Em busca de aprendizagens significativas no ensino e estudo de harmonia

June 15, 2017 | Autor: Heitor Oliveira | Categoria: Music Education
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XIV Encontro Anual da ABEM

Belo Horizonte, 25 a 28 de outubro de 2005

Em busca de aprendizagens significativas no ensino e estudo de harmonia

Heitor Martins Oliveira Faculdade Teológica Batista de Brasília [email protected]

Resumo. Este artigo relata uma experiência de inovação pedagógica cujo objetivo foi desenvolver e avaliar uma prática de estudo e ensino de Harmonia voltada para a busca de aprendizagens significativas. A área de conhecimento da Harmonia foi delimitada a partir de seus componentes didáticos tradicionais e competências musicais relacionadas; o conceito de aprendizagem significativa, a partir de seus aspectos cognitivos, afetivos e culturais. Cada estudante elaborou e realizou um plano de estudo individual baseado em interesses, conhecimentos e experiências prévias, com o objetivo de explorar conceitos, técnicas e habilidades consideradas relevantes. Os resultados foram trabalhos escritos com exercícios, informações, análises, conceitos técnicos e reflexões; partituras e registros em áudio de músicas transcritas, executadas, arranjadas e compostas pelos estudantes. Cada plano de estudo abrangeu elementos da área de conhecimento. Os processos de aprendizagem vivenciados articularam diversos saberes e experiências afetivas, sócio-culturais e religiosas dos estudantes em sua interação com a música.

Este artigo relata uma experiência de inovação pedagógica cujo objetivo foi desenvolver e avaliar uma prática de ensino e estudo de Harmonia voltada para a busca de aprendizagens significativas. Além do autor, professor da disciplina, também participaram do processo seis estudantes de um curso de preparação para líderes de música em igrejas evangélicas, oferecido pelo Departamento de Música Sacra da Faculdade Teológica Batista de Brasília (DMS-FTBB). Para os fins desta experiência de inovação pedagógica, entende-se a área de conhecimento da Harmonia a partir de seus componentes didáticos tradicionais – princípios para formação de acordes, análise tonal e condução de vozes referentes à música tonal ocidental erudita e popular – e das competências musicais associadas a estes saberes sistematizados – improvisação de acompanhamentos a partir de notações sintéticas (baixo cifrado ou cifras), criação de arranjos ou composições e improvisação melódica. Na abordagem da psicologia educacional cognitiva de David Ausubel, o processo da aprendizagem significativa é descrito como aquele em que “idéias expressas simbolicamente são relacionadas de maneira não arbitrária e substantiva (não literal) ao que o aprendiz já sabe, especificamente algum aspecto relevante existente na sua estrutura de conhecimento” (Ausubel, 1968:38-39). O papel do professor é observar o que o estudante já sabe, identificando os conceitos disponíveis na sua estrutura cognitiva que são mais relevantes para a área de conhecimento e organizar o ensino com “recursos e princípios que facilitem a aquisição da estrutura conceitual da matéria de

ensino de uma maneira significativa” (Moreira, 1999:162). Joseph D. Novak, colaborador de Ausubel, contextualizou a aprendizagem significativa em uma teoria de educação na qual “o evento educativo implica uma ação para trocar significados e sentimentos entre professor e aluno” (ibid.:169); os significados apresentados pelo professor são aqueles considerados válidos por uma certa comunidade de usuários. A aplicação da psicologia humanista de Carl Rogers à educação resultou na proposta do ensino centrado na pessoa, partindo de uma crença na potencialidade do ser humano para aprender (Moreira, 1999:142). Nesta abordagem, a aprendizagem significativa integra intelecto e afetividade, pois ela “tem uma qualidade de envolvimento pessoal – com toda a pessoa, em seus aspectos sensórios e cognitivos, achando-se dentro do ato da aprendizagem” (Rogers, 1985:29). Rogers enfatiza a necessidade da matéria de ensino ser considerada relevante pelo estudante na realização de seus objetivos; o processo de aprendizagem significativa é favorecido quando o estudante assume a responsabilidade e aprende no confronto com problemas práticos (Moreira, 1999:142-144). O papel do professor é facilitar a aprendizagem, a partir do relacionamento interpessoal genuíno, baseado na compreensão empática, que cultiva com cada estudante (ibid.:145-146). No trabalho de Glaser & Fonterrada (2004), a abordagem rogeriana serviu de base para reflexões e formulação de uma pesquisa sobre o ensino do piano. Os conceitos de ensino centrado no estudante e aprendizagem significativa enriquecem o questionamento dos cursos institucionais deste instrumento, centrados no conteúdo e no poder decisório do professor, redundando na fragmentação do conhecimento musical e falta de preparação para a possibilidade de atuação futura dos estudantes como professores (Glaser & Fonterrada, 2004:971-973). Esta reflexão crítica pode ser transposta para o ensino da Harmonia, uma vez que a fragmentação do conhecimento e da experiência musical também tende a ocorrer nesta área. No campo da Educação Musical, a análise dos estudos que correlacionam música e cultura tem proporcionado reflexões que apontam alternativas para a construção de aprendizagens significativas no ensino formal de música. Como observado nas culturas de transmissão oral, as formas de aprender e ensinar música podem ser múltiplas, particularizadas de acordo com cada espaço, situação e contexto. No entanto, fica evidente que é necessário pensar em uma Educação Musical que se concretize a partir de experiências reais, significativas e contextualizadas com a realidade e com os valores de cada cultura (Queiroz, 2004:675).

