Empresas em dificuldades e responsabilidade dos administradores

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EMPRESAS EM DIFICULDADES OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADES DOS ADMINISTRADORES

Índice

-

Introdução.

1.

Revisão dos termos da incriminação da falência no Código Penal para os crimes de: - insolvência dolosa; - falência não intencional; - favorecimento de credores.

2.

A Responsabilidade da Empresa e a Responsabilidade dos seus titulares, órgãos e agentes.

Alocução inserida no Seminário

Definir e Prevenir a Responsabilidade dos Administradores Hotel Meridien - Lisboa - 28/06/1995

Paulo Saragoça da Matta

2

INTRODUÇÃO

Ao contrário do que vulgarmente se costuma ouvir dizer, a dimensão do económico na vida social não é qualitativamente superior no Século XX face ao que foi nos Séculos que nos precederam. A essencial característica da vida económica dos nossos tempos não está tanto na maior dimensão das questões económicas, mas na sua complexidade.

Tão

relevante

para

um

Estado

actual

é

a

disciplina

do

mercado

bolsístico, como o era a regulamentação da exploração do comércio com a costa africana no tempo de D.João II. E o peso da ponderação de tais factores ditos económicos, é tão grande hoje na escolha dos instrumentos de regularização da vida social, como foi para o Marquês de Cadaval a disciplina da agricultura e a reestruturação do comércio vinícola com a Inglaterra.

Aquilo que distingue a nossa circunstância daquela que se oferecia aos nossos antepassados é antes o surgimento nos séculos XIX e XX de dois factores sucessivos e revolucionários: refiro-me ao aparecimento de uma nova categoria de sujeitos de direito; e ao desenvolvimento de novos processos técnicos de comunicação.

A nova categoria de sujeitos de direito, as pessoas morais, hoje chamadas de pessoas colectivas, implicou no seio do direito e da vida comercial em que emergiram, uma verdadeira revolução. Também aí as exigências da vida social impuseram ao Direito o esforço de adaptar conceitos, estruturas

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e institutos milenares, aos desejos e necessidades dos homens. Nos finais do século XIX e no início do século XX, a doutrina e a jurisprudência europeias continentais tiveram de passar muitas noites em claro na busca do quid , do quomodo

e do quando

de tais novas realidades jurídicas. Uma coisa era

certa, o direito não se podia alhear dessas novas necessidades e realidades, sob

pena

de

total

inutilidade.

Não

fôra

tal

esforço

consciente

no

enquadramento doutrinal e legal dessas novas figuras, e não teria sido o direito a saír vencedor desse duelo com a vida social. Antes teria sido esta a impor autoritariamente ao Direito a sua actualização ou condenação por inutilidade.

Antes de mais convém salientar que a personificação colectiva é uma das

diversas

vias

de

tutelar

interesses

não

exclusivamente

de

pessoas

individuais. Mas sendo o direito em regra pensado para os homens física e individualmente considerados, ao se pensar numa personalidade que não assenta nesse mesmo ser biológico, psíquico, espiritual e individual, problemas específicos surgem, que têm necessária e previamente que ser resolvidos.

A pessoa colectiva não assenta em nenhuma substância material, física, ou seja não tem realidade extra-jurídica. Razão pela qual também as pessoas colectivas carecem de tratamento jurídico não necessário para as pessoas ditas físicas. Daí a controvertida questão sobre a natureza jurídica das pessoas colectivas, com necessárias implicações no tipo de entendimento que delas se tem. Também a diversidade de manifestações em que as pessoas colectivas se apresentam, determinada pelos múltiplos fins que procuram atingir,

levam

a

que

se

pense

em

variados

regimes

jurídicos,

4

significativamente distintos. Mas a mais complexa questão que aqui se levanta, é a da relevância da personificação colectiva, como algo que se interpõe entre os indivíduos físicos que a compõem, e todos aqueles outros entes jurídicos com quem a pessoa colectiva se relaciona. As pessoas colectivas são criadas para se relacionarem no mundo do direito com outros entes jurídicos, singulares e colectivos, mas ao suceder tal, sempre se tem de perguntar qual o tipo de estatuto e de papel desempenham os indivíduos que participam na pessoa colectiva. Um sócio de uma sociedade por quotas está a relacionar-se com uma sociedade anónima com que aquela negoceia? Ou é apenas a sociedade por quotas que tem tal relação jurídica? E mais: comerciante é a sociedade comercial? E os seus sócios e gerentes, são comerciantes?

São todos os problemas que se discutem em sede de direito civil e comercial, e aos quais estes ramos de direito procuram dar resposta, criando regimes de imputação de responsabilidades ora ao ente colectivo ora aos indivíduos que o integram, e projectando os efeitos das relações jurídicas num desses dois polos de personalidade jurídica.

Os problemas agudizam-se quando temos de falar em responsabilidade não cível, nem administrativa, mas em problemas criminais. É que o direito penal assenta tradicionalmente em pressupostos que se encontram exclusivamente nas pessoas individuais, no Homem. Desde logo a milenar teoria da culpa, que só pela sua enunciação pressupõe que se esteja a falar de um ente dotado de ciência e vontade, atributos necessariamente humanos, insusceptíveis de existir sem o tal substrato físico-psíquico e espiritual da pessoa humana.

