Embarque neste Carrossel estilístico: possíveis contribuições do filme do SBT ao Cinema Infantojuvenil Brasileiro (em comparação ao cinema clássico hollywoodiano)

June 2, 2017 | Autor: João Paulo Hergesel | Categoria: Cinema, Comunicação, Audiovisual, Estilística, Narrativas Midiáticas, SBT
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EMBARQUE NESTE CARROSSEL ESTILÍSTICO1: Possíveis contribuições do filme do SBT ao Cinema Infantojuvenil Brasileiro (em comparação ao cinema clássico hollywoodiano)2 João Paulo Hergesel3 Resumo: “Carrossel: O Filme”, derivação da telenovela “Carrossel”, é resultado de uma parceria entre o SBT, a Televisa Cine, a RioFilme, a Downtown Filmes e a Paris Filmes. Nesse produto cinematográfico, as relações familiares e o contexto escolar, que guiaram o enredo original, cedem espaço aos sentimentos de amizade e paixão adolescentes. Também são perceptíveis alterações quanto aos detalhes de enquadramento, angulação, fotografia, efeitos, iluminação e sonoplastia. O objetivo desta pesquisa, portanto, é estudar tais particularidades estilísticas, visando a um aclaramento de como se constrói essa narrativa. Para isso, propõe-se uma análise pautada nos estudos bordwellianos, abrangendo as quatro motivações: composicional, realista, artística e transtextual. Pretende-se, com essa aplicação metodológica, revelar as partículas preciosas que contribuem para a constituição do estilo do Cinema Infantojuvenil Brasileiro. Palavras-Chave: Análise de Produto Audiovisual. Narrativas Midiáticas. Cinema Infantojuvenil Brasileiro. SBT. Estilística.

1. Introdução Panapaná, acampamento em que a história de Carrossel: O Filme (Alexandre Boury, 2015) se passa, é o coletivo de borboletas, explica a personagem Carmen nos minutos iniciais do longa. Dentre as borboletas do pensamento, aquelas que preenchem um coletivo chamado memória, não houve lembranças de outro produto televisivo que tenha levado a logomarca do SBT ao cinema. Diante disso, coube a esta pesquisa buscar as partículas preciosas que contribuem para a constituição do estilo do Cinema Infantojuvenil Brasileiro. Este não é o primeiro trabalho do pesquisador envolvendo a emissora de Osasco – é possível verificar pelo menos três em Hergesel (2015a; 2015b; 2015c) – nem o primeiro envolvendo a telenovela do SBT – em Hergesel (2014), por exemplo, preocupou-se em 1

Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho 1: Análise de Processos e Produtos Midiáticos do IX Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Cultura, realizado pelo PPG em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba, em parceria com o PPGCom da ECA/USP, na Universidade de Sorocaba – Uniso – Sorocaba, SP, nos dias 26 e 27 de outubro de 2015. 2 Proposta surgida durante discussão na disciplina Modos narrativos no audiovisual, ministrada pelo Prof. Dr. Rogério Ferraraz, no segundo semestre do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. 3 Doutorando em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PROSUP/Capes). Mestre em Comunicação e Cultura e licenciado em Letras pela Universidade de Sorocaba (Uniso). Membro do Grupo de Pesquisa em Narrativas Midiáticas (Uniso/CNPq). Contato: [email protected]. Orientador: Prof. Dr. Rogério Ferraraz.

