EM TEMPOS ALUCINADOS - VERTENTES II

June 1, 2017 | Autor: Ezequiel Redin | Categoria: Phenomenology of Temporality, Capitalismo
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Descrição do Produto

Projeto e produção gráfica Editora Centro Serra Sobradinho-RS Editoração Hélio Scherer Design gráfico e capa Dago Vianna Revisão Clara Luiza Montagner Larissa Scherer

Impressão Lupa Graf Santa Cruz do Sul Tamanho 14,8 X 21 cm Fontes Paladino regular Museo 100, 300 e 500 Papel Pólen Soft Natural 80g/m2

Todos os textos são de responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados aos autores.

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Ezequiel Redin Sou filho de agricultores familiares, de Linha Paleta, Arroio do Tigre, RS. Cresci entre a lida na roça e o estudo no campo, apaixonado pelos livros e pela natureza. Em Cachoeira do Sul, na UERGS, me formei como Tecnólogo em Agropecuária, com ênfase em Sistemas de Produção (2009). Após, em Santa Maria, obtive a formação em Administração (2006-2010); licenciatura através do Programa Especial de Graduação de Formação Pedagógica de Professores (PEG/UFSM 2012-2013); sou Mestre em Extensão Rural (2009-2011); Especialista em Gestão Pública Municipal (2010-2011) e em Tecnologias de Informação e Comunicação aplicadas à Educação (UFSM 2013-2014). Em 2015, estou concluindo o Doutorado em Extensão Rural na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atualmente, sou editor da Revista Extensão Rural (Santa Maria); membro do Comitê de Avaliação da FAPERGS e FAPESC; tesoureiro da Associação Riograndense dos Tecnólogos; secretário da Juventude Unida, Linha Paleta, Arroio do Tigre; e membro da Academia Centro Serra de Letras. Exerço a atividade docente na Faculdade Metodista de Santa Maria (FAMES) e sou tutor do Curso Superior de Graduação Tecnológica em Agricultura Familiar e Sustentabilidade da UFSM.

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ligava o som em um volume alto, com músicas “do momento”, era surpreendente como a descarga se tornava mais rápida e empolgante. Isso me inquietava e até hoje me inquieta a ponto de escrever sobre este assunto. De certa forma, estou falando de teorias motivacionais ou, de forma mais simples, sobre recompensa e prazer. A música remete nosso pensamento ao lado bom da vida. Em outras palavras, falo do final de semana. Lembramo-nos dos bailes, dos torneios esportivos, da namorada, das bebedeiras, das coisas divertidas e não do trabalho (ainda mais aquele trabalho pesado, duro e cansativo). Isso, por incrível que pareça, motivava nosso ofício. A cada volume descarregado, uma energia a mais para dançar, cantar e rodopiar ao lado da pilha de sacos que estava sendo construída. E o caminhão/carreta se esvaziava de forma mais rápida, mais alegre e mais vibrante. Muito diferente daquela carga em que o som se ausentava. Parece surreal, um pouco ilógico, mas o “hit do momento” traz uma energia positiva ao grupo de trabalho laboral. Até hoje continuo acreditando que a música aumenta a produtividade do trabalho. Claro, talvez, não seja qualquer música, mas aquela música bem aceita, as “top músicas”, “as mais ouvidas”, os “hits do momento”. No caso relativo ao trabalho braçal, quem sabe, as músicas rápidas e vibrantes têm efeitos mais positivos à produtividade do trabalho e à produção do capital. Já no trabalho mental, as músicas mais calmas e tranquilizantes. Trabalho ao som de música...

Em tempos alucinados Eu não tenho tempo! Quantos de nós não escutamos essa expressão de um amigo, parente, colega de trabalho ou de sua própria família? Estamos alucinados. O tempo e o capital andam numa velocidade sem limites. Tudo isso tem uma ou mais explicações.