5

Mas

desde

logo

outros

problemas

se

perfilam:

a

reacção

penal

é

tradicionalmente vista como a inflição de um sofrimento ou de um gravame, em regra físico... ora sem suporte físico, é impossível causar um sofrimento, uma dor. Razão pela qual as penas detentivas, as penas corporais, a pena de morte, não são susceptíveis de ser aplicadas às pessoas colectivas, criando a maior dificuldade que se pode imaginar, quer em termos dogmáticos quer em termos de concreta resolução. Sobram as penas meramente pecuniárias ou económicas,

muitas

vezes

vistas,

por

preconceito

injustificável,

menos

características do direito penal. E outro problema de relevo surge: não sendo admissível nos Estados modernos a pena de morte, nem a morte civil, será de admitir uma pena pecuniária tão gravosa que implique a extinção da pessoa colectiva? Será de admitir como pena a obrigação de dissolução da pessoa colectiva "delinquente"?

Tudo

questões

interessantíssimas,

e

às

quais

ainda

se

não

deram

respostas definitivas, ou pelo menos maioritariamente aceites.

Paralelamente, durante o Século XX, deu-se a globalização das relações humanas, quer sociais, quer ideológicas, quer técnicas, quer económicas. Talvez só então os Estados, sempre virados sobre si próprios e sobre os egoísticos interesses, se tenham consciencializado da inexorabilidade do processo de globalização e interdependência das suas existências com os seus vizinhos. O fenómeno a que hoje se chama de aldeia global, trazendo benefícios inquestionáveis,

traz

também

dificuldades

por

hora

insuperáveis.

Sendo

benéfico fazer aplicações de capital em segundos na outra ponta do mundo, já o não será o facto de uma mudança política no cáucaso implicar queda de

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valores nas bolsas Ocidentais; é o bem conhecido fenómeno da borboleta de Pequim, que com um simples bater de asas provoca reflexos no mundo inteiro. Estes dois vectores de evolução, o da personificação colectiva e o da complexificação e globalização das relações humanas mundiais, não são por outro lado realidades já estáticas, que tenham ocorrido, mudado o mundo e desaparecido. Estamos ao invés no centro do furacão! Já se começam a sentir os ventos devastadores da mudança, mas as maiores convulsões estão por chegar. E se até aqui os expedientes de reacção aos problemas, quer expedientes intelectuais,

em

geral,

quer

jurídicos,

em

especial,

não

acompanhavam

capazmente a mudança, seguramente não acompanharão as mudanças mais radicais e vertiginosas que no novo século nos esperam.

Urge pois um repensar constante das soluções que cristalizámos, mas mais: é imperiosa uma atitude não estática, não dogmática, e essencialmente não

específica,

mas

generalista

e

tão

globalizante

quão

o

permita

a

inteligência humana. Só assim serão as soluções encontradas capazes de ser úteis aos homens, servindo-os verdadeiramente, de modo articulado, coerente e

eficaz.

Teremos

pois

de

nos

despojar

de

perconceitos

tradicionais,

abandonar aquilo que julgavamos os pontos cardeais e as verdades imutáveis do nosso pensamento, e repensar tudo outra vez. Um novo começo do homem para uma nova era, em que se fundirão todas as contribuições do passado comum da humanidade.

A mudança de alguns dos valores comuns vê-se também no mundo negocial. Enquanto até há pouco no domínio das relações de crédito, a preocupação da lei era assegurar tutela aos direitos dos credores, assegurando a realização

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coactiva da prestação devida ou proporcionar indemnizações ao lesado, hoje há uma nova preocupação: possibilitar vias de reabilitação patrimonial do insolvente. Consciencializou-se o legislador em boa hora da função social da empresa, e das devastadoras consequências sociais de uma cega vontade de destruír empresas em que o passivo supera o activo. Daí o processo de recuperação de empresas.

Ora como vimos, aos cientistas o que se pede é que tragam apenas aquilo que os forma, para que se afaste a inércia, se elimine o atrito e se conceba a mundividência do futuro.

Mostra humilde deste exercício global que a todos nos move, é o raciocinar sobre o significado, a fundamentação e a adequação das mudanças legislativas.

Hoje, aqui, preocupa-nos essencialmente a mudança, à face da lei Portuguesa,

do

entendimento

das

sociedades

e

do

estatuto

dos

seus

administradores. A mim em particular coube-me apresentar algumas conclusões sobre a situação das empresas em dificuldades. Sobre os estados patológicos, poderia dizer-se, especialmente no que concerne aos crimes de insolvência dolosa, falência não intencional e favorecimento de credores, e quanto à responsabilidade

subsidiária

da

Empresa

sociais. É pois o que passamos a abordar.

face

aos

titulares

dos

órgãos

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A INCRIMINAÇÃO DA FALÊNCIA NO CÓDIGO PENAL OS CRIMES DE INSOLVÊNCIA DOLOSA, FALÊNCIA NÃO INTENCIONAL E FAVORECIMENTO DE CREDORES

Generalidades

Cumpre

antes

de

mais

distinguir

duas

realidades:

a

situação

de

insolvência e a declaração de falência.

