance artístico, almeja totais e novíssimas perspectivas antropológicas. Do que mesmo este escrito delirante periga não se libertar, povoado por lembranças de esparsas leituras diletantes à procura do objeto híbrido. A voz e o fluxo atualizam-se reciprocamente, no movimento pendular cuja temporalidade vai do instante imediato ao futuro e volta: “Pois hoje nós já não mais...” resistimos à turbulência. O espaço não faz mais sentido porque já não fazia. A repetição esmaga a alteridade exaltada: “É insuportável que na comunicação digital proponha-se um neocolonialismo midial com uma divisão hierárquica entre quem representa e quem é representado, entre quem filma e quem é filmado, quem narra e quem é narrado, quem enquadra e quem é enquadrado”.2 É quase nada: “Ubíquo é incontrolável, incompreensível, indeterminável. Fora do controle político vertical, da racionalidade monológica, de qualquer determinação linear espaço/temporal”.3 Do modo como é tratada a problemática do sujeito neste texto de Massimo Canevacci: não é possível saber se a consciência é voluntária ou não ao se fundir no “imaterial ubíquo”, no que o paralelo com o seu seqüestro nos parece irremediável, além de se fazer necessária a distinção a seguir, por Lucas Bambozzi: “Antes de empacotarmos mais um slogan eufórico para uma era, é preciso entender as negociações que envolvem esses fluxos ditos nômades, que resistem para além das aparências, na ânsia e na predisposição à conectividade full time, entre a submissão e a conscientização aos sistemas midiáticos”.4 Seria possível pressupor que se trata da predisposição de um indivíduo ao inesperado, à invenção, aos quais se lançaria de imediato, já que a “expansão das tecnologias digitais não pode ser interpretada como próteses do corpo humano, mas são co-penetrações contínuas e misturas híbridas no curso das quais nem sempre é definível onde começa o objeto (um mouse, a tela, o teclado) e o sujeito (os dedos, os olhos, o corpo/mente). (...) Nesse sentido, o mouse não é uma prótese que se

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Massimo Canevacci. “Ubiqüidade Etnográfica”. https://www.facebook.com/photo.php? fbid=598667610148659&set=a.597975996884487.157979.592503857431701&type=1 . Acessado em 25 de agosto de 2013. 3

Id., ibid.

4

Lucas Bambozzi, “O Lugar e a negociação da mobilidade”, in Beiguelman & La Ferla (orgs) in Nomadismos Tecnológicos. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. P. 187. 3

adiciona ao corpo: é um corpo-mente (mindfull body) que incorpora e se sincretiza com este spray. É o corpo ‘eXpandido’”.5 Nos vemos então a um passo da superação do uso ordinário que os homens até então haviam feito das ferramentas técnicas em um sincretismo tecnológico mas que, para nós, permanece indefinido, principalmente por pretender apontar saídas “radicais” no nebuloso tópico dos direitos autorais: “estamos vivendo uma fase na qual todos nós podemos seja criar coisas, histórias, imagens, seja replicar-lhes sem dever por isso pedir permissão a ninguém; e os anúncios contra as assim chamadas ‘piratarias’ parecem favorecer os piratas e causar risada na platéia”.6 É claro que o argumento tem legitimidade sob muitos pontos de vista, dado o acúmulo da discussão. Mas aí Canevacci resolve questionar a ideia de autenticidade por si e, simulando uma existência descolada de qualquer contexto objetivo, afirma: “uma vez que a autenticidade do produto é cada vez menor e, com essa, o valor ambíguo que tal conceito sempre comportou: o ser autêntico é realmente uma ideologia ou um absurdo modelo restaurativo. Em antropologia, portanto, a autenticidade juntamente com a pureza e a origem foram questionadas há muito tempo, estão em discussão como culturas e até mesmo os indivíduos não podem mais declarar-se, ou pior, serem declarados autênticos, puros, originais: mas sim, são um resultado de misturas complexas, híbridos e mutações, uma vez que alguém – estilista de moda ou engenheiro de software – invente um produto, este se torna uma cidadela circundada de olhos que farão qualquer coisa – se possuir um appeal – para copiá-la”.7 O sentido ambíguo, que permeia as contradições do nomadismo pela discussão das mídias locativas, para nós assume os seguintes termos: a manutenção de alguma autonomia ao sujeito se justificaria não pela afirmação das ilusões de pureza e de origem, mas pelo resguardo de uma consciência tal que fosse imune às expressões passíveis da instrumentalização pela cultura do marketing ou do branding. Estaria também distante da

5

Canevacci, op. cit.

6

Id., Ibid.

