Encontro de Bois de Olinda – uma tradição inventada?

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Encontro de Bois de Olinda – uma tradição inventada? Lucio Enrico Vieira Attia 1

Resumo: Este artigo é fruto de pesquisa realizada no Programa de Pós Graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense. A dissertação teve como eixo central o conceito de “Culturas Viajantes” proposto por James Clifford. Refletiu sobre como as culturas se deslocam e se desdobram em outras práticas diferentes das anteriores ao descrever o “Encontro de Bois” que acontece toda noite de Quarta Feira de Cinzas em frente à casa de Dona Dá, na Rua da Boa Hora, no bairro do Varadouro, Sítio Histórico de Olinda, Pernambuco. Aqui neste texto apresento um dos aspectos da investigação que questionava se esta prática cultural seria uma tradição inventada, tendo como referencial o conceito cunhado por Eric Hobsbawn e Terence Ranger.

O presente artigo visa relatar a construção da reflexão que buscou responder ao problema: seria o “Encontro de Bois de Olinda” uma tradição inventada? O texto ressalta o caráter processual do questionamento; e certo de que não somos pastas, arquivos físicos ou digitais separados, onde tentamos classificar as coisas e o tempo 2, trarei nele meu relato vivido na aprendizagem cotidiana articulando experiências e fontes bibliográficas, na tentativa de dar concretude e sentido às questões apresentadas. Ciente da complexidade das categorias com as quais tenho que lidar nesse campo desenvolverei o trabalho sem a preocupação de omitir “tropeções”, “confusões”, “perdas” ou “surpresas de viagem”. Em “tom” dialógico, esta “obra aberta” intenciona abrir uma conversa. Caso você sinta vontade, entre em contato pelo e-mail [email protected] para que possamos continuar nossa comunicação.

Tenho alguns motivos pelos quais resolvi escrever este texto. Um deles se deve à sensação de que, por inúmeras vezes, parece-me que diversos autores [de diferentes campos do saber] têm utilizado o conceito de invenção das tradições sem o devido zelo. Em minha opinião, embora ele tenha sentido amplo, Hobsbawn e Ranger o criam com contornos bem definidos; contudo, vejo há anos textos que utilizam esta concepção sem caracterizála em sua plenitude, “diminuindo” o pensamento e a “ajustando” de tal forma elástica, que ela passa a dar conta de qualquer acontecimento no âmbito cultural. Como se, a partir do momento em que o livro foi publicado, para falar de tradição, fosse necessário “pagar pedágio”. Nesta lógica basta dizer a senha: “toda tradição é inventada” e assim toda elaboração intelectual acerca da categoria tradição se dá por “sacramentada”. Só que não. No contexto do autor ela define um olhar específico dentro de um contexto que discutirei mais à diante. 1

Mestre em Cultura e Territorialidades pela Universidade Federal Fluminense. [email protected] Esta imagem faz referência à descrição utilizada por Stela Guedes Caputo ao concluir sua pesquisa de doutorado relatada no livro “Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com as crianças de Candomblé”. Editora Pallas. 2012. 2

Mas este é apenas um dos porquês. Outro motivo é que eu mesmo, durante a elaboração do então projeto de pesquisa, passei por esse “lugar” e apresentei a invenção das tradições como questão chave para entender o “Encontro de Bois”. Naquele momento eu já participava do “Encontro” por dez anos, em sete deles brinquei em um dos “bois”, nos três seguintes decidi mudar de posição e observar a festa como um todo. Talvez pela influência das leituras que outros autores e autoras fazem a respeito do conceito de Hobsbawn e Ranger às quais eu tinha acesso, talvez pela minha experiência em um dos grupos; o fato é que meu olhar se dirigia para buscar compreender a noite de Quarta de Cinzas na Rua da Boa Hora a partir desta questão. Quando iniciei de fato a pesquisa no Programa, passei a aprofundar minha leitura no livro e percebi que talvez não se tratasse disso. A “pá de cal” foi lançada quando, já “balançado” sobre a utilização do conceito, passei a entrevistar os interlocutores da pesquisa. Afinal, nada melhor que o “campo” para “derrubar” qualquer elucubração abstrata. Em todo caso, por via das dúvidas, levei à questão à banca de qualificação - da qual duas historiadoras participaram - e decidimos; juntos, não utilizar este pensamento. Imagine minha surpresa quando na banca de defesa outro historiador estranhou o fato de eu não ter utilizado a invenção das tradições! Ah, a academia... Este artigo surge desse cisma. Por todas as idas e vindas que o conceito passou na pesquisa, resolvi retornar ao livro e verificar se realmente não deixei escapar um ponto importante de análise. E assim, aqui estamos nós, neste artigo, “Encontro de Bois de Olinda – uma tradição inventada?” (CUIDADO: SPOILER A SEGUIR - SE NÃO DESEJA SABER O FIM DA TRAMA PASSE PARA O PRÓXIMO PARÁGRAFO3). Uma flexão que poderia também chamar-se: “Porque não considero invenção das tradições um conceito aplicável ao ‘Encontro de Bois de Olinda’”. Sigamos com uma pequena descrição do “Encontro” 4: Ano após ano, em um crescimento contínuo, no estado de Pernambuco, uma prática de sociabilidade5 tem se firmado em uma data bastante esperada. 3

