Embargo administrativo como medida cautelar que dispensa o contraditório prévio

July 18, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Processo Administrativo
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Agravo de Instrumento - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0106707-09.2014.4.02.0000 (2014.00.00.106707-4) RELATOR : RICARDO PERLINGEIRO AGRAVANTE : RAFAEL GUILHERMINO ADVOGADO : MAURICIO PIRES GUEDES ADVOGADO : RAFAEL PERCIA DE MELLO IPHAN-INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO AGRAVADO : NACIONAL PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL ORIGEM : 01ª Vara Federal de Petrópolis (00031765620144025156)

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por RAFAEL GUILHERMINO contra a decisão que indeferiu a antecipação de tutela, a qual visava suspender os efeitos do termo de embargo e do auto de infração lavrados pelo agravado, a fim de possibilitar o prosseguimento da reforma de imóvel situado no município de Petrópolis. Sustenta o agravante, em síntese, que o imóvel não é tombado, aduzindo que para a consumação do tombamento seria necessária a observância do devido processo legal e a averbação do ato no registro imobiliário, conforme prescreve o art. 13 do Decreto-Lei 25, de 30 de novembro de 1.937. Prossegue, afirmando que o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico serve apenas como mecanismo de proteção do logradouro em relação ao seu conjunto urbano paisagístico (entorno), impossibilitando que os proprietários ou possuidores de residências no local, sem prévia autorização, realizem alterações nos imóveis capazes de afetar o conjunto arquitetônico da área. Acrescenta, também, que desde a edição da Portaria IPNHAN nº 213, de 15 de maio de 1.996, o imóvel em questão detém a condição de “entorno”, a qual não se confunde qual a qualidade de bem tombado, sendo que as restrições aos imóveis do “entorno” somente ocorrem quanto preenchidas as seguintes condições, não presentes no caso em tela: a) estar o imóvel na vizinhança do bem tombado; b) existir o comprometimento, pelas construções, da visibilidade do bem. Por fim, sustenta a agravante que a reforma do imóvel somente ocorre internamente, razão pela qual não existiria a possibilidade de modificação do conjunto paisagístico e arquitetônico atualmente existente, não sendo razoável nem prudente paralisar a reforma, haja vista a existência de risco de desabamento de parte do imóvel, fato que além de acarretar consequências ao exercício da propriedade, impossibilitaria o agravante de desenvolver atividade econômica que justifique o dispêndio relativo ao aluguel mensal de R$ 9.000,00 (nove mil reais). O exame do efeito suspensivo ao recurso foi postergado à fl. 348. O agravado apresentou suas contrarrazões às fls. 350/363, aduzindo, resumidamente, o seguinte: a) o imóvel é parte integrante do Conjunto Urbano- Paisagístico tombado pelo IPHAN em Petrópolis, tendo sido inscrita a “(...) Avenida Presidente Kennedy (antiga Av. Piabanha) em toda sua extensão, desde a esquina da Mosela até Praça Koblenz (...) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico, e Paisagístico, sob o nº 80, folhas 22/24, na data de 11.7.1980 – processo nº 662-T-62; b) a Constituição Federal prevê que o tombamento possa ser individual ou em conjunto, estando o imóvel em questão inserido no tombamento do conjunto arquitetônico do município; c) o agravante executou destruição parcial do imóvel tombado, nos termos do art. 17 do Decreto-Lei nº 25/37; d) a obra se caracteriza como irregular, não havendo placas de obra, responsável técnico e projeto aprovado no IPHAN ou no município de Petrópolis; e) um bem passa a integrar o patrimônio cultural da nação e a gozar de proteção legal específica a partir do instante em que é inscrito nos livros de Tombo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; f) a alteração de um bem tombado está sujeito à prévia autorização da entidade federal competente – IPHAN; g) a obra empreendida pelo agravante – demolição de construção existente em área tombada, bem como execução de obra nova, com ocupação de quase 100% da área livre, sem projeto aprovado pelo IPHAN, além de nociva ao bem tombado, é irregular; h) a entrada dos fiscais do IPHAN no interior do imóvel, os quais verificaram a sua destruição parcial, somente foi possível com o auxílio da Polícia Federal; i) houve a demolição de trecho de fundos da edificação, que possuía dois pavimentos, paredes internas em alvenaria de tijolos maciços autoportantes, demolição de forros de teto em madeira, demolição de revestimentos de parede em argamassa, demolição de janelas e portas da fachadas da lateral e fundos, fechamento de vãos com gesso acartonado e tijolos furados; j) além da demolição, houve a construção interna de novos cômodos, como de dois banheiros no 2º pavimento, balcões de alvenaria no térreo e no 2º pavimento; l) no exterior da casa está sendo edificado um prédio que até a ocasião da vistoria inicial possuía dois pavimentos, em estrutura metálica e lajes pré-moldadas, com área aproximada de 500 m2, ocupando toda a área livre da planta original do terreno, bem como a área que antes era ocupada pelo trecho dos fundos do imóvel que fora demolido; m) a descaracterização do imóvel se torna mais gritante em função de ser geminado com outro,

