Em busca de uma terminologia para o vegetarianismo na antiguidade tardia

July 23, 2017 | Autor: P. Ribeiro Martins | Categoria: Vegetarianism, Neoplatonism, Porphyry, Ancient vegetarianism, Vegetarianismo
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XIX Congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos. Universidade de Brasília.





Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen.

Em busca de uma terminologia para o vegetarianismo na antiguidade tardia Caros colegas, !

O material que vou apresentar hoje situa-se num campo de estudos pouco

investigado, porém em progressivo crescimento: o vegetarianismo na antiguidade. Foi com muito prazer que pude constatar que a minha comunicação não seria a única a abordar o assunto neste congresso, o que demonstra o interesse crescente nesta área. Além disto, o assunto dialoga perfeitamente com o tema principal do evento, já que vemos hoje em dia as discussões sobre vegetarianismo ultrapassar os limites da dieta para entrar no âmbito da bioética e da filosofia moral. O vegetarianismo na antiguidade trata-se fundamentalmente de uma filosofia moral e está ligado historicamente a grupos filosóficos que atuaram em um período de 900 anos, começando pelos órficos e pitagóricos no século VI a.C e culminando no movimento neo-platonista já na antiguidade tardia, que possui como principal figura o filósofo Porfírio de Tiro, discípulo de Plotino, que viveu até o começo do século IV d.C. !

O presente trabalho tem como objeto o vocabulário utilizado por defensores e

opositores desta maneira de viver. A hipótese de trabalho pode ser resumida na seguinte questão: possuía o vegetarianismo na antiguidade tardia uma terminologia própria? Para responder a esta pergunta é necessário, primeiramente, esclarecer o que se entende por vegetarianismo. Em seguida, será necessário circunscrever esta pesquisa em seu momento histórico adequado. A antiguidade tardia, período de entrechoque entre ocidente e oriente, decadência e opulência, foi palco também da discussão sobre animais como alimentação e objetos de sacrifício. Testemunha disto foi Porfírio de Tiro que nos deixou um livro inteiro, o De Abstinentia, sobre a questão e que se afigura como fonte principal

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. desta pesquisa. Por último, é mister definir como a terminologia é entendida neste trabalho e qual será metodologia empregada. !

Sobre o que estamos nos referindo exatamente ao falarmos de vegetarianismo?

Nos dias de hoje, o termo descreve uma dieta em que se exclui conscientemente a carne do cardápio. Esta escolha possui diversas motivações, entre elas as mais recorrentes são a saúde, a ética em relação aos animais e razões de ordem ecológica. Qual é a semelhança deste fenômeno com o que um falante de grego na antiguidade conhecia como apoche ton empsychon ou abstinência de seres com alma? Ambas as posturas rejeitam a carne animal como alimento. As motivações para isto são, em grande parte, de outra ordem. Podemos elencar três razões principais para explicar o comportamento dos que seguiam este estilo de vida: a ascese, a chamada metempsychose, e uma noção de dever em relação aos animais. !

A ascese engloba não só a abstinência de carne, mas também uma noção geral

que organiza a vida. É a metodologia prática que gere um princípio de auto-controle do corpo. Presente em diversos círculos filosóficos, a dicotomia corpo-alma, baseia a posição do ascético. Importante é, no entanto, discernir os tipos de prática ascéticas, como por exemplo a abstinência sexual e de bebidas alcoólicas, assim como a rejeição de carne. Em certos meios filosóficos, incluindo o neoplatônico, a ascese representa uma preparação da alma para alcançar uma experiência divina sendo o autocontrole dos desejos do corpo e, por conseguinte, a purificação da alma maneiras de se obter uma experiência mística de encontro com o Um. Na parênese de Porfírio, a ascese ocupa um lugar central no objetivo de formar um bom filósofo. !

