EMPRÉSTIMO BANCÁRIO COMO FRAUDE NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

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EMPRÉSTIMO BANCÁRIO COMO FRAUDE NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

Alexandre Pedro Moura D’Almeida1 Julho/2014. RESUMO A principal atividade bancária é a mercantilização do crédito e tal fato se dá dentro de uma estrutura conhecida como Sistema Financeiro Nacional. O Sistema Financeiro Nacional cria as regras às quais os bancos devem seguir obrigatoriamente. A moeda é o bem que participa de todas as atividades bancárias e financeiras, sendo por meio do empréstimo que o banco realiza a sua função creditícia. A escola austríaca de economia diz que os bancos modernos “criam do nada” o dinheiro utilizado na sua atividade e que tal fato é a maior fraude dos últimos séculos. O Sistema Financeiro Nacional é protegido do ponto de vista criminal pela lei 8.492/86 que fundamentalmente quer combater qualquer tipo de fraude no interior do sistema garantindo a higidez do mesmo. A interseção entre as dogmáticas jurídica e econômica sobre o tema é de relevância imprescindível para a qualidade do Sistema Financeiro Nacional nos objetivos coletivos que a Constituição Federal consagrou.

Palavras-chave: Direito Penal. Direito Econômico. Sistema Financeiro Nacional. Empréstimo Bancário. 1

Graduado em Direito pela Universidade Veiga de Almeida – UVA; pós-graduando em Direito e Processo Penal; Advogado.

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1. INTRODUÇÃO

Sobre a justificativa de romper com as injustiças provocadas pelo liberalismo e o individualismo capitalista, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), seguindo a tradição de Constituições anteriores, intervém na Ordem Econômica. Tal intervenção se dá com a criação de princípios norteadores para toda atividade econômica no território nacional, com a imposição de limites à atuação do Estado na atividade econômica, com a definição de monopólios estatais de certas atividades econômicas, com a fiscalização e a regulamentação da atividade econômica nacional. O Sistema Financeiro Nacional (SFN) é alvo de proteção por parte da CRFB/88, apesar do assunto ser tratado em um único artigo, situando-se dentro do título destinado à Ordem Econômica, fazendo parte dela e estando sujeito aos princípios inerentes a toda atividade econômica no território nacional. O Sistema Financeiro desempenha papel crucial em qualquer nação do mundo, tendo o poder de alavancar ou até mesmo destruir aquela economia. No centro de toda operação financeira a moeda é o bem que se destaca. No Brasil a moeda oficial é o Real, criado pela Lei 9.069/95 no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O Real é uma moeda instituída juridicamente, o que significa dizer que se trata de uma moeda criada e imposta pelo Estado. Ainda que instituída juridicamente, a moeda cumpre o seu papel econômico. Juridicamente a moeda é classificada como um bem fungível e é vista constantemente como um meio de pagamento, economicamente a moeda pode ser analisada como qualquer outro bem existente no mercado, estando sujeitos aos princípios e regras de análise econômica, como a lei da oferta e da demanda. A moeda é também protegida pelo SFN, quanto a sua quantidade e qualidade. A moeda possui grande relevância importante para ciência econômica, no universo jurídico, mereceu também destaque na CRFB/88. Dentro do SFN é o Banco Central do Brasil (BACEN) que detém o dever de manter o seu valor e de evitar a sua inflação. Com o intuito de proteger a moeda e o SFN, o Código penal e a Lei 7.492/86 criminalizam atos que possam vir a prejudicar a higidez da moeda e do bom funcionamento do SFN. Historicamente, os maiores ataques à moeda podem ser resumidos ao gênero da fraude. A fraude contra a moeda classicamente consiste na contrafação, ato no qual se reproduz a moeda falsamente. No Âmbito do Sistema Financeiro Nacional, a fraude também aparece enquanto gênero ou em uma das suas espécies.

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A fraude, de maneira geral, é encarada no universo jurídico como um meio enganoso de se obter uma vantagem, normalmente combatida em todas as esferas do Direito. Independentemente da divisão dogmática que pretenda diferenciar a fraude civil da fraude penal, a fraude é um ato que atenta contra a boa-fé nas relações jurídicas de maneira geral, sendo, a fraude, ora combatida pelo direito civil ora combatida pelo direito penal, mas comumente combatida pelo Direito. Um ato fraudulento praticado no âmbito do SFN possui a capacidade de prejudicar toda economia nacional e não só a fé pública. Nesse sentido, se faz necessário destacar o papel econômico da moeda nessas relações, assim como também é importante entender o regular funcionamento do Sistema Financeiro Nacional. Merece destaque os ensinamentos de uma particular escola econômica que, há muito tempo e constantemente, vem criticando a forma como funcionam os Sistemas Financeiros na maioria dos países modernos. Tal escola aponta que existe uma fraude praticada mundialmente pelas instituições bancárias e com o suporte dos bancos centrais, fraude essa que atinge o “coração” dos Sistemas Financeiros. Com isso, pretende-se visualizar como é o funcionamento dos Bancos dentro do SFN, assim como o funcionamento do próprio SFN com relação à CFRB/88. Ultrapassando tal ponto, avalia-se a exposição da Escola Austríaca de Economia sobre a atividade bancária e os correspondentes bancos centrais e, num último momento, qual é a proteção dada, na esfera criminal, ao SFN e a moeda.