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RELATÓRIO

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igualmente tombado no conjunto arquitetônico, que se encontra em bom estado de conservação; n) o agravante deu continuidade às obras mesmo após o embargo e a revogação parcial da antecipação de tutela que havia autorizado a realização de reparos preventivos; o) a vistoria realizada pelos arquitetos servidores do IPHAN atestaram que não procede a alegação de que o imóvel necessitaria de obras emergenciais. O Ministério Público Federal, às fls. 436/444, apresentou seu parecer, opinando pelo não provimento do recurso, sob os seguintes fundamentos: a) a averbação no Registro Geral de Imóveis do ato de tombamento não seria imprescindível à validade ou eficácia do ato administrativo; b) o imóvel se encontra inscrito no Livro Tombo Arquelógico, Etnográfico e Paisagístico; c) passados quase quatro décadas da data em que o ato administrativo começou a surtir efeitos sem que tenha sido alegado nenhum vício no procedimento administrativo, imperioso o reconhecimento da validade, em cognição sumária, do ato; d) não se verificou ilegalidade na aplicação do embargo, a uma porque o tombamento incidiu sobre o próprio imóvel, a duas porque a obra mutila o bem, e, a três porque não há licença ou registro para sua realização seja na Prefeitura ou no IPHAN; e) a decisão recorrida se encontra bem fundamentada, não se vislumbrando verossimilhança das alegações e perigo de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO

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Desembargador Federal

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Agravo de Instrumento - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0106707-09.2014.4.02.0000 (2014.00.00.106707-4) RELATOR : RICARDO PERLINGEIRO AGRAVANTE : RAFAEL GUILHERMINO ADVOGADO : MAURICIO PIRES GUEDES ADVOGADO : RAFAEL PERCIA DE MELLO IPHAN-INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO AGRAVADO : NACIONAL PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL ORIGEM : 01ª Vara Federal de Petrópolis (00031765620144025156) VOTO

Consoante relatado, trata-se de Agravo de Instrumento interposto por RAFAEL GUILHERMINO contra a decisão que indeferiu a antecipação de tutela, a qual visava suspender os efeitos do termo de embargo e do auto de infração lavrados pelo agravado, a fim de possibilitar o prosseguimento da reforma de imóvel situado no município de Petrópolis. O deslinde da controvérsia exige uma melhor compreensão dos fatos. O agravante, na origem, interpôs ação desconstitutiva do ato de embargo editado pelo IPHAN, em relação às obras realizadas no interior de imóvel em questão, sob o fundamento de que o bem não seria tombado e que havia risco de queda de sua estrutura acaso não tomadas as providências necessárias de colocação de vigas internas e demais procedimentos. Inicialmente o juiz a quo concedeu tutela antecipada estritamente para autorizar a parte autora a realizar reparos preventivos no imóvel embargado, sem a necessidade de autorização do IPHAN: Trata-se de pedido de antecipação de tutela, pelo qual a parte autora requer a desconstituição do Embargo levado a efeito pelo IPHAN sobre bem tomando como Patrimônio Histórico da cidade de Petrópolis. Determinada a intimação do IPHAN para manifestação, no prazo de 48 horas, sobre possíveis riscos que ameacem o bem decorrentes da não conclusão da obra, até este momento não houve manifestação. Às fls. retro a parte autora reitera o pleito antecipatório. Decido. Entendo inviável, nesta fase processual, ilidir a presunção de legitimidade do ato de Embargo da autarquia ré tão-somente com os elementos constantes dos autos. Por isso determinei a oitiva da autarquia ré, para após decidir a respeito. A inércia da autarquia não traz como consequência o acolhimento do pleito de anulação do ato, como pretende a parte autora. Noutro aspecto, a questão da segurança da edificação após o Embargo, sobre a qual também foi instado o IPHAN, não pode aguardar, em razão do período de chuvas que se inicia. Nesse ponto, é urgente a tomada de providências necessárias à preservação do patrimônio privado, sem que isso represente liberação para continuação das obras suspensas. Para tanto, caberá ao autor a realização de medidas estritamente preventivas a fim de se evitar deterioração do imóvel e de materiais de construção que estejam porventura acondicionados em seu interior. Com tais considerações, CONCEDO TUTELA ANTECIPADA estritamente para autorizar a parte autora a realizar reparos preventivos no imóvel embargado, situado na Av. Presidente Kennedy nº 720, Petrópolis/RJ, sem a necessidade de autorização do IPHAN, devendo contar com Laudo emitido por profissional habilitado (engenheiro ou arquiteto), além de registros fotográficos precedentes, para demonstrar a imperiosidade da medida como meio de preservação do bem no estado em que se encontrava na ocasião da paralisação das obras (09 /10/2014). Determino nova intimação do IPHAN, por meio da representação jurídica, e na pessoa da servidora

