Empréstimos Linguísticos em músicas da dupla César Oliveira e Rogério Melo

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EMPRÉSTIMO LINGUÍSTICO EM MÚSICAS DA DUPLA CÉSAR OLIVEIRA E ROGÉRIO MELO

Fernanda Priscila Carraro (graduanda) – UNICENTRO Tadinei Daniel Jacumasso (mestre) – UNICENTRO RESUMO: Este trabalho tem por objetivo principal estudar os empréstimos linguísticos da Língua Espanhola nas composições da dupla nativista gaúcha César Oliveira e Rogério Melo. O corpus selecionado para análise são as canções do álbum chamado Procedência, lançado em 2009 pela gravadora ACIT. Os aportes teóricos que sustentam a pesquisa são von Borstel (2009), Carvalho (1989), Santos (2009), Jacumasso (2010), entre outros. Os resultados apontam que nas regiões de fronteira entre Uruguai, Argentina e Rio Grande do Sul (Brasil) existe uma forte relação de irmandade representada no sotaque dos gaúchos identificada pelos empréstimos linguísticos da Língua Espanhola presentes na Língua Portuguesa. RESUMEN: Este trabajo tiene por objetivo principal estudiar los empréstimos linguísticos de la Lengua Española en las composiciones de la dupla nativista gaucha César Oliveira y Rogério Melo. El corpus elegido para el análisis son las canciones del álbum llamado Procedência, lanzado en 2009 por la grabadora ACIT. Los aportes teóricos que sostienen la pesquisa son von Borstel (2009), Carvalho (1989), Santos (2009), Jacumasso (2010), entre otros. Los resultados apuntan que en las regiones de frontera entre Uruguay, Argentina y Rio Grande do Sul (Brasil) existe una fuerte relación de hermandad representada en el acento de los gauchos identificada por los empréstimos lingüísticos de la Lengua Española presentes en la Lengua portuguesa. 1. Palavras iniciais Este trabalho aborda a questão dos empréstimos linguísticos nas composições da dupla rio-grandense César Oliveira e Rogério Melo. Mais precisamente, empréstimos da Língua Espanhola para a Língua Portuguesa. De acordo com Jacumasso (2010), entre outros, o fenômeno do empréstimo linguístico é bastante recorrente na região de fronteira entre Brasil, Argentina e Uruguai. Neste estudo, focamos esse fenômeno nas letras de músicas de uma dupla nativista que canta a fronteira de modo singular, exaltando a relação de irmandade que se estabelece diariamente entre os homens do campo, destacando, dessa forma, essa cultura tão dialogada e essa estreita relação

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amigável entre os fronteiriços. O que levou a desenvolvermos este estudo é o gosto pela tradição cultural gaúcha, aliado à observação do empréstimo linguístico da Língua Espanhola para a Língua Portuguesa nas composições da dupla nativista César Oliveira e Rogério Melo. O trabalho que ora propomos é a união do gosto pela tradição gaúcha ao estudo de um fenômeno linguístico já consagrado como área de pesquisa no campo da sociolinguística – o empréstimo linguístico – o qual é tão importante e recorrente na vivência do homem do campo entre os países fronteiriços. Na primeira parte do trabalho, apresentamos um breve histórico dos artistas, a composição do dueto e a delimitação do objeto de estudo. Na segunda parte, tratamos de falar do fenômeno empréstimo linguístico e da relação de proximidade existente entre as línguas: Português e Espanhol. E, por fim, na terceira parte, fazemos as análises das músicas, identificando os empréstimos e as considerações da importância desse fenômeno linguístico para o presente estudo. 2. A dupla Os elementos discutidos neste apartado têm sua fonte na biografia de César Oliveira e Rogério Melo, disponível, em grande parte, no sítio oficial da dupla, cujo acesso se dá em www.cesaroliveira.com.br. A dupla lançou seu primeiro CD em novembro de 2002, embora antes disso já houvesse uma parceria de trabalho em algumas gravações e uma amizade de infância. O primeiro trabalho do dueto, intitulado Das Coisas Simples da Gente (Gravadora ACIT, 2002) leva aos palcos a alegria e a riqueza do canto que versa sobre o cotidiano da lida do homem rural no Sul do Brasil. César e Rogério dividem o mesmo apreço pela arte e pelo folclore da pampa gaúcha. Honrar, valorizar e celebrar a força desta cultura é o objetivo de ambos. O reconhecimento da dupla se dá no cenário cultural do Sul do país e seu público apresenta fidelidade e estima especial, o que coloca seus discos entre os mais vendidos do Rio Grande do Sul. Os dois, em parceria, já gravaram nove CDs e dois DVDs. É perceptível a consolidação do prestígio perante a crítica, o mercado e seus admiradores. Um bom exemplo disso é o reconhecimento do talento do dueto ao ser agraciado com o