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analisar a extensão narrativa criada com a websérie Jornal Kauzópolis (Ricardo Mantoanelli, 2013) e a série televisiva Patrulha Salvadora (Ricardo Mantoanelli, 2014). Entretanto, vê-se este artigo como pioneiro ao propor uma análise do referido filme, derivado da telenovela do SBT, pautada nos estudos bordwellianos, abrangendo as quatro motivações: composicional, realista, artística e transtextual. O produto cinematográfico – uma parceria do SBT com a Televisa Cine, a RioFilme, a Downtown Filmes e a Paris Filmes – se ramifica da telenovela Carrossel (Reynaldo Boury, 2012-2013) e conta com a maior parte do elenco, especialmente o infantojuvenil. O enredo, no entanto, não se limita às travessuras dos alunos da Escola Mundial dentro da sala de aula; ao contrário: como eles estão em férias escolares, a ambientação é o sítio do avô de Alícia, onde os personagens decidem acampar e passar por provas de aventura, como trilha, tirolesa e nado no lago. Nesse passeio, cria-se uma competição sadia entre os times: o time laranja, liderado pela inspetora Graça, contra o time roxo, chefiado pela Diretora Olívia. A disputa gera uma série de conflitos entre os adolescentes, envolvendo travessuras e sabotagens com o time alheio, como o momento em que Paulo coloca formigas no sapato do Daniel e a hora em que Alícia prende Paulo a uma árvore com supercola. A segregação, no entanto, se dissolve quando eles decidem se unir em prol da defesa do lugar, cobiçado pelo vilão Gonzalez, que deseja construir uma fábrica no local. Outra diferença relevante entre a novela e o filme é a temática: a primeira se preocupa em apresentar as relações familiares e o contexto escolar das crianças; por outro lado, o segundo precisa se deslocar aos sentimentos de amizade e paixão, dado que os personagens se tornaram adolescentes e estão descobrindo novas emoções – ou intensificando algumas que já reconhecem. Os roteiristas Márcio Alemão e Mirna Nogueira, por sua vez, foram os responsáveis por tornar os diálogos ágeis e descolados. Percebe-se que cada conversa é recheada com ironias, trocadilhos, metáforas, entre tantos efeitos expressivos capazes de colaborar com o humor e a graciosidade da trama. Por se tratar de uma obra infantojuvenil, a reação dos jovens espectadores pode ser idealizada: risos, gritos, vibrações, assovios e aplausos – especialmente na hora do tão esperado (e de certa forma inesperado) beijo entre os protagonistas, Cirilo e Maria Joaquina. Entre se gravar a novela e o filme, contudo, as diferenças foram várias, a começar pela agilidade das tomadas. O ator Léo Belmonte, que interpreta o personagem Jorge

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Cavalieri, contou em entrevista (ENTREVISTA, 2015) que, enquanto em uma atração televisiva é possível registrar aproximadamente 20 cenas por dia de gravação, no cinema gasta-se o mesmo tempo com apenas duas ou três cenas. O motivo da divergência temporal é justificável: na televisão, têm-se quatro ou cinco câmeras apreendendo a cena de diversos ângulos; já em uma obra cinematográfica, há apenas uma ou duas câmeras para captar os movimentos, e isso resulta em repetições diversas de um único plano para que todos os detalhes sejam bem formulados – ainda mais porque a resolução da imagem para o cinema, cuja tela é várias vezes maior do que a da televisão, revela cada possível falha de posicionamento. Além dos elementos mencionados pelo ator, também são perceptíveis – numa comparação geral entre a telenovela e o filme – alterações quanto aos detalhes de enquadramento, angulação, fotografia, efeitos, iluminação e sonoplastia. O objetivo desta pesquisa, portanto, é estudar tais particularidades estilísticas, visando a um aclaramento de como se constrói essa narrativa cinematográfica.

2. Os estudos bordwellianos Estudioso do estilo nas mídias audiovisuais, sobretudo quanto à historiografia do cinema, Bordwell (2005), em um de seus trabalhos, faz uma investigação acerca das informações estilísticas que compõem o cinema clássico hollywoodiano. O autor discute, utilizando exemplos apoiados em filmes norte-americanos, o passo a passo para construção de uma narrativa clássica: desde as categorias estruturais até as funções básicas de cada fenômeno dentro da trama – entrelaçando com as reações prováveis do narratário. Embora Carrossel: O Filme seja uma produção brasileira, acredita-se que a narrativa cinematográfica estadunidense interfere fortemente na produção cultural de outros países. Por isso, propõe-se, aqui, uma análise pautada nos estudos bordwellianos, abrangendo as quatro motivações: composicional, realista, artística e transtextual. Pretende-se, com essa aplicação metodológica, revelar as partículas preciosas que contribuem para a constituição do estilo do Cinema Infantojuvenil Brasileiro.