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O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR)

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O presente recurso tem por escopo, em síntese, suspender, liminarmente, os efeitos do termo de embargo e do auto de infração lavrados pelo agravado, de modo a que o agravante possa prosseguir e concluir a reforma do imóvel.

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Contudo, após a manifestação do IPHAN, o magistrado proferiu a decisão ora agravada, revogando a anterior e indeferindo in totum a tutela antecipatória, in verbis: Ajuizada ação desconstitutiva do ato de Embargo editado pelo IPHAN, em relação a obras realizadas no interior de imóvel tombado como Patrimônio Histórico e Cultural da cidade de Petrópolis, a parte autora trouxe argumentos para justificar a imperiosidade de novas intervenções no bem, de caráter preventivo, frente a riscos de prejuízos estruturais. Este Juízo, diante da inércia da representação jurídica da autarquia ré, intimada pessoalmente (fl. 127) para prestar esclarecimentos solicitados à fl. 117, à míngua de outros elementos, autorizou a parte autora a realizar intervenções emergenciais no bem, conforme fls. 117/118. Com a vinda do conteúdo parcial do processo administrativo inaugurado após o ato de Embargo, além de informações prestadas por Equipe Técnica do IPHAN (fls. 163/231), infere-se que o bem encontra-se íntegro, inexistindo repercussões aventadas anteriormente pelo autor para justificar a continuidade da intervenção. Confirmou-se, portanto, que a fiscalização da integridade da construção consistia, quando do Embargo, dever da autarquia, diretamente responsável pelo exercício do poder de polícia em situação de risco de prejuízos iminentes que afetem bens tombados. Consta inclusive das informações prestadas que houve sensível alteração do bem em questão, conforme Laudo de Constatação de fls. 214/230, acompanhado de registros fotográficos, a justificar o Embargo da obra em 09/10/2014. Não bastasse isso, há relatos de que houve desrespeito ao Embargo, certificado por Arquiteta do IPHAN, que em 15/10/2014, em nova fiscalização, constatou a continuidade da reforma em sua parte interna, gerando a comunicação do fato a órgão superior da autarquia para a adoção de providências. Dessa forma, deixa entrever o autor, sem prejuízo de maiores apurações dos graves fatos relatados nestes autos, a velada intenção de se utilizar de autorização judicial como salvo-conduto para desrespeito de ato emanado de agente público competente. No mais, quanto aos argumentos tecidos na inicial tendentes a sustar os efeitos do Embargo, tenho que os fundamentos são insuficientes. Entendo ausente a plausibilidade jurídica que se afirma. O Tombamento, em princípio, é válido ainda que sem anotação na matrícula do bem perante o Registro Imobiliário, enfatizada a presunção de legitimidade da Portaria IPHAN nº 213, de 15 de maio de 1996, em juízo de cognição sumária, que traz na relação dos bens tombados, em conjunto ou isoladamente, na cidade Petrópolis, expressa previsão da Avenida Piabanha (Presidente Kennedy), em toda a sua extensão. Ademais, a proibição de intervenções no bem sem autorização do Poder Público, prevista no art. 17 do Decreto-Lei 25/37, deve ser interpretada amplamente, cabendo aos interessados a obtenção de autorização prévia perante a autarquia ré, para somente assim realizar alterações em imóveis tombados, sejam elas internas ou externas. Com tais considerações, REVOGO A DECISÃO DE FLS. 117/118 e INDEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA que visa sustar os efeitos do Embargo das obras realizadas no imóvel situado na Av. Presidente Kennedy, nº 720, Petrópolis/RJ, editado pelo IPHAN em 09/10/2014, conforme fls. 214/230. Expeça-se mandado com urgência a ser cumprido na pessoa do (a) Chefe do Escritório do IPHAN em Petrópolis, para comunicar-lhe o teor desta decisão, visando a adoção de medidas fiscalizatórias efetivas sobre o bem. Fl. 140 – Mantenho a decisão agravada. Oficie-se, com urgência, ao Relator do Agravo de Instrumento para encaminhar-lhe cópia desta decisão. Dê-se ciência ao Ministério Público Federal, pelo prazo de 10 dias. Com o retorno, à SEADI visando alterar a autuação para o rito ordinário.

