EMOÇÕES ENQUANTO ESTRUTURA PERFORMATIVA - In: CAMARGO, Robson Corrêa de; CUNHA, Fernanda; PETRONILIO, Paulo. Performances da Cultura: Ensaios e Diálogos. Goiânia: Kelps, 2015. p. 461-473. ISBN: 978-85-400-1453-4

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SANTOS, Adailson Costa dos; FERNANDES, Adriana; CAMARGO, Robson Corrêa de. Emoções enquanto estrutura performativa. In: CAMARGO, Robson Corrêa de; CUNHA, Fernanda; PETRONILIO, Paulo. Performances da Cultura: Ensaios e Diálogos. Goiânia: Kelps, 2015. p. 461-473. ISBN: 978-85-400-1453-4

EMOÇÕES ENQUANTO ESTRUTURA PERFORMATIVA Adailson Costa dos Santos1 Robson Corrêa de Camargo2 Adriana Fernandes3 As experiências mais profundas e importantes da vida são repletas de emoção. Pense na alegria que as pessoas sentem ao se casar, no pesar que sentem nos funerais e no êxtase quando se apaixonam. (WEITEN, 2002, p. 294)

O presente trabalho tem como objetivo apresentar alguns diálogos entre os estudos biológicos das emoções, com base nas pesquisas da neurociência de Antônio Damásio, relacionando-as com as propostas de estruturas performáticas apresentadas por Richard Schechner, principalmente em seu texto Performers e Espectadores: Transportados e Transformados. Este artigo tem um caráter de apresentação das ideias que circundam a pesquisa que proponho no Programa de Mestrado em Performances Culturais Interdisciplinar da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, no âmbito da linha de pesquisa: Teorias e Práticas da Performance4. Baseando-se no modelo de análise dos “ritos de passagem” de Van Gennep, que compreende os estágios da separação, transição e reintegração, Schechner desenvolve esta ideia de sequência total da performance como um dos pontos de contato entre o pensamento antropológico e o pensamento teatral, sendo todos os seis pontos apresentados no texto Pontos

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Bacharel em Teatro pela Universidade Federal da Paraíba(UFPB) e Aluno do Mestrado em Performances Culturais da Universidade Federal de Goiás/EMAC. 2 Professor Adjunto do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Coordenador do Máskara – Núcleo Transdisciplinar de Pesquisa em Teatro, Dança e Performance (UFG/CNPQ), da Rede Goiana de Pesquisa em Performances Culturais (FAPEG) e do GT Teorias do Espetáculo e da Recepção (ABRACE). 3 Pesquisadora, Etnomusicóloga, PhD pela University of Illinois at Urbana-Champaign (USA), atualmente professora de Voz para o Ator no Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal da Paraíba e no Programa de Pós-Graduação em Música desta mesma universidade. 4 Sob orientação do Prof. Dr. Robson Corrêa de Camargo e Co-orientação da Profª Drª. Adriana Fernandes.

de Contato entre o pensamento antropológico e teatral (2011) 5. No tópico sobre a sequência total da performance Schechner aponta que esta apresenta sete fases distintas, para que o pesquisador possa enxergá-la em sua sequência total. As sete fases são "treinamento”; workshops (oficinas); "ensaios"; "aquecimentos"; performance propriamente dita; "esfriamento"; e, finalmente, "desdobramento”.

Próximos ao modelo descrito por Van Gennep, "treinamento", "oficinas", "ensaios" e "aquecimentos", corresponderiam à "fase preliminar", como os "ritos de separação". A performance propriamente dita é "liminar", como "ritos de transição", e o "esfriamento" e "desdobramentos" correspondem à fase "pós-liminar", tais como "ritos de incorporação" (ou "reintegração") (SILVA, 2005, p. 61).

Ainda em seu livro Between Theater and Anthropologyc Schechner escreve no capítulo Performers and Spectators Transported and Transformed, publicado em 2011 na revista Moringa sob o titulo Performers e Espectadores: Transportados e Transformados. Neste texto, Schechner aponta algumas etapas de uma performance e produz um gráfico que ilustra estas “características” de um momento performativo.

FIGURA 01 – Esquema das “etapas/caracteristicas” da performance para Schechner.