2. ATIVIDADE BANCÁRIA E SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

Os bancos são instituições financeiras cuja principal atividade é a mercantilização do 2

crédito . O crédito pode ser definido como a troca de um bem presente por um bem futuro3. Essa é a principal atividade bancária, na qual somente se torna possível por meio das operações bancárias. As operações bancárias podem ser classificadas como fundamentais ou acessórias. São fundamentais aquelas operações que se destinam a cumprir o objetivo da instituição, ou seja, a mercantilização do crédito. São acessórias todas as demais operações bancárias que não possuem vinculação com a atividade creditícia da instituição. 2

ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 14ª Ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 48-50. 3 MISES, Ludwig Von. The Theory of Money and Credit. Kentucky, EUA: [s.n.], 2012, p. 101.

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As operações bancárias fundamentais podem ser divididas em passivas e ativas, nas operações passivas os bancos captam capital, se tornando, na relação jurídica contratual com seus clientes, devedores. Dentre essas operações passivas, os clientes que contrataram com o banco podem ter: a indisponibilidade dos bens durante um período pré-determinado, ou a disponibilidade do bem, para que possa ser resgatado a qualquer momento. São inúmeras atualmente as operações passivas bancárias, destacando-se entre elas os depósitos bancários, conta corrente e fundos de investimento.4 As operações ativas são aquelas no qual o banco emprega ou coloca à disposição o capital arrecadado passivamente, nessa relação o banco se torna credor de seu cliente. São operações ativas os emprestimos, financiamentos, descontos, aberturas de crédito. Por meio dessas operações nasce o contrato de crédito, que dentre as múltiplas operações bancárias destaca-se o empréstimo bancário, esse tem como sua natureza jurídica o mútuo bancário. Nenhum dinheiro adquirido passivamente pelo banco fica inerte, tendo em vista que a natureza dessa instituição é fazer circular o crédito, possibilitado através de um grande número de passivos arrecadados. Costuma-se justificar que a atividade bancária somente se faz possível pelo fato de que nem todos os clientes irão “sacar” ao mesmo tempo o dinheiro depositado no banco, fazendo com que, por meio de análises e previsões financeiras, parte desse dinheiro possa ser emprestado5. No Brasil, a atividade bancária também se realiza dessa forma, no entanto é fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, que impõe aos bancos um valor (de até 100% dos depósitos à vista e de até 60% de outros títulos contábeis) que deverá ser compulsoriamente depositado no mesmo a fim de evitar que os bancos emprestem grande parcela do dinheiro disponível e acabem prejudicando os seus credores e a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional.6 A atividade bancária é fiscalizada e regulamentada pelo Banco Central do Brasil. O BACEN é uma autarquia federal que compõe o SFN, ambos instituídos e estruturados pela lei 4.565/64. Dentre as suas atribuições, cabe ao BACEN executar a política econômica definida pelo Conselho Monetário Nacional, fiscalizar, regulamentar e aplicar sanções a atividade bancária, exercer o controle sobre o crédito em todas as suas espécies, emitir moeda e papelmoeda, realizar operações de redesconto e empréstimos as instituições financeiras, autorizar o

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RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 9ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 17-19. 5 Id., ibid., p. 36-38. 6 ABRÃO, op. cit., p. 68-69.

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funcionamento das instituições financeiras. A competência do BACEN pode ser visualizada nos artigos 9, 10, 11, 12 da lei 4.565/64 e art. 164 da CRFB/88.7 Costuma-se justificar a necessidade de fiscalização e regulação bancária tendo em vista o grau de risco representado pela atividade bancária, já que, no passado, tal atividade foi marcada pelo excesso de emissão de certificados de depósitos sem lastro correspondente, fato que levou a inflação exagerada da moeda prejudicando todo o mercado.8 O BACEN é o banco dos bancos e, também, o banqueiro do Estado no Brasil. Os bancos centrais, enquanto instituição, ficaram conhecidos mundialmente pelo fato de realizarem empréstimos diretamente ao Estado quando requisitado, sendo, inclusive, o cunhador oficial da moeda estatal, com o poder de criar quantas moedas o Estado desejar. Tal fato historicamente provocou inflações monetárias altíssimas em diversos países em que se observou a emissão indiscriminada de moeda a mando do Estado9. Hodiernamente, por força do art. 164, §1º da CRFB/88, o BACEN é proibido de emprestar dinheiro à União direta ou indiretamente. Como já afirmado, o BACEN é o responsável pela atividade bancária no Brasil e pela estabilidade da moeda, ou seja, pela manutenção do poder de compra, ou valor, da moeda10. Assim como é também o responsável pelo controle e aplicação da política de crédito determinada

pelo

Conselho

Monetário

Nacional

(CMN

-

órgão

deliberativo

e

hierarquicamente superior do SFN). Essa autarquia federal faz parte do SFN, estando, obviamente, sujeitas, também, aos princípios constitucionais inerentes ao Sistema Financeiro e os princípios inerentes da Ordem Econômica Nacional. O SFN está previsto no art. 192 da CRFB/88, tendo-lhe sido destinado o capítulo IV (Do Sistema Financeiro Nacional) dentro do título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) da Constituição Federal. Toda atividade no âmbito do SFN é uma atividade financeira que por sua vez, pela sua natureza, é uma atividade econômica. Com isso se quer dizer que toda atividade financeira, por ser uma atividade econômica, está sujeita aos princípios constitucionais destinados a toda atividade econômica. Tais princípios estão previstos no capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica) do título VII da CRFB nos artigos 170 usque 181. 7