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2.1. O estudo da narrativa Bordwell trabalha com a ideia de que a análise narrativa pode ser feita em três níveis: o de representação, o de estrutura e o de ato. A representação compreende a atribuição de sentido a um conjunto de ideias, como a semântica; a estrutura cuida das combinações, os vários diferentes formando um todo diferenciado, tal qual a morfologia; e o ato ocupa-se da narração ao receptor, a maneira como são construídos elementos como origem, função, efeito, temporalidade, assim como a sintaxe. É comum, segundo o autor, que as análises se foquem em um aspecto, mas façam visitação a outros, quando necessário. Nesta pesquisa, o objeto analisado pretende ser abordado considerando-se o efeito potencial comunicativo provocado. O destaque, portanto, será dado ao ato, à forma como a expressividade conduz a história; no entanto, também se discutirão, em menor escala, a representatividade dos signos presentes na narrativa e a estruturação da trama. Algumas nomenclaturas adotadas por Bordwell foram redefinidas nesta pesquisa. O que o autor prefere denominar fábula, ou seja, a sequência cronológica da narrativa – ou o que é contado – é nomeado, aqui, por história. Já o que Bordwell opta, com base no formalismo russo, por chamar de syuzhet, isto é, a apresentação sistêmica da narrativa – ou como é contado – ganha aqui a identificação de trama, também não descartada pelo autor no decorrer de sua obra. A narração, por sua vez, é informação que será passada ao receptor, o que pode ser entendida como a junção de história, trama e estilo – considerando, aqui, que estilo são os processos comuns na condução de várias produções, por diversos autores, em um determinado período de tempo. O estudo do estilo, para Bordwell, compreende o que se escolhe, aqui, por denominar estilística historiográfica e é muito mais voltada ao visual. As análises realizadas nesta pesquisa, no entanto, podem apresentar desvios desse campo, pendendo para a estilística descritiva, focada nos recursos emotivos e nas figuras de linguagem tanto na modalidade visual-sonoro como na expressão verbal.

2.2. Processos de análise (motivações) As motivações de Bordwell são como provocações para se estudar como determinadas narrativas são moldadas; transpõe essa ideia, então, para como sendo processos de análise: por meio da obra pronta, despetala-se os elementos estilísticos para descobrir o que há no

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caule que sustenta a narrativa. No caso deste trabalho, a obra é Carrossel: O Filme, e os aspectos que serão discutidos perpassam as quatro motivações: composicional, realista, artística e transtextual. Na motivação composicional, busca-se entender como as partes da narrativa adquirem a função de fazer a trama avançar; trata-se de um processo semelhante ao conhecido como desconstrução fílmica, em que os fatores de técnica e forma revelam como a obra é contada. Já a motivação realista discute a realidade extratextual, ou seja, o contexto em que a obra foi elaborada, discutindo as informações socioculturais e históricas – temporalidade e ambientação em esfera internacional – que norteiam a obra. A motivação artística, por sua vez, preocupa-se com os elementos que chamam a atenção por serem diferenciados; e entende-se por “diferenciado”, aqui, não o grotesco, o bizarro, e sim os dados que contribuem para elevar a poeticidade da narrativa – tal qual um espetáculo de dança ou uma apresentação teatral, planejados para dar ligamento à história. Por fim, temos a motivação transtextual, que vem a ser a jogada de referências à categoria a que a referida narrativa pertence, isto é, relação entre a obra e a mídia que a veicula e/ou o gênero em comum. De forma geral, tem-se que a motivação composicional de Carrossel: O Filme segue os seguintes acontecimentos: exposição dos personagens e da época do ano (férias) na sala de aula; ida de ônibus até o acampamento Panapaná; chegada no acampamento e reconhecimento do local; caminhada pela trilha; consolidação do núcleo de vilania; passagem da noite em ambos os dormitórios; segundo dia de gincanas; desastre na tirolesa; confraternização ao redor da fogueira; surpresa de aniversário do namoro de Davi e Valéria; sabotagem ao acampamento; caos na manhã seguinte; interrupção das férias e volta para casa; descoberta do vilão e retorno ao sítio; armação para apreender o vilão; confissão do vilão; reviravolta dos vilões com condenação aos heróis; segunda tentativa de apreender os vilões; êxito na estratégia; repercussão do ato heroico na mídia; show da banda. Considera-se que Carrossel: O Filme surgiu em uma época em que a “explosão” por narrativas audiovisuais infantojuvenis têm atraído a atenção não só aos canais fechados (menciona-se como exemplo da veiculação de novelas e séries brasileiras para crianças e préadolescentes: Gaby Estrella4, Detetives do Prédio Azul5, Buuu6, Tem Criança na Cozinha7, 4 5