A aprendizagem significativa inclui, portanto, dimensões cognitivas, afetivas e culturais. A partir desta compreensão, buscou-se desenvolver uma prática de estudo e ensino de Harmonia baseada em

interesses, conhecimentos e experiências prévias dos estudantes, visando à compreensão e aplicação prática de conceitos, técnicas e habilidades consideradas relevantes.

Método A abordagem metodológica adotada para este trabalho foi a pesquisa-ação, uma vez que esta pode ser considerada compatível com experiências de inovação pedagógica (Barbier, 2004:13). Esta abordagem pode ser considerada particularmente relevante para a questão da aprendizagem significativa, principalmente na visão rogeriana, uma vez que defende a escuta sensível, baseada na crença no crescimento do ser humano, sua liberdade e imaginação criadora (ibid.). Como na pesquisaação o pesquisador não trabalha “sobre os outros, mas e sempre com os outros” (ibid.:14), os estudantes foram envolvidos diretamente no processo de realização dos objetivos propostos. O DMS-FTBB oferece cursos de fins primariamente religiosos, visando à preparação de músicos para a atuação no contexto específico das igrejas evangélicas. Os seis sujeitos-atores da experiência aqui relatada representam uma variedade de perfis∗: Zilda, 64 anos, toca piano e lidera um coro na sua igreja; Luciana, filha de Zilda, 36 anos, canta, toca teclado e lidera um grupo musical popular em sua igreja; Alberto, 41 anos, toca piano e acompanha os hinos nos cultos de sua igreja; Célia, 37 anos, canta, toca bateria e lidera grupos musicais em sua igreja; Maria, 35 anos, canta, toca teclado e é uma das líderes de um grupo musical em sua igreja; Sérgio, 33 anos, canta e lidera um coro na sua igreja. O processo de pesquisa-ação foi iniciado pelo encontro do professor com as seis pessoas mencionadas, em função da matéria Harmonia, parte do curso que estes estudantes freqüentam no DMS-FTBB, durante o primeiro semestre de 2005. No início do semestre, a área de conhecimento foi apresentada por meio de dinâmicas e exercícios. Em seguida, conversas sobre vivências e interesses musicais motivaram a elaboração de planos de estudo individuais. Os critérios estabelecidos para formulação dos planos de estudo foram: pertinência dentro da área de conhecimento, relevância para o estudante e existência de objetivos finais na forma de um trabalho escrito e um produto musical. O processo em espiral de pesquisa-ação foi complementado com relatórios de cada estudante ao longo do semestre e a finalização e registro dos produtos finais. Os dados apresentados neste artigo foram levantados a partir de registros escritos de situações vivenciadas em aulas pelo professor, materiais escritos entregues pelos estudantes (inclusive partituras), registro em áudio das execuções, arranjos e composições dos estudantes e entrevista semiestruturada ao final do semestre. ∗

Os nomes dos sujeitos-atores foram alterados.

Resultados A trajetória de aprendizagem de cada um dos estudantes será aqui descrita a partir de quatro elementos: fator motivador para formulação do plano de estudo, objetivo proposto, resultados alcançados e a reflexão do próprio estudante sobre o processo. Zilda vivera, anos antes, uma experiência frustrante ao escrever uma música. Alguém lhe dissera que sua composição continha muitos erros. Assim, ao ingressar na aula de Harmonia, ela tinha a expectativa de conhecer as normas da criação musical. Relatou que já tinha consultado livros de Harmonia, mas não conseguia entender. Seu objetivo foi estudar algumas obras didáticas com orientação do professor e revisar a sua composição para adequá-la às diretrizes estudadas. Como resultado final, formulou um resumo das regras tradicionais de condução de vozes com exemplos musicais, além da partitura e registro em áudio de sua composição revisada. Nas sucessivas tentativas de aperfeiçoamento da composição, Zilda ia relacionando as modificações adotadas com as regras que coletava na bibliografia. Ao final, ficou satisfeita pelo o trabalho escrito como fonte de futuras consultas e pela insistência na revisão de sua composição, superando, de certa forma, a frustração que vivera anteriormente. Comparando o seu trabalho com o de outros estudantes, concluiu também que os parâmetros de certo e errado em música são relativos e que dependem do estilo. Partindo do interesse por um texto bíblico cuja estrutura poética continha uma frase repetida, como uma espécie de refrão, Luciana estabeleceu o objetivo de estudar como compositores abordam este tipo de texto, particularmente no aspecto harmônico, preparando-se para criar uma composição. O trabalho escrito que formulou apresenta definições e exemplos musicais de antífonas. Criou, também, uma composição com trecho antifonal, baseada no trecho bíblico que motivou o plano de estudo, a qual foi registrada em partitura e em áudio. Luciana afirmou que conseguiu vencer o desafio de criar sua primeira composição musical a partir da reflexão sobre a mensagem do texto bíblico, relacionando a experiência musical com a experiência religiosa. Alberto toca piano, sendo proficiente na leitura da notação musical tradicional. Aceitando uma sugestão do professor, adotou o objetivo de estudar e aplicar as técnicas relativas à execução de acompanhamentos pianísticos a partir da leitura de cifras. Tinha, porém, resistência a este sistema de notação, que ele considerava “coisa de preguiçoso”, desnecessário para quem lê partitura. Formulou um trabalho escrito sobre formação e encadeamento de acordes no teclado. Participou da execução das músicas escritas pelos colegas ao piano, improvisando o acompanhamento a partir da leitura de cifras. Ao longo do semestre, Alberto percebeu as características do conhecimento musical inerente a esta forma de leitura musical e seu valor prático na execução de diversos tipos de repertório. A partir desta