Id., ibid., p. 68-71. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Durclerc. Bancos Centrais no Direito Comparado: O Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação). São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p.66-68. 9 Id., ibid., p. 39-52. 10 Id., ibid., p. 46-52. 8

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A ordem econômica e, portanto, toda atividade econômica, será fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, com o propósito de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social11. O jurista José Afonso da Silva12 faz algumas considerações sobre esse paradigma criado pela Constituição Federal. A constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa da Brasil (art.1º, IV).

O renomado jurista ainda ensina o significado de se assegurar, na ordem econômica, uma existência digna a todos e o significado de justiça social. Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais necessários para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria. O reconhecimento dos direitos sociais, como instrumentos de tutela dos menos favorecidos, não teve, até aqui, a eficácia necessária para reequilibrar a posição de inferioridade que lhes impede o efetivo exercício das liberdades garantidas. Assim, no sistema anterior, a promessa constitucional de justiça social não se efetivara na prática. A Constituição de 1988 é ainda mais incisiva no conceber a ordem econômica sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a todos existência digna. Dá à justiça social um conteúdo preciso.13

O Sistema Financeiro Nacional, enquanto atividade econômica tem o dever de seguir os princípios da CRFB/88 destinados à Ordem Econômica, assim como, igualmente, deve orientar-se segundo os princípios destinados ao próprio Sistema Financeiro presentes no art. 192 da CRFB/88. Diz o art.192 que o SFN será estruturado de maneira a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que compõe tal Sistema. Observe que tanto os princípios destinados à ordem econômica como os destinados especificamente ao sistema financeiro possuem objetivos delineados no interesse da coletividade, objetivos que se coadunam com os objetivos da República presentes no art.3º da 11

Art.170 da CRFB/88 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36ª Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p.794. 13 Id., ibid., p.795-796. 12

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CRFB/88. Isso não significa que não se devem assegurar, de igual maneira, bens jurídicos individuais também consagrados na ordem econômica, tal como a livre iniciativa. 14 O desafio nesse caso e criar um sistema em que se conjuguem interesses coletivos e individuais. A atividade bancária encontra-se nesse sistema emaranhado e complexo Sistema Financeiro Nacional. Nota-se que a atividade bancária é uma atividade controlada pelo BACEN e tem como objetivo essencial é a industrialização do crédito por meio dos passivos bancários e o controle da moeda de curso forçado. Os passivos bancários sofrem controle por parte do BACEN com o objetivo de evitar a insolvência da atividade bancária e controlar a oferta do crédito. Os bancos podem ainda contar com o BACEN quando necessitarem de empréstimos para a manutenção de sua atividade15.

3. POSICIONAMENTO ECONÔMICO DIVERSO

Dentre as escolas econômicas, a Escola Austríaca, desde 1912 com o trabalho de Ludwig von Mises, possui posicionamento contrário à forma como se desenvolveu a atividade bancária mundial, principalmente com o surgimento dos bancos centrais nessa relação. Desde então inúmeros autores da escola criticam a atividade bancária, afirmando que ela é fraudulenta. A escola não é contra a atividade bancária enquanto atividade econômica, mas não deixam de apontar as falácias que tal atividade vem desenvolvendo com o suporte dos Estados e de seus bancos centrais. Com o intuito de favorecer a compreensão da análise austríaca adiante, deve-se antes retomar a atenção para aquilo que é cerne da explicação, a moeda. Antes do surgimento da moeda, os mercados realizavam suas trocas de forma direta, o bem que se possui pelo bem que se deseja. A dificuldade de tal sistema reside no fato de que nem todos os bens que se deseja pode ser trocado pelo bem que se tem, motivo pelo qual, com passar do tempo o próprio mercado decide eleger um determinado bem para funcionar como moeda, surgem então às trocas indiretas.16 Os mais famosos bens que funcionaram como moeda são o ouro e prata 17. Com o passar do tempo e com a aquisição da confiança necessária do mercado, depois de algumas 14

SILVA, op. cit., passim. Art. 10, V da Lei 4565/64 e Art. 164,§1º da CRFB/88 16 MISES, op. cit., p. 5-6. 17 ROTHBARD, Murray N. The Mystery of BANKING. Second Edition. Alabama, EUA: Editora Ludwig Von Mises Institute, 2008, p. 7-8. 15