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Prêmio TIM de Música, sendo, na oportunidade, a melhor dupla regional do país, em 2008. Seguramente, eles marcam de forma indelével a história da música gaúcha. 2.1. César Oliveira Nascido em 1969, em Itaqui, cidade rio-grandense que faz divisa com a Argentina, César, desde criança, começou a cantar as coisas nativas da pátria gaúcha. Por influência de seus pais, também cantores, o artista iniciou sua carreira participando de invernadas artísticas em São Gabriel/RS. Mais tarde, a grande vitrine foram os festivais, tão comuns no Rio Grande do Sul nos anos 80 e 90. Seu primeiro trabalho solo foi lançado em 1997, chamado Com a Alma Presa na Espora (Gravadora Allegreto, de São Paulo), cujo estilo centra o seu foco na música crioula gaúcha. 2.2. Rogério Melo Nascido em 1976, na cidade gaúcha de São Gabriel, Rogério dedicou-se desde pequeno a cantar as músicas do folclore gaúcho. Participou de grupos fandangueiros gaúchos e pelas mãos de César Oliveira foi conduzido aos festivais da música tradicionalista do Estado gaúcho. Após algumas parcerias em composições e gravações, o dueto foi cada vez mais se solidificando até que formaram, finalmente, em 2002, a dupla César Oliveira e Rogério Melo. 3. Delimitando o objeto de estudo O álbum Procedência está dividido em dois CDs: Apegos e anseios do meu canto e Regional. Cada um deles leva 15 músicas, num total de 30 canções. Analisaremos algumas das canções que fazem parte do primeiro CD: Apegos e anseios do meu canto, a fim de identificar os empréstimos linguísticos nelas utilizados, bem como a relação de proximidade entre as Línguas Portuguesa e Espanhola. 4. Empréstimos linguísticos

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Neste apartado, tratamos das bases teóricas que versam acerca de empréstimos linguísticos. Muito estudado e discutido, o empréstimo linguístico é, de acordo com Santos (2009, p. 16), descrito como sendo a transferência de traços de um sistema linguístico para outro sistema linguístico”. Ou seja, é tomar emprestado alguns termos, palavras e/ou expressões de outra língua (língua fonte)i, utilizando-as e adaptando-as nos padrões linguísticos da língua nacional (língua receptora)ii. Os empréstimos podem ser classificados de acordo com o seu “nível linguístico: fonológico, morfológico, sintático e/ou lexical (Santos, 2009, p. 16).

Não somente nesses níveis linguísticos, bem como afirma von Borstel (2009), os empréstimos podem também apresentar distintas formas de classificação, segundo o estudo realizado: o empréstimo, de acordo com o ponto de vista linguístico e, ou cultural, pode enriquecer as línguas ou criar polêmicas segundo o recorte sincrônico dado por um estudioso. O empréstimo pode assumir aspectos linguísticos (formas lexicais, fonológicas, morfossintáticas e semânticas), sociolinguísticos, pragmáticos, culturais, sincrônicos e diacrônicos em uma dada língua. O empréstimo linguístico pode ocorrer em todas as línguas, quando estas tomam emprestados itens lexicais de outras línguas introduzidas às regras gramaticais de uma língua nacional. (von Borstel, 2009, p. 03).