Gaby Estrella (Gloob). Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2015. DPA: Detetives do Prédio Azul (Gloob). Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2015.

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Que Talento!8), mas também a televisão aberta (a telenovela Carrossel 9 marcou um novo perfil de novelas para o SBT, sendo seguida por Chiquititas10 e Cúmplices de um Resgate11). Ao se relacionar isso com o fato de que os holofotes se intensificaram em cima de determinados atores (Larissa Manoela, Jean Paulo Campo e Maisa Silva, por exemplo), temse a motivação realista da narrativa. Já a motivação artística fica fortemente notável em Carrossel: O Filme devido às sequências em que há exibição de musicais (desde o canto coletivo à capela em volta da fogueira até a performance com uma banda trajada no visual dos anos 1960). Observa-se, ainda, a presença de nuances poéticas, como o posicionamento das câmeras na trilha (qualificação em contre-plongée) e na lama (em velocidade reduzida), além do recurso visual de papel picado brilhante no céu azul – ação que ocorre no fim da história, mas cuja imagem também aparece nos segundos iniciais da trama. E o fato de o filme ter sido produzido com base na telenovela – que registrou audiência exitosa no SBT e, além de utilizar os mesmos personagens, ainda veio à tona num momento em que o Cinema Infantojuvenil Brasileiro marcava uma presença tímida na agenda de lançamentos – forma a motivação transtextual. Ainda nessa motivação, é possível relacionar a fase final do filme (momento em que as crianças elaboram uma armadilha mirabolante para prender o bandido) com o clássico Esqueceram de Mim12, inclusive mencionado na narrativa.

2.3. O enredo hollywoodiano O enredo do cinema clássico hollywoodiano, para Bordwell, trabalha com o que a literatura poderia chamar de exposição, conflito, clímax e desfecho. No início de um filme, por exemplo, é comum que os indivíduos sejam definidos, que o problema principal esteja evidente e que os objetivos do protagonista apareçam especificados – a exposição, também definida como estágio de equilíbrio. Posteriormente, problemas internos e externos invadem os personagens – conflito, também chamado de perturbação. Por fim, existe a resolução dos 6

Buuu: um chamado para aventura (Gloob). Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2015. Tem Criança na Cozinha (Gloob). Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2015. 8 Que Talento! (Disney Channel). Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2015. 9 Carrossel (SBT). Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2015. 10 Chiquititas (SBT). Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2015. 11 Cúmplices de um Resgate (SBT). Disponível: . Acesso em: 03 set. 2015. 12 Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990). Disponível em: < http://goo.gl/rKzCFJ>. Acesso em: 04 set. 2015. 7

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problemas, com vitória ou derrota, com o objetivo alcançado ou não – clímax seguido de desfecho, isto é, luta seguida de eliminação do elemento perturbador. Carrossel: O Filme não foge disso. Com relação à exposição, podemos mencionar as cenas iniciais: as crianças estão na sala de aula conversando sobre as férias e o ônibus as leva até o acampamento Panapaná. O conflito se inicia quando os vilões surgem em cena e revelam o desejo de comprar o local para construir uma indústria – nem que para isso precisem sabotar as gincanas e machucar as crianças. O clímax é detectado no momento em que Cirilo, vendo o vídeo gravado por Maria Joaquina, descobre que havia um infiltrado no acampamento e todos se reúnem para estudar uma forma de detê-lo. Por fim, o desfecho surge quando eles conseguem prender os vilões e fazem um show em homenagem ao dono do acampamento.