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tentativas falhas apontadas pela história, o ouro e a prata foram substituídos pelo papelmoeda. Esse novo tipo de moeda, no início, sofreu desconfiança, afinal, o ouro e a prata já haviam conquistado a maioria dos mercados, por isso que inicialmente essa transição se deu com a emissão de papel-moeda tendo seu valor correspondido em ouro, a essa era chama-se de padrão ouro (gold standard).18 Com amadurecimento da confiança no papel moeda, entramos na fase que nos encontramos hodiernamente, o fiat money. A moeda de hoje desvinculou-se da sua equivalência em ouro, se tornando somente um “pedaço de papel” emitido por um determinado Estado. Por tal motivo, esse novo tipo de moeda é conhecida como moeda estatal, decorrente da confiança adquirida e pela força do Estado que a emite. Essa moeda é de curso forçada e criada juridicamente.19 É necessário entender que a moeda cunhada sob a proteção de um Estado e a moeda cunhada por uma pessoa não autorizada, não são economicamente diferentes, a diferença existe somente na concepção jurídica. A moeda enquanto tecnologia é a mesma em ambos os casos, a distinção reside na Lei que autoriza uma e desautoriza a outra.20 Independente do tipo de moeda adotada pelo Estado todas elas são capazes de realizar as mesmas funções. A moeda costuma ser vista juridicamente como um meio de pagamento para cumprir uma determinada obrigação, economicamente a moeda é mais do que isso, servindo às funções diversas, tais como: medida de valor entre bens econômicos, reserva de valor, meio de pagamento e de troca. Deve-se ressaltar que a escola austríaca adota a teoria subjetiva do valor e a afirmação de que a moeda serve como medida de valor, ou como reserva de valor, encontra-se dentro da lógica da teoria subjetiva, com isso, quer se dizer que a moeda se torna um parâmetro, um bem comum entre todos os bens, no qual possui o seu valor atribuído e com a capacidade de se atribuir tal valor no tempo e no espaço.21 A moeda é vista pela escola como um bem econômico, e como tal a sua quantidade disponível no mercado influencia diretamente o seu valor22. A quantidade de moeda disponível em um país é chamada de base monetária. Existem diversas formas de se calcular a base monetária de um país atualmente, no seu conceito mais restrito, significaria a soma de toda a moeda em circulação, em conceitos mais elaborados incluem-se os títulos privados 18

Id., ibid., p. 51-55. MISES, op.cit., p. 20-21 20 Id., ibid., p. 21. 21 MISES, op. cit., p. 10, 11, 14, 15. 22 Id., ibid., p. 31-36. 19

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expressos em moeda e os registros eletrônicos bancários (moeda fiduciária e moeda bancária respectivamente).23 Quando a moeda era o ouro, a única maneira de aumentar a quantidade de moeda seria aumentando a quantidade de ouro. Hodiernamente, a moeda é a imposta pelo Estado e dessa maneira somente é possível aumentar a sua quantidade por meio do Estado, assim, está no poder do Estado a base monetária nacional podendo ser aumentada ou diminuída da maneira como desejar, diluindo o valor da moeda ou aumentando.24 No Brasil, A CRFB/88 no art. 164 destina a competência de emissão de moeda ao Banco Central, portanto a única instituição em nosso país autorizada a criar moeda, sendo que tal autorização deve ser dada pelo Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República, nos termos do art.48, XIV da CRFB/88. Rothbard25, com o intuito de explicar os efeitos do aumento de moeda em circulação e consequentemente da base monetária, desenvolve o modelo do Anjo Gabriel que suscintamente consiste no seguinte: O anjo Gabriel é um anjo benevolente e preocupado com a situação econômica e social da população. O anjo não entende nada de economia, mas percebendo que a população se queixa pela falta de dinheiro e anseia por mais, resolve duplicar o dinheiro de todas as pessoas em uma determinada noite. No dia seguinte, todas as pessoas percebem que suas contas bancárias, carteiras, bolsas e cofres estão com o valor duplicado. Explica o autor que uma sensação de alegria e felicidade rapidamente se alastraria e as pessoas sairiam às ruas para gastar seu novo saldo. É fácil perceber que a base monetária foi duplicada. O que a população não percebe é que não houve nenhum aumento de recursos reais, como trabalho, produtividade, recursos naturais, bens e serviços. Dessa maneira como existe mais moeda circulando e sendo a moeda um bem econômico, a curva de demanda de bens e serviços aumentaria, fazendo com que os preços dobrem. Assim, o anjo Gabriel assiste seu presente dado à humanidade não surtir o efeito desejado. No entanto, Rothbard, faz uma ressalva sobre o caso: “Those lucky folks who rushed out the next morning, just as the store were opening, managed to spend their increased cash before prices had a chance to rise; they certainly benefited.”26. Com isso, o autor conclui que quem, sabendo dos efeitos econômicos mencionados, controla o novo dinheiro que irá 23

GOLÇALVES, Antonio Carlos Pôrto. et al. Economia Aplicada. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 83. 24 ROTHBARD, op. cit., p. 47-49. 25 Ibid., p. 45-47. 26 ROTHBARD, 2008, p. 46-47