A doutrina da metempsychose, ou da transmigração da alma, é considerada por

muitos autores antigos, entre eles Porfírio, como tendo sido trazida para o mundo grego por Pitágoras de Samos. Como não faz parte do escopo desta pesquisa discutir fontes 2

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. pitagóricas, faço aqui apenas o aviso de que estas fontes são extremamente controversas e de difícil análise. Em linhas gerais, a noção de metempsicose trabalha com a ideia de que a alma seria imortal e que ela vagaria de um corpo para outro depois da morte do corpo físico. O texto mais conhecido a defender esta doutrina é o Fédon de Platão, em que vemos uma conexão da doutrina da transmigração das almas com o próprio sistema filosófico de Platão. O ponto tangencial entre esta doutrina e o vegetarianismo configurase pelo fato de que todos os seres vivos seriam, então, prováveis portadores de alma. Logo, o consumo de animais representaria, em última instância, a destruição de um corpo que aloja uma alma possivelmente humana. Porfírio não se interessa por este argumento e não faz uso dele para moldar sua própria filosofia moral vegetariana. !

O terceiro aspecto relevante é o dever em relação aos animais. Esta questão

também foi introduzida pelos pitagóricos e pode ser resumida desta forma: devem os animais gozar de justiça ou somente homens estão em condição de exigi-la? Entre outras fontes, Porfírio, em sua biografia de Pitágoras 19, afirma que o filósofo de Samos teria proposto que animais e humanos integrariam uma sociedade em conjunto e, por isto, existiria a necessidade moral por parte dos homens de estender justiça aos animais. A contribuição de Porfírio ao tema é marcante, pois em seu De Abstinentia vemos uma defesa da tese de que os animais possuem razão e, por isso, devem ter acesso a certos direitos, como por exemplo não serem sacrificados ou comidos. Além disso, é em Porfírio que aparece pela primeira vez a tese, extremamente moderna, de que os animais são seres sencientes, ou seja, têm a capacidade de sentir dor tanto física quanto psicológica e que em decorrência deste fato, devem ser poupados destas experiências. !

Depois desta pequena tentativa de situar alguns dos pensamentos que circundam

o vegetarianismo na antiguidade, faz-se necessário apresentar a obra que é a base desta pesquisa. O livro Peri Ton Empsychon de Porfírio de Tiro, foi escrito em formato de carta 3

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. para um de seus amigos íntimos, Firmo Castrício, que fora seu colega quando ambos eram discípulos de Plotino em Roma. O tratado contém uma exortação ao amigo a retornar à vida vegetariana, pois este havia abandonado este modo de vida. O autor fenício, no entanto, não se conforma somente com a exposição e refutação dos argumentos de Firmo e pretende escrever uma obra que coleta e discute amplamente as alegações de famosas escolas filosóficas contra o modo de vida vegetariano. Nomeadamente, temos acesso às posições dos Peripatéticos, Estoicos e Epicuristas, além de argumentos da massa, como Porfírio classifica e que são sintetizados por Cláudio de Napoles, um orador que se não fosse por este livro de Porfírio teria entrado no vasto rol dos autores esquecidos na antiguidade. !

O De Abstinentia é visto tradicionalmente como um livro de fontes. Por conter

inúmeras citações, muitas delas longas, de obras perdidas, entre elas de obras de Teofrasto, Hermarco e Cláudio de Nápoles, este livro tem sido pouco analisado pelo seu propósito principal, ou seja a discussão sobre a abstinência de carne animal. A variedade de fontes, entretanto, converge para o objetivo desta pesquisa, já que se pode, dentro de uma unidade argumentativa e temática, analisar a terminologia empregada para descrever muitas vezes o mesmo objeto. Além disso, a posição privilegiada ocupada por Porfírio no cume desta longa história outorga-lhe a autoridade para realizar este estudo argumentativo em perspectiva diacrônica. !

O meu interesse de pesquisa recai sobre a terminologia utilizada por Porfírio e por

suas fontes para falar sobre o fenômeno do vegetarianismo. Algumas das questões que podem ser respondidas depois de uma análise terminológica do De Abstinentia são as seguintes: Existe uma uniformidade de termos entre os diversos grupos no momento de se referir aos assuntos ligados ao vegetarianismo, ou cada grupo dispõe de um vocabulário diferente? Observa-se a criação de novos termos para melhor expressar os 4

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. conceitos que envolvem a abstinência de carne? Existe um processo de ressignificação de termos vindo de outras áreas da filosofia moral para servir à comunicação desta área específica? !

!

!

Passemos, então, à análise parcial da terminologia encontrada no De Abstinentia.