A insolvência é um estado, uma situação cuja verificação se pode operar por processos técnicos, cuja ocorrência, decorrente de factores variados, pode ser indiciada ou constatada por observação mais ou menos científica. Temos pois a insolvência como um estado em que o activo patrimonial da empresa não chega para cobrir o seu passivo. Na expressão do CPEREF, situação em que a Empresa "por carência de meios próprios e por falta de crédito, se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações".

Face a tal situação, quando reconhecida em juízo, há que ajuizar segundo o seguinte critério: a empresa pode ou não pode ser considerada economicamente viável? Se pode abre-se-lhe a hipótese de recorrer ao processo especial de recuperação

de

empresas.

Ao

invés,

a

empresa

insolvente

que

nenhuma

expectativa séria de salvação ofereça aos seus credores, deve seguir um outro processo especial, com vista à declaração de falência. E assim a falência é já um outro estatuto, decorrente do estado de

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insolvência,

mas

que

surge

apenas

por

decisão

jurisdicional,

e

com

particulares efeitos, quer no que concerne ao ressarcimento dos credores, quer no que respeita aos direitos dos seus trabalhadores, quer também quanto à responsabilidade dos seus órgãos sociais e sócios.

Porém, e apesar da diversidade dos dois processos, quer o saneamento, quer a queda, partem do mesmo estado: a situação de insolvência da empresa em

causa.

Por

outras

palavras,

falência

é

insolvência

acompanhada

de

inviabilidade económica futura. Assim o artigo 1º do CPEREF.

Passa a analisar-se sumariamente os tipos legais.

A-

I

A insolvência dolosa

Nos termos do Artº 227º do Código Penal revisto, é prevista e punida, com pena de prisão insolvência

até 3 anos, a verificação de uma situação de

judicialmente

reconhecida

causada

por

qualquer

um

dos

seguintes actos, que seguidamente analisaremos, considerados ilícitos.

Todas as descrições típicas do crime de insolvência dolosa se compõem de um elemento subjectivo existente no corpo inicial do artigo, de um elemento objectivo que consta do corpo final do artigo, e de um ou vários elementos objectivos constantes de cada uma das alíneas.

O tipo subjectivo do corpo inicial do artigo é referido como a intenção

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de prejudicar credores. Repare-se que aqui a efectiva causação de prejuízo não é exigida. O que se exige é que a actuação do agente seja determinada por uma certa finalidade, um certo objectivo. Visa o agente causar um prejuízo aos credores, e tal finalidade é ontologicamente constitutiva da acção. Nos crimes dolosos a finalidade tem que se projectar na acção, é uma vontade de realização que perpassa pela actuação material.

Agirá com dolo o agente que representar a materialidade e significado dos seus actos, e actue essa intenção de realização do acto, visando o objectivo a que se propôs. Logo, na falta desta intenção, que é um elemento subjectivo da ilicitude, a ilicitude não surge. Mas atenção: o prejuízo não pertence ao conceito do crime. Por outro lado, faltando a consciência (representação) da prática de tais actos, ou faltando a vontade (volição) de realização dos mesmos, não há dolo, e o tipo de crime ora em análise não se preenche. Nos termos gerais da lei penal, o dolo não tem necessariamente que ser directo, podendo ser simplesmente necessário ou até eventual, para que se considere dolosamente praticado o facto típico. Difícil será distinguir a prática dos actos descritos com

dolo

eventual

da

sua

prática

com

negligência

consciente.

E

sobremaneira importante será tal distinção, uma vez que sendo crime doloso, a mera negligência não leva à punição.

Por outro lado é de referir que este crime não é um crime de mera actividade ou formal. Não basta a conduta do agente num ou noutro sentido para

que

o

tipo

objectivo

se

preencha.

Necessário

é

que

surja

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efectivamente a destruição, a danificação, a inutilização, a efectiva diminuição do activo, a criação artificial de prejuízos, a compra efectiva de mercadorias a crédito. Não basta o desenvolver de actividades susceptíveis de conduzir a tais fins. Ou seja, é um crime necessariamente de resultado, neste sentido, e ainda no sentido de que a situação de insolvência surja e venha a ser judicialmente declarada.

Este elemento, verificação de situação de insolvência e sua declaração judicial penso ser também elemento objectivo do tipo em causa, pelo que não se verificando não se preenche o tipo objectivo. Ao invés, se se considerar condição de punibilidade, então temos desde logo um crime, mesmo sem o preenchimento de tal condicionalismo, crime esse todavia não punido por falta desta condição de punibilidade.

Tem de haver um específico tipo de actuação do agente sobre o bem jurídico protegido, em termos de lesão efectiva desse bem.