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pública que lavrou o Termo de Embargo de fl. 16, Sra. Érika Machado, para que atenda, no prazo de 72:00 h, o contido em fl. 45. Cumpra-se com urgência.

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. TOMBAMENTO. INSCRIÇÃO NO LIVRO DE TOMBO. COMPROVAÇÃO DO TOMBAMENTO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 283 E 284 DO CPC. 1. Apelação Cível interposta pelo Ministério Público Federal contra Sentença proferida pelo Juízo da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro, nos autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF em face da Sociedade Universitária Gama Filho. 2. Entendeu o douto Magistrado a quo que a Exordial deveria ser indeferida, devido à ausência de documento essencial à compreensão da lide, notadamente o “Decreto de Tombamento”. 3. Ocorre que o Parquet Federal veio aos autos, em mais de uma oportunidade, para esclarecer que o tombamento ocorre com a inscrição do bem tombado no livro “Tombo Histórico e Belas Artes”, o que, no caso em tela, deu-se no dia 14 de abril de 1938, conforme Processo 0051-T-38. 4. Ademais, ficou devidamente comprovado, pelo documento de fls 152/155, que a Igreja Nossa Senhora da Candelária, assim como seu entorno, está tombada. 5. Com efeito, tendo em vista que a exigência quanto à comprovação do tombamento foi devidamente satisfeita, não há qualquer óbice ao regular julgamento e

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Nesse ponto, torna-se necessário analisar, no caso concreto, a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora, que justifique a concessão da tutela antecipatória requerida na ação originária. O fumus boni iuris compreende uma probabilidade – inerente a toda cognição sumária – quanto à procedência das alegações fáticas e jurídicas do demandante, não apenas no que diz respeito ao direito material em si, mas também ao próprio periculum in mora e à prevalência do interesse do demandante sobre o interesse público. No caso em apreço, o agravante sustenta que o imóvel em questão, por força da Portaria IPHAN nº 213, de 15 de maio de 1996, integra o “entorno” de bem tombado, não sofrendo, por isso, as mesmas limitações impostas aos imóveis tombados. No seu entender, o tombamento se consumaria a partir da observância do devido processo legal, conforme previsto no Decreto-Lei nº 25, de 1937, ao final do qual seria o ato de tombamento levado à averbação no competente registro imobiliário. De fato, a Constituição Federal de 1988 (arts. 5º LIV e LV) inovou na ordem jurídica brasileira com a cláusula due process of law, aplicável não mais apenas aos processos judiciais, como se depreende in verbis: “ninquém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e “ao litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” Portanto, as decisões administrativas restritivas de direitos individuais devem ser precedidas de um processo prévio, que assegure ao interessado a possibilidade de exercer o direito de defesa e de contraditório. Quanto a isso não há dúvida. Contudo, não se pode olvidar que, no âmbito do direito público, as atuações emanadas de autoridades administrativas têm como atributo a autoexecutoriedade. Desse modo, em caráter excepcional, quando presente uma situação de risco (fumus boni iuris na esfera administrativa), é compatível com a autoexecutoriedade das decisões administrativas a restrição de direitos individuais independente do prévio processo administrativo prévio, sem prejuízo deste ser instaurado a posteriori. Isso porque as medidas cautelares, que incluem medidas antecipatórias e conservativas, visam preservar, em última análise, lesão grave e de difícil reparação a um direito ou a um bem que se encontre ameaçado. O ato de embargo administrativo é fundado na possibilidade de dano irreparável (risco de prejuízo iminente a um bem a ser tombado) e pode ser concretizado independentemente do prévio processo administrativo. Nesse contexto, a simples afirmação de inobservância do devido processo legal não serve, em cognição sumária, como fundamento para afastar um provimento emergencial, sem prejuízo de que, posteriormente, seja tal questão apreciada. Quanto à necessidade de inscrição do tombamento no registro imobiliário, a jurisprudência já se manifestou sobre o tema, entendendo o seguinte: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TOMBAMENTO. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO ART. 515 DO CPC. DOCUMENTO HÁBIL A EMBASAR A PRETENSÃO DO PARQUET. 1. A Corte de origem entendeu suficiente a certidão expedida pelo Superintendente Regional do IPHAN, na qual declara que a Igreja da Candelária foi inscrita nos livros de Tombo Histórico e de Belas Artes em abril de 1938 (Processo 0051-T-38), para comprovar que essa Igreja e o seu entorno são tombados. Diante disso, não se verifica violação do art. 515 do CPC, na medida em que as razões de apelação expõem argumentação tendente a impugnar o fundamento da sentença apelada, ou seja, aduz a existência de certidão a qual ostenta a propriedade de comprovar o tombamento em questão. 2. Agravo regimental não provido. (STJ, 1ª Turma, AGRESP 201002140062, Min. BENEDITO GONÇALVES, DJE: 13.5.2014).

