EM DEFESA DE UMA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO MULTICULTURAL PARA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

June 13, 2017 | Autor: Bas' Ilele Malomalo | Categoria: População Negra
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MULTICULTURAL PARA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL1

Resumo As políticas de ações afirmativas são um desafio para toda sociedade brasileira. Elas requerem que nos pronunciemos sobre o modelo de desenvolvimento que queremos e como o pensamos. O autor desse artigo, se fundamentando nas teorias do desenvolvimento econômico comunitário, da nova economia sociológica, do desenvolvimento humano, do novo paradigma do desenvolvimento, sugere a teoria do desenvolvimento econômico multicultural como um instrumento de análise para se pensar aquelas políticas, nessa nova perspectiva, sem ficar preso nem no economicismo nem no culturalismo.

Palavras-chaves: Teoria, Multiculturalismo, Desenvolvimento, Políticas de ações afirmativas Autor: Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FCL-UNESP Araraquara e Pesquisador do NUPE-UNESP. In defense of a Theory of Multicultural Economic Development for the Analysis of the Affirmative Action Policies in Brazil. Abstract The affirmative action policies are a challenge for the entire Brazilian society. They require us to speak out about the development model that we want and how we think about it. The author of this article, based on the theories of community economic development, of the new sociological economy, of the human development and of the new development paradigm, suggests the theory of the multicultural economic development as an analytical instrument to think over the Affirmative Action Policies, through this new perspective, and without getting stuck into the economicism or the culturalism. Keywords: Theory, Multiculturalism, Development, Affirmative Action Policies. Author: Doctor´s Degree student at the Post-Graduation Program of the FCL-UNESP in Sociology and researcher at NUPE-UNESP 1

Publicado em: Políticas públicas em ações afirmativas: direitos, necessidades

e conquistas. Revista de Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão (NUPE), n. 1, São Paulo, 2007, p. 55-61.

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O nosso projeto de doutorado, em sociologia, tem por tema o multiculturalismo e o desenvolvimento da população negra no Brasil. Uma das suas hipóteses é que é preciso repensar a velha questão da integração do negro na sociedade de classes em termos de políticas de ações afirmativas. Isto implica rever as teorias que têm abordado esse assunto. Portanto, não se trata aqui de construir uma teoria arquitetônica do tipo teoria do subdesenvolvimento (Fernandes, 1968), nem da dependência (Cardoso, 1969; Cardoso; Faletto, 1970).

O objetivo desse trabalho é bem modesto. Apoiando-se na proposta dos autores de Le métier de sociologue (Bourdieu; Chamboredon; Passeron, 1983), pretende construir um quadro teórico que oferece condições para interpretar os objetos da nossa tese: o multiculturalismo e o desenvolvimento da população negra. Isto significa, encontrar um método, teorias, conceitos dialogando criticamente com as teorias e tradições teóricas existentes em ciências sociais em nível nacional e internacional. Para isso, conforme Bourdieu (2001; 2002), é preciso converter os fatos sociais banais observados no cotidiano em termos sociológicos de campos. Sendo esse uma estrutura, um espaço social. Como tal é um espaço de luta social de classe e raças (Ianni, 2004b). Os campos têm uma autonomia relativa, quer dizer, se relacionam sempre com outros campos ou subcampos. Para a análise de campo, Bourdieu (2002), sugere o recurso ao método genéticoestrutural, isto é, a aplicação, de um lado, da história social do objeto ou objetos de estudo; o que implica a preocupação do pesquisador com a periodização do campo de análise.

De outro lado, a análise estrutural requer a apreensão dos agentes sociais envolvidos na construção do campo. Sendo esses agentes constituídos por indivíduos, coletividades ou instituições sociais. A diferença, entre a abordagem interacionista barthiana (Barth, 1998) e estruturalista bourdieusiana, é que essa última reconhece que, apesar das interações que envolvem as trocas simbólicas entre os agentes sociais, a estrutura também tem um peso na

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elaboração de suas ações. Portanto, a estrutura contribui na formação do habitus, conjunto de esquema de representações, apreciações que orientam a ação do agente social (Bourdieu, 2001).