Por uma questão de tempo, levarei em consideração somente o proêmio feito por Porfírio e aspectos da primeira bateria de críticas ao vegetarianismo, que contém posições estoicas, peripatéticas, epicuristas e de Cláudio de Nápoles. É no proêmio que encontramos uma consistência terminológica digna de nota. Porfírio aplica sistematicamente tanto os termos criados ou ressignificados por ele mesmo, quanto termos consagrados na literatura de abstinência. Além disso, faz uso de metonímias para referenciar a abstinência de forma mais abrangente e ao mesmo tempo desenvolver um argumento de autoridade em volta deste modo de vida. Passo

Termo

Paralelos

Tradução

Abst. 1.1.1

τροφὴ ἄσαρκος

Alimentação sem carne

Abst. 1.1.1

βορὰ ἔνσαρκος

comida com carne

Abst. 1.2.1

δίαιτα ἄσαρκος

dieta sem carne

Abst. 1.3.1 1.3.3

ἀπεχόμενος (τῶν σαρκῶν)

Ath. 1.3e

O abstêmio de carne (vegetariano)

Abst. Titel 1.3.3 2.3.1 4.2.9

ἀποχὴ τῶν ἐμψύχων

Ath. 418f-419a Iamblicus. Vita Pythagorae 16,24,31.

Abstinência de seres com alma (vegetarianismo)

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. Passo Abst. 1.3.3

Termo φιλοσοφία τοῦ Πυθάγορου καὶ Εμπεδοκλέους

Paralelos

Tradução

Cic. Resp. Filosofia de Pitágoras e 3.11.19; Plu. De Empédocles. (vegetarianismo?) esu carnium ii. 997E;998A. Sextus Empiricus adversus mathematicos. 9.127.1

! !

Primeiramente, lancemos um olhar sobre os dois primeiros termos da tabela, que

aparecem no parágrafo de abertura do tratado. Em seguida leremos uma passagem que corresponde à argumentação peripatética e que usa um vocabulário semelhante para se referir ao mesmo conceito. ! 1- Porfírio, De Abstinentia, 1.1.1. 2- Porfírio, De Abstinentia, 1.5.1.

Tradução

1- τῶν πρὸς ἡμᾶς ἡκόντων, ὦ Φίρμε, πυθόμενος ὡς τῆς ἀσάρκου καταγνοὺς τροφῆς ἐπὶ τὴν ἔνσαρκον ἀναδεδράμηκας πάλιν βοράν, κατ' ἀρχὰς μὲν ἠπίστουν τῆς τε σῆς σωφροσύνης στοχαζόμενος καὶ τῆς εὐλαβείας ἣν πρὸς τοὺς ταῦτα ὑποδείξαντας παλαιούς τε ὁμοῦ καὶ θεοφόβους ἄνδρας πεποιήμεθα. 2- ἀφίημι γὰρ Νομάδων καὶ Τρωγλοδυτῶν ἀνεξευρέτους ἀριθμῷ μυριάδας, οἳ τροφὴν σάρκας, ἄλλο δὲ οὐδὲν ἴσασιν·

Quando eu fui informado, Firmo, por meus visitantes que você, condenando a alimentação sem carne, retornou novamente à comida com carne, não acreditei de início levando em consideração sua temperança e reverência, que nós praticamos a estes homens tão antigos quanto tementes a Deus e que nos mostraram este caminho.

!

Eu deixo de lado, pois, as incontáveis miríadas de Nômades e Trogloditas que não conhecem nada além da carne como alimentação.

Apesar de estar claro que Porfírio tem sobretudo interesse em reforçar o contraste

entre os dois tipos de alimentação, a feita de carne e a feita sem carne, olhar com atenção para a terminologia que ele emprega nos dá mais instrumentos para entender 6

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. sua técnica de tonalidade moral. De um lado, é empregada a palavra habitual para designar alimento, comida ou alimentação Τροφή e a ela atrela-se um adjetivo composto formado por alpha privativo mais σαρκος - carne. Por outro lado, o vocábulo escolhido para descrever a alimentação ἐνσαρκος, ou seja, feita de carne, é βορά, cujo significado varia entre ração de animais, presa e alimento de bestas carnívoras. Há também ocorrências de Bora significando simplesmente alimento em alguns poucos casos, como nos Persas 490 de Ésquilo, onde se fala de ração do exército. O substantivo βορά advém, provavelmente, do verbo βιβρώσκω - devorar, assim como a própria palavra carnívoro, que igualmente reconstroi sua raíz a este verbo. A pergunta que se faz é a seguinte: estamos frente a um termo que pretende somente descrever um tipo de dieta, ou para além disso, trata-se de uma terminologia carregada de conotação moral? !