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Id., Ibid. 4

defesa da autenticidade segundo as artes institucionalizadas, existindo como exercício de recusa dos “processos de colonização da percepção”.8 Canevacci também exalta um fenômeno recente na China: não somente edifícios famosos da história da arquitetura ocidental como a capela de Ronchamp de Le Corbusier, mas também paisagens urbanas inteiras de cidades icônicas como NYC estão sendo reproduzidas identicamente naquele território.9 Essa é uma dimensão específica do mesmo movimento que cria no país lojas piratas da Apple ou da Adidas, e que, para Canevacci, implicam numa superação da dicotomia verdadeiro/falso, além de serem um forte indício da ubiqüidade enquanto paradigma dos processos criativos no mundo. Até mesmo Zaha Hadid foi vítima dos “arquitetos piratas”; ela é, para o autor, “filósofa do contemporâneo que desdobra presente-futuro, antes e melhor do que os clássicos autores citados para qualquer eventualidade. A filosofia está fora da filosofia, assim como a antropologia está fora da antropologia”.10 Nesse sentido, entendemos que caberia aqui uma visita a algumas discussões específicas do campo da arquitetura e do urbanismo; tais poderiam servir como pontos referenciais para compreendermos o deslizamento de conceitos e práticas entre o interior e o exterior do campo, no que eles puderem se relacionar e alimentar a investigação que iniciamos. As mídias em geral têm enorme permeabilidade nas humanidades e, na arquitetura, é possível deslindar alguns momentos específicos em que tenham sido recebidas internamente, e como podem ter sido refletidas.

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“Difícil, nessa conjuntura, é não concordar com Richard Sennet quando ele afirma que a principal consequência do capitalismo contemporâneo é a corrosão do caráter. Afinal, a eficiência desse processo de colonização da percepção depende da absorção do discurso do marketing - os antigos códigos da ética hacker - como os valores de consumo. Basta ler as tradicionais apresentações ‘About Us’ (‘Sobre Nós’), do YouTube, Flickr e Facebook, para constatar que isso já foi feito. Repetem-se como mantras, cada um com seus acordes próprios, as ideias de uma comunidade para todos, o espaço aberto, a cultura grátis, o compromisso com o compartilhamento e a conexão entre as pessoas. Como afirma Douglas Rushkoff, ‘o open source é, então, reinterpretado como ‘crowd-sourcing’, ou seja, apenas uma outra maneira de recrutar pessoas para fazer trabalhos em troca de nenhuma compensação.’” Giselle Beiguelman, “Territorialização e Agenciamento nas Redes (em busca de Ana Karenina da era da mobilidade)” in Beiguelman & La Ferla (orgs), op. cit., pp. 252-253. 9

O processo também é apresentado aqui: WAINWRIGHT, Oliver. “Seeing Double: what China’s copycat culture means for architecture”, http://www.theguardian.com/artanddesign/architecture-design-blog/2013/jan/07/china-copycat-architectureseeing-double 10

Massimo Canevacci, op. cit. 5

Uma imagem nítida da teoria da arquitetura contemporânea não é algo simples de se obter. Kate Nesbitt, em introdução à antologia teórica que cobre o período entre 1965 e 1995 afirma que, “de fato, uma das características do período pluralista imprecisamente designado de pós-moderno é a inexistência de um tópico ou de um ponto de vista predominante.”11 Já distantes dos períodos em que os escritos da arquitetura davam à disciplina uma voz única - distantes portanto da historiografia que sustentou o chamado movimento moderno e ainda mais dos manifestos que o originaram -, continuamos a encontrar esforços de síntese, por ideal que esta seja, que mantém um tom programático a ser estendido a toda arquitetura, como se fosse inexorável, mesmo controlável, a urbanização total do planeta. Em introdução a outra compilação de textos teóricos sobre arquitetura, desta vez compreendendo o período de 1993 a 2008, Krista Sykes e K. Michael Hays escrevem: “Assim, durante o período que vai de meados dos anos 1960 até meados dos anos 1990 existiu um discurso predominante que, apesar dos vários métodos de abordagem, buscou reformular a disciplina e construir um lugar para a arquitetura. O que é diferente no presente momento é que não parece haver um conceito abrangente dedicado a tal tarefa, e a noção previamente encarregada disso - a teoria crítica da arquitetura - está ela mesma em transição, se não em crise.”12 Na década de 1970, o entrelaçamento produtivo entre a teoria, a história e a crítica da arquitetura, é chamado por Michael Hays de um “momento althusseriano” do pensamento disciplinar: a crítica do determinismo econômico marxista propunha à arquitetura o conceito de “semiautonomia” correspondente aos “níveis”, “instâncias” ou regiões dentro de um campo ideológico - o econômico, o político, o jurídico, o cultural, o estético - tomado como a totalidade estrutural de uma formação social.13 Cada entidade é, nesse modelo, o produto da interação de todas as regiões de uma só vez; a diferença entre cada uma delas é tomada como um conceito relacional, e não como um inventário de instâncias. No entanto, segundo o autor, tal projeto teórico, bem como a desejada operatividade do conceito de autonomia para a arquitetura teria sucumbido progressivamente, “pois a dialética entre semiautonomia e totalidade estrutural provaram-se complexas ou problemáticas demais para serem sustentadas.”14 11

