ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL: Expansão do PAIR em Minas Gerais

August 26, 2017 | Autor: E. Silva | Categoria: Políticas Públicas, Violencia Sexual Infantil
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ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL Expansão do pair em minas gerais

Distribuição gratuita - venda proibida

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor Ronaldo Tadêu Pena Vice-Reitora Heloisa Maria Murgel Starling Pró-Reitora de Extensão Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben Pró-Reitora Adjunta de Extensão Paula Cambraia de Mendonça Vianna

EDITORA UFMG Diretor Wander Melo Miranda Vice-Diretora Silvana Cóser CONSELHO EDITORIAL Wander Melo Miranda (presidente) Carlos Antônio Leite Brandão Juarez Rocha Guimarães Márcio Gomes Soares Maria das Graças Santa Bárbara Maria Helena Damasceno e Silva Megale Paulo Sérgio Lacerda Beirão Silvana Cóser

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Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República Paulo de Tarso Vannuchi Subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente Carmen Silveira de Oliveira Coordenadora do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes Leila Paiva

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INSTITUIÇÕES E ÓRGÃOS COLABORADORES Associação Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte (AMAS) Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude (CAOIJ-MG) Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais (FDDCA/MG) Fundo Cristão para Crianças Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais Polícia Militar de Minas Gerais Promotoria da Infância e da Juventude de Belo Horizonte Prefeituras Municipais de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba Secretarias de Estado de Saúde, de Educação, e de Desenvolvimento Social e Esportes de Minas Gerais Visão Mundial Oficina de Imagens Salesianos

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Edite da Penha Cunha Eduardo Moreira da Silva Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti Organizadores

ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL Expansão do pair em minas gerais

1ª reimpressão

Belo Horizonte Editora UFMG 2008

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Editoração de textos Revisão e normalização Revisão de provas Produção gráfica Projeto gráfico, formatação e montagem de capa

Maria do Carmo Leite Ribeiro Ana Maria de Moraes Alexandre Vasconcelos de Melo, Maria do Rosário Alves Pereira e Renata Passos Warren Marilac Cássio Ribeiro

© 2008, Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República © 2008, Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa © 2008, PROEx/UFMG © 2008, os autores © 2008 - 1ª reimpressão A reprodução do todo ou parte deste livro é permitida somente para fins não lucrativos e com a autorização prévia e formal da SEDH/PR, desde que citada a fonte.

_______________________________________________________________________ Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil: expansão do PAIR V795 em Minas Gerais / Edite da Penha Cunha, Eduardo Moreira da Silva e Maria Amélia de Castro Giovanetti. - Belo Horizonte : Editora UFMG, 2008. 402 p. il. (Coleção Origem) Inclui referências. ISBN: 978-85-7041-691-9 1. Sociologia. 2. Crime sexual. 3. Crime contra a criança. 4. Crime contra o adolescente. I. Cunha, Edite da Penha. II. Silva, Eduardo Moreira da. III. Giovanetti, Maria Amélia de Castro. CDD: 362.76 CDU: 364 _______________________________________________________________________ Elaborada pela Central de Controle de Qualidade da Catalogação da Biblioteca Universitária da UFMG Editora UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 | Ala direita da Biblioteca Central | Térreo Campus Pampulha | CEP 31270-901 | Belo Horizonte/MG Tel. (31)3409-4650 | Fax (31)3409-4768 www.editora.ufmg.br | [email protected]

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Este livro é uma publicação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais e apresenta uma sistematização das ações e resultados da implementação do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil nos municípios mineiros de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, no ano de 2007/2008. Disponível no Portal http://pair.ledes.net – link Estados/Produtos Belo Horizonte, março de 2008

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Nada é impossível de mudar Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. Bertold Brecht (1898-1956)

Dedicamos este livro a todos os que sonham e que lutam, junto a nós, por uma sociedade cada dia mais justa e mais humana.