O segundo fato que chama a atenção neste par de termos é a oposição clara e

consequente de asarkos e ensarkos. Enquanto asarkos é tido na literatura em geral como algo desprovido ou que apresenta pouca carne, mas referindo-se normalmente a questões biológicas, em Porfírio este adjetivo recebe mais um significado que é o de descrever algo que em sua constituição prescinde de carne, ou seja uma alimentação vegetariana. A particularidade do termo ensarkos é ainda mais flagrante. Constante na literatura cristã tardia, o termo ensarkos refere-se, normalmente, à presença de Cristo na terra, o Deus encarnado. Quando usado no contexto específico da discussão sobre qual é a melhor dieta, ensarkos ganha em Porfírio status de originalidade. !

Por meio de ressignificação e de criação, Porfírio consegue fazer-se expressar de

maneira original e precisa, não necessitando, neste caso, recorrer à predicação como a fonte peripatética citada por ele o faz. Ao compararmos a sua descrição de alimento feita a base de carne com a de seus opositores peripatéticos, vemos que, sintaticamente, Porfírio consegue transformar a qualidade do alimento em atributo ao seu substantivo 7

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. enquanto que no outro exemplo, fez-se necessário conectar os dois sintagmas por meio de uma predicação. Isto mostra que, terminologicamente, Porfírio estava mais seguro de seu vocabulário, pois ele recebe uma certa autonomia sintática dentro da sentença. A ocorrência de diaita asarkos só confirma esta tendência. !

O termo ἀποχὴ τῶν ἐμψύχων que também empresta nome ao tratado é o termo

básico para se falar deste modo vida. Semanticamente apresenta alguns problemas, pois em alguns círculos filosóficos as plantas também são consideradas seres portadores de alma, mas mesmo assim o uso consagrado desta terminologia permite que estas pequenas inconsistências não tragam perigo à capacidade de comunicação do termo. Por outro lado, ἀπεχόμενος (τῶν σαρκῶν) , particípio que designa o abstêmio de carne especificamente, também tem seu uso consagrado e inclusive é termo constituinte de um livro escrito por Cláudio de Nápoles justamente contra os vegetarianos. Existem outras denominações que ocorrem paralelamente para descrever o mesmo fenômeno, como por exemplo ὁ παραιτούμενος τὰ ἔμψυχα D.A. 1.17.13 (aquele que declina de seres com alma), e um dos objetivos deste trabalho é justamente tentar contextualizar e classificar estes usos. !

Por último, procederei à análise da expressão ʻFilosofia de Pitágoras e

Empédoclesʼ. Devemos, primeiramente, tentar entender se com esta expressão Porfírio pretende descrever a abstinência de seres com alma, ou seja, se ela funciona como Metonímia para esta faceta da filosofia moral destes dois filósofos. No parágrafo 1.3.2.,como vamos ler agora:

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. Porphyrios De Abstinentia 1.3.2-3 ἴσως γὰρ ἀγνοεῖς ὅτι τῇ ἀποχῇ τῶν ἐμψύχων οὐκ ὀλίγοι ἀντειρήκασιν, ἀλλὰ καὶ τῶν φιλοσόφων οἵ τ' ἀπὸ τοῦ περιπάτου καὶ τῆς στοᾶς καὶ τοῦ Ἐπικούρου τὸ πλεῖστον τῆς ἀντιλογίας πρὸς τὴν Πυθαγόρου καὶ Ἐμπεδοκλέους ἀποτεινόμενοι φιλοσοφίαν, ἧς ζηλωτὴς εἶναι ἐσπούδακας· τῶν τε φιλολόγων συχνοὶ καὶ Κλώδιός τις Νεαπολίτης πρὸς τοὺς ἀπεχομένους τῶν σαρκῶν βιβλίον κατεβάλετο.

