Em tempos de Star Wars…e se o R2D2 fosse juiz?

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Em tempos de Star Wars…e se o R2D2 fosse juiz? – Por Tiago Gagliano Pinto Alberto
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Por Tiago Gagliano Pinto Alberto – 19/01/2016
Olá a todos!!!
Em uma galáxia muito, muito distante… Não, esse não é o início da descrição de um dos filmes da saga "Guerra nas estrelas", mas sim um texto jurídico sobre decisão judicial. Estamos à beira da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105/2015, que, ademais de estabelecer uma série de inovações na ordem processual do dia, também passou a exigir do juiz, no artigo 489, alguns interessantes requisitos para a validade da decisão judicial. Não pretendo abordá-los nesta oportunidade, conquanto desde logo assinale que pretendo fazê-lo em um futuro próximo; agora, no entanto, gostaria de explorar um ponto curioso que sem querer veio à tona com o artigo mencionado.
Ao exigir que o juiz apresente explicitamente alguns requisitos jurídicos que utilizou para a motivação da sua decisão, o novo CPC adotou ainda mais a necessidade de participação ativa do magistrado no contexto da judicialização do litígio. Parece estranho pensar o contrário, certo?! Bem, mas não é.
Há algum tempo, especificamente desde a década de 80, pesquisadores e professores vêm trabalhando em sistemas computacionais que proferem decisões. O aperfeiçoamento destes programas vem se dando de maneira bem profícua, de modo que operações que atualmente ainda estamos tentando compreender, como por exemplo as técnicas da derrotabilidade, o distinguishing, overruling etc, já estão consolidadas – e bem – no contexto digital. Mesmo lacunas jurídicas já estão sendo preenchidas pelos sistemas, dando uma prova de que não somente em casos que demandem argumentação por dedução a inteligência artificial pode prestar algum serviço ao cidadão.
Henry Prakken, teórico holandês, destaca que a inteligência artificial vem representada por diversos sistemas operacionais que objetivam ora decidir a questão controvertida, ora apresentar parâmetros e argumentos para que o decisor externo o faça, ora testar as possíveis soluções, ora até mesmo empreender análise inerente à derrotabilidade de regras aparentemente incidentes nos casos. Os sistemas: i) "Taxman Project", materializados pelo Taxman I e Taxman II; ii) "issue spotting"; iii) "Prolex system"; iv) "Argumentator"; v) "CABARET System"; vi) "HYPO system"; e vii) "CATO system" são lembrados e descritos como formas de se alcançar, a partir da inteligência artificial, a solução de imbróglios jurídicos[1].
No livro "Logical tools for modelling legal argument", discute alguns dos sistemas desenvolvidos para os fins preconizados por sua pesquisa acadêmica[2]. Vejamos alguns destes sistemas em rápido escorço.
L. Thorne MacCarty e Sridharan desenvolveram, a partir de 1981, projeto denominado "The Taxman Project", cujo objetivo inicial era o de, a partir de inteligência artificial, processar dados alusivos à tributação aplicável às empresas e, a partir da análise empreendida pelo software, sugerir à corporação algum comportamento empresarial a trilhar. Este era o programa que ficou conhecido como TAXMAN I, logo substituído pelo TAXMAN II, desenvolvido para que, a partir da identificação de características de conceitos jurídicos indeterminados, o programa pudesse delimitar a sua esfera de aplicação[3]. O software considera três características essenciais do conceito jurídico indeterminado: a) as condições necessárias de sua aplicação; b) o quadro geral ("set of instances") de sua aplicação; e c) o quadro de prováveis transformações de um caso em outro ("prototypical exemplars to deformation"). A partir desses dados, o sistema calcula sequência plausível de transformação ("deformation"[4]) de um caso em outro e apresenta ao operador alguns protótipos.
Não se tem notícia da aplicação do sistema TAXMAN II, que, de resto, ainda que identifique, a partir das deformações de um conceito, um quadro de possibilidades para a sua aplicação, não parece resolver a questão de derrotabilidade, ou texturas abertas, mesmo que se considere eventualmente solucionada a indeterminação de conceitos jurídicos.
Objetivando trazer luz à problemática, Anne Gardner desenvolveu, a partir de 1987, programa que a partir de leis positivas, precedentes e regras do senso comum, classificava determinado caso apresentado como fácil ou difícil. Os casos fáceis eram assim classificados desde que as situações fáticas nele narradas se amoldasse perfeitamente ou ao direito objetivo, ou aos precedentes, ou, ainda, às regras de senso comum; ao contrário, eram classificados como difíceis nas hipóteses em que não correspondiam exatamente aos parâmetros assinalados. De acordo com Prakken, o sistema se utiliza de lógica não-monotônica, na medida em que antes de qualificar um caso como difícil o compara com diversas outras possibilidades, para, a partir daí, afastar as soluções correspondentes e tê-lo como difícil. Esta forma de raciocínio consubstancia um avanço no âmbito da argumentação em correlação com a inteligência artificial, porquanto permite, ainda que de forma rudimentar, a aferição de derrotabilidade das normas. Assim, no famoso caso lembrado por Schauer, Bulygin, Atria e muitos outros teóricos, em que existe uma regra proibindo que as pessoas durmam na estação de trem e cujo objetivo (ou justificativa subjacente, como sugere Schauer) é o de evitar que se utilize a estação como dormitório, o sistema permitiria identificar, com base em orientações do senso comum e partir de um cálculo de lógica não-monotônica, que tal regra não incidiria acaso a pessoa que estivesse esperando por um trem simplesmente cochilasse[5].
Este é de fato um grande avanço, pois o próprio sistema estabelece se a norma incidirá e, acaso não incida, o motivo pelo qual tal se verifica. É, em suma, o raciocínio da derrotabilidade, tal como fariam os intérpretes com muito maior gasto de energia e discussão. Dessa forma, o sistema criado por Anne Gardner, o "issue spotting", permite que aos intérpretes reste o exame apenas dos casos que efetivamente não se amoldam a qualquer outra perspectiva outrora exposta, quer pelo direito objetivo, quer por precedentes, quer por regras do senso comum.
Esta é apenas uma degustação (e muito rápida) de três dos programas elaborados para auxiliar na tarefa jurisdicional; muito mais haveria a se dizer. Claro, a sempre presente discussão acerca da impossibilidade de substituição do magistrado de carne e osso ainda se revela candente e bem atual, mas, é bom lembrar, tal se situa no mesmo ambiente em que, não muito tempo atrás, bradava-se contra o processo eletrônico.
Não estou sustentando a possibilidade ou não de aplicação de quaisquer dos programas mencionados, mas apenas chamando a atenção para algo que não está sendo tão discutido no Brasil e que, diversamente do que se poderia imaginar por aqui, está na ordem do dia desde a década de 80 em vários países do mundo. Acredito ser interessante que nos engajemos nesta discussão a fim de que não percamos o bonde da história.
O que acham?
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!