Kate Nesbitt (org.). Uma Nova Agenda para a Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2006. P. 15.

12

A. Krista Sykes & K. Michael Hays (orgs.). Constructing a New Agenda: Architectural Theory 1993-2009. Nova York: Princeton Architectural Press, 2010. P. 20. 13

K. Michael Hays, “Architecture Theory, Media, and the Question of Audience”. Assemblage, n. 27, Tulane Papers: The Politics of Contemporary Architectural Discourse, agosto 1995, p. 42. 14

Id., p. 43. 6

Alguns anos depois, em 2001, o mesmo autor apontaria a rejeição, até por parte dos “mais teoricamente conscientes dos arquitetos contemporâneos”, da dialética da autonomia como modelo de atuação crítica.15 A “semiautonomia” teria começado a degenerar em um argumento para a autonomia absoluta da forma e do discurso arquitetônicos. Se traçarmos à fase inicial desse chamado “momento althusseriano”, de formação do conceito de autonomia que impregnou a arquitetura do início do que seria chamado de pós-moderno - obras de arquitetos como Aldo Rossi, Venturi & Scott Brown, Michael Graves, ou mesmo Peter Eisenman - encontraremos interessantes debates iniciais da era de formação do IAUS (Institute for Architecture and Urban Studies, importante centro de pesquisa que durou de 1969 a 1984). O Instituto reforçou o intercâmbio entre a culturas arquitetônica norte-americana e a européia, incorporando referências intelectuais estrangeiras como matrizes principais de seu pensamento. Principalmente a partir de 1971, ele passa também a ser recebido, respeitado e lido na Europa. Em dezembro daquele ano fora publicada a primeira edição bilíngüe da revista Casabella, de Milão, em que a atualidade da discussão urbanística do IAUS era apresentada como um necessário contraponto ao “monstro metodológico de uma arquitetura ‘nostálgica’, que nos aliena na escuridão de uma ‘racionalidade’ tomada como fim em si mesmo”16. De sua parte, o IAUS mostrava a quais correntes da arquitetura contemporânea se contrapunha; e também apresentava os resultados da conferência “Architectural Education/U.S.A.: Ideas, Issues and People” - realizada no início daquele ano junto ao MoMA -, em que era proposto um olhar abrangente sobre o tema da educação através da crítica aos modelos de crescimento urbano predominantes no território norte-americano. Tendo aparecido com o subtítulo “The City as Artifact”, aquela edição de Casabella vinha com um chamado à participação em um concurso internacional de projeto, “La Cittá come 15

K. Michael Hays, “Prolegomenon for a Study Linking the Advanced Architecture of the Present to That of the 1970s through Ideologies of Media, the Experience of Cities in Transition, and the Ongoing Effects of Reification”. Perspecta, vol. 32, Resurfacing Modernism, 2001, p. 100.: : “The most theoretically aware of contemporary architects have rejected what was the most important operative concept of architecture theory at the moment of its re-foundation in the 1970s: namely, the aspiration toward autonomous forms and techniques to create and measure the distance between a resistant, critical practice and the degraded languages and ideologies of consumer culture that surround it. Over and against resistance and autonomy or better, resistance through autonomy - recent design theories of various stripes have tended to affirm their cultural sponsors and accept a certain determination by cultural forces outside architecture (information and entertainment technologies, in particular), over which, it is assumed, architecture has no control, and about which it has no reason to fret” 16

Alessandro Mendini, “Questo numero”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, p.