Há agora que ver os sub-tipos objectivos do crime de insolvência dolosa:

a)

Destruir, danificar, inutilizar ou fazer desaparecer "parte" do património;

Nesta definição objectiva do tipo encontramos uma descrição dos actos susceptíveis de ser considerados como de execução do crime, encontrando também a identificação do objecto da actuação do agente. Todavia é curioso notar que o tipo apenas compreende ataques contra parte do património. Então ficarão de fora aqueles mesmos actos quando abrajam a

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totalidade do património?

Em bom rigor, e mercê do princípio da precisão típica constitucionalmente imposto sobre as normas penais, outra não pode ser a conclusão, não sendo de carrear para a interpretação de normas penais argumentos de paridade ou maioria de razão.

Qui çá

por lapso do legislador refere apenas "parte", mas mercê desse

princípio da tipicidade então sibi imputet , considerando eu duvidoso que seja de punir qualquer dos actos referidos quando tenham por objecto a totalidade do património.

Verificado, pela actuação do agente, um comportamento subsumível a esta alínea,

e

vindo

a

ocorrer

situação

de

insolvência

declarada

judicialmente, está preenchido ao que julgo o tipo objectivo.

Restará aferir do preenchimento do elemento subjectivo da ilicitude, intenção de causar prejuízo, e da existência de dolo de destruição, danificação, inutilização ou sonegação de parte do património, para que o crime se complete.

b)

Diminuir ficticiamente o activo, quer pela dissimulação de coisas, pela invocação de dívidas "supostas", pelo reconhecimento de créditos fictícios, ou pelo incitamento a terceiros de que apresentem créditos fictícios.

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Aqui temos um tipo objectivo altamente complexo e exaustivo. A conduta típica de base é a diminuição fictícia do activo. Também aqui temos um crime em que tem que se verificar um resultado, pois não basta mera actividade tendente a diminuir o activo, mas uma verificada diminuição fictícia desse activo. Poderá aqui falar-se num crime de dano, por ter de se violar o bem jurídico protegido, que será aqui a veracidade da escrituração empresarial? Ou poderá antes considerar-se que a diminuição fictícia do activo é um modo indirecto de tutelar os créditos de terceiros, e nestes termos esta concreta conduta criminosa pode ser vista como perigosa, em relação à tutela desses terceiros? É duvidoso.

De salientar também que a utilização do advérbio "ficticiamente" traduz o apelo a um elemento normativo do tipo. O que seja "fictício" tem de se procurar nas regras contabilísticas de apresentação de resultados.

Todavia este resultado criminoso, considerando que há aqui um evento na diminuição fictícia do activo, pode ser atingido pelas diversíssimas formas ou actividades elencadas na alínea b) deste artigo 227º nº 1. Algo tautológica, quando comparada com a diminuição fictícia do activo, é a referência a simulação de situação patrimonial inferior à realidade, também ela atingível por vias diversas, desde a contabilidade inexacta, ao falso balanço, à destruição ou ocultação documentos contabilísticos, etc...

Penso porém que a repetição, apesar de desnecessária, não gera qualquer problema de maior. Repare-se ainda que a conduta principal se encontra

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identificada

pela

utilização

do

presente

do

indicativo

(diminuir)

enquanto que os meios para atingir tal fim são enumerados com utilização do gerúndio (dissimulando, invocando, simulando, etc...).

De referir também que no final da alínea b) nos aparece uma referência que podia levar a pensar estarmos face a um crime omissivo puro: a não organização de contabilidade devida. Talvez não seja fácil imaginar como se possa diminuir o activo não organizando a contabilidade devida. Repare-se que não se fala em escrituração mas em organização, o que parece pressupor total omissão de estrutura contabilística. Ora essa via não me parece ser especialmente idónea para diminuir o activo, mas genericamente uma conduta perigosa pela potencialidade de lesionar o bem jurídico

"créditos

de

terceiros".

E

também

não

parece

ser

esse

comportamento omissivo especialmente apto a simular situação patrimonial inferior à realidade. É que simular significa alterar a realidade. Ora nada fazendo em termos de organização contabilística, não se altera a realidade, apenas não se permite o seu conhecimento.

Tudo isto é de difícil enquadramento e solução. Todavia uma coisa é certa: a simples não organização de contabilidade devida não chega para se considerar preenchido este tipo de crime, tendo de se demonstrar que com tal actividade se visava simular situação patrimonial inferior à realidade ou diminuir ficticiamente o activo.

Por fim, também aqui, como antes, têm de estar verificados o dolo (consciência e vontade da prática dos actos na sua materialidade e

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sentido) e o elemento subjectivo da ilicitude constituído pela intenção de prejudicar os credores. Conclui-se como acima vimos.

c)

Artificialmente criar ou agravar prejuízos ou reduzir lucros; Com este sub-tipo de crime, e face ao que vimos de ver, instala-se a confusão na interpretação do artigo 227º do Código Penal. É que no tipo que acabámos de ver, notámos não só a referência à diminuição fictícia do activo como à simulação de situação patrimonial inferior à realidade.