A palavra spoiler é utilizada no campo das artes para avisar que no trecho seguinte haverá revelação de informação importante sobre o desfecho da obra podendo prejudicar sua apreciação pela primeira vez. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Spoiler_(m%C3%ADdia). Acesso em: 22 de junho de 2016. 4 Devido às restrições de espaço para escrever este artigo, optei por incluir nesta parte do texto uma brevíssima descrição do “Encontro”. Para uma narrativa mais detalhada, conferir na dissertação disponível em: https://www.academia.edu/19653870/ENCONTRO_DE_BOIS_DE_OLINDA_A_FESTA_DA_QUARTA_DE_CINZ AS_%C3%89_NA_CASA_DA_DONA_D%C3%81_Ponto_de_converg%C3%AAncia_para_m%C3%BAltiplas_cultur as_viajantes_ 5 Prática de sociabilidade aqui entendida como associação de indivíduos onde ocorrem trocas simbólicas. Segundo RESENDE (2001, p. 1), na teoria social, a noção de sociabilidade se refere geralmente a situações lúdicas em que há congraçamento e confraternização entre as pessoas. A autora cita Aries (1981) para afirmar que este conceito refere-se a

Com o término oficial do Carnaval, toda Quarta-feira de Cinzas, por iniciativa própria, ao cair da noite, as ladeiras de Olinda recebem uma série de brincantes6 e turistas provenientes de diferentes manifestações populares e lugares (do país e do mundo) para realizar o “Encontro de Bois7”, em frente à casa de Dona Dá8. Uma característica peculiar dos “bois” que vão até a casa da moradora é que, em geral, os componentes dos grupos possuem outras funções durante a Folia de Momo: são artistas que ocupam a cena nos palcos com grandes shows, que brincam nos terreiros – forma como são chamados os espaços onde ocorrem as brincadeiras 9; ruas, por exemplo, ou ainda criadores que transitam pelos dois campos. Na Quarta de Cinzas, todos se encontram. O que todos os “bois” e “blocos” têm em comum, mesmo aqueles que não têm trajeto predefinido, é a convergência à Rua da Boa Hora e mais especificamente à casa de Dona Dá. Neste sentido poderíamos dizer que os “bois” vão à Rua da Boa Hora para visitar a moradora. Alguns levam presentes a ela, que permanece em pé, os recepcionando do começo ao fim da festa - que tem durado cerca de 6 horas, em média. Interessante ressaltar que antes da realização do “Encontro” a moradora não tinha relação específica com a brincadeira do “boi”. Ao chegar à residência de Dona Dá, após o grupo anterior finalizar sua brincadeira, o grupo seguinte se instala em frente à moradora e tece seus versos dedicados à dona da casa, a fatos cotidianos e/ou ao tempo que o grupo percorre sua via festiva. Quando terminam, as lideranças dos “bois” recebem de Dona Dá, família, amigos e amigas ofertas de frutas diversas, vinho, cachaça, água, e o troféu que sela o compromisso - e que a cada ano tem um formato e é confeccionado por um artista diferente. visitas, encontros e festas que envolvem trocas afetivas e comunicações sociais em que música e dança são elementos comuns, e a comensalidade aparece quase como uma obrigatoriedade. 6 Pessoa que participa de folias, folguedos e festas. Disponível em: http://www.cnfcp.gov.br/tesauro/00000190.htm Acesso em 28 de setembro de 2013. 7 As brincadeiras de “boi” podem ser encontradas em diversas regiões brasileiras e abrigam nesta categoria uma ampla gama de variantes. Segundo CAVALCANTI (2009, p.93) os folguedos do “boi” exigem intensa atividade corporal como o uso de fantasias, música e dança. Neles os grupos brincantes – cujas dimensões, indumentárias e formação característica diferem muito – reúnem-se para brincar em torno de um boi-artefato bailante. Vale dizer ainda que por “boi” entende-se tanto genericamente o festejo, quanto a representação plástica do animal [podendo ser feito com diferentes materiais] e o grupo de pessoas que se organiza em torno dela. (CARVALHO, L., 2009, p.115) [acréscimo nosso]. 8 Jodecilda Airola de Lima, popularmente conhecida como Dona Dá, atualmente com 78 anos, foi homenageada do Carnaval de Olinda em 2004. Primeira mulher a receber esta deferência. A escolha se deu mediante voto popular. Dona Dá atingiu a marca de 3.643 votos com o slogan “Carnaval sem Dona Dá não dá”. Mais informações em http://www.old.pernambuco.com/diario/2004/02/04/urbana5_0.html. Em 2011 foi homenageada pelo boneco gigante mais famoso do Carnaval de Olinda, o Homem da Meia Noite. Informações em http://unacomo.blogspot.com.br/2011/01/homem-da-meia-noite-escolhe-hmenageados.html Ambos os acessos em 10 de maio de 2014. 9 Brincadeira é uma categoria muito comum nas expressões populares para expressar atividades que mesclam múltiplas interfaces do cotidiano. Conforme CARVALHO as motivações místicas e religiosas, por exemplo, não se chocam com as dimensões de lazer, jogo, diversão, teatro e festa, com a fartura de comidas e bebidas, e com os excessos de gozos corporais que reforçam o caráter lúdico das encenações populares. [...] [contudo] trata-se, pois de uma brincadeira levada a sério. [...] Os participantes se autodenominam brincantes. (CARVALHO, L., 2009, p.116) [inserção minha]. Tenderini reforça: “As brincadeiras são algo muito sério. Mas são também divertimento” (TENDERINI, 2003, p. 20).