Defender a teoria de desenvolvimento econômico multicultural significa construir um referenciar teórico-metodológico que possibilita a qualquer pesquisador, que lida com as questões sociais ligadas aos grupos étnicos, como a população negra brasileira, não perder de vista, durante a análise sociológica, nem dos elementos culturais, o que Bourdieu (1994) chama da economia dos bens culturais, e os estudos do desenvolvimento classifica de desenvolvimento social, nem dos elementos econômicos, do desenvolvimento econômico.

O nosso contato com as literaturas ligados aos campos da etnicidade, entendida como campo que se preocupa com as formas de organizações sociais (Barth, 1998) e, na mesma linha, colocaríamos as teorias do multiculturalismo, dos movimentos sociais, os estudos das relações raciais, os estudos culturais, que têm por objeto especifico de análise, seguindo a ordem, a diversidade cultural, os movimentos sociais, as relações raciais, a cultura. Ademais, nossas leituras em relação ao o campo do desenvolvimento, entendido como o espaço teórico que envolve os estudos de desenvolvimento social e econômico das teorias ligadas às ciências políticas, econômicas, à sociologia, à antropologia especializadas em desenvolvimento e as ciências do desenvolvimento e populações, nos têm mostrado que há uma possibilidade de se construir uma teoria do desenvolvimento econômico multicultural.

Entre as obras que chamaram a nossa atenção, para a realização desse tipo de empreendimento teórico, podemos mencionar, entre outros Economia e Sociedade de Marx Weber, O Capital de Karl Marx, Para além do Capital, O poder da Ideologia de István Mészáros, Formação economica do Brasil, O subdesenvolvimento revisado, de Celso Furtado, A integração do negro na sociedade de classe, Sociedade de classe e Subdesenvolvimento, de Florestan Fernandes, Capitalismo e escravidão no Brasil meridional de Fernando Henrique Cardoso, A idéia de Brasil Moderno, O pensamento social no Brasil, Classes sociais e raças no Brasil de Octaviano Ianni, História e desenvolvimento, História econômica do Brasil de Caio Prado Júnior, Discriminação e desigualdades raciais no Brasil de Carlos Hasenbalg, Politicas de promoção da igualdade racial

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no Brasil , Diversidade e Desenvolvimento nas Américas de José Álvaro Moisés, “Politicas de promoção da igualdade racial no Brasil” de Rosana Heringer, O Valor da diversidade racial nas empresas de Aaron Myers, Desenvolvimento Humano e relações raciais de Marcelo Paixão, a literatura sobre a economia social e popular, o desenvolvimento econômico comunitário dos centros internacionais de pesquisa, como ARUC-ÉS, CRDC, RDEC, PNUD, Desenvolvimento como liberdade de Amartya Sen, etc. Em todas essas obras, a questão do negro, seja o da cultura, da identidade e da discriminação, do racismo, sem se confundir teoricamente, de um lado, com o objeto das ciências econômicas, são questões com implicações econômicas (Weber, 2004). De outro lado, a questão econômica do negro, sem se confundir teoricamente com as temáticas culturais, tem implicações socioculturais. A problemática teórica que se coloca na nossa frente é essa: como achar uma teoria capaz de dar conta dessas dimensões do social que, na realidade não são separadas, com as do econômico.

Ao pesquisar a Nova Sociologia Econômica (NSE), nos demos conta que os pressupostos teóricos, dessa nova área de conhecimento, tinham ingredientes teórico-conceituais para resolver a problemática apontada acima. Para Benoit Lévesque (2006), um dos expoentes da NSE canadense, o econômico, que é objeto da análise da NSE, é enraizado no social. Daí a sua preocupação em relacionar o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento social, vice versa. A literatura sociológica nacional sobre o negro, apesar de não se denominar uma sociologia econômica, incorpora seus elementos. Apesar da crítica de Guerreiro Ramos (1995), em relação ao conceito de “problema do negro”, considerado por ele problemático pela forma como é posto pelos cientistas sociais brasileiros, Isto é, tratam o negro como um elemento alheio à nacionalidade brasileira, deve-se reconhecer que os escritos de Florestan Fernandes, Octaviano Ianni, Fernando Henrique Cardoso, ou melhor, da escola paulista de sociologia e da UNESCO, ao falar da integração do negro na sociedade de classe, visavam o seu desenvolvimento (Maio, 1999). Apesar da sua crítica em relação à ciência que não tratava o negro “a partir de dentro”, como sujeito, Guerreiro Ramos escreve o seguinte no que diz respeito à uma ciência nacional. Embora os princípios gerais de conhecimento positivo sejam universais, existe, em vários sentidos, uma ciência nacional em todo país de cultura autêntica. Em primeiro lugar, o trabalho científico está sempre, direta ou indiretamente, articulado com um projeto nacional de desenvolvimento. (Ramos, 1995, p. 162).