Talvez, pois, você não tenha conhecimento que não foram poucos os que refutaram a abstinência de seres com alma, mas dentre os filósofos, os Peripatéticos, os Estóicos e os Epicuristas fizeram inúmeros discursos contra a filosofia de Pitágoras e Empédocles, da qual você era um seguidor zeloso. Entre muitos intelectuais, um deles, Cláudio de Nápoles, publicou um livro: ʻContra os abstêmios de carneʼ.

vemos o termo ἀποχὴ τῶν ἐμψύχων indicando que muitos filósofos ofereceram resistência à abstinência de seres com alma. Em seguida, vemos que os opositores também se mostram contrários à ʻFilosofia de Pitágoras e Empédoclesʼ. Contra exatamente que parte da filosofia destes dois pensadores os opositores possuem ressalvas? Talvez estejamos falando aqui da doutrina da Metempsicose ou da noção de reencarnação. Igualmente pode estar presente neste passo a noção de que homens e animais dividem um tipo de comunidade e que os homens tem deveres em relação aos animais. Como já referido, não é o meu interesse fazer uma genealogia das ideias e argumentos ligados ao vegetarianismo, principalmente os que se relacionam com fontes pitagóricas. O que pretendo é mostrar a função terminológica do uso do nome destes dois pensadores em conjunto com relação ao modo de vida vegetariano. Para demonstrar que esta ligação é algo que ultrapassa o entendimento de Porfírio ( que inclusive não defende a metempsychose como argumento para o vegetarianismo), separei alguns passos que convergem nesta argumentação:

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Julho de 2013 Pedro Ribeiro Martins, doutorando em Filologia Grega na Universidade de Göttingen. Autores e Passos

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Tradução

Plutarco De esu carnium II 997Ε ἣ Πυθαγόρας καὶ Ἐμπεδοκλῆς ἐθίζοντες εἶναι καὶ πρὸς τὰ ἄλλoγενῆ δικαίους.

Ou Pitágoras e Empédocles, que tentaram nos acostumar a sermos justos em relações às outras espécies.

Cicero Resp. 3.19 Ecquid ergo primum mutis tribuemus beluis?Non enim mediocres uiri sed maxumi et docti, Pythagoras et Empedocles, unam omnium animantium condicionem iuris esse denuntiant clamantque inexpiabilis poenas inpendere iis a quibus uiolatum sit animal

Nesse caso, antes de mais, atribuiremos às bestas privadas de fala (justiça)? É que não medíocres, mas insignes e doutos, Pitágoras e Empédocles, declaram que só existe uma condição jurídica para todos os seres animados e proclamam que penas inexpiáveis impendem sobre aqueles que tenham maltratado um animal. (Tradução: Francisco de Oliveira)

Sextus Empiricus adversus mathematicos 9.127.8 οἱ μὲν οὖν περὶ τὸν Πυθαγόραν καὶ τὸν Ἐμπεδοκλέα καὶ τὸ λοιπὸν τῶν Ἰταλῶν πλῆθος φασὶ μὴ μόνον ἡμῖν πρὸς ἀλλήλους καὶ πρὸς τοὺς θεοὺς εἶναί τινα κοινωνίαν, ἀλλὰ καὶ πρὸς τὰ ἄλογα τῶν ζῴων.

Os discípulos de Pitágoras e Empédocles e alguns da massa de Italianos dizem que há uma comunidade não só entre nós mesmos e os deuses, mas também entre nós e os animais irracionais.

Apesar de não haver em nenhum desses passos uma ligação direta entre dever

em relação aos animais e a abstinência dos mesmos, fica mais do que claro o fato de que estes dois nomes estão ligados a uma discussão mais profunda sobre o status dos animais na sociedade antiga. Falar de ʻFilosofia de Pitágoras e Empédoclesʼ como metonímia para Abstinência de animais com alma, como, creio eu,acontece no passo 1.3.2 do D.A., não estaria fora de propósito, tendo em vista o uso histórico desta fórmula que aparece sempre ligada às discussões sobre as fronteiras morais entre animais e seres humanos. Além disso, ao fazer isso, Porfírio reveste sua predileção moral com um manto de autoridade e ao mesmo tempo é bem sucedido em comunicar sua intenção, pois, provavelmente, seus leitores estão a par desta conexão histórica entre os dois filósofos e a questão animal.

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