Partindo do gráfico apresentado neste texto, a performance apresenta apenas cinco etapas: preparação, aquecimento, performance, esfriamento e “tomar um drink”. Essas etapas estariam divididas em dois momentos temporais. O primeiro seria referente ao tempo ordinário, ou seja, o tempo do “comum”, correspondendo às etapas de preparação, aquecimento,

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Este artigo publicado na revista Cadernos de Campo (2011) é a tradução do texto Points of Contact between Anthropological and Theatrical Thoughtdo livro Between Theater and Anthropologyc de Schechner, publicado em 1985.

esfriamento e “tomar um drink”. O segundo momento temporal seria referente ao tempo do performativo, ou seja, o tempo transcorrido entre o início e o encerramento “oficial” da performance. Utilizo o termo oficial entre aspas para denotar os pontos de início e finalização, tidos comumente como início e final do ato da performance. Todavia, podemos notar pelo gráfico acima que a performance não acaba quando finaliza o tempo performático, assim a performance se estabelece em uma constante circularidade, estabelecendo relações perceptivas com o passado e um novo presente. Com base numa análise dessas duas propostas de etapas de uma performance, pude perceber que o gráfico que apresenta os cinco momentos da performance é mais conciso e compacto do que as sete etapas, pois, indiretamente, ele as reorganiza, suprimindo dois pontos que se encontram diretamente amalgamados com outro mais consistente. Com base numa análise dessas duas propostas de organização de uma performance - ora divididas em sete fases, ora divididas em apenas cinco, pude perceber que a proposta de organização de uma performance em cinco etapas é deveras mais concisa. Neste modelo de cinco etapas Schechner reorganiza a sequência total de uma performance, suprimindo dois pontos, estes se dissolvem em outros mais consistentes. As fases que foram reunidas em uma só foram: a fase de treinamento, workshops (oficinas) e de ensaios. Estas três fases encontrar-se-ão dentro de uma fase preparatória para o momento da performance. No momento do treinamento, o corpo e a mente do performer são preparados para as necessidades da performance. Essa etapa de treinamentos está intrinsecamente ligada à fase dos workshops, que são as oficinas de preparação do corpo e da performance, bem como à fase dos ensaios desta performance, ou seja, à preparação que o performer precisa ter para corresponder corretamente às “regras” da performance/ritual. Aplicados a um ritual específico, é possível que se encontre correspondência entre estas três fases e o momento do ritual. Proponho, contudo, que estas três etapas sejam resumidas na etapa de preparação, pois todas estas características nada mais são do que a preparação para o momento da performance. Sendo assim, utilizarei neste trabalho apenas as cinco fases apresentadas por Schechner no gráfico apresentado anteriormente. Pretendemos, então, propor uma “classificação” para as etapas “biológicas” do processamento das emoções, tentando uni-las com as cinco etapas da performance, para que possamos pensar a emoção no corpo humano, ou melhor, o teatro do detrás das emoções enquanto uma performance, ou enquanto pequenas performances do corpo humano.

Com base nas cinco etapas propostas por Schechner, proponho analisar a “preparação” como todo o momento anterior à performance, ou seja, o momento de constituição do ser emocionável, ou as características que corroboraram para que o ser humano fosse capaz de emocionar-se. O momento do aquecimento refere-se à organização da performance, ou aos preparativos cognitivos para a performance das emoções. O terceiro momento é o da “performance” em si, ou seja, o aparecimento da emoção como resposta física no meio externo. O quarto elemento é o “esfriamento”, que é o momento logo após à performance, entendido como o pensar sobre a emoção, ou melhor, sentir que se está tendo uma emoção, classificada por Damásio como Sentimento. E o quinto momento, o “tomar um drink”, é todo o processo entre o final de uma performance e o reinício da mesma, que sãoos apontamentos gerais sobre os reflexos das emoções, ou do pico de emoções no corpo. Apresentaremos, então, uma proposta de estudo das emoções, compreendidas enquanto performance, partindo destas características apresentadas por Schechner. Antes de seguirmos com a análise das emoções, enquanto estruturas performativas, apresentaremos alguns apontamentos sobre as emoções segundo Damásio. A neurociência moderna tem como um dos seus principais nomes o pesquisador português Antônio Damásio (1944), que em sua trilogia O Erro de Descartes (1996), O Mistério da Consciência (2000) e Em Busca de Espinosa (2004) tenta resolver os processos envolvidos na produção e compreensão das emoções e dos sentimentos, bem como os mistérios e processos envolvidos na produção da consciência e da razão. Ele separa inicialmente as emoções dos sentimentos, sendo os sentimentos considerados por ele como mais recentes no processo evolutivo. A neurociência determina que todas as reações perceptíveis por terceiros, sejam perceptíveis a olho nu ou percebidas através de modernos aparelhos de medição, são consideradas como modificações de emoção. Podemos classificar como emoções a contração de músculos, o enrubescimento ou empalidecimento da face, as reações endócrinas, as lágrimas, o aceleramento ou desaceleramento do coração e, até mesmo, o impulso de fugir de um perigo. A emoção, segundo a neurociência, é o processo pelo qual nós identificamos e reagimos ao mundo à nossa volta. Ao nos depararmos com uma cena do dia a dia nosso cérebro codifica os elementos desta cena em padrões mentais, ou em imagens mentais. Com base nas associações que nosso cérebro produz, saberemos, através dos sistemas reguladores biológicos, qual a melhor ação a ser realizada naquele momento. Os sistemas reguladores biológicos estão sempre escolhendo, com base nos padrões mentais, a emoção, ou melhor, a resposta física, que melhor responde a determinadas situações vivenciadas. Todas as emoções têm algum tipo de função reguladora a desempenhar.