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Sumário Prefácios Carmen Oliveira

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Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben Paula Cambraia de Mendonça Vianna

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Introdução

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Parte i FUNDAMENTOS Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil e Construção de Redes Sociais Produção de Indicadores e Possibilidades de Intervenção Walter Ude

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Mobilização e Articulação no PAIR Limites e Possibilidades do Programa em Minas Gerais Rennan Mafra

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Ação Educativa Princípios Norteadores do Processo de Capacitação/Formação Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti

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Juventude, Democracia e Participação Social Desafios e Prioridades para o Protagonismo Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira | Geovânia Lúcia dos Santos

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Parte ii ANÁLISE DA SITUAÇÃO DIAGNÓSTICO de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim Caracterização, Visibilidade e Localização do Fenômeno

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Joana Domingues Vargas DIAGNÓSTICO de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim A Rede de Proteção Joana Domingues Vargas | Klarissa Almeida Silva

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A Problemática da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Vale do Mucuri Iniciando o Debate

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Ricardo Silvestre da Silva

Parte iII INTERVENÇÃO Organização do Trabalho Pedagógico Os Desafios Inerentes ao Processo de Planejar Geovânia Lúcia dos Santos | Tânia Aretuza

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A Saúde e as Ações de Enfrentamento à Violência Contra Crianças e Adolescentes Paula Cambraia de Mendonça Vianna | Mara Vasconcelos Vanessa Henriques Pinto | Miguir Teresinha V. Donoso | Janete Ricas

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A Educação e o Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil Ângulos de um Problema Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben | José Joesso Alves Pereira Rosemary Alves dos Santos Nascimento

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A Educação na Expansão PAIR/MG Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim Geovânia Lúcia dos Santos

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Ações de Enfrentamento à Violação de Direitos da Criança e do Adolescente na Política de Assistência Social Geralda Luiza de Miranda | Edite da Penha Cunha

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Contribuição do Direito para o Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil Kleber Queiroz

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Planejando a Ação em Rede Eleonora Schettini M. Cunha

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Assessoria Técnica e Expansão do PAIR/MG Uma Relação Dialógica Eduardo Moreira da Silva | Edite da Penha Cunha Helena Hemiko Iwamoto | Sybelle de Souza Castro Miranzi

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Palavras FINAIS

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Sobre os Autores

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O Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Território Brasileiro (PAIR) é uma das ações fundamentais no enfrentamento da violência sexual coordenado pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA/ SEDH/PR. O PAIR constitui-se em uma metodologia de articulação de políticas, orientada pela Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, tendo por base os eixos do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Tem por finalidade a criação e/ou o fortalecimento das redes locais por meio de ações integradas de mobilização, diagnóstico e capacitação, possibilitando a articulação e a integração dos serviços e programas, associada à participação social. Esta publicação é um dos produtos do PAIR/Minas Gerais desenvolvido em parceria com as Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG), do Triângulo Mineiro (UFTM) e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) por meio da celebração de convênio com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH/PR. A UFMG e os parceiros, durante a execução

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das ações no período de dezembro de 2006 a abril de 2008, buscaram desenvolver estratégias de fomento ao desenvolvimento da intersetorialidade de programas, organizações e serviços na perspectiva de garantir a proteção integral de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A obra reúne textos que abordam questões centrais sobre o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, do referencial teórico-metodológico adotado pelo PAIR, bem como os resultados alcançados. A experiência sistematizada constitui-se em uma ferramenta fundamental para a publicização, potencialização e articulação das ações de proteção e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. A disseminação da experiência está pautada no entendimento de que o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes demanda esforços conjuntos do Estado e da sociedade civil organizada. Com a certeza de que as peculiaridades locais devem ser respeitadas, a sistematização e a disseminação de experiências são ferramentas fundamentais para fomento de políticas públicas. Destaca-se ainda a particularidade do momento histórico do lançamento da publicação: o ano de 2008 é um marco histórico na luta pelos direitos humanos, visto que comemoramos os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e também os 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, fruto de muita luta e mobilização da sociedade brasileira e instrumento fundamental para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes em nosso país. Cuidar da infância e adolescência brasileira é dever de todos os brasileiros e esperamos que a experiência apresentada indique possibilidades nesse caminho. Carmen Oliveira

Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente

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A educação formal, como uma prática social, está sempre comprometida com a realidade do país onde se realiza, porque encontra-se vinculada às instituições, ao sistema de poder e ideologias que a legitima e a justifica. Boaventura de Souza Santos, em sua obra A universidade do século XXI – para uma reforma democrática e emancipatória, discute o fato de a última década apresentar “exigentes” desafios à universidade, especialmente a pública, pela alteração significativa das relações entre conhecimento e sociedade, alterações essas capazes de transformar as próprias concepções de conhecimento e de sociedade (São Paulo: Cortez, 2004: 30). Contrapondo-se ao “conhecimento universitário”, predominantemente disciplinar, descontextualizado das preemências do cotidiano e das suas possibilidades de dialogar com as demandas e urgências sociais, o autor apresenta as possibilidades de um conhecimento “pluriuniversitário”, contextual, que o obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento. Nesse campo, a sociedade deixa de ser um objeto das interpelações da ciência para ser ela própria sujeito de interpelações à ciência.