Ora não será a criação e o agravamento artificiais de prejuízos uma forma directa de simular uma situação patrimonial inferior à realidade? E do mesmo passo, e por relatividade, não se estará com isso a diminuir ficticiamente o activo? Parece inquestionável que sim!

Mas as perplexidades aumentam com a segunda parte da alínea c): é que reduzir lucros é necessariamente diminuir o activo, pelo menos quando entendido globalmente. E com isso, do mesmo passo, estar-se-á a simular situação patrimonial inferior à realidade.

Não se compreende pois qual a autonomia da alínea c) face à exaustiva enumeração da alínea b). Terá talvez o legislador querido prever todas as situações, seja a manipulação sobre lado activo da escrituração contabilística, seja do lado passivo. Todavia, ao utilizar conceitos e fórmulas tão latos de ambos os lados, acaba por duplicar a protecção sobre

as

mesmas

realidades.



que

aguardar

esclarecimento

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jurisprudencial e doutrinal sólido destas questões.

Quanto ao mais remete-se para o que atrás se disse.

d)

Comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, para retardar a falência;

Este sub-tipo do crime de insolvência dolosa levanta muito maiores objecções. Não, claro está, quanto à circunscrição da actividade: compra de

mercadorias

a

crédito.

Aqui

a

actividade

está

perfeitamente

identificada, sendo naturalmente de exigir a efectiva conclusão do negócio aquisitivo em referência.

Problemas põem-se é quanto aos fins, imediato e mediato, exigidos ao agente do crime. Imediatamente deve o agente adquirir com o fim de vender ou utilizar em pagamento de dívidas que tenha; mediatamente deve visar o adiamento da falência.

Ora, sendo este crime um crime doloso, como vimos, ter-se-á de exigir ao agente esta intencionalidade complexa. A aquisição de mercadorias a crédito deve ser motivada por esse duplo fim. Logo na aquisição deverá o agente representar, agir voluntariamente e visar a venda ou utilização em pagamento dessas mercadorias. E mais, que tal venda ou utilização seja projectada em moldes de vir a ser feita a preço sensivelmente

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inferior

ao

corrente.



indubitavelmente

um

dolo

específico,

ou

melhor... mais que específico: pré-ordenado a esta cadeia causal. E uma questão desde já se levanta: é necessária a aptidão objectiva de tais expedientes para retardar a falência? ou bastará a sua aptidão do ponto de vista dos planos do agente? Deixa-se à discussão!

Também de entendimento menos linear é a utilização da expressão "preço sensivelmente inferior ao corrente". Sensivelmente significa aqui "um pouco" ou "muito"? É que sensivelmente tanto pode querer significar que basta que seja notável, perceptível, por pequena que seja a diferença, como pode querer significar que tem de ser diferença algo relevante. E naturalmente

que

este

problema

interpretativo

pode

gerar

graves

injustiças na aplicação da lei penal.

II

Por fim resta salientar que a pena cominada é de prisão até 3 anos ou de multa. Estranhamente não quantifica o legislador o limite máximo da pena de multa. Conduta tanto mais estranha quando nunca nos demais crimes previstos deixa de o fazer. Fica o julgador com o poder arbitrário e incontrolado interpretativa

de

fixar pode

multas

suprir

o

a

seu

lapso

bel

prazer?

legislativo.

Nenhuma Assim,

tarefa

sendo

a

integração analógica proibida em direito penal, e por via dos artigos 29º, nº 1 e 30º, nº 1 da Constituição, deve ter-se por claramente inconstitucional o disposto na parte final do corpo do artigo 227º, nº 1. A ser assim, se não houver nenhuma rectificação do texto legal do Código

Penal

até

à

sua

entrada

em

vigor,

e

sendo

declarado

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inconstitucional este artigo, serão descriminalizadas as insolvências dolosas, até ao refazer legislativo deste tipo de crime.

Lapso do legislador que é capaz todavia de já estar em vias de ser reparado.

É também de referir que anteriormente, para a verificação do tipo de crime equivalente ao que agora se está a analisar, era necessária a declaração da falência. Ao invés hoje basta a verificação da situação de insolvência e sua declaração judicial, com indiciação de ter resultado de algum ou alguns dos actos indicados. Porém, caso venha a ser declarada a falência, e caso ela tenha decorrido de qualquer dos factos que vimos atrás, então temos uma nova moldura das penas, que podem elevar-se até 5 anos de prisão e até 600 dias de multa. Pode dizer-se que estamos face a um crime base e a uma figura de agravamento pelo resultado.

Tal é perfeitamente coerente com o facto de a falência não ser mais do que um estado de insolvência, judicialmente reconhecido, acrescido da inviabilidade económica da empresa, inviabilidade essa que terá também de ser declarada. Verificado este resultado, a acusação do Ministério Público não poderá deixar de ser efectuada sob esta nova previsão legal.

III

Face ao nº 3 do artigo 227º, levanta-se o problema da participação criminosa, e da conjugação desta matéria com o artigo 27º do Código Penal, que por muito específica aqui se não aborda.

