Em torno da Estratégia Aérea: uma abordagem informal. Autor António Jesus Bispo. Recensão de João Vicente na Revista das Ciências Militares, Vol. I, Nº 2, novembro 2013

September 17, 2017 | Autor: João Vicente | Categoria: Air Power History, Air Power Studies, Air Power Theory, Strategic Air Power
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João Vicente Tenente-Coronel Piloto Aviador Investigador do CISDI/IESM Lisboa, Portugal [email protected]

O autor da obra, o Tenente General Piloto Aviador António de Jesus Bispo serviu na Força Aérea Portuguesa durante mais de três décadas, desempenhando uma variedade de funções operacionais, de docência e de comando e chefia. A riqueza do seu currículo conjuga uma elevada experiência profissional, com um trajeto académico e de profunda reflexão sobre os temas de Estratégia e do Poder Aéreo. A questão da afiliação profissional do autor é tanto mais importante porque vem contrariar o estereótipo tradicional do aviador. É uma constatação histórica, que se mantém no presente,

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Em torno da Estratégia Aérea: uma abordagem informal

de que os proponentes do Poder Aéreo continuam a ter dificuldade em orquestrar uma estratégia de coação que seja facilmente compreendida pela sociedade. Por exemplo, se percorrermos a panóplia de obras acerca das Guerras do Afeganistão e Iraque deparamo-nos com a dificuldade em encontrar títulos, onde a visão sobre o emprego do Poder Aéreo seja apresentada por aviadores. Em contrapartida, encontramos uma proporção desequilibrada de disseminação da doutrina e visão terrestre. Ao transpormos esta realidade para âmbito nacional, verificamos semelhante desproporção. O próprio autor reconhece esta lacuna nacional ao salientar a insuficiente bibliografia específica sobre Estratégia Aérea. Existirá algum motivo para que os praticantes da causa aérea não se sintam inclinados a disseminar a sua perspetiva sobre a Guerra? Winston Churchill, ajuda a explicar este problema, quando refere que o Poder Aéreo é o elemento de força militar mais difícil de medir, ou mesmo de expressar em termos precisos. O problema é agravado pelo facto de que a aviação tende a atrair aventureiros, fisicamente capazes, mentalmente alertas e pragmáticos, em vez de filosoficamente inclinados. Esta renitência intelectual pode dever-se em parte, ao facto dos praticantes do Poder Aéreo serem mais centrados na ação do que na reflexão, focalizando a sua atenção nos aspetos técnicos e táticos em detrimento da estratégia. A destreza técnica é com certeza uma componente essencial do Poder Aéreo, mas só quando focalizada pela mestria profissional é

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que produz as sinergias necessárias para o sucesso. Isto porque, no contexto do Poder Aéreo, a mestria profissional envolve aviadores capazes de compreender os aspetos multidimensionais do domínio aéreo, e as nuances associadas à geração, emprego e sustentação do Poder Aéreo. É este equilíbrio entre o saber e o saber fazer que confere aos aviadores uma perspetiva diferente, que importa explicar e disseminar. É precisamente aqui que o autor rompe com o paradigma de Churchill, uma vez que efetua uma abordagem informal, em torno da Estratégia Aérea, que resulta de uma pesquisa aprofundada e de muitos anos de experiência e reflexão sobre esta temática. Neste sentido, o autor apresenta-nos um “plano de voo” para a sua obra segundo uma perspetiva descritiva, prospetiva e prescritiva. O autor apresenta inicialmente a matéria básica que faz parte da Estratégia, e que os diversos autores consideram ser os modos ou as formas de estratégia, oferecendo-nos uma visão sobre as várias ruturas epistemológicas que moldaram a evolução deste conceito ao longo dos tempos. A partir daí configura as possibilidades, as alternativas, as limitações e os efeitos pretendidos com a estratégia aérea. De seguida, e na procura de definir o alcance estratégico das forças aéreas, procede ao estudo do registo histórico e das lições aprendidas nos conflitos militares, para obter os dados empíricos que sustentem a teoria. Finalmente, debruça-se sobre o planeamento aéreo estratégico, numa perspetiva de Estratégia Aérea genética, no sentido de prospetivar a aquisição de capacidades, tratando com particular acuidade os dilemas dos pequenos países. Apesar do autor procurar centrar a obra para o grande público, ela está repleta de contributos valiosos para estudiosos e decisores, sendo leitura obrigatória para qualquer aviador. Este livro trata de Estratégia Aérea, que como o autor salienta, consiste na aplicação de sistemas de forças aéreas para a realização de objetivos que cumprem fins políticos. Não podemos esquecer que o uso da força militar é um importante instrumento de política externa. Por exemplo, se não fossem pelas capacidades disponibilizadas pelo Poder Aéreo, as intervenções no Kosovo ou na Líbia, não teriam sequer ocorrido, pelo menos com custos materiais e humanos tão reduzidos para a coligação. Esta constatação histórica coloca expetativas políticas elevadas acerca das reais capacidades do Poder Aéreo. Contudo, não nos podemos esquecer que quando o emprego de força é desgarrado da estratégia, funciona como uma simples tática. Por isso, e como o autor salienta, a aplicação da força só será eficaz se quem a exerce entender conscientemente os fins a atingir, definidos na instância política, e esta só a deve determinar se souber interpretar o sentir da nação e os seus valores, e se conhecer os princípios institucionais que condicionam essa aplicação. Nesta perspetiva, a Estratégia Aérea tem uma problemática própria associada à génese e aplicação da componente aérea da força militar. Esta especificidade resultante das características do ambiente de operações e da tecnologia dos meios aéreos, proporciona potencialidades estratégicas específicas, assim como vulnerabilidades próprias. Contudo, e como destacado na obra, deveremos encarar o conceito de Estratégia Aérea, segundo duas dimensões: Por um lado, “Estratégia Aérea” como um método de pensamento