A sobrevivência humana, desde seus idos pré-históricos, é regulada pela emoção. O “disparo” corporal que, em algum momento (sem que existisse qualquer tipo de cognição, razão ou consciência), levou nossos antepassados hominídeos a se protegerem ao se depararem pela primeira vez com a chuva, com os raios e com o fogo, é o mesmo que é acionado hoje ao percebermos que estamos sendo seguidos por alguém em uma rua escura. A etimologia da palavra emoção diz respeito ao ato de exteriorizar. Emoção significa literalmente “movimento para fora”, ou seja, as séries de reações físicas, perceptíveis a olho nu ou não, que acontecem constantemente em nosso corpo. Sendo assim, nas definições de Antônio Damásio, as emoções são uma

coleção de mudanças no estado do corpo que são induzidas numa infinidade de órgãos por meio das terminações das células nervosas sob o controle de um sistema cerebral dedicado, o qual responde ao conteúdo dos pensamentos relativos a uma determinada entidade ou acontecimento. […] a emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, com respostas dispositivas a esse processo, em sua maioria dirigida ao corpo propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro (núcleos neurotransmissores no tronco cerebral), resultando em alterações mentais adicionais. (DAMASIO, 1996, p. 168-169)

Sendo assim, as emoções são todas as coleções de reações que o nosso corpo é constantemente programado para utilizar. É importante frisarmos que, diferente das visões dos grandes pensadores do início do século XX, como William James, os mecanismos de reações das emoções não são pré-determinados, ou seja, não adaptamos reações inatas da mente a situações novas, pois a plasticidades dos neurônios6 e as novas experiências com neurônios espelhos7, demonstram que o cérebro é constantemente modificado, confirmando assim a ideia de que as respostas emocionais que são geradas por estes neurônios também são mutáveis, vide as sessões de terapia para minimizar o medo associado a momentos traumáticos. Os sentimentos são determinados por Damásio como sendo o processo de sentir uma emoção, ou melhor, o processo pelo qual tomamos consciência de um estado emotivo. É importante lembrarmos que as emoções são as reações físicas decorrentes das modificações no

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Numa forma abrangente, plasticidade neural pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e nas funções do sistema nervoso, que ocorre em qualquer estágio da ontogenia, como função de interações com o ambiente interno ou externo ou, ainda, como resultado de injúrias, de traumatismos ou de lesões que afetam o ambiente neural (Phelps, 1990apud FERRARI; FALEIROS; TOYODA, 2001, p. 188). 7 Os neurônios espelho foram descobertos por Rizzolatti e colaboradores na área pré-motora de macacos Rhesus na década de 90. […] Estes pesquisadores demonstraram que alguns neurônios da área F5, localizada no lobo frontal, que eram ativados quando o animal realizava um movimento com uma finalidade específica (tipo apanhar uma uva passa com os dedos) também eram ativados quando o animal observava um outro indivíduo (macaco ou ser humano) realizando a mesma tarefa (LAMEIRA GAWRYSZEWSKI, PEREIRA JR, 2006, p. 123-124).