9. 7

Ambiente Significante”, promovido pela Associazione per il Disegno Industriale. Mesmo nesse anúncio, encorajava-se atentar para os termos que os norte-americanos colocavam para a problemática urbana: “‘ambiente como artefato’ - significando o oposto exato do planejamento autoritário - e ‘arquitetura conceitual’ - significando a co-presença das dimensões mental e física”17. De fato, afora a irredutível discordância entre Denise Scott Brown e Kenneth Frampton quanto ao sentido da incorporação pop - ou kitsch -, pela arquitetura, e apesar disso, os textos trazidos naquela edição exploravam em diferentes direções o problema do significado na arquitetura e na cidade de modo coordenado. O diretor de redação da revista à época, Alessandro Mendini, aceitara o conteúdo formatado pelo IAUS em três seções principais: a primeira, intitulada “Cultural Debate: Existing Situation” concentra-se na disputa entre Denise Scott Brown e Kenneth Frampton, e abre para a exposição das ideias do grupo, afirmando-a já em contraposição à corrente populista dominante nos Estados Unidos;18 a segunda parte, “A Dialectical Aspect: The City as an Artifact”, concentra os argumentos de Peter Eisenman19 , Joseph Rykwert20, William Ellis21, Stanford Anderson22 e Tom Schumacher23 , em unidade pela utilização dos termos “processos” e “artefatos” como ferramentas conceituais para o tratamento de questões urbanas; e a terceira, “Institutes and Artifacts for a Posttechnological Society”, reflete sobre o ensino de arquitetura à luz da problemática

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Idem, ibidem.

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Denise Scott Brown, “Learning from Pop”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 15-23. Kenneth Frampton, “America 1960-1970: Notes on Urban Images and Theory”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 24-38. Denise Scott Brown, “Reply to Frampton”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 39-46. 19

Peter Eisenman, “Notes on Conceptual Architecture: Towards a Definition”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 48-58. 20

Joseph Rykwert, “The Necessity of Artifice”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 59-61. 21

William Ellis, “The Natural Town and the Spaceless Milieu”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 62-70. 22

Stanford Anderson, “Environment as Artifact: Methodological Implications”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 71-77. 23

Thomas Schumacher, “Contextualism: Urban Ideals + Deformations”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 78-86. 8

contemporânea, tratando-se dos resultados da conferência “Architectural Education/ U.S.A”, resumidos em três artigos de Emilio Ambasz.24 O panorama norte-americano das questões disciplinares é introduzido, portanto, através de um embate. Representando uma das posições, Denise Scott-Brown apontava que a progressiva exclusão do arquiteto das esferas de planejamento urbano teria ocasionado, por um lado, a operação em métodos científicos pretensamente “neutros” para o desenho da cidade e, por outro, a perda de relevância do debate arquitetônico no seio da sociedade e mesmo entre os arquitetos. A saída para a situação encontrava-se na aproximação da alta cultura arquitetônica com o código simbólico popular presente nas áreas mais periféricas ou na estética dos postos de gasolina. Em contraposição, o foco mais amplo de Kenneth Frampton sobre as razões históricas do desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo nos Estados Unidos não permitia propor soluções imediatas, exceto denunciar a própria urgência de reformulação geral da teoria e de sua relação com a prática. Para ambas as posições, os interesses das instâncias públicas ou privadas responsáveis pela cidade se manifestavam numa reprodução acrítica do código modernista. Scott-Brown propõe um acesso ao problema urbano que considera, principalmente, as dadas condições ambientais e enfatiza, assim, questões em torno do método de análise de tais configurações. A dimensão histórica que é levada em conta diz respeito apenas àquela que constitui o passado disciplinar, a servir como referência e a complementar o trabalho com as novas formas da cultura de massa.25 Além disso, não somente o repertório da arquitetura teria de incorporar esses novos signos, mas também ferramentas mais dinâmicas - como o vídeo e o computador - seriam fundamentais na renovação dos processos analíticos e projetuais.26 Sobre este aspecto, em resposta, Frampton critica o 24

Emilio Ambasz, “I. The University of Design and Development”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 88-91. Emilio Ambasz, “II. Manhattan: Capital of the Twentieth Century”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 92-93. Emilio Ambasz, “III. The Designs of Freedom”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, pp. 94-99. 25

“Formal analysis should be comparative, linking the new forms, by comparison, to the rest of the formal tradition of architecture thereby incorporating them into the architectural discipline and helping us to understand our new experience in the light of our formal training”. Denise Scott Brown, “Learning from Pop”, Casabella 35, p.17. 26