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aumentar a base monetária, se beneficia dos preços estipulados pela oferta de moeda passada, já que com o tempo o mercado irá adaptar seus preços à nova quantidade de moeda inserida no mercado. O que tudo isso quer dizer? A escola austríaca explica que a quantidade de moeda disponível no mercado é suficiente para permitir a troca de bens e serviços e que o aumento das quantidades de moeda não são sinais de riqueza. Um aumento de quantidade de moeda faria com que os preços dos produtos vinculados a tal moeda se ajustem a nova quantidade de moeda disponível no mercado. Esse aumento de moeda e esses efeitos mencionados são conhecidos como inflação monetária.27 Mas qual é a relação disso com os bancos? Porque os austríacos dizem que a atividade bancária respaldada em um banco central praticam atos fraudulentos? Os austríacos afirmam que não possuem nada contra a atividade a atividade bancária em si, não enquanto atividade econômica, até porque um dos pilares da escola é a liberdade, seja ela liberdade negocial, ou seja, através do livre mercado, desde que não haja nenhum tipo de interferência estatal. A primeira diferença que se faz é entre um banqueiro e um capitalista é que: o capitalista é aquele que empreende o seu próprio capital, enquanto que o banqueiro não, pois, empreende o capital de terceiros. Isso funcionaria da seguinte maneira: o banco recebe do terceiro determinado quantia em dinheiro prometendo dentro de um prazo estipulado devolver essa quantia acrescida de juros. Com essa quantia em mãos, o banco coloca-a no mercado cobrando juros maiores do que aqueles pagos daquele de quem recebeu o dinheiro. O lucro bancário seria então valor dessa diferença menos as despesas administrativas. Até aqui, não há nenhuma crítica à atividade em si.28 O problema apontado pelos austríacos é outro. Note que o dinheiro recebido pelos bancos, por meio das operações passivas, conhecidos na linguagem do dia-a-dia como investimento de curto, médio ou longo prazo, são em verdade empréstimos, contratos de mútuo, na qual o banco é devedor e o cliente credor, pois é o cliente quem empresta o dinheiro. Comumente nesses contratos, o cliente tem o seu capital indisponível pelo tempo estabelecido no mesmo. No entanto, não é somente esse tipo de capital que é colocado no mercado de crédito pelos bancos. Uma grande soma de dinheiro é recebida passivamente pelos bancos através de contratos de depósito irregular, aqui a quantia em favor dos bancos é disponível ao cliente e 27 28

Id., ibid., p. 29-42, 47. MISES, op. cit., p. 100-101.

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não indisponível como no caso anterior. Esse capital recebido passivamente também é emprestado pelos bancos, não na sua totalidade, mas parcialmente. Esse fato é chamado pelos austríacos de sistema de reservas fracionárias .29 O problema se encontra nesse ponto, como pode o dinheiro estar disponível ao cliente e ao mesmo tempo ser emprestado? Explicam os autores mais recentes que nos dias atuais isso é feito com muito mais facilidade tendo em vista a entrada da tecnologia, pois tal fato é realizado através de um simples registro eletrônico. É dessa maneira que os bancos criam dinheiro aumentando a base monetária, sendo a inflação monetária um efeito implícito do aumento da oferta de moeda. O mesmo dinheiro que está disponível para os clientes do banco, é aquele que é emprestado pelo banco. O mesmo dinheiro que está disponível ao cliente, não pode ser o mesmo que está emprestado, fisicamente e conceitualmente isso é impossível, na atividade bancário, no entanto, é possível através da criação de novo dinheiro, algo que não existia antes.30 Esse é o ponto da crítica da escola austríaca à atividade bancária com suporte do banco central. Qual o papel do banco central nessa relação? No Brasil o BACEN, por força da lei 4.565/64, determina que uma determinada quantia deve ser depositada em seus cofres com, o intuito de preservar a liquidez dos bancos e controlar a oferta de crédito. Esse depósito compulsório pode variar de 60% até 100% dos valores recebidos pelos bancos. Se o valor do compulsório for de 100%, não há como os bancos criarem dinheiro, pois, assim, qualquer quantia depositada nos bancos, devem ser integralmente(100%) depositadas no BACEN, portanto garantidas, e não mais disponíveis ao banco. Quando o valor do compulsório é menor do que 100%, o valor restante pode ser emprestado pelos bancos. Isso significa que uma fração do dinheiro será emprestada e ao mesmo tempo, a totalidade de dinheiro deve estar disponível ao cliente. Claramente uma contradição surge, como é possível que o mesmo capital fique disponível integralmente e parte dele seja emprestado? Explicam os austríacos que o banco cria esse novo dinheiro através de um simples dígito eletrônico, com isso o novo dinheiro entra no mercado. Com a entrada de um banco central nessa relação, no Brasil o BACEN, os bancos tem uma maior segurança nessa relação, pois, a “trava” da reserva de dinheiro disponível por um único banco é retirada(os bancos passam a fazer parte de um sistema que é controlado pelo banco central), de forma que qualquer problema que os bancos tenham de reservas financeiras podem ser supridas com um empréstimo junto ao banco central, o BANCEN31. 29

ROTHBARD, op. cit., p. 94-110. Id., ibid., p. 97-100. 31 ROTHBARD, op. cit., p. 125-160. 30