Self Central, portanto uma resposta física às alterações. Os sentimentos compõem o processo pelo qual o cérebro modifica o mapa mental do corpo durante a emoção. Imaginemos o seguinte processo: o corpo recebe um estímulo externo e o cérebro codifica os códigos e produz uma reação específica, sendo esta uma emoção. Podemos não perceber esta emoção; porém, quando a imagem do corpo é modificada no cérebro, ou seja, o mapa corporal é reapresentado e comparado à imagem inicial, estamos iniciando o processo de um sentimento. As imagens iniciais são associadas às paisagens corporais e aos estímulos que continuam chegando a todo o momento. As imagens são cruzadas no cérebro e isto produz um sentimento, pois estamos sentindo, no sentido de percepção, a emoção. Nesse momento, com o cruzamento de dados no cérebro, associamos a determinados objetos e estímulos determinados sentimentos de emoção. Tendo apresentado as noções das emoções utilizadas nesta pesquisa, apresento a seguir os estudos que analisam as emoções e todos os processos apresentados aqui, correspondendoas com as cinco etapas supracitadas de uma performance. PREPARAÇÃO

Neste momento da preparação estão inseridas todas as etapas da vida do ser humano, e o processo evolutivo da mente desde os primeiros símios, dos quais somos descendentes diretos. Na fase de preparação encontra-se todo o processo de formatação das estruturas cerebrais, desde o aparecimento da consciência até as construções da vida em sociedade. Os primeiros traços de consciência possibilitaram o “inicio” do processo de evolução cerebral. Durante todo este processo, as emoções acentuam sua importância, pois podemos dizer que é devido a elas que a espécie humana sobreviveu e implementou as transformações do/no ambiente. Podemos dizer, ainda, que as emoções foram um dos fatores que contribuíram para as acepções modernas de comunidade, e quiçá da sociedade, pois a partir de seus reflexos formaram-se os grupos e perpetuaram-se as espécies. Todas as experiências pelas quais o sujeito passa ao longo de sua vida possibilitam a estruturação da performance das emoções. Podemos dizer, então, que a performance das emoções não é recente, pois podemos ampliar a preparação da mesma como toda a história da evolução do cérebro humano, uma vez que a complexidade das ligações mentais também foi se aperfeiçoando graças à interferência das emoções, tal como nós a compreendemos hoje.

Um exemplo disso é que, em sua origem, as estruturas de comunicação entre os neurônios eram bem mais simples que as ligações atuais, fazendo com que o organismo gerasse apenas respostas simples na relação com o ambiente. Ainda hoje podemos perceber, em organismos menos desenvolvidos, o que a neurociência chama de comportamentos. Os comportamentos podem ser classificados como as respostas espontâneas e/ou reativas de um organismo para com o ambiente, e podem ser encontrados até em seres unicelulares e sem cérebro. No início da vida do cérebro humano, as respostas eram bem aproximadas a estes comportamentos; todavia, com o aumento da complexidade do organismo humano, a comunicação entre os neurônios teve de ser expandida. Para tanto, outros neurônios foram interpostos entre os que existiam, fazendo com que o caminho entre os neurônios de estímulo e os neurônios de reposta fosse, aos poucos, ampliando sua complexidade. Esse processo de ampliação das respostas faz parte do que Charles Darwin denominou de processo de seleção natural, pois os organismos mais desenvolvidos e com melhores respostas ao ambiente poderiam avançar no processo evolutivo, sobrevivendo à ambientes e coisas diferentes. O acréscimo de neurônios nos sistemas de processamento do cérebro possibilitou a ampliação de nossa capacidade, gerando, com o tempo, os processos que levaram ao aparecimento da mente humana, bem como do pensamento. Todo este processo neuronal, de ampliação das capacidades, está dentro do escopo do aparecimento dos processos cognitivos humanos. Porém, neste estado inicial eles apenas ampliaram a complexidade dos comportamentos. Apesar de possuírem os primeiros traços de cognição, ou de uma maior primazia entre os estímulos e as respostas destes, os seres humanos ainda não apresentavam o requisito mínimo para o aparecimento da mente propriamente dita, que é a “capacidade de exibir imagens internamente e de ordenar essas imagens num processo chamado pensamento” (DAMÁSIO, 2006, p. 115). Sendo assim, todo o processo evolutivo da produção das estruturas cerebrais, bem como dos padrões que chamamos hoje de emoções, pode ser considerado como o de preparação da performance, que, neste caso, dura alguns milhões de anos.