19

Todavia repare-se que se pode com isto concluír que estamos face a um crime dito específico, ou seja, aquele que exige na pessoa do agente determinadas

qualidades,

juridicamente

definida.

ou

Neste

a

titularidade

caso

a

situação

de de

certa ente

situação

empresarial

devedor. E é crime específico impróprio, pois mesmo terceiros não detentores de tal qualidade ou situação podem também praticar o crime.

Há porém que salientar que a circunscrição do tipo de crime relativo a terceiros não é exactamente igual ao tipo previsto para os devedores. Um novo elemento acresce: que o devedor conheça a prática de tais actos ou que os actos resultem em benefício do devedor.

Todas as dificuldades que já se enumeraram ganham maior acuidade quando se procurar subsumir a conduta do terceiro ao tipo legal.

IV

Por último existe um tipo autónomo de crime para o concordatado (sujeito bem definido por remissão para outras disposições, não penais, do código) que não justificar a regular aplicação dada aos valores do activo existentes à data da providência. Estamos face a um tipo penal omissivo puro, que quanto aos elementos objectivos do tipo não parece levantar questões de especial monta, e que quanto aos elementos subjectivos se rege por tudo quanto deixámos dito sobre o dolo do agente do crime de insolvência dolosa.

20

V

Tudo visto deve concluír-se dizendo que a epígrafe do artigo 227º devia ser antes insolvência e falência dolosas, mercê da distinção entre os seus nºs 1 e 2.

B-

A falência não intencional

No novo Artº 228º do Código Penal revisto, pune-se com penas de prisão até um ano ou de multa até 120 dias, a própria incapacidade de gestão do devedor.

Assim,

aquele

devedor

que

"por

grave

incúria

ou

imprudência,

prodigalidade ou despesas manifestamente exageradas, especulações ruinosas ou grave negligência no exercício da sua actividade criar um estado de insolvência, é punido, se a falência vier a ser declarada".

Aqui

a

situação

de

insolvência

é

apenas

instrumental,

devendo

a

falência ser declarada para que se preencha o tipo de crime em causa. O tipo é circunscrito com recurso a uma série de elementos descritivos e normativos, e aqui já não se exige dolo na prática de quaisquer factos, mas apenas a negligência grave. Atendendo ao facto de se tratar de um crime próprio, e por confronto com o artigo 15º do Código Penal, uma vez que o agente está obrigado a especiais deveres de cuidado mercê das circunstâncias em que se move,

parece

que

toda

a

negligência

será

em

regra

indesculpável, sendo a excepção a negligência aceitável.

C-

O favorecimento de credores.

grosseira,

grave

e

21

O favorecimento de credores, nos novos termos do Artº 229º do Código Penal, é punido com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias caso venha a ser declarada a falência, e com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, caso venha a ser judicialmente reconhecida a insolvência.

O tipo objectivo do crime é aqui circunscrito através da referência aos factos de o devedor solver dívidas ainda não vencidas, solver dívidas através de meios de pagamento não usuais ou der garantias a dívidas suas a que não era obrigado.

Além de utilizar uma estrutura morfológica, sintática e gramatical dificilmente considerável como Português compreensível, este tipo traz outros problemas: "as solver" refere-se a dívidas não vencidas ou a dívidas em geral? Logicamente só se pode referir às dívidas em geral, porque senão haveria duplicação da mesma realidade com perda de sentido da segunda referência; também de difícil compreensão é a expressão "der garantias para suas dívidas a que não era obrigado", não só mercê da estrutura frásica, mas principalmente por nem sempre ser fácil de saber se o devedor é ou não e de que formas "obrigado" a dar garantias às suas dívidas.

O tipo, por este lado, parece-me ser demasiadamente lato e impreciso, o que pode trazer complicações.

Quanto ao tipo subjectivo, é aqui de se exigir não só o conhecimento da situação de insolvência, definida nos termos do artigo 3º do CPEREF, mas ainda a intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros. Aqui o

22

elemento subjectivo da ilicitude é ainda mais rebuscado... não basta a intenção de prejudicar credores, sendo necessariamente de exigir a intenção cumulativa de beneficiar outros credores.

Equivalente ao conhecimento da situação de insolvência, é a previsão da iminência de tal situação.

Em ambos os casos tem de haver naturalmente, nos termos gerais, a representação de tais situações, a representação do sentido e alcance dos actos materiais praticados, e a intenção atrás indicada, actuando-se esta intenção com o propósito de a realizar.

D-

Conclusão.

Com tantas imprecisões legais, com uma letra tão fluída e indefinida, com um espírito do legislador que é desconhecido do intérprete, parece difícil aos devedores continuar a gerir as suas empresas e negócios sem que acabem por praticar uma das infracções de que aqui falámos. Felizmente porém, e com excepção da falência negligente ou não intencional, todos os crimes são dolosos, o que de alguma forma resguarda os cidadãos da senha penalizadora do legislador. Todavia, as naturais dificuldades de prova nestes domínios podem ser prejudiciais aos arguidos nestes processos criminais, restando-lhe apelar para os princípios processuais penais, quando apesar da prova subsista alguma dúvida sobre os factos ou sobre a culpa do agente. Por outro lado, o modo como os processos falimentares hoje vêm legalmente regulados, podem,

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pela demora que poderão ter enquanto processos judiciais que são, vir a prejudicar a posição processual dos arguidos nos crimes referidos: a prova da respectiva defesa entretanto dissipou-se; ninguém com competência técnica cristalizou a “verdade” da empresa no momento certo; ninguém especialmente dotado de poderes “policiais” assegura que a empresa é intocada após a detecção da situação de chute (seria, qui çá, atribuição a cometer à polícia judiciária, ou a corpo especializado administrativo ou policial – v.g. food and drink agency dos EUA).