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4. FRAUDE NO DIREITO PENAL ECONÔMICO BRASILEIRO

A Lei 7.492/86 surge no Direito brasileiro para suprir uma lacuna e contemplar a criminalidade econômica, tal legislação passou a ser conhecida também como lei dos crimes do colarinho branco, expressão cunhada por Sutherland se referindo ao tipo de criminalidade existente no âmbito profissional, praticado por pessoa de elevado status social. Devido à importância dada pela Constituição Federal ao Sistema Financeiro Nacional, a sua tutela penal surge com o objetivo de se garantir os objetivos traçados pela Constituição. Parte da doutrina sustenta que o bem jurídico tutelado pela lei 7.492/86 é a política econômica governamental. Com a devida vênia, mas tal entendimento não pode prosperar, conforme sustentado por outra parte da doutrina. O bem jurídico penal não pode ser a política econômica adotada pelo governo em execução, primeiro pelo fato de estar a politica econômica vinculada ao que determina o governante, portanto extremamente modificável no tempo, e segundo por não ser bem jurídico relevante para a tutela penal, o bem jurídico protegido há de ser o próprio Sistema Financeiro Nacional, a sua higidez, seu regular funcionamento, seus objetivos constitucionais.32 Com efeito, o Sistema Financeiro Nacional deve servir aos interesses da coletividade, conforme consigna o art. 192, e não aos interesses do governante, responsável pela implementação de políticas de caráter econômico. O Sistema Financeiro Nacional deve ser visto como um poderoso instrumento de realização da almejada justiça social (art. 170 da CF), tanto que estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade. Assim sendo, pode-se afirmar que o Sistema Financeiro Nacional, patrimônio pertencente a toda coletividade, é o bem jurídico a ser tutelado pela mencionada lei penal.33

Dentre os diversos tipos penais criados pela Lei 7.492/86, é possível perceber que a fraude é um dos atos que mais se quer combater, seja ela enquanto gênero ou espécie. A fraude, comumente tipificada no direito penal brasileiro e rechaçada no universo jurídico, pode ser definida como “todo e qualquer meio enganoso, que tem a finalidade de ludibriar, de alterar a verdade dos fatos ou a natureza das coisas” 34. A proteção dada à moeda pode ser encontrada no Código Penal no Título X(Dos Crimes Contra a Fé Pública), Capítulo I (Da Moeda Falsa) nos artigos 289 usque 292. O 32

BITENCOURT, Cezar Roberto; BREDA, Juliano. Crimes contra o sistema financeiro nacional e contra o mercado de capitais. 3ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014, p. 36-37. 33 Ali Mazloum, crimes do colarinho branco. Objeto jurídico, provas ilícitas, p. 39 apud BITENCOURT, ibid., p. 36. 34 BITENCOURT, ibid., p. 64.

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Direito Penal Brasileiro deixa claro que a reprodução não autorizada da moeda de curso legal é proibida. Os penalistas nacionais defendem que o bem jurídico protegido nesses tipos penais é a fé pública, tendo em vista que somente a União pode emitir moeda de curso legal, conforme previsão Constitucional.35 A fraude à moeda combatida no Código Penal serve para coibir a contrafação de moeda, mas, obviamente, que essa proteção dada à moeda no vestuto codex, se limita a proteger a capacidade exclusiva da União de emitir a moeda. Via de regra, essa proteção dada contempla as micro relações econômicas, sendo que o prejuízo dessa atividade criminosa dificilmente atinge toda a coletividade. Cabe ressaltar que é muito improvável (não impossível) que a falsificação de moeda, conforme prevê o Código Penal, seja praticada em nível nacional e afetando a base econômica das moedas em circulação, por isso a afirmação de que a proteção dada se limita as micro relações. Diferente é a proteção da proteção pela lei 7.492/86, cujo objetivo é proteger bem jurídico supra-individual, o Sistema Financeiro Nacional. A qualidade e quantidade de moeda é, também, objeto de proteção pelo SFN. Dessa maneira uma diferente proteção à moeda também surge. Com relação à atividade bancária, à moeda e ao que é tratado pela escola austríaca de economia, podemos destacar, na lei penal, o art. 7º, III da lei 7.492/86. O art. 7º, III da Lei 7.492/86 refere-se a um crime pluriofensivo, atingindo bens jurídicos diversos, cujo principal objetivo é proteger o patrimônio dos investidores e a fé pública, secundariamente protege-se a credibilidade do SFN e do mercado de capitais36. O art.7º, III da lei 7.492/86 cria o tipo penal de emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários sem lastro ou garantia insuficiente nos termos das legislação. É fundamental perceber que os contratos de empréstimo bancários são, com o advento da lei 10.931/04, títulos de crédito, conforme definição do art. 26 do referido diploma legal. Luiz Regis Prado37 destaca que a expressão “sem lastro”, contida no inciso III do art. 7º da lei 7492/86, significa dizer que o título fora emitido, ofertado ou negociado, “sem que houvesse suporte financeiro suficiente para cobrir o oportuno resgate”38. Entende o autor que a expressão “sem garantia suficiente” significa que não há outra espécie de garantia para

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GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 7ª Ed. rev., atual. e ampl. Niterói, RJ: Editora Impetus, 2013, p. 879-884 36 PRADO, Luiz Regis. Direto Penal Econômico. 4ª Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.175. 37 Id.,ibid.,p.176. 38 Id., ibid., p.176