Ainda, segundo von Borstel (2009, p. 04), “o léxico estrangeiro, quando necessário, tende a adaptar-se à fonologia e à sintaxe e à semântica da língua nacional”, o que não é o caso das canções sob análise, pois os empréstimos identificados nas letras das músicas não sofrem alterações em sua morfologia, fonologia, nem em seus significados. Isto ocorre porque os costumes destes dois lados da fronteira são muito parecidos e, também, no estado do Rio Grande do Sul há uma grande influência da Língua Espanhola, que em nosso estudo, é identificada por meio das canções. Veremos mais sobre esta relação no apartado sobre a proximidade entre as línguas. Existem várias condições para que o empréstimo linguístico sobreviva em outra língua: para que ele seja aceito, de acordo com von Borstel (2009), “depende de inúmeros fatores, como a frequência de uso, a rapidez do empréstimo ao incorporar o léxico geral da palavra nativa, facilmente integrada à fonologia, ao léxico e à gramática

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da língua receptora” (von Borstel, 2009, p. 03). Ou seja, será incorporado de acordo com a frequência de uso na língua receptora, com a relação do falante na aceitação deste novo empréstimo, se sua concepção é equivalente à concepção de significado da palavra nativa, e entre vários outros aspectos culturais, sociolinguísticos, pragmáticos, etc. E, também, de acordo com a sua evolução na língua receptora, os empréstimos podem sofrer variações, como afirma von Borstel (2009, p. 03): o empréstimo cria um tipo de mudança linguística, inteiramente diverso, do que resulta da evolução. São os empréstimos lexicais não integrados na língua nacional, revelando-se estrangeiros nos fonemas, na flexão e até na grafia, ou os vocábulos nacionais empregados com a significação dos vocábulos estrangeiros de forma semelhante.

Assim, alguns empréstimos tornam-se estrangeiros a si mesmos, haja vista que ao incorporar em outra língua eles vestem outra roupagem, transformando sua grafia e seu som de acordo com a morfologia e fonologia da língua receptora. Neste estudo, os empréstimos linguísticos tomam forma nas músicas da dupla nativista, trazendo seus traços fônicos e morfológicos, enriquecendo o dialogismo e também o léxico da Língua Portuguesa, além de retratar as situações: o homem fronteiriço e sua lida de campo como personagens reais em tempo e espaços reais. 5. A proximidade entre as línguas Neste apartado, discutiremos acerca das Línguas Portuguesa e Espanhola e a importância da proximidade entre essas duas línguas latinas. Para isso, tratamos aqui das bases teóricas de Carvalho (1989) e Sturza (2006). Primeiramente, vale ressaltar que os estudos analisados aqui são originários de uma fronteira que se faz entre Brasil, Argentina e Uruguai. Esta fronteira, que não é somente geográfica, pois vai além de limites territoriais estabelecidos por leis, forma também uma fronteira de culturas, costumes e tradições. Como afirma Sturza (2006, p. 19) “na base de todo conceito de Fronteira, está a sua natureza constituída, antes de tudo, pela latência do contato – contato de territórios, contato de pessoas, contato de línguas”. Então, pode-se afirmar que a fronteira não é composta somente de um espaço que divide os territórios entre os países que falam Língua Espanhola e/ou Língua

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Portuguesa, mas que é formada por um lugar no qual podem compartilhar dos costumes, vivências e tradições que cada país carrega em sua cultura. Assim afirma Sturza (2006) que (…) a fronteira, mesmo na perspectiva conceitual do estado, não tem significado apenas como um espaço a ser controlado e defendido. No caso das fronteiras do Brasil com o Uruguai e a Argentina, a ocupação das terras, assim como o povoamento ao longo da faixa fronteiriça, de ambos lados das fronteiras, foi contribuindo para o estabelecimento de uma fronteira menos territorial e mais social (Sturza, 2006, p. 28).

Levando em consideração que a língua é um fator social e que para ela não existem fronteiras territoriais, pois ela se desloca para além desses limites a que pertence, é justamente este contato que se faz na fronteira que dá origem a esta mescla de linguagens, tornando a proximidade entre as Línguas Portuguesa e Espanhola cada vez mais significativa e estudada. Em relação à contribuição da proximidade das Línguas Portuguesa e Espanhola para o empréstimo linguístico, de acordo com Carvalho (1989, p. 09), “o empréstimo linguístico é tão antigo quanto a história da língua, ou melhor, quanto a própria língua”, e este fenômeno linguístico ocorre em todas as línguas do mundo, todas elas transportam termos e palavras umas das outras, mantendo, assim, as línguas vivas, em uso, e enriquecendo cada vez mais o seu léxico. Sobre isso, Carvalho (1989) aponta que a maioria das palavras que usamos nas conversações mais simples contém uma quantidade enorme de palavras que nos vieram de idiomas diversos, por vezes exóticos, e não se percebe esta “cidadania” estrangeira (Carvalho, 1989, p. 20).