“New analytic techniques must use film and video tape to convey the dynamism of sign architecture and the sequential experience of vast landscapes; and computers are needed to aggregate mass repeated data into comprehensible patterns”. Id. 9

uso que o planejamento urbano, desde o pós-guerra, fazia das imagens nos mapas e o significado das abstrações nas notações gráficas, nos diagramas; baseados na teoria da Gestalt e com ênfase em elementos cinéticos, tudo ficava reduzido a estudos viários direcionados a facilitar o trânsito dos automóveis.27 Frampton reconhece o significado útil e operacional da coleta de dados, mas aprofunda com exemplos históricos sua crítica ao paradigma informacional aplicado ao desenho da cidade. O autor traça um percurso da teoria urbana norte-americana principalmente através da figura de Melvin Webber que, segundo o autor, teria reconhecido tarde demais a não neutralidade da objetividade científica. Frampton compreende a ameaça à noção de lugar como ameaça à própria experiência humana, e enfatiza o caráter político de sua exposição.28 Na segunda seção da revista, outras discussões também refletiriam a mesma problemática. Segundo William Ellis, em um estudo urbano de fevereiro de 1970 pelo IAUS - “New Urban Settlements: Analytical Phase”, não publicado e tendo permanecido na fase analítica -,29 há a sugestão de duas categorias para as cidades analisadas: aquelas concebidas como “artefatos”, enfatizando as relações físicas no espaço, e aquelas que pareciam terem sido concebidas em termos de “processo”, enfatizando relações operacionais no tempo, como a comunicação e o transporte.30 A necessidade de um modelo que considerasse a relação entre esses dois aspectos da cidade configura o centro de seu argumento e o da maioria dos outros artigos no número de Casabella. Na introdução de um dos editores de Casabella, Francesco Alberti, fora afirmada a relação próxima entre o ambiente construído, o environment - qualquer que seja a sua forma, de ordem ou de desordem -, e as ideias que o produzem. Reconhecendo dificuldades na organização das instâncias transdisciplinares para solucionar os 27

“This work, appearing in retrospect as a pioneering piece of populist urbanism, (almost in anticipation of advocacy planning), largely had the intended effect of rationalising the post-war erosion of the American city by the automobile. Of the ruthless superimposition of federally subsidized highways and of the sporadic speculative urban renewal, contingent upon the displacement of the urban poor that followed predictably in their wake, it passed no comment”. Kenneth Frampton, “America 1960-1970”, Casabella 35, p. 27. 28

Id., p. 33. Outro aspecto explorado pelo autor é a diferença entre a arquitetura que se pretendia pop e a pop art - por exemplo a de Andy Warhol -, ou seja, a diferença abismal entre a aceitação populista e a crítica corrosiva da realidade. 29

Um dos principais modelos estudados foi o “New Town” como aplicado na Inglaterra, com início no pósguerra que, de acordo com a leitura do IAUS, refletiu ao longo do tempo duas abordagens opostas: enfatizando inicialmente as construções e os espaços de permanência e, em seguida, as conexões viárias. 30

William Ellis, op. cit., pp. 62-70. 10

problemas urbanos, Alberti vê a noção de artefato como “manifestações físicas de procedimentos amplamente compartilhados com modelos normativos precisos, como acontecia no Renascimento e na Idade Média”.31 O aspecto físico, especificamente arquitetônico do artefato é contraposto à abstração dos dados e percentagens, estes entendidos como denominadores comuns instrumentalizados por “tecnocracias transdisciplinares” atuantes sobre o ambiente urbano. Joseph Rykwert é outro que argumenta pela importância da particularidade da disciplina arquitetônica e, consequentemente, pela reavaliação da posição do arquiteto como artífice, possuidor de consciência e intenções específicas em meio a outros profissionais, como engenheiros e sociólogos.32 Desacreditado de qualquer tipo de “solução total” ilusória para as cidades, Rykwert reconhece que as “patologias” da arquitetura - também específicas, não necessariamente parte da patologia social -, deveriam ser tratadas dentro da própria disciplina. Naquele momento, a contribuição que mais se aproxima de uma possibilidade metodológica para o tratamento de tais problemas circunscritos, portanto, à arquitetura, é a de Stanford Anderson. Almejando à passagem de uma cultura do “design do objeto” para uma do “artefato”, o autor aponta a necessidade de uma crítica histórica da cultura do “design do ambiente” como desenvolvido principalmente por Buckminster Fuller e Archigram. Anderson questiona se aquelas imagens futuristas não seriam em si contraditórias demais tendo em vista os problemas que consideravam e as soluções que propunham.33 Também William Ellis nota a pulverização disciplinar que constitui as formas mesmas da obra dessas proeminentes figuras, incluindo a de Cedric Price, como uma

31

Francesco Alberti, “Introduction”, Casabella 35, n. 359-360 (The City as Artifact), dezembro 1971, p. 12.