2.4. Os agentes causais Os personagens, para Bordwell, são agentes causais, pois eles se movimentam para conduzir e dar andamento à narrativa. No cinema clássico hollywoodiano, é comum que os personagens apresentam traços pessoais, qualidades e comportamentos evidentes; sendo o protagonista o principal agente causal, servindo de sujeito de identificação – aquele com que o espectador vai se encantar e torcer a favor. Em Carrossel: O Filme, a caracterização dos personagens é tão forte e plana (sem modificações complexas ao longo da narrativa), não só dos protagonistas – a saber: Maria Joaquina e Cirilo – como dos coadjuvantes, que eles permitem ser descritos em linhas gerais, conforme o site do SBT13: Adriano Ramos (Konstantino Atanassopolus): “Sonhador e criativo, é disperso e inteligente. Não é estudioso, mas tira notas boas, o que é um mistério para os colegas, já que Adriano vive caindo no sono durante as aulas”. No filme, ele adormece no ônibus, deixando sua cabeça cair no ombro de Jorge, que está ao seu lado; a reação do colega, no entanto, não é muito amigável. Alicia Gusman (Fernanda Concon): “Espoleta e moleca, gosta de esportes radicais e brincadeiras de menino. Vai para todos os lugares, até mesmo para a escola, de skate. Vestese de forma descontraída e sem muitas combinações”. Sua relevância aumenta no filme, uma 13

As informações entre aspas abaixo foram todas extraídas do site do SBT, na página oficial da telenovela Carrossel. Disponível em: . Acesso em: 04 set. 2015.

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vez que o acampamento em que eles passam as férias é o sítio de seu avô; é também ela que conduz as afrontações contra Paulo e lidera as artimanhas contra os vilões. Carmen Carrilho (Stefany Vaz): “Meiga e doce, é educada e respeita a todos. Míope, usa óculos grandes de lentes grossas, mas não tem o menor problema com isso. Carmen é madura e enfrenta com sua mãe uma situação muito difícil: o abandono do pai”. As situações delicadas da vida pessoal de Carmen não são abordadas no filme; no entanto, há um destaque para sua paixão por Daniel e o ciúmes que ela provoca em Valéria por estar sempre ao lado de Davi. Cirilo Rivera (Jean Paulo Campos): “Ingênuo e inocente, Cirilo costuma cair nas peças que seus colegas lhe pregam. [...] Por ser negro e de família simples, sofre preconceito por parte de Maria Joaquina, menina pela qual se apaixona”. O preconceito não fica tão evidente no filme, mas sua ingenuidade faz com que Maria Joaquina se aproveite dele – como obrigálo a carregar a mochila dela – e que os demais colegas continuem infernizando sua vida – como o momento em que Mario o atrapalha na gincana da lama. Daniel Zapata (Thomaz Costa): “Aluno exemplar, não se deixa levar pelas más influências. Líder intelectual da turma, não consegue ver um amigo sofrendo, nem em apuros. Por isso, funda a Patrulha Salvadora, composta por seus colegas de classe”. No acampamento, ele tenta deixar de lado o estilo cê-de-efe, ajudando Davi a fazer uma surpresa de aniversário de namoro para Valéria e vivendo um primeiro amor com Carmen. Davi Rabinovich (Guilherme Seta): “De personalidade doce, é judeu e muito sensível. A sensibilidade e o fato de ser medroso fazem com que Davi seja visto como o chorão da classe [...]”. Seu jeito amável faz com que Valéria acredite que ele esteja apaixonado por outra, o que é reforçado quando a garota se afoga e ele não pula para salvá-la; entretanto, com a surpresa de aniversário de namoro, o relacionamento de ambos é fortalecido novamente. Jaime Palillo (Nicholas Torres): “Com o coração de ouro, mas sem muitos modos, Jaime é gordinho, bruto e costuma resolver seus conflitos com empurrões. Enfrenta sérias dificuldades pedagógicas, é repetente e come muito e de tudo”. Como o ator perdeu muito peso no período entre a telenovela e o filme, ele é taxado de “ex-gordo” pelos colegas; porém, não abandonou sua brutalidade e seu lado grotesco, sendo sempre o culpado por soltar gases ou arrotar. Jorge Cavalieri (Léo Belmonte): “Vizinho de Maria Joaquina, é o menino mais rico da sala. Prepotente e orgulhoso, possui inteligência acima dos padrões de sua idade, é maduro e