Notas e Referências:
[1] PRAKKEN, Henry. Disponível em https://scholar.google.com/citations?user=ZyaLOy4AAAAJ&hl=pt-br . Acesso em 18 janeiro de 2016.
[2] PRAKKEN, Henry. Logical tools for modelling legal arguments. Amsterdam: Netherlands Foundation for Scientific Research, 1993.
[3] NIBLETT, Bryan (Edited by). Computer Science and law. Edited by Bryan Niblett, professor of Computer Science, University College of Swansea, UK. Cambridge University Press, 1980. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=3Cc9AAAAIAAJ&pg=PR3&dq=taxman+ii+mccarty&hl=pt-BR&source=gbs_selected_pages&cad=2#v=onepage&q=taxman%20ii%20mccarty&f=false . Acesso em 24 de junho 2015.
[4] PRAKKEN, Henry, op. cit., p. 52.
[5] O caso citado é aquele segundo o qual existe uma norma determinando que ninguém pode dormir na estação de trem. Considerando alguém que simplesmente cochilasse esperando pelo trem, a norma incidiria, ou seria derrotada por outra?


Tiago Gagliano é Pós-doutorando pela PUC/PR e Universidad de León/ES. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.

Imagem Ilustrativa do Post: R2D2 // Foto de: Kory Westerhold // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/korymatthew/14234734754
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