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A sociedade capitalista está vibrada constantemente em função do tempo cronometrado, da produtividade, da mecanização, da modernização, da busca incessante por metas e por lucros. A velocidade do tempo/espaço ratifica um ritmo alucinado, uma corrida contra o tempo, visto que o propósito final é produzir – produzir na “velocidade da luz”. Estamos constantemente alucinados em busca de nossos sonhos capitalistas, vigiados pela sociedade paternal, aquela cobra-nos eficácia, legitimando-nos a partir do sucesso competitivo e capacidade de acumular capital (preferencialmente pelo trabalho). Associando essa prática ao campo da educação superior, por exemplo, os indicadores de qualidade dos docentes remetem incessantemente à produtividade, a números absolutos sobre quantidade de artigos produzidos e publicados em revistas de alto impacto, número de citações, quantidade de orientações etc. Em um ritmo alucinado, o docente-pesquisador precisa preparar material, ministrar aula, corrigir trabalhos e provas na graduação, ministrar aulas na pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), orientar acadêmicos nos diferentes níveis, assumir cargos de gestão educacional, palestrar em eventos, produzir textos de alta qualidade, trabalhar como parecerista de periódicos e/ou fundações de financiamento, entre outras atividades. Na outra ponta, para exemplificar, encontramos o agricultor ditado pela racionalização capitalista, aquela que o embute no sistema da produtividade absoluta, regrada pela produção contínua de commodities, mas com um limiar: ele precisa se adaptar ao tempo da natureza. O tempo da natureza é diferente; o seu ciclo, suas fases e o seu ano agrícola lhe impõem limites que a industrialização do campo teima em artificializar. A pesquisa artificializou várias práticas rurais, com todas as suas variáveis rigidamente controladas. Já se produzem diversos itens da alimentação humana, desde hortaliças até aqueles mais básicos da dieta alimentar, todos artificializados em estufas. A estufa tem a finalidade de proteção contra as intempéries climáticas (chuvas, granizos, etc.) e contra insetos; ameniza a ocorrência

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de pragas e doenças; aproveita nutrientes e fertilizantes e assim por diante. Tudo em busca da produtividade e do controle da natureza, em função do relógio cronometrado. As consequências disso são irrevogáveis. E o tempo passa. Outro exemplo é você, que está lendo esse texto, imbricado no sistema regrado e regido por normativas comunais que foram construídas pela própria sociedade paternalista. Você também já internalizou esses preceitos e não mais os questiona, apenas trabalha para o sistema e contra o tempo. Uma pessoa enlouquecidamente ditada pelos afazeres diante de um tempo insano que, ao mesmo tempo, lhe coloca em situação de alienação. De certa maneira, o tempo regido pela busca do sucesso profissional transmite a sensação de incapacidade de vencer as tarefas. Viver nessa escravidão do tempo, nessa corrida maluca pelo lucro ou pela vantagem competitiva, preconiza uma escolha ‘forçada’ diante de convenções cívicas e morais que estabelecem padrões, regras, e instituem a felicidade abalizada nesse ideal de vida. Tal ideal convoca a traçar projetos buscando riqueza, fama, consumo, viagens, padrões estéticos e uma suposta vida de “qualidade”, processo internalizado e estimulado pelas mídias tradicionais. Qualquer ação que destoe do seu propósito é visto como uma falha humana ou insucesso em algum projeto pessoal, emitindo sentimentos de incapacidade. Esse brilho ofuscado pode gerar, assim, sentimentos de tristeza, agonia, frustração e inferioridade, provocando a intitulada depressão pós-moderna. E aparece bem no centro do nosso seio psicológico – a chamada infelicidade. Para não cair nessa tentação, é preciso buscar no tempo o seu tempo, o tempo de agir e o tempo de viver. De tempos em tempos, podemos viver ‘com tempo’ necessário ao nosso projeto de vida. Penso, e de tempo em tempo, logo repenso.

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