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É a partir dessa perspectiva que esta obra se inscreve, acreditando nas possibilidades da universidade pública em dialogar com a sociedade e suas tensões. A sociedade não é uma abstração e demanda por respostas efetivas às instituições que têm competência e excelência por produzir conhecimentos. É nessa direção que as políticas de extensão na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se realizam e que a expansão do PAIR/MG estará sendo discutida e apresentada. O apoio da UFMG no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o enfrentamento à violência infanto-juvenil tem se pautado no respeito às especificidades de cada comunidade, assim como a sua formatação enquanto grupo social, na medida em que a nossa participação busca amalgamar de forma sistemática os conhecimentos construídos e as experiências e reflexões estabelecidas ao longo dos últimos anos. Entendemos que a atuação nestes projetos é uma decisão política da instituição, em função de seu compromisso social como universidade pública, comprometida com o exercício pleno da cidadania e a superação de formas de exclusão social e marginalização. Participar de ações que visem coibir a violência, em qualquer de suas manifestações, tornando nossa vida em comunidade mais humana e produtiva é responsabilidade tanto do poder público quanto da sociedade como um todo. No campo da investigação sobre o fenômeno, a rede de proteção integral à criança e ao adolescente e a intervenção junto às comunidades, os projetos de extensão universitária são, por excelência, os que mais concretizam a relevância da ação universitária nesta questão. A UFMG tem-se primado na busca do cumprimento de sua responsabilidade nessa tarefa. Nossa principal estratégia tem sido a promoção de constante interação e integração entre ensino e

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pesquisa; entre teoria e prática; entre o saber construído nos laboratórios e nas salas de aula e o saber produzido na vivência cotidiana das comunidades, dos grupos e dos indivíduos nas diversas regiões de nosso Estado. A universidade, ao ter um olhar que reconhece a realidade na sua dinamicidade, provoca-nos a reconhecer que propostas integradoras apresentam mais pertinência com trabalhos que valorizam e defendem a vida. Nesse aspecto, foi de fundamental importância identificar fatores de risco e de proteção no contexto em que atuamos. Uma rede social articulada e participativa que procura integrar as diversas áreas do conhecimento, como também as experiências e saberes da comunidade, apresenta maior possibilidade de encontrar alternativas para superar suas dificuldades. O mapeamento dos serviços sociais existentes, dos recursos, das informações, da qualidade das relações entre os atores sociais e institucionais constituiu fator representativo para produzirmos indicativos para a construção de uma política de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil mais efetiva. Neste sentido, o PAIR implementou ações de mobilização social que estimularam a articulação dos atores em rede por meio da estratégia metodológica de realização do diagnóstico do fenômeno, a capacitação/formação, a mobilização e articulação dos atores em redes comprometidas com essa grave problemática. Isto fomentou ações intersetoriais em rede nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, possibilitando identificar os programas, as organizações e as instituições dos municípios que, num processo de interação cotidiana, têm condições de enfrentar a complexidade e a gravidade das situações de abuso e exploração sexual das crianças e dos adolescentes em nossa sociedade. Este trabalho está se tornando realidade com o comprometimento de todos nós. Universidades, promotores de justiça, juízes e

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técnicos das varas criminais e do juizado da infância e juventude, conselheiros tutelares e de políticas públicas, polícias, equipes técnicas de diversos programas, gerentes, coordenadores e secretários da Assistência Social, da Educação, da Saúde, da Cultura e Esportes, representantes da sociedade, dirigentes e funcionários de organizações da sociedade civil são atores essenciais para a formulação e implementação das ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. É muito importante que a Universidade mantenha este diálogo permanente com o poder público local, com as redes sociais, os diferentes ministérios, seus programas e projetos, resultando na melhoria da qualidade de vida e proteção das crianças e adolescentes de nosso Estado. É necessário avançar na estruturação de novos mecanismos de trocas de experiências e compartilhamento de metodologias, entre os diversos programas da UFMG, visando à potencialização dos resultados e a relevância da nossa intervenção junto à sociedade. Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