24

A RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E A RESPONSABILIDADE DOS SEUS TITULARES, ÓRGÃOS E AGENTES

I

Estatui o artigo 11º do Código Penal

que em regra só

as

pessoas

singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. Isto mercê do princípio

de

que

a

culpa,

como

vontade

consciente

e

livre,

é

exclusivamente humana e pressuposto da responsabilidade penal.

Ora, se o devedor, nos crimes que analisámos, fosse uma pessoa colectiva, este

princípio

implicaria

que

estariam

livres

de

qualquer

responsabilidade criminal quer o ente colectivo quer os indivíduos que no nome e interesse do ente colectivo actuassem, até porque em rigor eles não eram o devedor: devedor era o ente colectivo.

Todavia no artigo 12º do Código Penal cria-se uma lata excepção, que permite punir como agente dos crimes de insolvência dolosa, falência dolosa ou negligente e de favorecimento de credores, os administradores das empresas. Diz este artigo que quem aja voluntariamente como titular dos órgãos de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, é punível mesmo quando o tipo de crime exija elementos pessoais determinados

e

estes



se

verifiquem

na

pessoa

do

representado;

igualmente será punido o agente que pratique o facto criminoso, mesmo quando a lei exija que o agente o pratique no seu interesse, desde que o representante actue no interesse do representado.

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Assim,

mesmo tratando-se de um crime em que seja exigido um especial

elemento pessoal do tipo, v.g. a situação de devedor, e que devedor seja o ente colectivo, será punido o seu administrador como autor do crime, por força conjugada dos artigos 12º do CP e da respectiva previsão típica do crime em causa.

Igualmente será punido o administrador, apesar de estar a actuar no interesse da empresa, e a lei exigir que o agente actue no interesse próprio (12º, nº 1 alínea b).

O artigo 12º serve pois para alargar a noção de agentes do crime.

Mas atenção: o acto constitutivo da relação de representação tem que ser um acto existente, mesmo que ineficaz.

Ou seja: não só impendem sobre os administradores da empresa todas as obrigações decorrentes da regulamentação geral dos processos especiais de recuperação de empresas e de falência, como por exemplo o dever de apresentação à falência previsto no artigo 6º do CPEREF (artigo 7º do mesmo diploma), mas também impendem sobre eles as ameaças penais que vimos estarem cominadas (cfr. Capítulo I, Secção D retro).

Na verdade nem poderia ser de outra forma: o ente colectivo não tem consciência nem vontade distintas das dos titulares dos seus órgãos. Só estes representam os actos, seus significados e consequências, e só eles

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são susceptíveis de gerar a vontade necessária para se falar em actuação prática de uma intenção. Os elementos subjectivos da ilicitude também só nos titulares dos órgãos se podem verificar.

II

Assim, as alterações referidas e analisadas nos números anteriores poderão acarretar consequências negativas para a actividade económica do país, face às acrescidas responsabilidades de carácter pessoal que passam a incidir sobre os administradores e gerentes das empresas.

Na verdade, todo o exercício de uma actividade comercial envolve uma significativa dose de risco de fracasso. Com o presente diploma agravase de modo exagerado e perigoso a responsabilidade de tal exercício empresarial e administrativo; toda a incidência criminal é dirigida como modo de atemorizar os administradores das empresas, e, consequentemente, pode levar a temer o risco que é inerente ao exercício da actividade económica, desmotivando e dificultando a iniciativa económica privada garantida pela Constituição.

A nebulosa fronteira do lícito e do ilícito fica entregue à prudência dos julgadores e dependente do bom funcionamento do sistema judicial e da investigação judiciária.

Porém não poderia, segundo penso, arriscar-se uma total despenalização destas condutas, não só porque se trata de actos relevantes em termos de potencialidade danosa para os concretos credores que com a empresa

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se relacionam, mas também dada a perigosidade social geral de tais actos. Dada a intensa inter-relação nas relações económicas da actualidade, uma despenalização poderia ser prejudicial em termos de prevenção geral, e potenciar condutas nefastas com necessária repercussão na economia geral de um país ou de uma área geo-económica.

III

Por outro lado, o novo CPEREF, ao salientar que a empresa tem dimensão social, implica que seja estabelecida uma mais vigorosa configuração dos deveres jurídicos das empresas e dos seus administradores, deveres esses que se repercutem naturalmente na área criminal relacionada com a insolvência e com a falência.