A Língua Portuguesa e a Língua Espanhola carregam uma semelhança em seu uso em vários aspectos, como os fonemas e os morfemas. Principalmente, na região Sul do Brasil, no estado do Rio Grande do Sul, esta proximidade está mais explícita no falar dos gaúchos, no seu cotidiano e nas suas composições musicais. Porém, os empréstimos linguísticos da Língua Espanhola para a Língua Portuguesa, e vice versa, nem sempre são identificáveis, pois eles podem variar segundo a sua adaptação na língua receptora, ou seja, eles podem transformar as palavras e variar sua morfologia ou seus fonemas, por exemplo. Ainda, no que tange à proximidade entre as duas línguas, Carvalho (1989) corrobora observando que Universidade Estadual de Ponta Grossa 20, 21 e 22 de Junho de 2011

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A semelhança entre as duas línguas na morfologia e época de formação, além da permanente vizinhança e intercâmbio aquém e além-mar, tornam imprecisos os limites entre ambas. Em todas as épocas houve a influência linguística (Carvalho, 1989, p.17).

Na história de formação das línguas houve mudanças notáveis tanto em suas grafias, morfologia, quanto em sua pronunciação e fonemas. Existem vários níveis de classificação de empréstimo linguístico que dão atenção a todas estas variações. No entanto, vale ressaltar, que as Línguas Portuguesa e Espanhola carregam uma semelhança entre si tão significativa que torna quase impossível um estudo mais detalhado de quais palavras foram transportadas de cá e lá. Tratando das canções nativistas do Rio Grande do Sul, percebemos que são usadas muitas palavras e frases em espanhol em suas letras, firmando, assim, essa relação de empréstimo da língua dos países fronteiriços. No entanto, é possível verificar, no caso das canções da dupla César Oliveira e Rogério Melo, que os empréstimos linguísticos encontrados nas composições são palavras inseridas nas letras musicais que não sofrem alteração na grafia, no significado e na pronúncia. 6. O que revelam as análises Como o próprio título do álbum sob análise já nos indica, o nome Procedência que significa origem, ou lugar de onde algo ou alguém provém - é uma obra que nos apresenta as origens do povo campeiro, repleta de aspectos culturais que nos remetem ao homem do campo, o fronteiriço. Com uma riqueza de palavras colocadas de forma que nos faz construir em mente a imagem da lida, dos costumes e das histórias desse povo que vive as coisas simples, esta obra nos conta, por meio das letras das músicas, um pouco mais desta vivência e nos mostra, além disso, que vivenciam a mesma cultura de países que não falam a mesma língua, porém, se comunicam em suas tradições e se entendem, justamente por compartilharem as mesmas lidas de campo, como versa a música: “deste chão apaysanado: duas línguas, mesmo idioma (...) duas pátrias, mesma estância; dos dois lados do alambrado” iii. Este álbum nos mostra a procedência desses homens do

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campo, daqui e de lá, que compartem da mesma cultura com tanto zelo e apreço. Analisaremos aqui esta procedência e identificaremos o nosso objeto de estudo. Nos anexos deste trabalho, seguem as letras das músicas sob análise dos empréstimos analisados abaixo: Iniciaremos com uma música do primeiro CD do álbum Procedência: Apegos e Anseios do meu Canto, que se chama Junto ao Balcão do Bolicho, na qual se identifica um empréstimo linguístico na sétima estrofe, em seu primeiro verso, as palavras Buenas e saludo. O verso é o seguinte: “Com um Buenas, saludo a todos”. É utilizado Buenas, no lugar de boas, e saludo no lugar de saúdo (de saudações). No caso da palavra Buenas, além da tradução literal: boas, seu uso é muito recorrente tanto nos países de Língua Espanhola quanto no Brasil, como forma de cumprimento, saudação. No Rio Grande do Sul, bem como em outros estados, esta palavra é utilizada muitas vezes no lugar de: Olá, como vai?, Tudo bem?, e neste caso, no contexto da música analisada, ela expressa justamente essa forma de saudar alguém, é um diálogo que se estabelece com o ouvinte. Nessa mesma canção, ainda no primeiro verso da sexta estrofe há o empréstimo do espanhol da palavra despacito, que em português significa devagarzinho. O verso citado é assim: “Ao despacito enveredo”. Essa utilização de outra língua nas composições deixa a música mais rica e cheia de significados implícitos. Rico não só esteticamente, mas também porque “(...) o contato das línguas produz situações nas quais a passagem de uma língua a outra reveste uma significação social.” (Calvet, 2002, p. 51). Na música intitulada Leguera, encontramos na quarta estrofe, o seguinte verso: “Sons de guitarras matreiras”. Em espanhol, guitarra significa: violão (no plural: guitarras: violões). Levando-se em consideração que entre os instrumentos utilizados para a execução das músicas nativas do Rio Grande do Sul não se encontram alguns instrumentos eletrônicos como a guitarra, para este contexto a palavra guitarras foi emprestada do espanhol para se referir a um dos instrumentos mais utilizados, juntamente com o acordeom, nas músicas nativas que é o violão. Trata-se, portanto, de mais um empréstimo linguístico da Língua Espanhola para a Língua Portuguesa. Ainda, nessa canção, na sexta estrofe, no segundo verso, há a palavra em espanhol ventito, que em português quer dizer ventinho. Encontra-se neste verso: “Quando um ventito