32

“[Architects and planners,] Seeing the culturally unfettered engineer and the quasi-scientific sociologist as their superiors, they have deliberately blurred the parameters of their competence so as to arrogate themselves some of the esteem enjoyed by their apparently so near-colleagues. (...) To speak of informal architecture, design - let alone urbanism - is to contradict oneself. In design there must always be the intention, conscious or semi-conscious, to present the actor with a legible set to act with within or against. (...) and it follows, if since intention is a voluntary function, that there cannot be design without artifice.” Joseph Rykwert, op. cit., pp. 60-61. 33

“Is the complete subjectivism of Archigram’s mentalistic environment the end of man’s intersubjective scientific exploration that has yielded the technologies Archigram celebrates? Is Archigram’s program, contrary to its occasional revolutionary rumblings, contributive to the stupefaction of man in the interests of big businnes and government, purveyors of all the kits and robot services? Is Archigram’s insitence on disposability and physical re-emergence - the impatience with long-term physical environment even if it be open to changing use - the most advantegeous organization of human energy, physical resources, and pollution control?” Stanford Anderson, op. cit., p. 73. 11

tendência em ascensão desde o início dos anos 1960. Em todos, haveria uma noção específica de environment: “Eles sugerem um ambiente em que as coisas poderiam estar ou em todo lugar ou em lugar nenhum, mas não em ‘algum lugar’”.34 O foco nos problemas do transporte, da tecnologia da comunicação, da mobilidade, da flexibilidade ou seja, todos ligados a “processos” -, não refletiria apenas um aspecto do todo, mas teria substituído a própria ideia de artefato como paradigma geral para os padrões de ocupação, gerando uma condição ambiental chamada por Ellis de “spacelessness”. A naturalização da ideia de “processo” estaria ligada à autorrealização do ideal de movimento, ao qual o autor relaciona as “formas dinâmicas do modernismo”; o ideal de um progresso técnico infinito incorporado em alguns exemplos da arte dos anos 1960 teria um paralelo no planejamento urbano pela concepção quase mcluhaniana do “ambiente como extensão do homem”. Não será o desenvolvimento tecnológico inevitável que trará a solução para as já existentes cidades sem espaço, mas a artificialidade dos aspectos físicos da existência, “propriamente representados por massa, configuração e dimensão”.35 Mesmo quando compreendidas como respostas aos problemas da transformação e da indeterminação no desenvolvimento das cidades, a generalização das noções processuais não deveria sobrepujar a mediação do “como” arquitetônico, a quantidade não deveria ser sobreposta de tal maneira à qualidade; um equilíbrio entre as noções opostas de “processo” e “artefato” deveria ser perseguido. A arquitetura é um artifício, seus produtos são artefatos. O ambiente da cidade é uma questão de valor e de intenção do artífice, o arquiteto. O número de Casabella termina com o esboço de uma instituição hipotética para a atualização e para a formulação de novas propostas diretamente relacionadas às questões urbanas contemporâneas. Trata-se, portanto, da reorganização dos conhecimentos de cada disciplina - sejam eles das ciências humanas, técnicas ou das artes - a partir das necessidades do ambiente construído pelo homem e do desenvolvimento socioeconômico. Com seu advento, é imaginada uma Manhattan renovada, tendo resolvidos os seus problemas infra-estruturais;36 um projeto de “univercidade” substituiria as concepções responsáveis pelo isolamento acadêmico; na

34

William Ellis, “The Natural Town and the Spaceless Milieu”, Casabella 35, p. 63.

35

Id., p. 68.

36

Emilio Ambasz, “II. Manhattan: Capital of the Twentieth Century”, Casabella 35, pp. 92-93. 12

“cidade dos presentes abertos”, a forma física do ambiente urbano e os sistemas de pensamento que o desenhariam, sempre em harmonia, seriam isomórficos.37 Toda a discussão “The City as Artifact” busca correspondências entre a configuração da cidade e as ideias que a produzem. Compreende-se que tais relações chegam a propor uma isomorfia - utilizando o termo de Ambasz - entre a desmaterialização da forma arquitetônica na cidade - a predominância de espaços de passagem, ligados ao transporte (processo), que não chegam a configurar lugares suficientemente concretos ou significativos (artefatos) - e a dissolução disciplinar da arquitetura - tomada por métodos tecnocráticos, baseados em “neutro processamento de dados” (processo), e esvaziada de qualquer especificidade, de qualquer consideração profunda quanto aos seus aspectos qualitativos (artefato). Depois desse percurso, podemos fazer um balanço de possíveis consequências dessa teoria predominante na arquitetura, qual seja a sua noção de autonomia baseada nessa relação dicotômica: de modo geral, a reação da "cultura arquitetônica mundial" (uma abstração) ao paradigma da comunicação e da teoria da informação nos anos 60 resposta às várias propostas entre o Pop e o Re-futurismo, à Plug-in City em 64, ao Archizoom e ao Superstudio (fundados em 66), à No-stop City, a Banham etc -, estancou o aprofundamento crítico das relações entre a arquitetura, as mídias, e o "espaço-tempo" da cidade. O assunto parece ter sido tabu até os anos 90, permitindo que a partir daí o High Tech corresse por fora de maiores discussões e análises críticas. 1966 é um marco pra historiografia por conta dos livros de Aldo Rossi e de Venturi e Scott-Brown, que mostram bem essa cisão. Colin Rowe e a dissertação de 1963 de Peter Eisenman já eram "autonomistas" e ignoravam deliberadamente as relações da arquitetura com os meios de massa. É significativa a ausência de estudos sobre o Pavilhão Philips, de Le Corbusier e Yannin Xenakis (1958), durante o período de hegemonia da autonomia: esta é uma das primeiras obras, senão a primeira, a elaborar um espaço de instalação multimídia utilizando-se da mais avançada tecnologia do período. Além disso, são bons índices 37