mudança de atitude, ele ampliou as possibilidades de experiências e atuação musical no âmbito de sua igreja. Como coordenadoras de grupos musicais populares em suas respectivas igrejas, Célia e Maria lidam com a leitura de cifras e a elaboração de arranjos vocais, apesar de geralmente não utilizarem a notação tradicional para definição dos arranjos. Seus objetivos foram, portanto, semelhantes, visando o estudo e aplicação das técnicas mecânicas em bloco, características da escrita de vozes na música popular. O resultado final dos trabalhos escritos das duas estudantes, apesar de realizados separadamente, foi semelhante, contendo resoluções de exercícios e sínteses de técnicas, além de reflexões sobre as contribuições práticas da Harmonia para as “equipes de louvor” (tipo de grupo musical popular característico das igrejas evangélicas). Ambas escreveram também partituras de composições próprias, criando os arranjos vocais de acordo com as técnicas estudadas. Célia refletiu sobre a importância destas ferramentas para dinamizar e enriquecer o seu trabalho. Maria expressou satisfação em cursar a matéria, uma vez que os conhecimentos e habilidades explorados no seu plano de estudo foram justamente o que ela buscava aprender desde seu ingresso no DMS-FTBB. Sérgio relatou ser capaz de aprender a cantar de ouvido as linhas vocais em gravações de música coral. Seu plano de estudo partiu do objetivo de transcrever para partitura um arranjo vocal de uma gravação. Seu trabalho final consistiu na transcrição em partitura coral com cifras e em uma análise do arranjo vocal quanto às técnicas harmônicas utilizadas. Refletiu sobre as possíveis relações entre as informações teóricas sobre formação de acordes e condução de vozes com a tarefa de transcrever as vozes.

Discussão Cada plano de estudo abrangeu de forma mais ou menos explícita os elementos didáticos da área de conhecimento – formação de acordes, análise tonal e condução de vozes – a partir de pelo menos uma competência musical diretamente relacionada. Os estudantes estabeleceram relações práticas e teóricas com outros saberes musicais sistematizados, dentre os quais se destacaram percepção auditiva, leitura e escrita de notações musicais, caracterização de estilos, execução instrumental e análise do repertório musical evangélico. Também ocorreram relações com outras áreas de conhecimento, como interpretação de textos e teologia evangélica. Os resultados obtidos com os planos de estudo individuais abrangeram experiências subjetivas de cunho afetivo, sócio-cultural e religioso, tais como mudanças de atitude, motivação de natureza

espiritual para a criação musical, superação de frustrações anteriores e relação direta da aprendizagem alcançada com a atuação musical em igrejas evangélicas. A prática desenvolvida suscitou, portanto, processos de aprendizagens significativas: interesses, experiências e conhecimentos prévios motivaram a busca de novos conceitos, técnicas e habilidades referentes à área de conhecimento da Harmonia, consideradas relevantes no contexto cognitivo, afetivo, sócio-cultural e religioso de cada estudante. Em outras palavras, por meio da prática desenvolvida, professor e estudantes conseguiram articular diferentes possibilidades de interação com a música dentro e fora do ambiente de estudo e ensino formal.

Referências bibliográficas AUSUBEL, David P. Educational Psychology. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1968. BARBIER, René. A Pesquisa-Ação. Série Pesquisa em Educação, v.3. Brasília: Líber Livro Editora, 2004. GLASSER, Scheilla & FONTERRADA, Marisa. Aprendizagem significativa e ensino do piano: Subsídios para uma reflexão sobre a pedagogia do instrumento musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 13, 2004, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ABEM, 2004. pp. 971-976. MOREIRA, Marco Antonio. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999. pp.139-180. QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Transmissão musical informal: reflexões para as práticas de ensino e aprendizagem da música. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 13, 2004, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ABEM, 2004. pp. 669676. ROGERS, Carl. Liberdade para aprender na nossa década. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

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