AQUECIMENTO

A etapa do aquecimento já se encontra na condição atual do ser humano, pois classifico enquanto estado de aquecimento o processo de construção das imagens mentais. É através

destas imagens que aprendemos como reagir ao meio ambiente, oque, portanto, possibilita que tenhamos a emoção certa na hora certa, emoção esta que estará representada na próxima etapa. As imagens mentais são as representações do meio ambiente no cérebro. Elas têm como principal objetivo possibilitar que possamos reagir a estes estímulos. O que diferenciava as imagens mentais dos “primeiros descendentes cognitivos” dos seres humanos das nossas imagens atuais era a capacidade de armazenamento destas imagens, que foi se ampliando com os processos evolutivos, bem como as respostas a estas imagens, que foram tornando-se cada vez mais complexas. Hoje não atacamos outro ser ao nos sentirmos ameaçados por ele, tal como ainda fazem os animais, pois as estruturas sociais são absorvidas pelo cérebro, fazendo com que, a cada nova grande mudança do ciclo social humano, novas estruturas estejam sendo acrescentadas às antigas estruturas neuronais, gerando, assim, a infinidade de respostas sóciobiológicas que possuímos. Hoje já conseguimos filtrar as respostas, embora nem todas as nuances dos instintos tenham sido modificadas com a evolução. A forma de ataque frente à ameaça se modificou, pois nas sociedades modernas nem sempre atacamos fisicamente, mas mantemos uma série de competições sociais, de emoção, de status que podem ser consideradas como reflexos de nossos instintos de sobrevivência e defesa de nosso espaço. Contudo, as imagens mentais não devem ser pensadas como fotografias visuais na mente, uma vez que são constituídas das mais diversas formas, existindo, portanto, diversos tipos de imagens mentais. A palavra [imagem] também se refere a imagens sonoras, como as causadas pela música e pelo vento, e às imagens sômato-sensitivas, que Einstein usava na resolução mental de seus problemas – em seu inspirado relato, ele designou esses padrões como imagens musculares. As imagens de todas as modalidades “retratam” processos e entidades de todos os tipos, concreto e abstrato (DAMÁSIO, 2000, p. 402).

Imaginemos, agora, o som das ondas do mar, ou, ainda, o som de uma cachoeira ou de uma fonte. O som que está na sua mente, do arrebentar das ondas à beira-mar, é a imagem mental do som das ondas do mar. As imagens são construídas com base em nossas experiências diretas e indiretas, portanto, uma pessoa que mesmo nunca tendo conhecido de perto o mar, mas que já ouviu alguém comentando e tentando reproduzir o “tchuáar” das ondas do mar, armazenará informações acerca do som do mar, mesmo que a imagem sonora do som do mar seja estritamente mecânica. Sendo assim, é importante que atentemos para o fato de que a produção de imagens mentais é condicionada à experiência cultural do indivíduo. Alguém em

algum lugar isolado do Brasil, que nunca tenha visto o mar, ou não tenha entrado em contato com a sonoridade e nem mesmo com a ideia de mar, não conseguirá produzir nenhum tipo de imagem a este respeito, nem de sua cor, nem de seu som e nem de sua imensidão. Em condições normais o processo de produção de imagens no cérebro não tem pausa, excetuando-se o momento em que dormimos, desde que não sonhemos, pois o sonho também é uma construção de imagens mentais. Este é o motivo porque tantos sonhos parecem reais eles são construções que o cérebro fez com base nos parâmetros armazenados como substrato de nossas experiências, e, muito embora às vezes sonhemos com lugares que não conhecemos, estes são construções baseadas em um agrupamento de imagens evocadas. Nunca encontramos seres monstruosos na vida real tal como os que encontramos nos pesadelos, porém eles fazem parte da construção historiográfica de cada indivíduo. Percebe-se neste relato dois tipos diferentes de “aquecimento”, ou de imagens, sendo elas as Imagens Perceptivas, que são as imagens que você cria “ao vivo”, ao entrar em contato com o objeto. Neste momento, você consegue criar em sua mente a imagem perceptiva do texto que está lendo. O outro tipo de imagem são as chamadas Imagens Evocadas, que são as imagens mentais que criamos com base nas experiências que tivemos. As imagens evocadas são os resultados dos estágios de preparação do ser humano. Sendo assim, o processo de aquecimento também é referente às estruturas mais antigas e evolutivas do ser humano. Elas encontram-se, porém, num espaço mais próximo do ser que somos no momento presente, porque evoluem e se modificam em cada ser de formas diferentes. Desse modo, o “aquecimento” que prepara a performance das emoções é único para cada “performer”. PERFORMANCE O momento da “performance” é o estagio no qual, segundo o gráfico de Schechner, o performer ultrapassa a linha entre o ordinário e o performativo. Seria nesta etapa, então, que a performance responderia a tudo que a precedeu, acontecendo como reflexo do acúmulo dos fatores e características adquiridas nas etapas anteriores. O momento da performance no caso analisado neste trabalho é a própria realização da reação física, ou melhor, da reação emocional, a imagem criada no aquecimento. Em decorrência das diversas formatações e adequações anteriores, a etapa da performance tem como efeito o surgimento da emoção. Em resposta ao ambiente, o corpo cria a emoção que vem a ser classificada aqui como a performance. As emoções foram o que nos fez evoluir, trespassando longos períodos de frio