Pró-Reitora de Extensão da UFMG

Paula Cambraia de Mendonça Vianna

Pró-Reitora Adjunta de Extensão da UFMG

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Introdução

Com grande satisfação, apresentamos a presente obra, que reúne textos que abordam questões centrais sobre o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, o referencial teórico-metodológico adotado pelo Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR), bem como os resultados alcançados. Trata-se do resultado do trabalho de uma equipe numerosa. Isto porque os agentes e atores envolvidos abarcam desde o nível institucional até os sujeitos, razão última de todo o nosso compromisso, ou seja, a criança, o adolescente, o jovem e suas famílias, vítimas do abuso e/ ou de exploração sexual. Nosso desejo é que este livro signifique uma referência indicativa de que algo muito positivo é possível de ser realizado, quando um grupo de pessoas opta por um engajamento efetivo. Que seja instrumento para continuar suscitando nos leitores o interesse pela compreensão do fenômeno em toda sua complexidade e que venha subsidiar a elaboração e a implantação de políticas públicas de proteção às crianças e aos adolescentes.

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Ressaltamos nossa clara intenção de reafirmar nossa consciência da impossibilidade de alcançar uma completude ou esgotamento da discussão. Porém, dentro dos limites de cada grupo de pessoas, envolvendo formadores e educadores, acreditamos que o conteúdo apresentado poderá auxiliar a prática e reflexão sobre as ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, contribuindo para nortear ações futuras tanto no campo específico do enfrentamento do fenômeno da violência como no campo geral das Ciências Humanas e Sociais. O trabalho que culminou na presente publicação evidencia os princípios da Extensão de interação da universidade com outros setores da sociedade por meio da parceria entre instituições federais, estaduais, municipais, da sociedade civil bem como a comunidade em geral, e o princípio de integração entre a Extensão, a Pesquisa e o Ensino. A Pesquisa, ao propiciar o aprofundamento do conhecimento e compreensão do fenômeno da violência sexual infantojuvenil e da rede de proteção integral à criança e ao adolescente via diagnósticos, contribuiu decisivamente para a orientação de ações de Ensino por meio da capacitação de formadores e educadores e na elaboração dos Planos Operativos Locais e Pactos que expressam as possíveis ações interventivas de enfrentamento ao fenômeno em Rede. Os autores desta coletânea são profissionais que apresentam uma bagagem de experiências e produzem conhecimento vinculado aos campos aos quais pertencem, ou seja, o campo da Saúde, da Educação, da Psicologia, do Serviço Social, das Ciências Políticas e Sociais e do Direito. Dessa forma, o livro expressa um trabalho interdisciplinar em torno do foco central que é a compreensão do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e o seu enfrentamento. Isso revela a complexidade da temática central, exigindo a interlocução de várias áreas do conhecimento.

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Os textos são frutos das reflexões elaboradas pelos autores a partir de referenciais teóricos e dos processos de articulação e mobilização, análise da situação e de formação/capacitação dos formadores e dos educadores.1 A fonte de motivação para a organização desta coletânea é a possibilidade de socializar os conhecimentos e os resultados da experiência vivenciada na expansão do PAIR/MG. Apresentam em comum o referencial teórico-metodológico adotado pela expansão do PAIR/MG, entretanto, buscamos preservar o estilo pessoal de cada autor(a), procurando respeitar os respectivos processos de produção de conhecimento. Cabe ressaltar um elemento que reforça nossa esperança na possibilidade de superação do fenômeno, ou seja, a adesão manifestada dos agentes locais. Desde as instâncias diretoras até as instâncias das bases das respectivas instituições, passando pelas Prefeituras, Secretarias Estaduais e Municipais, Órgãos Governamentais e Não-Governamentais, Escolas, dentre outras, observamos a expressão de um compromisso que ficou registrado nos Planos Operativos Locais e nos Pactos assinados pelos responsáveis de uma ação articulada em rede. Segundo a estrutura expressa na Matriz Curricular, a qual norteou todo o processo de capacitação/formação dos formadores e educadores da expansão PAIR/MG, o livro está organizado em quatorze capítulos agrupados em três partes. A Parte I - Fundamentos, composta por quatro textos, apresenta os referenciais teórico-metodológicos da proposta de capacitação/ formação da expansão do PAIR/MG. A Parte II - Análise da Situação apresenta em dois textos os resultados de diagnósticos locais e o da região do Vale do Mucuri, relativos ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, bem como da rede de proteção dos municípios mineiros pesquisados.