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cobrir os títulos ou valores mobiliários, fato que levaria à uma insegurança no mercado financeiro. Cezar Roberto Bittencourt39 explica que lastro e garantia possuem significados diversos, em que lastro possui o significado de respaldo, cobertura de uma operação financeira por outra; garantia por sua vez seriam reais ou pessoais, conforme as modalidades existentes nas legislações pertinentes. Destaca ainda o autor, que os títulos ou valores mobiliários são emitidos e atuam como se “moeda” fossem dentro do Sistema Financeiro. Tanto Prado e Bittencourt destacam que se trata de uma norma penal em branco que encontra sua complementação nas normas extrapenais. Com o intuito de facilitar a compreensão da expressão “sem lastro” do tipo penal destacado e, talvez, para entender a origem dessa previsão penal deve-se olhar para a história da atividade bancária. Quando a moeda ainda era o ouro, os banqueiros guardavam o ouro recebido de terceiros e cobravam por isso obviamente. Com o passar do tempo, e do ganho de confiança, os banqueiros guardavam uma grande quantidade de ouro nos seus cofres e passaram a ser alvos de criminosos, além disso, perceberam que existia uma grande parcela da população que necessitava de ouro e recorriam aos bancos para que esse o emprestasse. O dinheiro dos banqueiros já estava completamente empenhado e a demanda era maior do que aquilo que possuíam, no entanto havia uma grande quantidade de ouro de terceiros guardado à título de depósito. Foi nesse momento que os bancos tiveram uma ideia, unindo a vontade de lucrar mais por meio da demanda por mais ouro e o risco de serem roubados, o banco parou de transportar diretamente o ouro e começou a emitir certificados de depósito.40 Esses certificados indicariam a quantidade de ouro que seu portador possuiria frente ao banco, com isso, cada pessoa que depositasse ouro no banco receberia um certificado de depósito equivalente ao ouro depositado, podendo negociar livremente no mercado os certificados que o banco honraria a quantidade existente no título. Obviamente que tal medida levantou suspeitas dos usuários do serviço no início, tanto no que tange aceitação do título como na sua circulação, mas com o tempo ganhou-se a confiança do mercado e tática bancária passou a funcionar.41 O ganho da confiança nos certificados e o compromisso dos bancos em honrá-los seria apenas a primeira etapa do processo, a segunda etapa consiste em atender a demanda por ouro que os bancos notaram anteriormente. Dessa maneira os bancos passaram a emprestar o 39

BITTENCOURT, op. cit., p. 133-134. ROTHBARD, op. cit., p.85-94. 41 Id., ibid. 40

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ouro através dos próprios certificados implementados, não demorou muito para perceber que os bancos emitiram mais certificados do que a quantidade de ouro existente nos seus cofres e com isso não poderiam honrar todos os compromissos, pois simplesmente não havia ouro suficiente. O fato que motivou os bancos a realizarem tamanha façanha é o lucro oriundo do cumprimento do contrato de empréstimo firmado, que caso cumprido fariam com que os banqueiros ganhassem com aquilo que não emprestaram, pois não existia tal quantia, não era coberta por ouro algum.42 Hodiernamente a moeda, conforme já explicado, é criado pelo estado e não possui as limitações que o ouro enquanto moeda impunha. A moeda pode ser criada pelo estado, não sendo necessário garimpar como ocorre com o ouro. Dessa maneira pode-se entender melhor o que significa “sem lastro” na atividade bancária e, ao menos em tese, poderia se dizer que, de acordo com os ensinamentos da escola austríaca, a atividade bancária cometeria o crime previsto no art. 7º, III da lei 7.492/86, isso considerando a própria disposição da lei 4.565/64 que institui um sistema de reservas fracionárias. No entanto a parte final do tipo indica que a ausência de lastro ou a falta de garantia suficiente devem estar em desacordo com a legislação pertinente. A principal legislação que trata da atividade financeira é a lei 4.565/64 designando ao CMN e ao BACEN a responsabilidade por implementar e controlar o crédito no SFN. Com isso, quer se dizer que somente ocorrerá o crime do art. 7º, III da lei 7.492/86, ou qualquer crime relacionado com a fraude sustentada pela escola austríaca, quando a instituição financeira desrespeitar a lei 4.565/64 ou as resoluções do CMN e do BACEN.

5. CONCLUSÃO

A lei 4.565/64 consagra um sistema de crédito baseado na expansão monetária, ou seja, instituindo um sistema de reservas fracionárias, onde a ausência de lastro, ainda que parcialmente, é a regra, configurando-se exceção, somente se o CMN decidir implementar medida que assegure 100% compulsórios bancários. Esse tipo de técnica econômico-bancária foi sustentada por Keynes com o objetivo de salvar os países da depressão do pós-guerra.

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id., ibid.