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escramuçaiv”. Assim como na Língua Portuguesa, na Língua Espanhola existem palavras na classe diminutiva. Estas palavras do espanhol, citadas nas músicas analisadas acima: despacito e ventito significam, respectivamente: devagarzinho e ventinho. São os diminutivos das palavras: despacio e vento, que significam, por sua vez: devagar e vento. É o caso de palavra em diminutivo ocorrente também na canção Na Farra, no primeiro verso da terceira estrofe: “Prendo-lhe o grito e solito escoro o golpe”, é usada a palavra solito, diminutivo de solo. Solo em português significa só (de estar só, sozinho). E solito, nesse caso, é o equivalente a sozinho. Muitos aspectos de uma língua podem ser identificados em outra como, por exemplo, os aspectos gramaticais, nos casos das canções acima. Todos estes elementos característicos destacam que “a língua é o testemunho e a prova insofismável do domínio cultural. Ela denuncia influências e correntes ideológicas mais do que se possa pensar.” (Carvalho, 1989, p. 26). É possível caracterizar uma nação pelos aspectos da língua falada em cada região. A última canção que analisaremos se chama Pra um tal de Eloí Pechada. Na quinta estrofe, no quarto verso, encontramos o adjetivo guapo, utilizado no lugar de bonito. Segue o verso: “E um guapo açoita que é pra não perder o costume”. O adjetivo guapo só é utilizado em espanhol para fazer referência à pessoa; uma pessoa bonita, ou que está bem vestida (elegante). Essa mistura de línguas evidencia que cada vez mais existe um laço forte entre as Línguas Espanhola e Portuguesa, tanto na língua como nos costumes regionais fronteiriços do Rio Grande do Sul. O uso de palavras de uma língua estrangeira pode ampliar o léxico de outra, mas, também, como fator social, implicar significados distintos aos que somos acostumados em nossa língua materna. Cada palavra carrega características de usos diferentes de acordo com a cultura que a utiliza. Os fatos sociais não são extra-individuais, mas interindividuais, e a língua como fato social é, também, interindividual. Cada língua, como elemento de comunicação social ou interindividual, tem seu léxico que, através de associações ou campos associativos, concretiza uma maneira peculiar de ver o mundo. Esse léxico é constituído de palavras que não são signos isolados, mas elementos no interior de um sistema e como tal sujeitos a uma escala de valores. Partindo do estudo do léxico pode-se explicar a vida de uma sociedade (Carvalho, 1989, p. 25-26).