Praticamente todo ano surge “boi” novo na brincadeira. Alguns se inspiram em tradições presentes em outros ciclos comemorativos10, como o Ciclo Natalino ou o Junino, outros são compostos por características de manifestações populares presentes no Ciclo Carnavalesco pernambucano, e há ainda grupos que nem “bois” são. Na noite da Quarta de Cinzas, a parte de cima da Rua da Boa Hora é completamente tomada pelos brinquedos. Seria o “Encontro de Bois de Olinda” uma tradição inventada? Em seu livro, “A invenção das tradições”, Eric John Ernest Hobsbawn e Terence Osborn Ranger (2012), mostram como no contexto do Estado-Nação, a noção de tradição foi um importante elemento de estabilidade em sociedades que atravessaram um rápido e profundo processo de mudança. Hobsbawn, na introdução do livro, afirma que “muitas vezes, ‘tradições’ que parecem ou são consideradas antigas, são bastante recentes, quando não são inventadas” (idem, ibidem, p.11). O argumento que perpassa todo o livro é de que desde a Revolução Industrial, muitas vezes, foram criadas e desenvolvidas tradições por parte das elites nacionais a fim de justificar a existência e importância de suas nações. Neste sentido, as tradições inventadas têm objetivos ideológicos e legitimadores de status nas sociedades de classes com a finalidade política de manter a ordem social. A primeira questão que ficou mais clara ao me reaproximar do texto, lendo finalmente todo o livro, e que desejo ressaltar aqui, foi que o conceito refere-se, sobretudo, à apropriação e criação por parte das elites/do Estado que busca, em meio às mudanças de seu cotidiano, criar condições através de práticas e rituais para alcançar uma estabilidade; construindo ideologias legitimadoras de seus status por meio da difusão de práticas e rituais. O argumento principal do livro é demonstrar como diferentes tradições, consideradas muito antigas, foram criadas e são mantidas por estes atores sociais. Os textos apresentados nos capítulos seguintes ilustram esta teoria abordando a utilização das saias escocesas e da gaita de fole; os costumes pitorescos do País de Gales, os rituais de realeza da Monarquia britânica, a representação da autoridade na Índia Vitoriana, a invenção da tradição na África colonial e ainda a produção em massa de tradições. 10

O tempo cíclico. Aquele que, ao contrário do tempo cronológico - pautado pela sequência de anos que ocorrem sucessivamente e não retornam - vai e volta. É aquele que nos lembra de que “é época de...”. Tempo do eterno retorno. Aquele que marca nossos períodos festivos e orienta nossas práticas sociais cotidianas. De acordo com Barbero: O tempo cíclico é um tempo cujo eixo está na festa. As festas com sua repetição, ou melhor, com seu retorno balizam a temporalidade social [...] Cada estação, cada ano possui a organização de um ciclo em torno do tempo denso das festas, denso enquanto carregado pelo máximo de participação, de vida coletiva. A festa não se constitui, contudo, por oposição à cotidianidade; é, antes, aquilo que renova seu sentido, como se a cotidianidade o desgastasse e periodicamente a festa viesse recarregá-lo novamente no sentido de pertencimento à comunidade. (MARTÍNBARBERO, 2003, p. 136).