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Do ponto de vista do Direito Penal, mesmo demonstrada a ausência de lastro, mesmo demonstrado o prejuízo social, mesmo demostrada a desvalorização contínua da moeda, mesmo demonstrada a fraude, ou seja, ainda que se demonstre a relevante lesão à um bem jurídico relevante e protegido pelo Direito Penal, não é possível haver sequer conduta típica, eis que se permite que a atividade bancária funcione dessa maneira, não é possível o enquadramento típico no artigo 7º da lei 7.492/86, assim como também não é possível o enquadramento típico no tipo previsto no art. 4º da mesma lei. O art. 4º trata da gestão fraudulenta da instituição financeira, crime próprio, em que o sujeito ativo deve ter o poder de gestão da instituição. Nem nesse caso se sustenta a uma possível tese de acusação que se utilize dos ensinamentos da escola austríaca para demonstrar a fraude, tendo em vista os mesmos argumentos utilizados acima, a atividade financeira funciona dentro das regras estabelecidas pela lei 4.565/64, portanto, ainda que demonstrado a lesão ao bem jurídico penal, o ato foi realizado conforme determina a Lei. A atividade bancária então se torna “blindada”. A partir desse momento de consideração da discussão, se deve levar em conta os princípios da ordem econômica e do Sistema Financeiro Nacional contidos na CRFB/88 e, principalmente, os objetivos da república. Dentro da ordem econômica deve-se assegurar uma existência digna conforme os ditames da justiça social; dentro da ordem financeira deve-se promover o desenvolvimento equilibrado do país para servir os interesses da coletividade. Os objetivos da República estão contidos no art. 3 º da CRFB/88 e consistem em : I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos. Levando em consideração cada princípio destacado acima e conjugando com o que ensina a escola austríaca sobre a atividade bancária e sobre os bancos centrais, é fácil perceber que a lei 4.565/64 não é compatível com os objetivos da CRFB/88, sendo parcialmente inconstitucional por criar um sistema baseado na inflação monetária e pior, autorizando-a. Somente com o reconhecimento da parcial inconstitucionalidade da lei 4.565/64 é que se torna possível impedir legalmente a atividade de oferta de crédito sem lastro e permitiria o enquadramento no tipo penal do art. 7º, III da lei 7.492/86, além do crime de gestão fraudulenta. Constantemente se vê em telejornais e nas ruas pessoas preocupadas com a inflação e com a constante mudança nos preços dos bens e serviços. A partir da compreensão do funcionamento da atividade bancária é fácil perceber que a inflação monetária será sempre

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uma constante e que qualquer técnica implementada com o objetivo de garantir a população que não haverá nenhum tipo de inflação é falaciosa, pois o sistema é baseado na criação de moeda sem lastro por meio da atividade bancária. Juridicamente, inclusive, não se é admitido que ninguém emita moeda seja qual for a técnica, a não ser a União através do BACEN, ficando proibido inclusive que o BACEN transfira tal encargo. Sem dúvida que a atividade bancária se trata de atividade blindada, tanto juridicamente, como institucionalmente do ponto de vista cultural. Essa emissão de crédito sem lastro, ou seja, essa criação de dinheiro por parte da atividade bancária se fez presente em todas as últimas crises econômicas que ocorreram no mundo. Preveem os economistas austríacos que não estamos livres das próximas crises enquanto esse sistema perdurar. O fato fica mais complexo do que foi exposto no presente trabalho quando se mistura a atividade bancária com o mercado de capitais, principalmente no mercado internacional global. Com o crédito a receber oriundo do empréstimo bancário que cria a nova moeda sem lastro correspondente, os bancos colocam seus direitos ao crédito criado à disposição do mercado de capitais, por meio de pacotes, fazendo com que a problemática da criação da moeda sem lastro atinja outros mercados além do bancário, criando uma total insegurança para a economia, formando uma verdadeira “bolha” fruto de um negócio sem lastro. Há quem compare tal atividade bancária ao famoso esquema ponzi. A atividade bancária é tratada como uma atividade de risco, pouco se sabe que, em verdade, o risco da atividade bancária é socializado nas perdas, não nos lucros. Independentemente da corrente doutrinária econômica adotada, a criação de moeda sem lastro por parte dos bancos, ficou demonstrado na prática a sua capacidade autodestrutiva, e nesse ponto chegou a conquistar diversos economistas. Ainda que se argumente que a expansão monetária é necessária para a economia, como justificam os governos e seus afiliados, ainda que se argumente que se trata da aplicação do princípio da eficiência econômica e do princípio da economicidade, onde o raciocínio e a eficiência econômica são melhores do que os raciocínios do Direito em matéria econômica, não se pode permitir jamais que os raciocínios econômicos sobrepujem a Ordem Jurídica, que deve ser respeitada. A aceitação da emissão de moeda sem lastro no “coração” do Sistema Financeiro Nacional é inadmissível do ponto de vista jurídico, por estar em total desacordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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6. REFERÊNCIAS

ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 14ª Ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. BITENCOURT, Cezar Roberto; BREDA, Juliano. Crimes contra o sistema financeiro nacional e contra o mercado de capitais. 3ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 10 de jun. de 2014. BRASIL. Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 jan. 1965. Disponível em: . Acesso em: 10 de jul. de 2014. BRASIL. Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995. Dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 jun. 1995. Disponível em: . Acesso em 10 de jun. de 2014. BRASIL. Lei nº 7.492 de16 de junho de1986. Define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, e dá outras providências. Díario Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 de jun. 1986. Disponível em: . Acesso em 10 de jul. de 2014. GOLÇALVES, Antonio Carlos Pôrto. et al. Economia Aplicada. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 7ª Ed. rev., atual. e ampl. Niterói, RJ: Editora Impetus, 2013. MISES, Ludwig Von. The Theory of Money and Credit. Kentucky, EUA: [s.n.], 2012. PRADO, Luiz Regis. Direto Penal Econômico. 4ª Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 9ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. ROTHBARD, Murray N. The Mystery of BANKING. Second Edition. Alabama, EUA: Editora Ludwig Von Mises Institute, 2008. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36ª Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2013.

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VERÇOSA, Haroldo Malheiros Durclerc. Bancos Centrais no Direito Comparado: O Sistema Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil (o regime vigente e as propostas de reformulação). São Paulo: Editora Malheiros, 2005.

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