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acha os colegas bobos. Egoísta, Jorge é malvado e tem apenas Maria Joaquina como amiga”. No filme, ele se mostra forçado a estar no acampamento, uma vez que preferia estar em Miami; contudo, para se divertir, ele tentar jogar os colegas uns contra os outros, mas acaba se rendendo ao clima de amizade que se forma. Kokimoto Mishima (Matheus Ueta): “Japonês espevitado e baixinho, sua marca registrada é uma faixa amarrada na cabeça. Tem raciocínio rápido e tira de letra os problemas matemáticos. Capanga de Paulo, sempre faz parte de seus planos mirabolantes”. Suas atitudes não trazem muitas reviravoltas no filme, dado que continua como colaborador nas peças que Paulo prega para os amigos. Laura Gianolli (Aysha Benelli): “Gordinha e sentimental, é a romântica da classe. Está sempre beliscando um pedacinho de comida. Boa aluna, é muito participativa nas aulas. Iludida, volta e meia acredita que algum de seus colegas está apaixonado por ela”. No filme, ela faz parte do núcleo cômico, destacando-se por roubar comida de Alan, enquanto todas as outras estão embasbacadas pela beleza do garoto, e por fazer a ponte tremer com seu peso ao passar por cima de Paulo e Kokimoto. Maria Joaquina Medsen (Larissa Manoela): “Arrogante, pensa que por ser filha de médico, rica e bonita é superior aos seus colegas. [...] Costuma delatar os colegas a fim de prejudicá-los, é orgulhosa e sempre os humilha quando tem oportunidade”. Mantendo seu perfil de menina mimada, a garota não se desgruda dos aparelhos eletrônicos, registrando cada momento com seu smartphone ou com seu tablet – sem imaginar que uma de suas gravações seria uma pista para condenação dos vilões. Marcelina Guerra (Ana Victória Zimmermann): “Amorosa e sensível, a irmã mais nova de Paulo defende os injustiçados sempre que sua coragem permite. Marcelina é facilmente dominada pelo irmão [...]”. Embora sem muito destaque no filme, ela se manifesta contra o desejo dos demais colegas de revidar o que Paulo vem aprontando com eles; mas acaba mudando de ideia ao perceber que o irmão merece o castigo. Mario Ayala (Gustavo Daneluz): “Mario perdeu a mãe e, [...] como defesa, maltrata as pessoas e se mantém distante, com medo de se magoar. Adora os bichos e com eles tem contato próximo [...]”. No filme, essa personalidade, já reformulada durante a telenovela, não é exibida; ele se mostra bastante acolhedor, embora atrapalhe Cirilo na gincana da lama e inicie uma guerra de travesseiro no dormitório dos meninos.