“Then, we may see that the changing configurations of the emerging city and those of the constantly renewed systems of thought which are developed to design it, are always isomorphic. It may also become evident that such stuctural transformations will only take place after new institutions, concerned with developing such design systems of thought and capable of designing the man-made milieu pyhisically and socio-economically, have been established. Perhaps, then, after these specific conditions have been satisfied, but not before the unfolded meanings of remembered and of invented superstructures have begun to expand the realm of our valued qualities, will the Universitas become the Univercity, and the City of Open Presents come into being”. Emilio Ambasz, “III. The Designs of Freedom”, Casabella 35, p. 94. 13

também o combate às noções futuristas de amor pela metrópole e pela simultaneidade, do ponto de vista da sensorialidade aumentada simultaneamente na experiência tecnológica urbana. Comprovando nosso ponto a respeito do High-Tech como locus isolado de experimentação tecnológica na arquitetura - no que isso pode ter propiciado aplicações fetichizadas da tecnologia além da redução da dimensão imaginativa antes vista no Archigram, por exemplo -, temos o livro “The Art-Architecture Complex” de Hal Foster (2011), que tem uma estrutura retrospectiva, dividida em 3 capítulos: “A primeira seção considera três ‘estilos globais’ - as práticas de Richard Rogers, Norman Foster, e Renzo Piano - que podem ser para a nossa configuração pós-industrial da modernidade o que foram os ‘estilos internacionais’ de Walter Gropius, Le Corbusier, e Mies van der Rohe para o arranjo industrial - sinalizam expressões que são de uma só vez pragmáticas, utópicas e ideológicas em força. (...) A segunda seção volta-se para arquitetos para quem a arte foi um ponto chave de partida: Zaha Hadid, Diller Scofidio + Renfro, e um grupo de designers informados pelo Minimalismo, incluindo Jacques Herzog e Pierre de Meuron. (...) Todos esses envolvimentos alteraram não apenas a relação entre arte e arquitetura, mas também o caráter de meios tais quais a pintura, a escultura, e o filme. A terceira seção considera essas transformações”.38 Nisso, chama a atenção o fato de o primeiro ser ligado ao capitalismo global, à globalização enquanto efeito da internacionalização dos fluxos de capital; o segundo ser um retrofuturismo; e o terceiro considerar os parâmetros dos desenvolvimentos intrínsecos à arte. Consideramos que nessa leitura há um índice do papel preponderante da tecnologia enquanto responsável pelas mediações entre arte e arquitetura, além de deixar claro o seu papel na moldagem da arquitetura contemporânea. São características que parecem replicar ao longo dessas décadas a estrutura dicotômica do debate em Casabella, onde um paradigma de entendimento dos artefatos tecnológicos ficou evidente. Ali, eles se apresentam como exteriores à sociedade, como se não a constituíssem e não fossem gerados e geridos dentro dela. Possivelmente haveria maior tendência à enxergá-lo como ferramenta ou máquina, e menos em sua virtualidade de estrutura sistêmica, modular, e aplicável em várias instâncias. Além disso, parece nem ter sido cogitada a ideia de que a mobilidade poderia potencializar encontros nos lugares. Hoje são muito mais presentes os conflitos com a disposição dos sistemas de transporte para uma fruição satisfatória da cidade do que teriam sido no período. Termino esses

