Encontros de Percepção: ferramenta de interação e práxis pedagógica

July 25, 2017 | Autor: Cristiane Otutumi | Categoria: Música, Educação Musical, Percepção Musical
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Encontros de percepção: ferramenta de interação e práxis pedagógica Cristiane Hatsue Vital Otutumi Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) [email protected] Resumo: Este trabalho tem como objetivo relatar a experiência vivida com alunos das turmas de Percepção Musical – dos cursos técnico e superior – da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, em Natal. Trata-se de um projeto de extensão universitária, que visa estimular a dedicação e participação dos alunos, a interação das turmas com seus respectivos conteúdos, e, a aplicação prática desses conhecimentos num caráter de performance. Dessa forma, estamos reunindo gradativamente um público maior, expandindo o universo acadêmico. Nossos passos futuros são de aprimorar as próximas edições e promover eventos-suporte, para que possamos pensar e atuar em percepção com mais coerência e conexão entre os saberes teóricos e práticos.

Introdução Ao assumir a disciplina de Percepção Musical na Escola de Música da UFRN, em 2003, tive a oportunidade de colocar em prática algumas idéias que puderam vir a contribuir de forma positiva e evidente na participação e qualidade das turmas. Pertencente ao corpo de disciplinas teóricas no universo acadêmico, esta disciplina – dentro de um ensino musical tradicional – resume-se muitas vezes à aplicação de ditados melódicos e /ou rítmicos altamente elaborados e que vêm traçar desafios cada vez maiores aos alunos. Como dizem Campolina e Bernardes (2001) é freqüente nas aulas de percepção a escolha de um processo que privilegie a fragmentação do discurso musical, criando distância da ‘inteiridade do fenômeno’, além da adoção da ‘filosofia da charada’ onde há apenas uma resposta correta para uma atividade bem engenhosa. Nesse sentido, comenta Gramani (1999, p. 11) sobre o aspecto rítmico: O ritmo em nosso ensino tradicional é considerado um elemento eminentemente matemático; se conseguirmos somar 2+2 saberemos executar um ritmo. Esta idéia, além de representar uma realidade parcial do fenômeno rítmico, colabora para que o mesmo se distancie muito do discurso musical, ocupando um lugar de pouca importância no estudo da música.

De maneira geral, passamos por experiências parecidas com a percepção. Experiências que mantém um aprendizado fragmentado, causado pelo “divórcio da música, em sua manifestação legítima e natural” (CAMPOLINA; BERNARDES, 2001, p. 9), o que gera certa insatisfação com a disciplina, que geralmente é conhecida e rotulada com um humor irônico de ‘decepção musical’ aquela que realiza ‘solfrejos’. 767

Apesar disso, sabemos de sua importância. Não é sem razão que mesmo não participando do corpo de disciplinas obrigatórias, nossas turmas na UFRN continuem numerosas. Parece-me também soar consenso o pensamento sobre o quão essencial é desenvolver habilidades que o treinamento e práticas de elementos da melodia, ritmo e harmonia promovem. E, realmente esse saber traz muitas contribuições para outras realizações musicais, seja na performance, na compreensão de conteúdos teóricos, na criação e expressão da musicalidade. Dessa forma, observando a necessidade de trazer novas perspectivas ao aprendizado da percepção musical, porém, não deixando de envolver atividades como a escrita, leitura ou o foco em aspectos da pedagogia tradicional, iniciei o trabalho do I Encontro de Percepção da Escola de Música. Registrado como projeto de extensão universitária trazia a princípio consigo uma expectativa de continuar com outras edições apenas eventuais. Mas rapidamente apareceram novas idéias, estimuladas pela solicitação dos próprios alunos, resultando numa seqüência de quatro edições. Algumas das inquietações que foram e são ainda combustíveis dessa busca: Por que pensamos de forma integrada apenas no ensino musical para crianças? Como contribuir para propiciar unidade e dinâmica aos conteúdos? Não se tem a pretensão de resolver de forma milagrosa ou responder tais questões, mas de refletir e tentar delinear caminhos possíveis que tornem a nossa realidade mais coerente e formadora de profissionais mais conscientes.

I ao IV Encontro de Percepção da Escola de Música Os Encontros de Percepção da Escola de Música ocorreram em quatro edições: em março de 2004 (45 participantes, 13 peças apresentadas), em julho de 2004 (68 participantes e 9 peças), em janeiro de 2005 (41 participantes e 17 peças/jingle), e maio de 2006 (70 participantes e 10 peças). O projeto tem como proposta uma mostra de peças vocais (coros ou grupos menores), peças rítmicas (geralmente corporais) e/ou instrumentais, com elementos que fazem parte do conteúdo da disciplina, tais como alternância de fórmulas de compasso, modos, progressões harmônicas, leitura em diferentes claves, estudos de ritmos brasileiros, sempre numa roupagem interpretativa. São incentivadas também a improvisação e a composição. Uma das principais contribuições é a oportunidade dos alunos revelarem seus potenciais de atuação com versatilidade e ação conjunta.