O termo “tradição inventada” inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo - às vezes coisa de poucos anos apenas - e se estabeleceram com enorme rapidez. [...] Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado. [...] Em poucas palavras, elas são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que obrigatória. É o contraste entre as constantes mudanças e inovações do mundo moderno e a tentativa de estruturar de maneira imutável e invariável ao menos alguns aspectos da vida social que torna a “invenção da tradição” um assunto tão interessante para os estudiosos da história contemporânea (idem, ibidem, p. 11-12).

Confabulando com os trechos acima temos os primeiros motivos pelos quais não considero o “Encontro de Bois” uma tradição inventada. Trata-se de uma prática cultural criada e mantida pelos interlocutores da pesquisa. Neste sentido não se refere a uma criação por parte das elites/do Estado com a finalidade de legitimar seu status por meio da difusão de práticas e rituais. O “Encontro de Bois de Olinda” inclusive, nunca foi pensado, deliberado, planejado. Ele aconteceu. É fruto do entrecruzamento entre o desejo de moradores da Rua da Boa Hora de homenagear blocos e troças que passassem pela rua tocando no Carnaval, na década de 1980, posteriormente acrescido do desejo de artistas de manipular, recriar as práticas culturais com as quais se identificavam, nos anos 90. Conforme desenvolvi na dissertação, no caso do “Encontro de Bois” o que me parece ter acontecido foi a criação de um espaço de sociabilidade de livre trânsito simbólico que é realizado por meio de um ritual lúdico-festivo que acontece anualmente na noite de Quarta de Cinzas. Desta forma, outro motivo por que considero que a festa não se enquadra como tradição inventada é por não acreditar haver sujeição, submissão de classe; pelo contrário, penso haver a dissolução do status de nossa sociedade classista. Desde a primeira vez que vi o “Encontro”, em 2003, percebo, de uma maneira geral nos brinquedos tanto cortadores de cana quanto universitários e artistas, crianças, jovens e idosos, brancos e negros, pessoas de ambos os sexos e dos mais variados gêneros brincando reunidos. No âmbito da participação do Estado, conforme fui realizando a pesquisa, percebi que ele é somente mais um dos atores dentre os interlocutores que “participa” do “Encontro”, não seu “ator” central, conforme olhar ao qual minha percepção se dirigira anteriormente. A Prefeitura de Olinda divulga o evento e, de vez em quando, oferece algum apoio à festa. Sem nenhuma influência ou intervenção específica permanente. Posso afirmar que a noite de Quarta de Cinzas, na Rua da Boa Hora continua sem estar formalmente institucionalizada no sentido de vinculada ou dependente