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Encontram-se acostado aos autos, às fls. 265/267 e 272/274, os Ofícios nº 275/2014 e 276/2014, ambos subscritos pela Diretoria do Escritório Técnico do IPHAN, informando ser o imóvel parte integrante do Conjunto Urbano-Paisagístico tombado no município, tendo sido inscrita a “(...) Avenida Presidente Kennedy (antiga Av. Piabanha) em toda a sua extensão, desde a esquina da Mosela até a Praça Koblenz (...)” no Livro Tombo Arqueológico Etnográfico e Paisagístico, sob o nº 80, folhas 22/24, na data de 11/07/1980 – processo nº 662-T-62. Frise-se que em face de tal fato, o agravante não se insurgiu. No mesmo sentido se manifestou o MPF, que, em seu parecer, consignou o seguinte: Ao contrário do que alega o recorrente, a averbação no Registro Geral de Imóveis do ato de tombamento não é imprescindível à validade ou eficácia do ato administrativo, uma vez que a produção de seus efeitos legais é condicionada somente ao registro em um dos quatro Livros do Tombo previstos pelo artigo 4º do Decreto-Lei 25/1937. No caso, o imóvel situado na Av. Presidente Kennedy, nº 720, Petrópolis/RJ está inscrito no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico (fl. 243/244), fato que torna o ato administrativo de tombamento válido e eficaz. Frise-se, ademais, que a ausência de averbação do ato de tombamento no Registro Geral de Imóveis é necessária somente para a produção dos efeitos do ato administrativo em relação aos demais integrantes da coletividade, como, por exemplo, no exercício do direito de preferência pelo Poder Público, previsto no artigo 22 do referido Decreto-Lei. [...] Ademais, não se verifica, na hipótese, qualquer ilegalidade na aplicação do embargo em questão com fundamento no artigo 17 do Decreto nº 25/1937. A uma porque o tombamento em questão incide sobre o próprio imóvel e todos os demais que são parte integrante do Conjunto Urbano-Paisagistico tombado pelo IPHAN no Município do Petrópolis. A duas porque a obra realizada constitui uma mutilação do próprio bem, e, a três porque não conta com qualquer licença ou registro, quer na Prefeitura, quer n IPHAN. Com efeito, o imóvel em questão não está inserido no “entorno” de bens tombados, ao contrário, ele próprio consta na relação dos imóveis tombados no Município de Petrópolis, conforme Portaria nº 213 do IPHAN, datada de 15 de maio de 1996. [...] Por fim, vale dizer, ainda, que, afora a ausência de licença do IPHAN para a realização da obra em discussão, não houve o regular licenciamento da mesma sequer junto à Municipalidade. De fato, a obra em questão não teve seus projetos submetidos a nenhum órgão competente para o exercício do poder de polícia, não havendo no local sequer uma placa com a indicação do responsável técnico pela mesma, o que a caracteriza como obra irregular. Outrossim, vale destacar que o Decreto-Lei nº 25, de 1.937, tornou efetiva a proteção ao patrimônio cultural, conferindo regime protetivo não apenas aos bens tombados, mas também àqueles que se localizam no seu entorno, conforme prescreve o art. 18: Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se