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O que Guerreiro Ramos dizia em relação à antropologia, vale também para com outras disciplinas das ciências sociais: Os nossos grandes problemas “antropológicos” – o do índio e o do negro – são aspectos particulares do problema nacional eminentemente econômico e políticos. [...] Rigorosamente, é licito afirmar que, em país como o Brasil, o trabalho antropológico terá sempre sentido dispersivo se não se articular com o processo de desenvolvimento econômico. [...] (1995, p. 167)

O que se deve perguntar, numa perspectiva da teoria do desenvolvimento econômico multicultural, é o seguinte: de que modelo de desenvolvimento falavam os cientistas sociais brasileiros em quem nos referimos? Que modelo de desenvolvimento sustenta as políticas de ações afirmativas, de promoção de igualdade racial, de diversidade, políticas praticadas pelos agentes do poder público, do setor privado e da sociedade civil? Com Mészáros (2002), podemos perguntar são modelos de desenvolvimento a serviço do capital ou para além do capital? Não cabe responder a todas essas perguntas nessas poucas páginas, porém deve-se demonstrar se a teoria do desenvolvimento econômico multicultural se caracteriza por essa postura crítica.

Um dos grandes erros que têm cometido alguns cientistas sociais brasileiros é de tratar separadamente as questões sociais das questões econômicas, ou o contrário. Esse erro do courtcircuit teórico fragiliza e fragmenta o saber sobre a política social e a política econômica que deveria ser adotada para resolver os problemas que enfrenta a maioria da população, sobretudo, negra. Esses cientistas sociais usam das estratégias de omissão, da imposição do dogma do economicismo, o discurso do crescimento do bolo para ser dividido depois (Paixão, 2005), ou do discurso do fatalismo, de não haver saída na crise atual. Mészáros (2004) tem visto nessa postura do pensamento dominante, uma ideologia da dominação. A crítica radical, em relação ao modelo do desenvolvimento capitalista imposto, como a única forma de se pensar e fazer desenvolvimento, que os autores ligados à teoria marxiana, como Mészarós (2004), Clóvis Moura (1978), Marcelo Paixão (2005), deve sempre ser feita para que o desenvolvimento não vire um conceito e uma prática da dominação do negro.

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Além disso, é urgente de nos servirmos das ferramentas que as teorias da dependência (Cardoso, 1969; Cardoso; Faletto, 1970) e do subdesenvolvimento (Florestan, 1968) nos oferecem para interpretarmos a problemática de ações afirmativas na atualidade. Só que o contexto mudou. Portanto, os métodos e conceitos que têm marcados essas teorias do desenvolvimento, nesse país, devem serem revisados a partir do novo paradigma do desenvolvimento dos anos noventa (Favreau, 2004).

Nesse sentido o universalismo dessas teorias deve dialogar com as

particularidades da realidade da população negra brasileira; O local , as coletividades, deve servir de ponto de partida para o pensamento e a prática do desenvolvimento.