do poder público para acontecer. Muito pelo contrário, essa forma de autogestão é considerada por grande parte dos interlocutores um dos pontos fortes de sua realização. Outro ponto de discordância é que embora existam muitas histórias para a origem do que hoje conhecemos como “Encontro de Bois de Olinda”, é possível localizá-la no tempo. Sua data de origem, a depender de qual versão que será abordada, pode ser situada em 1992, 1993, 1995, 1996, 1999 ou 2000. Segundo Hobsbawn, um dos elementos de apoio para a sustentação das tradições inventadas é a criação de rituais com a finalidade de reforçar sua existência. Como vimos, considero o ritual de visitação à casa de Dona Dá como momento ápice do “Encontro”; porém não acredito que este aspecto seja suficiente para considerar o “Encontro de Bois” uma tradição inventada. Especificamente no que diz respeito a esta questão [ainda que desejasse forçar para que a noite de Quarta de Cinzas na Rua da Boa Hora coubesse nesse conceito], não percebo neste ritual a força de prática imposta, aflitiva, que estão contidas nas sentenças “visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado” (idem, ibidem, p.11) ou ainda “a invenção de tradições é essencialmente um processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela imposição da repetição” (idem, ibidem, p. 15). No “Encontro de Bois” ocorre ritual, sim; por adesão, acordo, consentimento, ligação. De acordo com as entrevistas realizadas, ninguém participa desta noite obrigado ou visando algum retorno que não seja a alegria do reencontro e o prazer de brincar com seus amigos no fechamento do Carnaval. O que me parece acontecer é que anualmente, na noite de Quarta de Cinzas, tanto a moradora-símbolo do Carnaval de Olinda reafirma-se como madrinha dos “bois”, quanto estes brinquedos comprometem-se, a partir da apropriação de múltiplos elementos culturais, a serem reconhecidos [e se reconhecerem entre si neste local], mantendo a vitalidade do “Encontro de Bois”. Outro aspecto importante que Hobsbawn cita, inclusive, como mais interessante no caso de invenção das tradições é “a utilização de elementos antigos na elaboração de novas tradições para fins bastante originais” (idem, ibidem, p. 17). Quando entrevistei Dona Dá pela primeira vez ela iniciou sua fala dizendo: “passou um ‘boi’ por aqui...”. Fiquei intrigado com esse “boi” que circulava por sua porta em algum momento do passado. Chamou-me atenção o fato de que ao mesmo tempo em que ela menciona esse momento anterior, Dona Dá estabelece em sua narrativa o início do “Encontro de Bois” no ano 2000. Fiquei pensando se não haveria ligação entre estes “bois” de agora e mesmo ainda o troféu oferecido [que também teve formato de “boi” no primeiro ano], com o “boi” anterior. Será que seria o caso do que Hobsbawn afirma serem “reações a situações novas que assumem a forma de referência a situações anteriores [...] através da repetição quase que obrigatória”? (idem, ibidem, p. 12) Quem sabe Dona Dá e os moradores da Boa Hora

estivessem buscando resgatar uma prática perdida visando continuidade em relação ao passado? Quem sabe estariam se utilizando desta memória para legitimar este ritual? A vida não é tão simples. Quando fui buscar informações, a moradora não tinha mais elementos, só soube de “ouvir falar” e mesmo assim anos depois que o “Encontro” já era realizado, por volta de 2011-2012, quando um novo vizinho, que participara daquele “boi” - que posteriormente descobri ser da década de 70 - mudou-se para a rua. Esta história, inclusive é motivo de brincadeira entre os moradores. Apresento agora meu principal motivo do por que não considero o “Encontro de Bois” uma tradição inventada. Abro um diálogo entre tradição, no sentido que Hobsbawn a utiliza, e a forma pela qual tenho utilizado ao longo da vida. Para Hobsbawn: A “tradição” [...] deve ser nitidamente diferenciada do “costume”, vigente nas sociedades ditas “tradicionais”. O objetivo e a característica das “tradições”, inclusive das inventadas, é a invariabilidade. O passado real ou forjado a que elas se referem impõe práticas fixas (normalmente formalizadas), tais como a repetição. O “costume”, nas sociedades tradicionais, tem a dupla função de motor e volante. Não impede as inovações e pode mudar até certo ponto, embora evidentemente seja tolhido pela exigência de que deve parecer compatível ou idêntico ao precedente. Sua função é dar a qualquer mudança desejada (ou resistência à inovação) a sanção do precedente, continuidade histórica e direitos naturais conforme o expresso na história [...] O “costume” não pode se dar ao luxo de ser invariável, porque a vida não é assim nem mesmo nas sociedades tradicionais (idem, ibidem, p. 13).[grifos meus].

Como se pode perceber, tradição, para Hobsbawn, no âmbito da invenção das tradições, remete-nos à cristalização, invariabilidades, fixação; ao passo que sua leitura de costume relacionase com princípio estimulador. Sendo assim, estabelece-se mais uma diferença entre as propostas; pois na ótica com a qual tenho trabalhado o conceito tradição, segundo diferentes autores IPHAN (2006), SODRÉ (1988), COUTINHO (2002), TENDERINI (2013)