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Hal Foster, “The Art-Architecture Complex”. Londres: Verso, 2011. P. VIII. 14

paralelos dizendo que uma arquitetura de algum modo isomórfica à realidade das mídias locativas não estará aí para ser vista. O problema da imagem fotográfica como meio principal da construção da historiografia da arquitetura ainda persiste; mesmo que a realidade aumentada proponha a visitação de espaços simultaneamente abrindo acesso a camadas de informação de diversos tipos, diretamente relacionadas àquela arquitetura ou não. De qualquer modo, ver as possibilidades do além-tela unicamente do ponto de vista da arquitetura é muito redutor. Um de seus sentidos mais interessantes é o da crítica à “realidade virtual” em 3d, através da afirmação da própria espacialidade enquanto fundamental. A sobreposição, realizada nos estudos de Nelson Brissac, dos quadros da land art e do site specific à noção de território informacional, de André Lemos, oferece perspectivas de significação do espaço através da impossibilidade de vê-lo.39 Inclusive, a respeito da noção de processo aplicada à cidade, como um dos pólos vistos em Casabella, Brissac afirma: “Do que se necessita são métodos voltados para o processo. Abordar o urbano em termos de padrões de interação no interior de configurações permeáveis e abertas. Libertar a cidade de estrutras rígidas e tomá-la como uma rede dinâmica de relações.” 40 E então: “Em vez do escrutínio técnico (rastreamento), a deriva aérea”, ecoando as principais críticas à razão instrumental dos procedimentos de medição que carregavam uma noção de cidade baseada principalmente no tempo. O agenciamento que realiza Krzysztof Wodiczko em sua ideia de evento é uma das mais fortes críticas que podem ter sido feitas à arquitetura, de uma maneira que a própria arte dificilmente conseguiria. Aqui, a complexidade dos processos econômicos e políticos despertados pelo artista na cidade dos anos 1970, 80 e 90 parece criticar também as respostas atuais e intervenções nas dinâmicas mais recentes do espaço urbano: processos problemáticos de socialização ainda muito semelhantes àqueles de seu tempo.

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Nelson Brissac, “Arte Móvel/Arte aérea” in BEIGUELMAN & LA FERLA (orgs). Nomadismos Tecnológicos. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. P. 161. “A legibilidade da paisagem das cidades era relacionada à imaginabilidade, à capacidade de evocar uma imagem forte no observador. Pressupunha referências visuais, um domínio sensorial do espaço através da experiência e da observação ocular. Mas a configuração atual impede o mapeamento mental das paisagens urbanas. As cidades não mais permitem que as pessoas tenham, em sua imaginação, uma localização correta e contínua em relação ao restante do tecido urbano. A experiência fenomenológica do sujeito individual não coincide mais com o lugar onde ela se dá. Essas coordenadas estruturais tornaram-se inacessíveis à experiência imediata do vivido e, em geral, nem são conceituadas pelas pessoas” 40

Id., p. 165. 15

APÊNDICE Décio Pignatari, de metade dos anos 70 ao longo dos 80 foi professor da FAU USP, onde ganhou fama pelo gênio e temperamento tanto na defesa quanto no ataque. Alguma irritação devia vir das cores ideológicas que tomavam as discussões na arquitetura e no urbanismo ali. Ele mesmo tinha elaborado um sentido específico para o termo ideologia que pretendia fugir do mais corrente: simplesmente a “ideia do traço que comanda um projeto”. Aqui o depoimento que me deu, em 2009, numa noite de autógrafos: deixou um semi-hieróglifo.41 “A tecnologia é tão forte, que eu preciso começar a entender a força da tecnologia para voltar a ter inspiração numa nova arquitetura. Este é o problema. O problema é a tecnologia. Ela avançou tanto, que os arquitetos, que já não eram muito avançados em tecnologia, emburreceram mais ainda. É preciso entender a arquitetura.” “A arquitetura brasileira morreu, porque ela só faz objetos. Você tem que ter sistemas!” “O Brasil já tinha tecnologia de aço e de ferro, e o Brasil não usou. E os arquitetos brasileiros não usaram. Agora faça o favor de entender a arquitetura quântica. O que seja quântica, eu também não sei. Agora faça o favor de entender isso, senão nós estamos indo para trás.” “Às vezes, a ideia criativa não está na sua área. Às vezes, uma ideia criativa está fora da sua área, está numa música de Mozart, ou de Schönberg, ou num poema de João Cabral. É preciso abrir para as novas artes, não existe arquitetura sem abertura para outros conhecimentos. Às vezes o conhecimento está fora da arquitetura e é lá que surge a ideia arquitetônica.” “Quando a coisa piora, a tecnologia é quem comanda a ideia. Não há mais nada a fazer, esse é o problema.”

41

Décio Pignatari. Depoimento no dia 6 de maio de 2009. https://www.youtube.com/watch? v=pBQTYCxakek . Acessado em 25 de agosto de 2013. 16

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