Dessa forma, podemos afirmar que o que a teoria do desenvolvimento econômico multicultural compartilha com aquelas teorias é o reconhecimento da situação do subdesenvolvimento da população negra, a sua exploração histórica, a dependência do negro em relação ao branco. A base histórica em cima da qual teoriza é a mesma sobre a qual foram formuladas aquelas outras teorias. Porém, a teoria do desenvolvimento econômico multicultural, que sugerimos aqui, se distancia delas a partir do seu “ponto de vista”. Busca entender a história, o problema do negro “a partir de dentro” (Ramos, 1995; Moura, 1985), isto é, não sendo um problema dos negros vistos como elementos estranhos à nacionalidade brasileira, mas como cidadãos brasileiros. Dessa forma, o problema do negro brasileiro, além de ser um problema particular é um problema nacional. Sendo assim, as estratégias de luta contra a pobreza, a exclusão, as desigualdades sócioraciais que vêm sendo construídas, ao longo da história brasileira, devem ser vistas como estratégias de desenvolvimento que fazem parte de uma cultura de resistência (Moura, 1985). São estratégias, as astúcias, inventadas pelos povos dominados a partir de baixo, situação subalterna. O entendimento desse fato ajudaria a entender seus acertos e limitações sem frustrações. No contexto da literatura internacional, a teoria do desenvolvimento econômico multicultural se aproxima da teoria do desenvolvimento econômico comunitário (DEC) do Réseau Canadien de Développement Economique Communaitaire. Assume a sua metodologia e o seu conceito do desenvolvimento. O desenvolvimento econômico comunitário é uma intervenção local para criar possibilidades econômicas e melhorar as condições sociais e ambientais das coletividades. A sua força está na visão a longo prazo e da sua abordagem integrada – o

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DEC lida muitos desafios ao mesmo tempo. As prioridades estratégicas englobam, sem todavia ficar nisso, as mudanças econômicas estruturais, o controle de recursos, o desenvolvimento social, a atenção ao meio ambiente, o desenvolvimento do mercado e acesso do capital. Essas estratégias revitalizam as economias coletivas graças à gestão e a valorização dos recursos das coletividades em proveito das populações locais (Réseau canadien de DÉC, 2003:1, apud Toye e Jennifer, 2004). (Tradução nossa).

Essa visão faz parte do novo paradigma do desenvolvimento formado pelos estudos ligados aos campos de estudos de desenvolvimento local, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento das coletividades ou comunidades, NSE, economia social, economia popular, etc. Nessa visão, qualquer política do desenvolvimento digno do seu nome deve sempre levar em conta as populações locais no início, no meio e no fim do projeto. O desenvolvimento aqui não é um fim em si, mas sim um meio para desenvolver as comunidades, mudar sua qualidade de vida. No caso das políticas que dizem respeito à população negra, os executores teriam que levar em conta a diversidade da mesma no seu tratamento: as diferenças regionais, de carências econômicas, culturais e emocionais. Na nossa pesquisa de doutorado estamos trabalhando com as categorias de negros beneficiários de políticas de ações políticas que ocupam os territórios urbanos e rurais: negros urbanos e as comunidades quilombolas, os quilombolas. O adjetivo “comunitário” do desenvolvimento econômico comunitário foi substituído pelo o do “multicultural”, que representa aqui os agentes da vida nacional, os negros e brancos. Apesar de não trabalhar com o paradigma do DEC, os estudos raciais e do desenvolvimento do professor Octovio Ianni têm dialogado com o conceito do multiculturalismo e multicuturalidade para situar o problema do desenvolvimento do negro na formação do Brasil, marcada pelo pluralismo racial (Ianni, 2004c). Como teoria, o desenvolvimento econômico multicultural compartilha os pressupostos da teoria do multiculturalismo daquele autor e de outros, como Boaventura de Sousa Santos (2003), Stuart Hall (2003; 2004). Para esses, como teoria, o multiculturalismo estuda as diferenças, as identidades no contexto das sociedades modernas. Faz parte dos estudos póscoloniais. O “multiculturalismo emancipatório”, conceito sugerido por Souza Santos, como prática política visa a emancipação dos povos colonizados. No nosso caso, trata-se da libertação dos descendentes dos escravizados, de sua liberdade política e econômica (Sen, 2000). Para Guerreiro Ramos (1995), trata-se da libertação do branco também.

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O multiculturalismo é também uma política para se corrigir as diferenças históricas (Hall, 2003). As ações afirmativas, portanto, são políticas multiculturais, políticas públicas e privadas que visam a superação das desigualdades raciais. Nas palavras de Joaquim Barbosa Gomes (2003, p. 21): As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um motivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade.

Vistas do “ponto de vista” do desenvolvimento econômico multicultural, pode se dizer, essas políticas almejam o desenvolvimento social e econômico das populações negras urbanas e rurais. A nossa teoria exige que se avalie os discursos e as ações ligadas a essas políticas a partir de uma nova concepção do desenvolvimento, trata-se do desenvolvimento integral, multidimensional, do ser humano na sua totalidade. Aqui não há uma separação entre o social e o econômico. O econômico está a serviço das populações, das comunidades, das raças que formam uma nação.