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Há empréstimos linguísticos em quase todas as músicas inseridas no CD Apegos e Anseios do meu Canto, de César Oliveira e Rogério Melo. Porém, é relevante lembrar que em outros trabalhos dessa dupla, bem como em canções de outros grupos do Rio Grande do Sul, esse fenômeno também pode ser identificado. Isso ocorre, justamente, para demonstrar como duas culturas, de distintos idiomas, se misturam e resultam na relação de amizade existente na fronteira entre os países que falam a Língua Espanhola e a Língua Portuguesa. Essa mistura de culturas e a relação de amizade entre os fronteiriços provam que cada vez mais as tradições carregam aspectos culturais de um lado para outro, tornando assim as culturas hibridizadas pelo tempo e comungadas entre os povos. 7. Considerações finais A proposta deste estudo tange no sentido de mostrar e analisar a presença de empréstimos linguísticos da Língua Espanhola para a Língua Portuguesa, presentes nas canções do primeiro CD do álbum Procedência, Apegos e Anseios do meu Canto, da dupla César Oliveira e Rogério Melo. Isso foi evidenciado a partir de uma análise feita por meio de algumas das letras de músicas do referido objeto de estudo. Analisamos que há uma presença significativa de palavras da Língua Espanhola nas canções da dupla, bem como, não só as palavras, mas também de costumes que são refletidos entre as culturas dos gaúchos brasileiros e dos gauchos uruguaios e argentinos. O fenômeno do empréstimo linguístico é causado, neste caso, pela proximidade, além de geográfica, cultural das Línguas Portuguesa e Espanhola e dos povos que as falam. A fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina é um espaço onde se misturam e transportam palavras de cá para lá e vice-versa, fazendo com que este contato enriqueça cada vez mais o léxico, tanto de uma quanto de outra língua. Esse contato é resultado, também, de uma proximidade de culturas identificada na semelhança de tradições e costumes tanto de um lado da fronteira quanto de outro. A importância deste estudo se dá justamente no momento em que percebemos que a nossa cultura não é somente nossa, e que os limites territoriais não são, de

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maneira alguma, impedimento para qualquer contato entre os povos. Nesse caso, as fronteiras não são tão nítidas nem imutáveis. Percebemos que uma cultura é formada de muitas outras, de outros países, de outras línguas, e é também, quando nos percebemos utilizando termos e palavras de outros idiomas. A propósito, “(...) o fato de a função de uma língua poder ter influência sobre sua forma é uma das descobertas fundamentais da sociolinguística” (Calvet, 2002, p. 58, grifos do autor), assim, o empréstimo linguístico é um dos inúmeros fenômenos estudados pela sociolinguística, que nos permite perceber a influência que uma cultura exerce em relação à outra. 8. Referências CALVET, Louis-Jean. Línguas em contato. In.: ______. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002. p. 35-63. CARVALHO, Nelly. Empréstimos linguísticos. São Paulo: Ática, 1989. JACUMASSO, Tadinei Daniel. Empréstimos linguísticos. In: Folha de Irati, Irati/PR: 29 out. 2010. LOPES NETO, J. Simões. Glossário de termos gauchescos. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2011. SANTOS, Alessandra de Souza. Léxico da Língua Wapichana: um olhar sobre os empréstimos linguísticos da língua portuguesa. Revista Prolíngua, Paraíba, v. 2 n. 1. 2009. STURZA, Eliana Rosa. Línguas de fronteira e política de línguas: uma história das ideias linguísticas. Campinas, SP: UNICAMP, 2006. Tese de Doutorado. VON BORSTEL, Clarice Nadir. Os empréstimos linguísticos em Grande Sertão: Veredas. Espéculo. Revista de estudios literários, n. 42, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2009. 9. Anexosv Junto Ao Balcão do Bolicho - César Oliveira e Rogério Melo Sento as garras e ato a boca/ depois de um top na cola/ e um picaço lunarejo/ redomoneado a capricho./ Tô de folga, hoje é domingo/ e uma ansiedade me açanha/ pra golpear um trago de canha/ junto ao Balcão do Bolicho./ De longe se escuta o canto/ da minha parelha de esporas/ que nunca perde um compasso/ pois nenhuma se distrai./