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ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IPHAN. TOMBAMENTO. CONSTRUÇÕES E OBRAS IRREGULARES. DECRETO-LEI Nº 25/37. Os proprietários são obrigados a zelar pela proteção da área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico, e qualquer alteração de suas características deve ser precedida de autorização do IPHAN. A ausência de averbação do tombamento no registro de imóveis (RGI) não torna o ato ineficaz, já realizada a inscrição em um dos Livros do Tombo. O efeito de tal ausência é retirar a preferência para eventual aquisição do bem, quando de sua alienação. Fosse pouco, restou demonstrado que os réus tinham ciência do tombamento, antes de adquirir o imóvel. Inteligência dos artigos 1º, § 1º e 17 do Decreto-Lei nº 25/37. Apelo desprovido. (TRF2, 6ª Turma Especializada, AC 199951065522843, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO, EDJF2R: 22.8.2011).

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processamento do feito, inexistindo também qualquer ofensa aos artigos 283 e 284 do CPC. 6. Do exposto, dou provimento ao Recurso de Apelação do MPF para reformar a Decisão que indeferiu a Exordial, determinando o retorno do processo à Vara de origem para que lá ocorra o julgamento e processamento do feito. (TRF2, 7ª Turma Especializada, AC 200851010106970, Rel. Des. Fed. REIS FRIEDE, DJU: 4.9.2009).

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Ademais, os Ofícios nº 275/2014 e 276/2014, acima mencionados, afirmam que, na ocasião da vistoria do imóvel, realizada no dia 9 de outubro do corrente, não havia quaisquer problemas estruturais no imóvel ou manchas de água ou infiltrações e vazamentos que viessem a justificar supostas obras de melhoria. Por fim, o eventual prejuízo econômico suportado pelo agravante, isoladamente, não pode justificar a concessão de tutela, mormente, quando presente um risco de dano irreparável ao patrimônio público e histórico da cidade imperial. Vale, aqui, destacar o disposto no art. 273, § 2º, do CPC, que, expressamente, impede a concessão de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento emergencial, sendo essa a hipótese dos autos. Conclui-se, portanto, que não merece reparo a decisão agravada, posto que não restou demonstrado, em cognição sumária, qualquer ilegalidade no embargo realizado à obra, tampouco o risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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Logo, sobre qualquer ângulo que se examine a questão, levando em consideração o volume da obra que implicou, segundo relatado, na demolição de janelas e portas da fachada da lateral e na edificação de um prédio no exterior da casa em estrutura metálica, conclui-se que estaria o agravante obrigado a submeter o projeto de reforma e de recuperação do bem à municipalidade a ao IPHAN, não havendo, em uma análise não exauriente, ilegalidade no ato emanado da autoridade administrativa. No tocante ao periculum in mora, é considerada irreparável a lesão a direito se a compensação pecuniária, por si só, não for capaz de restabelecer plenamente a situação a quo. A iminência do risco de dano irreparável é caracterizada em função do tempo – regular, mas insuficiente – para a conclusão do processo principal ou para a execução da decisão correspondente, buscando-se, em última análise, proteger o efeito prático da sentença na eventualidade de uma procedência do pleito judicial. In casu, o agravante aduziu que a presença do periculum in mora restaria caracterizada em função da intervenção indevida, abusiva e flagrantemente ilegal da autoridade administrativa, que teria colocado o imóvel em situação de extremo risco, haja vista a possibilidade de eventual desmoronamento do bem, hipótese que traria nefastas consequências ao exercício de propriedade. O agravante ressaltou, ainda, que se encontra impossibilitado de desenvolver qualquer atividade econômica, arcando, contudo, com um aluguel mensal de R$ 9.000,00 (nove mil reais), e já tendo despendidos elevados gastos com a reforma. Em que pese a relevância dos argumentos invocados pelo agravante, não restou demonstrado que o imóvel se encontre em situação de risco iminente. O parece técnico apresentado pelo agravante, acostado à fl. 342, noticia uma série de ocorrências, sem, contudo, indicar risco de desabamento imediato do bem, senão vejamos: Eu, Alexandre Nogueira, arquiteto e urbanista, CAU A28120-4, pela solicitação do advogado, Sr. Rafael da Pércia de Mello e pelo contratante, Sr. Rafael Guilhermino, para realizar vistoria no imóvel localizado à Av. Presidente Kennedy, 720 – Petrópolis RJ, verifiquei os seguintes pontos: 1) O piso superior onde encontram-se escoras e vigas metálicas de sustentação precisam ser devidamente concluídas para segurança do referido piso, que compromete o pavimento superior; 2) Após as fortes chuvas do final de semana, como a cobertura não está concluída, o piso térreo, ficou encharcado e em alguns pontos cederam; 3) Houve prejuízo de parte do material estocado, ocasionado também pelas chuvas e ausência de cobertura. 4) Todos os elementos apontados referem-se a obras internas, com preocupação de segurança e benfeitorias do imóvel. 5) A fachada que tem como testada a Av. Presidente Kennedy, integrante do Conjunto Urbano-Paisagístico, não sofreu intervenção.