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Paulo Guerra (Lucas Santos): “Revoltado e sem limites, está sempre aprontando com os colegas. É fã dos estilingues e zarabatanas. Usa Kokimoto como seu capanga. Seus alvos prediletos são Laura e Cirilo. Muitas vezes, desconta a raiva na irmã Marcelina [...]”. Ele é portador de uma mala cheia de instrumentos para aprontar, como cordas, supercola e até mesmo formigas – as quais coloca no sapato de Daniel durante a noite e acaba machucando o garoto. Valéria Ferreira (Maísa Silva): “Sapeca, está sempre metida em confusão ou bolando um plano mirabolante. Inteligente e mandona, é do tipo que tem resposta pronta para absolutamente tudo e uma piadinha sempre na ponta da língua [...]”. No filme, ela sustenta a personalidade geniosa e está sempre brava com Davi, por ele não demonstrar o amor que sente por ela de forma suficiente, além de ser um poço de ciúmes; também é vítima de uma das armações de Gonzalez e Gonzalito, chegando a cair da tirolesa e a quase se afogar no lago – quando foi salva por Alan. Graça (Márcia de Oliveira): “Encarregada da limpeza da escola, é destrambelhada, confusa e escrachada. Fala o que pensa e só se arrepende quando a besteira já está feita. Sua marca registrada é um espanador que leva consigo para todo lado”. No filme, a função de servente é esquecida, já que ela atua como monitora do time laranja, sendo responsável pelas crianças do grupo, embora seja mais atrapalhada e infantilizada do que elas. Diretora Olívia (Noemi Gerbelli): “Comanda sua escola com mãos de ferro. A cara fechada e a postura rígida são suas técnicas para preservar a disciplina. Faz questão de se impor como autoridade e mostrar seu poder”. O lema “ordem e disciplina” perdura no filme, especialmente por acreditar que ganhar vale mais do que simplesmente competir. Líder do time roxo, treina seu grupo para vencer as competições a qualquer custo; mas acaba se apaixonando pelo dono do acampamento e ficando mais amável. A professora Helena Fernandes, a aluna Bibi Smith e o inspetor Firmino Gonçalves – respectivamente interpretados por Rosanne Mulholland, Vitória Diniz e Fernando Benini – não estão presentes no filme, embora sejam considerados personagens bastante presentes na telenovela. A justificativa, segundo os produtores, é a relação contratual que os atores estabeleceram com outras emissoras e/ou atividades profissionais, o que impediu suas participações em Carrossel: O Filme. Margarida (a menina do interior que é chacoteada por causa do sotaque) e Juvenal (mecânico que presta serviços de motorista), interpretados respectivamente por Esther

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Marcos e Carlinhos Aguiar, que eram personagens da telenovela e também marcam presença no filme, não são mencionados pelo site do SBT. Outros personagens, criados especialmente para o filme, são Gonzalez e Gonzalito (Paulo Miklos e Oscar Filho; dupla de vilões), Seu Campos (Orival Pessini; avô de Alícia e dono do acampamento), Alan (Gabriel Calamari; funcionário do acampamento) e alguns figurantes: chefe de polícia, assistente social, repórter, bombeiros e várias crianças.

2.5. O desfecho hollywoodiano No coroamento da estrutura, a parte que encerra o filma, conclusão lógica muitas vezes se contrapõe final feliz: às vezes, o mais coerente seria concluir de uma forma não muito alegre; no entanto, o desejo da alegria do “The End” acaba se sobressaindo. Segundo Bordwell, mais de 70% das narrativas clássicas hollywoodiana se encerram com um beijo do casal protagonista; os outros 30% tendem a terminar de outra maneira feliz – é a chamada “justiça poética”. O final, no entanto, por mais previsível que possa se tornar, não deve ser antecipado pelas convenções: quando a narrativa entrega o que acontecerá, deve haver um retardamento nos resultados das ações intermediárias. Um exemplo disso, em Carrossel: O Filme, é o momento em que as crianças apreendem Gonzalito e o fazem confessar todos os crimes. Nesse ponto, em que o conflito parecia solucionado, há uma reviravolta do núcleo antagonista: Gonzalez acusa Seu Campos de tortura e processa o acampamento Panapaná. É necessário que eles elaborem um novo plano (a implantação de uma escuta no trailer dos vilões) para conseguir comprovar as atitudes ilegais da dupla. O final clássico, embora bastante conveniente, acaba apresentando problemas: questões relativamente menores podem ficar pendentes (o placar final da disputa entre time laranja e time roxo é esquecido); o destino dos personagens secundários pode não ser reordenado (não há indicações de se o romance da Diretora Olívia com o Seu Campos perdurou); e o epílogo apenas reforça o final feliz e repete o que ocorreu ao longo do filme (a canção final resume, de modo musical, o enredo). Por isso, Bordwell defende que, em lugar de “fechamento”, ocorre o chamado “efeito de fechamento” ou o “pseudofechamento”.