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Meu sombreiro de aba larga/ quebrado nas duas pontas/ faz um não se dar de conta/ se este xucro vem ou vai./ Chego embalando o picaço/ e apeio junto ao palanque/ ali desato o bocal/ e com jeito afroxo os arreios./ Ao despacito enveredo/ bombeando a porta do toldo/ pois ontem pagaram o soldo/ e hoje eu tô com o jardeio./ Com um Buenas, saludo a todos/ e o bulicheiro já sabe/ que eu venho com a goela seca/ só tenteando um talagaço./ Assim proseando com a indiada/ me perco entre um trago e outro/ mas me acho se escuto o sopro/ das ventas do meu picaço./ Me pergunta o Catuçaba/ o que é feito do Junico?/ Lhe respondo que tá velho/ mas não desaba o chapéu./ Esses dias inté me disse/ lhe tem por grande parceiro/ e que os dois são companheiros/ desde os tempos de quartel./ Se vai a tarde num tranco/ e o sol se rebolca inteiro/ junto as barras que se somem/ no fundo do firmamento./ E eu já meio relampeado/ pago a conta e me despeço/ acomodando o regresso/ pra estância que é o meu sustento. Leguera - César Oliveira e Rogério Melo Leguera querendo vaza/ ali no próprio retumbo/ enforquilhou-se nas azas/ que tem a alma do bumbo./ Leguera se fez teatina/ não ficou rastro nem poeira/ solta o feitiço de china/ que embrujó esta chacarera./ Por que será que esta andeja/ pra ao tempo não pede trégua/ talvez porque a vida seja/ a consequência das léguas./ Repicam junto as baquetas/ sons de guitarras matreiras/ mescla de ânsias sotretas/ que te fizeram leguera./ Leguera te foste sole/ e por aqui deixaste um vago/ que sempre se desconsola/ ao recordar teus afagos./ As noites de lua cheia/ quando um ventito escramuça/ a leguera galopeia/ e o bumbo sem rumo pulsa./ Talvez num romper de aurora/ seja o destino machaço/ e a maula que se foi embora/ volte trazendo o compasso. Na Farra - César Oliveira e Rogério Melo Ouço a guitarra na farra que se encordoa/ e a noite mansa me alcança floreando a goela/ Castigo o bordão no clarão dos olhos dela/ que deixa a prima sem rima sonando a toa./ Quem não remancha na cancha mete o cavalo/ porque a malícia é carícia que me alucina/ Quem sabe a volta se solta de relancina/ quando a escramuça soluça no mesmo embalo./ Prendo-lhe o grito e solito escoro o golpe/ firme encordoada afinada que se desdobra/ e num confronto me apronto se algo me sobra/ tenteio a boca e por louca que ela se tope./ Linda morena que pena meu mundo é outro/ pois meu destino teatino quer que assim seja/ Na minha estampa se acampa a sina andeja/ ânsias de farra, guitarra e lombo de potro. Pra Um Tal De Eloí Pechada - César Oliveira e Rogério Melo Assim de susto não fosse Eloí Pechada/ por índio quebra, ser um homem dos arreios/ tinha caído porque o tostado cabano/ por ser veiaco se escondeu num chamarreio./ Rédeas domeiras e o basto que é quase um trono/ buçal de doma, e um par de esporas de ferro/ e um mal costeado na cadência do corcovo/ se levantava na ressonância de um berro./ Negro ginete abagualado na estampa/ sombreiro grande com capricho requintado/ não facilita pois sabe que é norma antiga/ escora o golpe de quem nasce mal costeado./ Mundo é mais mundo no vai e vem destas ânsias/ aquerenciadas junto a gana de um paisano/ que se sustenta na serventia das cordas/ tirando as “coscas” deste Tostado Cabano./ Porque o destino de quem doma e gineteia/ algumas vezes num

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instante se resume/ onde um veiaco se arrasta buscando a volta/ e um guapo açoita que é pra não perde o costume./ Talvez por isso esse tal de Eloí Pechada/ por ser mais um taura frente ao que pouco se amansa/ prende-lhe o grito acomodado nas garras/ Levando os garfos até onde o garrão alcança./ Porém a vida negaceia pra ser um tombo/ em quem forceja com um par de rédas ponteadas/ mas acho lindo quando a malícia se topa/ com o bagualismo de um tal de Eloí Pechada.

i

Os termos utilizados de acordo com Santos (2009) a língua fonte é aquela que disponibiliza os empréstimos para as outras línguas. ii

E a língua receptora é aquela que adota/recebe os aspectos linguísticos de outra língua. (Santos, 2009, p. 17). iii Música: Fronteira: CD Regional, Álbum Procedência. César Oliveira e Rogério Melo. iv O mesmo que Escaramuçar: Ato de obrigar o cavalo, por meio de movimentos de rédea e de pernas, a efetuar diversas evoluções, como arrancar para frente, voltar-se para trás, volver para a direita ou para a esquerda, parar e partir repentinamente, etc. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2011. v Como não há no encarte dos CDs as letras das músicas e não foi possível conseguir junto aos compositores as letras originais, as transcrições são literais, feitas de acordo com o que se ouve.

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