e calor, a necessidade do cultivo de alimento e a evolução das caçadas em grupo até o nosso atual churrasco de fim de semana como forma de interação comunitária. Todas estas modificações estão relacionadas à forma como o nosso cérebro, com seus mecanismos de regulação biológica, e com o passar do tempo, modificou nossas reações físicas. A performance equivale às emoções, estas reações físicas que nos auxiliam na interação com o meio ambiente e moldam as mais diversas relações entre os seres. Todavia, o processo das emoções utiliza o pensamento de forma bastante básica. Embora os processos de organização da mente tenham evoluído, ainda se utilizam mais das respostas físicas do que de construções mentais. O processo do sentimento utilizará mais efetivamente estados "superiores" da mente.

ESFRIAMENTO

Chamada aqui de Esfriamento, esta etapa é correlacionada com a etapa do sentir uma emoção, ou melhor, dizendo, a etapa do sentimento nos seres humanos. O sentimento é posterior à emoção, e pode ser considerado como o momento no qual pensamos a respeito do que acontece em nosso corpo. Como já foi dito, os sentimentos são determinados por Damásio como sendo o processo de sentir uma emoção, ou melhor, o processo pelo qual tomamos consciência de um estado emotivo. Sendo assim, o momento do esfriamento, no caso da performance das emoções, não seria um momento de retorno para um estado inicial, e sim um avanço para um estado “superior” de pensamento. Passamos a notar, neste momento do esfriamento, o que ocorreu em nosso corpo no curto ou nolongo tempo da performance/emoção. Os sentimentos são o processo pelo qual o cérebro modifica o mapa mental do corpo durante a emoção. O fato de associar o esfriamento ao momento do sentimento cria uma alusão à retirada de energia da ação, ou melhor, à diminuição da ebulição presente no momento da performance/emoção. Por serem consideravelmente físicas, as emoções são bem pouco analisadas no nível mental. Embora elas utilizem a mente e o pensamento, ou melhor, as imagens mentais, para serem “reguladas”, as emoções ainda têm conexões muito fortes com as precipitações físicas. A célebre frase “pense antes de agir” é bastante complexa para ser colocada em ação, pois não percebemos os sinais que nosso corpo está dando. Sendo assim, já “estouramos” e nem “pensamos” no que isto acarretará. Quando conseguimos passar pelo estado da emoção sem demonstrá-la, conseguimos adentrar no momento do esfriamento, onde nosso pensamento passa