O Decreto-Lei 132/93 vem ainda estabelecer um pesado regime de efeitos da falência em relação ao falido, procurando assim colmatar uma alegada impunidade que muitos imputavam ao regime anterior (cfr. Cap. IV). Porém, e como dissemos, o terror penal pode muito bem resultar num maior prejuízo para as actividades económicas do que para a salvaguarda da sua existência, levando os administradores a temerem a assumpção do risco empresarial conatural ao exercício de tais actividades.

IV

No que respeita aos efeitos da declaração de falência em relação ao falido (secção I do Capítulo IV - Artºs 147º e segs.9) há a salientar que o falido fica imediatamente privado, por si, ou no caso de sociedade ou

pessoa

colectiva,

pelos

órgãos

que

o

representem,

do

poder

de

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administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros,

os

quais

passam

a

integrar

a

massa

falida,

sujeita

à

administração e poder de disposição do liquidatário judicial, que assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência.

Do exposto resulta que o estado de falido decorrente de uma declaração judicial de falência afecta, sob o ponto de vista do exercício de direitos, as pessoas, que não apenas os comerciantes, que se encontram nessas situações. O falido, ou no caso de sociedade ou pessoa colectiva, os seus administradores, não pode praticar quaisquer actos que possam prejudicar a massa falida, ou seja, os credores a cuja satisfação ela se destina.

Somente no caso de o falido ser pessoa singular é possível, mediante autorização do Juíz sob proposta do interessado ou do liquidatário judicial, exercer o comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação

privada

de

actividade

económica,

empresa

pública

ou

cooperativa, desde que a autorização se justifique pela necessidade de angariar meios indispensáveis de subsistência e não prejudique a boa liquidação da massa.

V

Por fim, há que lembrar o regime de indemnização por perdas e danos emergentes de um crime. A matéria está em geral prevista nos artigos

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129º e 130º do Código Penal revisto.

A responsabilidade civil não sofre aqui quaisquer desvios face às regras gerais de direito civil. Responsável pela indemnização ou reparação do mal pecuniário do crime será naturalmente o ente colectivo, salvo se o seu titular, órgão ou agente agiu sem ser no interesse colectivo, fora do âmbito dessa relação funcional, ou até contra deliberações "da empresa".

Maiores dúvidas levanta a responsabilidade criminal propriamente dita.

Como vimos a responsabilidade criminal impende sobre o ente devedor, ou seja o ente colectivo, e por via do artigo 12º do Código Penal sobre os seus administradores. A única diferença é que as penas privativas da liberdade por natureza só são inflingíveis aos administradores, enquanto que

as

penas

colectivo.

Mas

de

multa

aqui



são

susceptíveis

nuances

subtis

de a

ser

fazer.

aplicadas O

ente

ao

ente

colectivo

responderá em primeira linha pela pena de multa judicialmente fixada? Ou será sempre o seu administrador que responderá? A solução parece dever ser encontrada com recurso à letra da lei e ao imprescindível bom senso jurídico.

A incriminação fala em devedor, não podendo deixar de se compreender na circunscrição assim feita quer os devedores individuais quer os entes colectivos. Assim se ultrapassaria a barreira do artigo 11º do Código Penal, e se estaria a par do rigoroso conceito de "devedor". Nas relações

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do ente colectivo com os seus credores, quem deve não é o administrador, é

o

ente

colectivo.

Logo

ele

seria

o

responsável

criminal.

A

responsabilidade criminal dos seus administradores obtém-se por via do referido alargamento do artigo 12º do Código Penal. Sendo assim, pela pena de multa, responsável deveria ser quer o ente colectivo

quer

judicialmente,

o nada

seu

administrador,

repugnando

que

em

consoante regra

fosse

respondesse

fixado o

ente

colectivo, visto ser no seu nome e interesse que o agente individual havia actuado. Todavia a solução é duvidosa, e até pode ser injusta, pois ficaria nas mãos do julgador, ao fixar o tipo de pena (prisão ou multa, já que a lei as põe em alternativa e à escolha do aplicador), escolher se prende o administrador ou se multa a pessoa colectiva. Porém, dada a prioridade da multa sobre a prisão, deveria considerar-se, até em favor dos arguidos, e atendendo ao caso concreto, que em regra respondesse criminalmente pela multa o ente colectivo.

Talvez a prática infirme este juízo, até pela repercussão social das penas criminais, e pelo desejo das instâncias formais de controle penal em serem exemplares no castigo a este tipo de delinquência de colarinho branco. Até porque nos crimes que analisámos se exigem variados elementos subjectivos, o que indicia que foram delineados em função dos sujeitos individuais. Não havendo no Código Penal disposições análogas às do Decreto Lei nº 28/84 (delitos contra a economia), e mercê do artigo 11º do Código Penal, poderemos talvez antever que a jurisprudência se encaminhará pela punição criminal exclusiva dos administradores das pessoas colectivas.

31

NOTA: Este trabalho integra-se num estudo mais amplo em vias de execução, razão pela qual não devem ser feitas utilizações quer parciais quer totais, do contúdo do mesmo

Lisboa, 28 de Junho de 1995

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