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, a tradição é quem tem a

Segundo o IPHAN, tradição, tomada em seu sentido etimológico de “dizer através do tempo”, abarca as práticas produtivas, rituais e simbólicas que são constantemente reiteradas, transformadas e atualizadas, mantendo, para o grupo, um vínculo do presente com o seu passado. Fonte: Resolução 001, de 03 de agosto de 2006. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=690. Acesso em 31 de agosto de 2013. Muniz Sodré relaciona tradição a princípio; pois Arkhé, em grego, tem esse significado - não no sentido de origem, início dos tempos, começo histórico, mas “eterno impulso inaugural da força de continuidade do grupo”. Arkhé é também traduzido por tradição, transmissão da matriz simbólica do grupo. Neste sentido, a tradição não implica necessariamente a ideia de um passado imobilizado, passagem de conteúdos inalterados de uma geração para outra, implica antes, em uma ação plena, aberta para o estranho, o mistério, para todas as temporalidades e locais possíveis, sem obstruir transformações. Segundo o autor, toda mudança transformadora, toda revolução, ocorre no interior de uma tradição com o objetivo de retomar o livre fluxo das forças necessárias à continuidade do grupo. Sendo assim, Arkhé está no passado e no futuro, é tanto origem como destino. (SODRÉ, 1988 apud CAPUTO, 2012, p. 117-118). Eduardo Coutinho distingue tradição de duas maneiras. Estas possuem implicações políticas distintas, correspondendo a diferentes práticas de reelaboração do passado e de interpretação da história. A visão metafísica da tradição, um conhecimento geral e abstrato, visa prolongar um passado no presente, conservando as relações sociais existentes, refletindo o conservadorismo dominante ao pensar a cultura como objeto, peça de coleção ou mercadoria; aproximando-se assim do tradicionalismo [e para mim, mais próxima da definição de invenção das tradições de Hobsbawn]. Já a visão dialética apresenta-se na prática e nos discursos libertários. É inspirada na teoria hegeliana que afirma que no universo tudo é movimento e transformação, e

função de motor e volante. Desta forma, o que para o autor é costume, em nossa leitura [minha e dos autores supracitados] é, na verdade, nossa leitura da tradição. Explico melhor: na forma como tenho utilizado o conceito tradição quer dizer “através do tempo”, esta, é constantemente reiterada, transformada e atualizada. Tradição relaciona-se a princípio não no sentido de origem, início dos tempos, começo histórico, mas ao impulso inaugural da força de continuidade do grupo. Neste sentido, a tradição é vista como força propulsora e não como um fardo; é manifestação portadora de elementos dinamizadores da vida cultural. É ação criadora do sujeito sobre as formas do passado. Processo pelo qual o homem, por meio de sua prática criadora, transforma ativamente a realidade cultural. Nesta leitura, o passado está vivo, acessível, e tem seu lugar. Podemos ir até ele buscar o que nos serve hoje. Assim, o passado nem mesmo é passado. Esse passado, do qual estou falando, ao invés de nos “puxar pra trás”, nos “empurra para frente” alimentando a tradição que é acionada positivamente e vista como um legado, um testamento, um patrimônio; e o indivíduo, na função de mediador, representa o elo ativo e participante de uma cadeia de outros seres que o sucederam e que consequentemente o ultrapassarão no tempo e no espaço. A tradição enfim, está aqui por que permanece viva, e continua viva por ainda fazer sentido no aqui e agora. Outro aspecto que considero fazer com que o “Encontro de Bois” não se alinhe às proposições de Hobsbawn diz respeito ao motivo que o autor cita para a criação de novas tradições:

Provavelmente, não há lugar nem tempo investigados pelos historiadores onde não haja ocorrido a “invenção” de tradições [...]. Contudo, espera-se que ela ocorra com mais frequência: quando uma transformação rápida da sociedade debilita ou destrói os padrões sociais para os quais as “velhas” tradições foram feitas, produzindo novos padrões com os quais essas tradições são incompatíveis. Quando as velhas tradições, juntamente com seus promotores e divulgadores institucionais, dão mostras de haver perdido grande parte da capacidade de adaptação e da flexibilidade; ou quando são eliminadas de outras formas. Em suma, inventam-se novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e rápidas tanto do lado da demanda quanto da oferta. (idem, ibidem, p. 16) [grifos meus]

Em minha opinião, as “tradições-base” que “alimentam” os diversos “bois” que participam do “Encontro” vão “muito bem, obrigado”. Sobre diversos aspectos - apesar das históricas condições precárias de vida na qual sobrevivem os criadores/mantenedores destas tradições - elas seguem fortalecidas não parecendo haver especificamente um elo direto entre a criação do “Encontro de Bois” e uma possível debilitação ou destruição dos padrões sociais das anteriores. Ao

que as transformações das ideias determinam as transformações da matéria. Sob esta perspectiva, a tradição é vista como ação criadora do sujeito sobre as formas do passado. Um operador político capaz de refazer a história como patrimônio das camadas populares ao considerar o processo pelo qual o homem, por meio de sua práxis criadora, transforma ativamente a realidade cultural. (COUTINHO, 2005).