a compreender o que nos levou a tal estado emocional, fazendo com que tenhamos pensamentos mais claros sobre as ações. Imaginemos o seguinte processo: o corpo recebe um estímulo externo e o cérebro codifica os códigos e produz uma reação específica, sendo esta uma emoção. Podemos não perceber esta emoção; porém, quando a imagem do corpo é modificada no cérebro, ou seja, o mapa corporal é reapresentado e comparado à imagem inicial, estamos iniciando o processo de sentir a emoção, ou de perceber a emoção. A paisagem corporal anterior à emoção é associada à paisagem corporalpós-emoção, fazendo com que o cérebro perceba as modificações que o estímulo inicial provocou no corpo.As imagens são cruzadas no cérebro e isto produz um sentimento, pois estamos sentindo, no sentido de percepção, a emoção. Neste momento, com o cruzamento de dados no cérebro, associamos a determinados objetos e estímulos determinados sentimentos de emoção. Por que somos capazes de chorar em momentos fúnebres, sem que tenhamos conhecimento algum de quem era o morto? Isso pode ser explicado, pois associamos as imagens que nos chegam com experiências passadas, o que pode rememorar estas imagens entrecruzadas, que trazem junto consigo uma série de conjunturas e reações. Daí, podemos chegar a chorar, ou somente nos sentirmos mal, sem que tenhamos nenhum conhecimento consciente do que estamos sentindo. Porém, somente conseguimos pensar sobre oque nos aconteceu numa etapa posterior, que pode ser chamada de “tomar um drink”, pois nesta etapa ultrapassaríamos o estado de pensamento alcançado pelo sentimento. “TOMAR UM DRINK” Nesta etapa das emoções passaríamos a compreender o que nos ocorreu deste a etapa inicial, a produção das imagens mentais, até o momento no qual o sentimento acaba, o esfriamento. Esta etapa não acontece em um momento próximo ao da emoção. Aqui estarão presentes os reflexos de todos os procedimentos anteriores, e conseguiremos, já nesta etapa, perceber oque nos levou a ter determinada emoção, bem como o que nos ocorreu a partir do momento em que começamos a experimentar o sentimento. Após um dia cansativo, com diversos percalços, estamos “à flor da pele”, ou melhor, podemos estar com altos índices de uma emoção de raiva. Diversas substâncias químicas são liberadas em nosso cérebro e nos fazem agir de formas diferentes. O processo de sentir um sentimento acontece quando nos damos conta que, em decorrência do acúmulo de

acontecimentos e das decorrências de sentimentos, chegamos acertos estados emocionais que nos levaram a ter certas atitudes. Este estado acontece entre o estado emocional que estamos vivendo e o próximo pico de um estado emocional. Sendo assim, a etapa “tomar um drink” encontra-se entre o pico de raiva que tivemos e as emoções que iremos ter. Esta etapa acontece, portanto, entre o estágio de aquecimento e o próximo estado de aquecimento para uma nova performance, ou emoção.

PENSAMENTOS CONCLUSIVOS

O texto apresentado é uma tentativa de correlacionarmos dois elementos desta pesquisa de mestrado: as emoções e os estudos da neurociência moderna e o campo plural e interdisciplinar das Performances Culturais. Este trabalho é uma tentativa de objetificação, pois as análises das emoções podem ficar centralizadas no campo das ideias, e através deste trabalho tento esboçar uma relação mais concreta entre estes dois assuntos, para que possamos dar início a um esboço do que virá a ser a relação entre as performances e os estudos das emoções nesta pesquisa de mestrado. As apresentações destas características servem para que possamos vislumbrar dois pontos importantes. O primeiro é a possibilidade de conexão entre os campos de análise da performance com os campos de estudo das ciências da saúde e biológicas. Além disto, tentamos neste texto apontar para características metodológicas das etapas de uma performance, pois, numa via paralela, apresentamos estes pontos de contato como uma ferramenta de apropriação e análise de estruturas performativas. Nosso papel, enquanto pesquisadores é o de compreender os escoamentos de sentido que aparecem nas representações objetivas, ou seja, compreendermos de que forma as emoções atuam sobre as construções do cotidiano, bem como a forma como elas devem ser vistas e compreendidas enquanto experiências do cotidiano. Este texto encontra-se em um momento de aquecimento, sendo a performance o momento de escrita e procedimentos de defesa da dissertação. Espero poder retomar este texto num momento pós esfriamento dos pensamentos do mestrado, e num momento posterior de “tomar um drink”, possa rever, comentar ou observar os andamentos do campo das performances em relação a compreensão das performances das emoções. Esperamos que este texto auxilie nas construções de nossos pensamentos sobre a formação das emoções, bem como as suas relações com o campo da performance. Além disso, pretendemos que este trabalho possa auxiliar futuros pesquisadores destes campos a vislumbrar

uma parte das imbricações de pensamentos que os pesquisadores do Mestrado Interdisciplinar em Performances Culturais da UFG fizeram nos primeiros anos de estudos do programa, para que possamos, posteriormente, entender os caminhos percorridos pelas performances culturais no Brasil.

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