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poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto.

Agravo de Instrumento - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0106707-09.2014.4.02.0000 (2014.00.00.106707-4) RELATOR : RICARDO PERLINGEIRO AGRAVANTE : RAFAEL GUILHERMINO ADVOGADO : MAURICIO PIRES GUEDES ADVOGADO : RAFAEL PERCIA DE MELLO IPHAN-INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO AGRAVADO : NACIONAL PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL ORIGEM : 01ª Vara Federal de Petrópolis (00031765620144025156)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO. HIPÓTESE. BENS DO ENTORNO. REFORMA. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE RISCO DE DESABAMENTO. HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA. 1.Trata-se de agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a antecipação de tutela que visava sustar os efeitos do auto de infração e embargo das obras realizadas em imóvel situado no município de Petrópolis. 2. As decisões administrativas restritivas de direitos individuais devem ser precedidas de um processo prévio, que assegure ao interessado a possibilidade de exercer o direito de defesa e de contraditório. 3. Em caráter excepcional, quando presente uma situação de risco (periculum in mora na esfera administrativa), é compatível com a autoexecutoriedade das decisões administrativas a restrição de direitos individuais independente do prévio processo administrativo, sem prejuízo deste ser instaurado a posteriori. 4. O ato de embargo administrativo é fundado na possibilidade de dano irreparável (risco de prejuízo iminente a um bem a ser tombado) e pode ser concretizado independentemente do prévio processo administrativo. 5. A ausência de averbação do tombamento no registro de imóveis não torna o ato ineficaz, já realizada a inscrição em um dos quatro livros do tombo previstos pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 25/1937 (STJ, 1ª Turma, AGRESP 201002140062, Min. BENEDITO GONÇALVES, DJE: 13.5.2014; TRF2, 7ª Turma Especializada, AC 200851010106970, Rel. Des. Fed. REIS FRIEDE, DJU: 4.9.2009; TRF2, 6ª Turma Especializada, AC 199951065522843, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO, E-DJF2R: 22.8.2011). 6. O Decreto-Lei nº 25/1937 conferiu proteção não apenas aos bens tombados, mas também àqueles que se localizam no seu entorno, razão pela qual, levando em consideração o volume da obra que implicou na demolição de janelas e portas da fachada da lateral e na edificação de um prédio no exterior da casa em estrutura metálica, deveria o projeto de reforma e de recuperação do bem ter sido submetido à municipalidade e ao IPHAN, não havendo, em uma análise não exauriente, ilegalidade no ato de embargo e de lavratura do auto de infração. 7. Do ponto de vista do agravante e no que diz respeito ao periculum in mora (judicial), o parecer técnico apresentado pelo interessado, não indica risco de desabamento imediato do bem. Ademais, os Ofícios nº 275/2014 e 276/2014, ambos subscritos pela diretoria do IPHAN, afirmam que, na ocasião da vistoria do imóvel, não havia quaisquer problemas estruturais no imóvel ou manchas de água ou infiltrações e vazamentos que viessem a justificar supostas obras de melhoria. 8. Eventual prejuízo econômico suportado pelo agravante, isoladamente, não pode justificar a concessão de tutela, mormente, quando presente um risco de dano irreparável ao patrimônio público e histórico da cidade imperial. 9. Agravo de Instrumento não provido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao Agravo de Instrumento, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 2014 (data do julgamento).

RICARDO PERLINGEIRO

1

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EMENTA

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TRF2 Fls 453

2

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TRF2 Fls 454

Desembargador Federal

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