contrário, os atores sociais parecem circular entre os dois universos. No “Boi Marinho 12” - para citar somente um dos muitos exemplos possíveis entre os grupos que participam do “Encontro”, o grupo brinca em Condado, na considerada “terra do Cavalo Marinho” - segundo slogan da Prefeitura - ao mesmo tempo em que componentes dos “Cavalos Marinhos” - que aprenderam a brincar junto à suas famílias – participam no “Boi Marinho” em Olinda. Parece que a brincadeira [no sentido do “Boi Marinho”] e a tradição [no sentido do Cavalo Marinho] dialogam entre si e tem claro que “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”, como se diz popularmente. Concordo com Hobsbawn ao acreditar que o aspecto mais interessante em sua teoria “é a utilização de elementos antigos na elaboração de novas tradições inventadas para fins bastante originais” (idem, ibidem, p. 17), neste sentido o “Encontro de Bois”, na figura dos vários “bois” participantes, claramente, conforme vimos, dialoga com as tradições precedentes. “Sempre se pode encontrar, no passado de qualquer sociedade, um amplo repertório destes elementos; e sempre há uma linguagem elaborada, composta de práticas e comunicações simbólicas” (idem, ibidem, p. 18). Caminho junto ao autor quando ele afirma que “por outro lado, a força e a adaptabilidade das tradições genuínas não devem ser confundidas com a ‘invenção de tradições’. Não é necessário recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se conservam” (idem, ibidem, p. 20). Foi exatamente este aspecto que tentei “ilustrar” no parágrafo anterior. Para finalizar esta reflexão sobre se o “Encontro de Bois” se enquadraria; se caberia ser analisado no âmbito do conceito13 de invenção das tradições, espero ter deixado claro que percebi 12

De Hélder Vasconcelos, “boi” que brinca no Carnaval com elementos do “Cavalo Marinho”, autopopular da Zona da Mata Norte de Pernambuco, de ocorrência predominantemente no Ciclo Natalino. A brincadeira costuma durar cerca de 8 horas e integra representação, música, dança e poesia. Mais informações em: http://www.recife.pe.gov.br/especiais/brincantes/8c.html. Acesso em 07 de setembro de 2013. 13 Sobre o conceito, admito que tenho mesmo até dificuldade de encontrar no Brasil uma situação que exemplifique uma tradição inventada em nosso país. Talvez o Desfile Militar de 7 de Setembro para confirmar o Estado Democrático de Direito, com as forças armadas subordinadas à Presidência da República; ou, para ficar no campo das “culturas Populares” a contribuição de Mário de Andrade à narrativa sobre nosso Estado-Nação a partir das manifestações populares tradicionais. Sobre este caso, a categoria folclore ocupou lugar estratégico na proposta nacional-cultural de Mário de Andrade ao tentar aliar a busca do Modernismo às raízes culturais brasileiras. Mais informações em: http://www.centrocultural.sp.gov.br/Colecoes_Missao_de_Pesquisa_Folclorica.html . Acesso em 29 de agosto de 2013. Livros bastante conhecidos do autor são: “O turista aprendiz” e “As danças dramáticas do Brasil”. Segundo ARAGÃO (2011) os ideais de Mário de Andrade inspiraram o Movimento Folclórico, que ganharia peso por volta da década de 40 ganhando força ao criar, conforme recomendações da UNESCO, suas Comissões Estaduais. (VILHENA, apud ARAGÃO, 2010 p.2) Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1278679105_ARQUIVO_ArtigoAnpuhRio.pdf Acesso em 03 de setembro de 2013. Cf. VILHENA, “Projeto e Missão: o movimento folclórico brasileiro (1947-1964)”. Disponível em: http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=100. Acesso em 03 de setembro de 2013. Sua interlocução com o Estado, por exemplo, produziu uma gama de práticas materiais e espaciais que criaram e reverberam até hoje em conhecimentos, histórias, tradições de pesquisa, comportamentos etc. Você já ouviu alguma vez uma história sobre o “auto do boi”: Catirina, grávida, com desejo de comer a língua do “boi” preferido de seu amo, faz com que Mateus [ou Pai Francisco, a depender da região] corte a língua do animal que padece até ser ressuscitado pelo Pajé ou outro personagem? Pois é, CAVALCANTI no seu texto “Tempo e narrativa nos folguedos do boi” (2009, p. 82) ao mencionar o trabalho de Luciana Carvalho, afirma que o “auto do boi” na verdade trata-se mais de uma “ilusão do auto”, por que, através de constatação etnográfica, este auto, em sua suposta integridade dramática parece nunca ter existido. A autora afirma que a relação do folguedo com as encenações dramáticas que eventualmente elabora não é a de obediência a um roteiro de um enredo pré-estabelecido tal qual nos faz pensar a farta bibliografia, entre elas, a de