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Aérea” enquanto uma metodologia que promove a ligação das operações aéreas aos efeitos, para alcançar os objetivos operacionais. Ambas as perspetivas são importantes, mas servem diferentes finalidades e ocorrem em diferentes fases dos níveis da Guerra. É esta perspetiva dual que o autor aplica com sucesso ao longo da obra. Nesta medida, o primeiro princípio deverá ser a obtenção da garantia da prontidão do Poder Aéreo. A prontidão, na ótica do autor, significa não só a disponibilidade dos meios e das reservas, mas também a capacidade para executar as missões que vierem a ser atribuídas, o que justifica a necessidade de investigar quais poderão ser essas missões e que perfis poderão assumir. Tendencialmente, o emprego do Poder Aéreo é dirigido para a obtenção inicial de um grau de domínio do ar que permita uma maior liberdade de ação dos atores no teatro de operações. Porém, a predisposição natural para influenciar a maioria dos Centros de Gravidade estratégicos adversários, independentemente da sua localização geográfica, de forma simultânea, em períodos de tempo relativamente curtos, com precisão e danos colaterais reduzidos, sintetiza as capacidades e promessas do Poder Aéreo atual. Os atributos exclusivos do Poder Aéreo, ou seja, a manifestação de uma aptidão de agir no ar, causando efeitos no próprio ambiente e nos ambientes de superfície resultam das suas características relativas ao ambiente físico onde se manifesta. Altura, velocidade e alcance permitem disfrutar do valor estratégico da ubiquidade, agilidade e concentração. Dessa forma, as funções genéricas do Poder Aéreo, e como tal, expressões da sua utilidade

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acerca do emprego do Poder Aéreo para alcançar os fins políticos. Por outro, “Estratégia

estratégica, manifestam-se na aplicação de força, controlo e negação, multiplicação de força, e apoio da força. Para que se possa maximizar esta capacidade é necessário traduzir as diretivas estratégicas em planos operacionais. Este processo requer uma análise detalhada do adversário como “um sistema de sistemas” no sentido de detetar os componentes responsáveis pela força física e moral, poder ou resistência, quer do adversário, mas também dos amigos e neutrais. Esta análise sistémica do ambiente operacional expressa o relacionamento entre os objetivos a serem alcançados e as fontes adversárias de poder. Contudo, pelo facto de se poder atacar todos os alvos não significa que o façamos. Acima de tudo, a razão por que se ataca e os efeitos que se pretendem alcançar, são bastante mais importantes do que o que se ataca. Por isso, o desafio principal da Estratégia Aérea é identificar a relação causal entre operações aéreas e os efeitos desejados. Apesar da evolução significativa verificada em mais de um século de emprego de Poder Aéreo, este relacionamento causal entre ataque e efeitos obtidos é ainda nos tempos de hoje, uma arte e ciência. Os exemplos históricos apontados revelam isso mesmo, e constituem por si um fator de enriquecimento da obra. Por outro lado, a leitura deste livro permite compreender com maior detalhe os julgamentos e decisões efetuadas pela liderança estratégica quando confrontada com desafios ao uso da força, ao mesmo tempo que nos é explicado em que medida será possível tornar o Poder Aéreo mais eficaz na solução de desafios estratégicos.

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Como o autor refere, o dilema dos pequenos países, acentua os desafios e a complexidade de orquestrar uma Estratégia Aérea coerente. Assim, o verdadeiro desafio deste nível de ambição, consiste na obtenção das capacidades operacionalmente relevantes e no seu emprego em operações nacionais e de coligação. Esta ambição está também dependente da aptidão dos pequenos poderes em absorverem a tecnologia e usá-la de uma forma ótima. Estes dois extremos parecem paradigmáticos, pois têm diferentes requisitos de interoperabilidade e consequentemente, implicações distintas no planeamento de defesa. Para um pequeno poder, é certamente impossível conseguir maximizar estas duas vertentes. Não havendo recursos para tudo, quais serão as capacidades prioritárias e de que forma é que devem ser edificadas? Esta é uma pergunta, como tantas outras levantadas ao longo da obra, que o autor se esforça por responder de forma cabal e facilmente compreensível pela sociedade. Mas a obra não se resume a isto. Contudo, como esta sugestão de leitura não pretende retirar ao leitor o prazer da descoberta, julgamos que melhor do que todas as palavras que possam ser ditas acerca desta obra, o melhor é mesmo lê-la, e meditar sobre ela. Com certeza que não irão ficar desapontados.

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