As ações da Seppir formariam um laboratório para se estudar as relações entre as políticas de ações afirmativas e o desenvolvimento da população negra no horizonte da teoria do desenvolvimento econômico multicultural. Tomemos como material “antropológico”, objeto de análise o seu último relatório (2005).

Transversalidade O princípio da transversalidade refere-se à perspectiva de incorporação da eqüidade étnico-racial às diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal no período de quatro anos, promovendo a identificação clara dos objetivos e prioridades do governo. Com esse exercício, pretende-se garantir a melhoria das condições de vida e o exercício da cidadania. Dessa forma, foram definidas as seguintes prioridades : (1) Política para remanescentes de quilombos (2) Desenvolvimento, trabalho e geração de renda (3) Educação e cidadania (4) Diversidade cultural e combate à intolerância religiosa (5) Saúde e qualidade de vida (6) Segurança alimentar e nutricional (7) Segurança pública e ordenamento jurídico (8) Políticas de relações internacionais

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A partir dessas prioridades, são desenvolvidos programas e projetos para a construção da transversalidade nas ações da administração pública.

As ações da Seppir (2005) retratam essa nova visão do pensar e do fazer o desenvolvimento no contexto do Brasil contemporâneo, porém não se deve confundi-las com a nossa teoria. Uma coisa é a teoria e a outra é a prática. Como teoria, o desenvolvimento econômico multicultural tem por papel questionar os discursos e as práticas de desenvolvimento tal como vêm sendo teorizados e realizados pelos agentes do Estado, do mercado e da sociedade civil. Apesar da sua inovação, Seppir não deixa de ser um órgão do governo. Diria o velho Weber (2004b), o objetivo de qualquer político é conquistar o poder. Mesmo assim, a leitura desse último relatório da Seppir e outras de suas ações, que temos acompanhado como pesquisador e ativista do movimento negro, não deixam dúvidas para afirmarmos que estamos vivendo uma “nova era” da política do desenvolvimento econômico e social do Estado. Esta se caracteriza pela incorporação de certos princípios éticos e técnicos do desenvolvimento, tais como os centros nacionais e internacionais de estudos do desenvolvimento produtores do novo paradigma têm teorizado e praticado o desenvolvimento. Isto pode ser visto na metodologia participativa e nos conceitos que esse órgão do governo emprega. Nessa visão o desenvolvimento social, portanto, multicultural e econômico se cruzam.

Conclusão Mais do que escrever um compêndio sobre a teoria do desenvolvimento, esse trabalho quis contribuir, modestamente, trazendo uma proposta de elaboração de um referencial teórico para a análise das relações entre o problema da política de ações afirmativas e o desenvolvimento social e econômico da população negra.

Fundamentando-se nos pressupostos teórico-conceituais e metodológicos das teorias do desenvolvimento econômico comunitário, da nova sociologia econômica e da economia social, esse trabalho defende a teoria do desenvolvimento econômico multicultural como um quadro de referencial para a interpretação da questão da diversidade étnica, das políticas de ações afirmativas e do desenvolvimento da população negra brasileira, sem ficar preso, nem no economismo sem “coletividade”, postura que caracteriza as teorias do desenvolvimento 9

econômico ortodoxo, preocupadas com o crescimento, nem no culturalismo sem “econômico”, nem no positivismo sem subjetividade, posturas que têm orientadas certas pseudo-antropologias e sociologias denunciadas por Ramos (1995) e Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1983).

A teoria defendida aqui exige do pesquisador uma atitude crítica ao analisar o problema do negro. Entende que este foi e é, ao mesmo tempo, um problema social, cultural, político e econômico da luta social das classes e raças que formam a nação brasileira. Do ponto de vista metodológico a solução desse problema deve ser enfrenta a partir da dialética que envolve um diálogo crítico entre o local e o global, os de cima e os de baixo. Pois o multiculturalismo e o desenvolvimento são construções sociais que requer, para o seu sucesso, negociações democráticas e não dogmas de dominação. Bibliografia

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