mais diferenças do que semelhanças entre o que os autores propõem e a prática cultural que participo e me dediquei a estudar. De acordo com minha “leitura”, o “Encontro de Bois” não se encaixa nem no que poderíamos considerar, de acordo com a gramática Hobsbawniana, nem no campo das “tradições genuínas”; nem na sua definição de “tradição inventada”. Em síntese, no final das contas, em busca de um conceito que se adequasse à questão da dissertação acabei chegando às Culturas Viajantes, de James Clifford e prossegui com ele até o fim. E após a pergunta do historiador que participou de minha banca de defesa e que questionou o porquê d’eu não ter trabalhado o conceito, acabei colocando uma nota no texto final afirmando que optei por utilizar o termo “criação de uma tradição” e não “invenção de uma tradição” - embora aquele não fosse o problema final da pesquisa - para demarcar que não considero o “Encontro de Bois de Olinda” uma “tradição inventada” no sentido desenvolvido por Hobsbawn e Ranger. Acredito que se quiséssemos insistir na questão da tradição como categoria central para compreender o “Encontro de Bois” poderíamos pensar nele como um espaço de “criação de uma tradição”; afinal toda tradição começa de algum lugar. Estaríamos nós, ao contemplar o “Encontro de Bois de Olinda”, vivenciando o processo de criação de uma nova tradição? Já temos outra pesquisa...

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CARVALHO, Luciana. A matança do santo: riso ritual e performance no bumba meu boi. In: CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro e: As festas e os dias: ritos e sociabilidades festivas. Rio de Janeiro: Contracapa. 2009, 115-142, p.116 CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças de Candomblé. Rio de Janeiro: Pallas, 2012. 296p. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro e. Tempo e narrativa nos folguedos de boi. In: CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro e (org): As festas e os dias: ritos e sociabilidades festivas. Rio de Janeiro: Contracapa. 2009, 28p. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/810. Acesso em 28 ago 2013.

Mário de Andrade, contendo a insidiosa ideia de fundo: de que esses folguedos corresponderiam à encenação de um “auto do boi” apresentando a trama baseada na lenda da morte e ressurreição de um precioso boi a partir do desejo de uma negra grávida. Poderia citar também o olhar incisivo sobre o eminente desaparecimento das tradições populares, chamado por José Reginaldo Gonçalves de “retórica da perda”; afinal as tradições estão “morrendo” desde que a universidade começou à estudá-las. Cf.: A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. José Reginaldo Santos Gonçalves. Rio de Janeiro. ED. UFRJ/IPHAN. 1996. 156p.

CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR. Tesauro_Brincante. Disponível em: http://www.cnfcp.gov.br/tesauro/00000190.htm Acesso em 28 set 2013. COUTINHO, Eduardo Granja. Os sentidos da tradição in: PAIVA e BARBALHO, Raquel e Alexandre (orgs.). Comunicação e cultura das minorias. São Paulo: Paulus, 2005. Disponível em: http://www.pos.eco.ufrj.br/docentes/publicacoes/ecoutinho01.pdf Acesso em 3 de março de 2015. HOBSBAWN, Eric e RANGER Terence (orgs). A invenção das tradições. [Ed. Especial] (Saraiva de Bolso). Nova Fronteira, 2012. 438p. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍTICO NACIONAL. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=12826&sigla=Institucional&retorn o=detalheInstitucional/ Acesso em: 03 de set 2013. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações - Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. PREFEITURA MUNICIPAL DE OLINDA. Encontro de Bois é uma das pedidas da Quarta de Cinzas. Disponível em: http://carnaval.olinda.pe.gov.br/noticias/encontro-de-bois-e-uma-daspedidas-da-quarta-de-cinzas Acesso em: 30 de janeiro de 2013. RESENDE, Cláudia Barcellos. Os limites da sociabilidade: “cariocas” e “nordestinos” na feira de São Cristóvão. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/viewFile/2145/1284. Acesso em 25 set 2013. TENDERINI, Helena Maria. Na Pisada do Galope: Cavalo Marinho na fronteira traçada entre Brincadeira e Realidade. 98 f Dissertação (Pós-Graduação em Antropologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Pernambuco. 2003. Disponível em: http://www.liber.ufpe.br/teses/arquivo/20031222103007.pdf Acesso em 14 jun 2016.

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