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2.6. O estilo clássico O estilo clássico hollywoodiano pode ser definido em três máximas: (1) a técnica cinematográfica é um veículo que transmite, por meio da trama, informações sobre a história; (2) o estilo leva o espectador à construção de um tempo e de um espaço – coerentes e consistentes – da história; (3) o estilo dispõe de dispositivos limitados, em modelo estável, classificados conforme as demandas da trama. Em poucas palavras, atrama pautada por normas extrínsecas, inovando apenas a história é a principal marca estilística desse tipo de narrativa audiovisual. Ainda se pensando nas características que consagram o estilo da narrativa clássica hollywoodiana, pode-se argumentar que a agilidade se torna fundamental para que o público não tenha tempo de refletir ou de se entediar. Além disso, a redundância – que a Estilística prefere chamar de pleonasmo (e alguns roteiristas defendem como essencial a utilização de um mesmo discurso pelo menos três vezes, para fortalecer a gravidade do problema) – mantém a atenção sobre o problema atual. A estabilidade na trama e a repetição das marcas estilísticas, no entanto, não podem servir de fundamento para acreditar que o espectador é passivo; ao contrário, o espectador é portador de operações cognitivas que independem do fato da familiaridade, pois sustenta valores e crenças, alimenta hipóteses e contribui com inferências particulares. A narração é responsável somente por levar o espectador à elaboração da trama e do sistema estilístico; é o espectador que constrói uma história denotativa, unívoca e integral.

3. Considerações finais Após 1917, os estúdios americanos afetaram o cinema internacional; em 1922, o cinema alemão adotou a postura do estilo clássico; em 1930, o cinema francês também tinha semelhança com o americano; ainda em 1930, o cinema italiano apresentava normas distintas, embora constituísse sua própria forma de narrativa clássica; já em 1950, o cinema clássico polonês buscou não abusar dos finais felizes. O cinema infantojuvenil brasileiro, por sua vez, em 2015, parece ainda se utilizar das normas extrínsecas da narrativa clássica hollywoodiana. O filme do SBT traz muitas semelhanças com as referidas normas:

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1. O herói está voltado a um objetivo: o objetivo das crianças, considerando um coletivo heroico, é impedir que os vilões consigam derrubar o acampamento para a construção de uma indústria; 2. O apelo a princípio de unidade e realismo: não existem interferências do surrealismo, do dadaísmo, do absurdismo ou o abuso de elementos fantásticos, zelando sempre pela possibilidade de realismo da narrativa – na expectativa de facilitar a identificação com o público-alvo. 3. As funções de coerência espacial e temporal: a trama segue uma linearidade cronológica, determinando claramente os espaços físicos utilizados para ambientação (escola, ônibus e acampamento) e a temporalidade verossímil (presente, passado e futuro). 4. A centralidade do observador invisível: mesmo na presença da qualificação subjetiva da câmera (em raros momentos), é notável que a observação se torna mais ampla e objetiva do que se espera de um olhar pessoal – um exemplo é a suposta visão de Graça fugindo da centopeia e esbarrando em teias de aranha. 5. A arbitrariedade do fechamento: todas as ações são, de certa forma, conectadas e previsíveis, fidelizando a relação de causa e efeito e conservando a característica dos finais felizes, com direito a beijos e a despreocupação por pendências no desfecho dos personagens secundários. 6. O tratamento do romance heterossexual: a união, almejada desde a época da telenovela, entre Cirilo e Marina Joaquina, ocorre por meio de um “selinho” (beijo técnico e rápido). Outros romances também se fortalecem no desfecho da trama: Valéria e Davi, Carmen e Daniel, Diretora Olívia e Seu Campos. Por mais que Carrossel: O Filme apresente semelhanças na trama a tantos outros produtos do gênero, o êxito nas bilheterias14 se justifica: é o espectador que constrói a forma e o sentido, com conhecimento (informações pessoais), memória (lembranças intransferíveis) e inferência (olhar crítico). Como defende Bordwell, embora transparente e com uma estilística rotineira, a fruição do filme clássico continua sendo uma atividade – e qualquer outro tipo de cinema fará uso da narração à busca do encanto do espectador.

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Carrossel chega aos dois milhões de espectadores: o filme já é o terceiro maior público do cinema nacional em 2015. AdoroCinema. Disponível em: . Acesso em: 04 set. 2015.

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