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É uma iniciativa promovida até o momento sem recursos financeiros, no qual participam alunos interessados (sem qualquer vínculo de obrigação ou atribuição de notas) dos cursos técnico, bacharelado e, atualmente, também alunos do curso de licenciatura1 em música. Possui um compromisso de acontecer sempre aos finais de semestre, quando há tempo para assimilação e desenvolvimento dos conteúdos, proporcionando também, uma síntese desse processo.

Objetivos Reunir os conteúdos de percepção na forma de performance musical; Estimular a dedicação e a produção musical na disciplina bem como nos campos da música erudita e popular; Interagir os alunos dos diferentes períodos de percepção da Escola de Música; Abrir espaço para que os alunos possam revelar seus potenciais de atuação com versatilidade e ação conjunta; Divulgar os trabalhos realizados na disciplina.

Desenvolvimento As aulas são o laboratório dessas peças, onde é possível praticar e discutir elementos. É importante destacar que, ainda assim, são vistos pontos de teoria, estudo de intervalos, afinação, etc. O repertório é previamente definido de acordo com o nível da turma, mas aberto a modificações, pois, na maioria das vezes, ampliamos o número de peças. Surgem pequenas composições e sugestões, que, quando pertinentes, são agregadas à performance. Os arranjos são pensados no decorrer do semestre e, muitas idéias partem dos próprios alunos da turma. Algumas vezes há necessidade de diferentes instrumentos ou formações, quando convidamos alunos de outras turmas e também professores para participar. Realizamos ensaios extra classe para oferecer possibilidades de entrosamento e elaboração aos participantes. Habilidades como regência são aproveitadas, permitindo também aos alunos a experiência de liderar grupos. No momento da apresentação é compartilhado com o público o processo de elaboração, através de comentários sobre as peças, autores e conteúdos utilizados.

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Curso novo na UFRN, aberto no primeiro semestre de 2005, com a segunda turma em andamento. 769

Resultados e considerações finais É evidente o gradativo aumento da interação dos alunos com a disciplina Percepção Musical, através da grande participação, estímulo e melhor qualidade nas apresentações. Podemos também citar o aprimoramento de aspectos como a afinação, precisão (rítmica e de entrosamento), versatilidade, postura de palco (grupal e individual), concentração e desenvoltura para resolver situações e passagens mais difíceis do repertório. De acordo com alguns alunos participantes: O encontro é uma forma de integrar os alunos de percepção e consolidar os conhecimentos estudados (Marcílio de Oliveira Meira, 1ºano técnico). Participo do encontro porque o mesmo estimula o meu crescimento na disciplina. É uma maneira de mostrar que percepção não se restringe à identificação de intervalos e ritmos, mas sim que pode ser feita muita coisa interessante de se ver e ouvir a partir disso (Daniela C. Pereira, 1º ano bacharelado). É a oportunidade de que os alunos de percepção tem de se integrar independentemente de seus níveis [...] e também empregar seus conhecimentos na prática. [...] como eu na prática diária me dedico mais ao instrumento (violão) é interessante abranger minha atuação em uma atividade diferenciada, mas que não deixa de acrescentar no estudo do instrumento e no exercício da performance (Guipson R. Clementino, 3º ano bacharelado). No aspecto musical é importante, pois propicia ao aluno um crescimento na sua formação acadêmica, desenvolvendo ainda mais suas capacidades. E do ponto de vista social, possibilita a população ter um contato mais próximo com essas diversas formas do fazer musical (Thaíse C. Matias, 1º ano bacharelado).

Segundo Sekeff (2002) é essencial que o educador hoje possa proporcionar conexões através da música, já que ela “possibilita um transitar progressivo pelos estágios da cognição que, partindo da escuta, envolve o perceber, analisar, deduzir, diferenciar, sintetizar, superpor, codificar, decodificar, abstrair, memorizar, lembrar” (p.135), práticas diretamente ligadas à percepção musical. Dessa forma, considerando que as atuais tendências no âmbito da educação musical visam maior integração de conhecimentos, aproveitamento de habilidades, expressão da criatividade, além de demais aspectos relevantes para a formação global do indivíduo, podemos entender os ‘Encontros de Percepção’ como ferramenta otimizadora do desenvolvimento de competências, propiciadoras de novas ações futuras.

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Referências CAMPOLINA, Eduardo; BERNARDES, Virgínia. Ouvir para escrever ou compreender para criar? Belo Horizonte: Autêntica, 2001. GRAMANI, José Eduardo. Rítmica. São Paulo: Perspectiva, 1999. SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música: seus usos e recursos. São Paulo: Unesp, 2002.

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