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A Parte III - Intervenção, ao longo de oito textos, trata do processo de capacitação/formação o qual ressaltou a importância das contribuições da saúde, da educação, da assistência social e do direito para o enfrentamento do fenômeno. Além disso, essa última parte aborda a importância do planejamento da ação em rede e da assessoria técnica. O texto de autoria de Walter Ude, “Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil e construção de redes sociais: produção de indicadores e possibilidades de intervenção”, trata do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, abordando aspectos históricoculturais e psicossociais do problema, no que refere à construção das relações de gênero desenvolvida a partir do modelo patriarcal burguês, o qual contribui marcadamente para a produção de interações despóticas entre homens, mulheres e homo-orientados, tanto no âmbito intra como extrafamiliar. Apresenta ainda a proposta de trabalhos em redes sociais como alternativa viável para o enfrentamento deste tipo de violência. Nesse sentido, propõe a construção do mapeamento das redes institucionais externas e internas, no intuito de levantar indicadores sobre as conexões e lacunas existentes nas redes de intervenção, para fortalecê-las e otimizá-las por meio da mobilização e articulação dos projetos, programas, instituições e grupos organizados identificados no município ou região onde o trabalho pretende se desenvolver. O texto de Rennan Mafra, “Mobilização e articulação no PAIR: limites e possibilidades do Programa em Minas Gerais”, toma como referência a “Mobilização e Articulação” da expansão do PAIR em Minas Gerais. Aborda uma compreensão teórica da importância da mobilização em torno da questão da violência sexual infantojuvenil, junto aos desafios das democracias contemporâneas, em que processos de deliberação pública e participação coletiva dos sujeitos mostram-se como desenhos possíveis essenciais na luta por

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direitos e na busca pela (re)definição de normas e questões coletivas. A partir do entendimento da mobilização social como um processo comunicativo, em que a visibilidade, a vinculação co-responsável e a transversalidade apresentam-se como demandas proeminentes para a decorrência do processo mobilizador, busca-se compreender em que medida o PAIR, em relação ao eixo “Mobilização e Articulação”, pode ser analisado, em meio aos seus limites e às suas possibilidades de ação, diante dos desafios e dilemas presentes na concretização das ações do Programa, em Minas. O ensaio “Ação educativa – princípios norteadores do processo de capacitação/formação”, de Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti, apresenta alguns princípios que nortearam o processo de capacitação/formação da expansão do PAIR/MG, explicitando a concepção de educação subjacente à proposta de capacitação/ formação bem como as três dimensões do processo de formação de educadores, ou seja, a dimensão teórico-prática, a dimensão ética e a dimensão metodológica. Finalizando o capítulo, a autora destaca a importância do papel do educador frente ao desafio da denúncia e da ação de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. No texto relativo ao protagonismo de autoria de Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira e Geovânia Lúcia dos Santos, “Juventude, democracia e participação social: desafios e prioridades para o protagonismo”, apresenta-se uma síntese das discussões realizadas em torno do eixo Protagonismo Juvenil na capacitação/formação dos agentes/educadores que atuam junto às crianças, adolescentes e famílias nos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim. Ao longo do texto, discute-se o significado do protagonismo juvenil em geral e enfatiza-se a importância de se garantir a participação ativa de crianças, adolescentes e jovens, no âmbito de todas as ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, trazendo, ainda,

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o resultado do trabalho realizado em torno deste eixo, trabalho que contou com a participação ativa e protagônica de jovens, desde seu planejamento até este momento final de sistematização. Na segunda parte do livro, o texto “diagnóstico de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim: caracterização, visibilidade e localização do fenômeno”, de Joana Domingues Vargas, aborda a caracterização da violência sexual (abuso e exploração) infanto-juvenil nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. Nele são apresentados os principais resultados obtidos na etapa do diagnóstico da expansão do PAIR no estado de Minas Gerais. Em um primeiro momento, são selecionadas informações de natureza secundária acerca dos aspectos físicos, sociais, econômicos, demográficos e de criminalidade nos três municípios que auxiliam na compreensão do fenômeno. Posteriormente, com base em dados coletados nos Conselhos Tutelares, trabalho de campo e entrevistas com os atores da rede de proteção dos direitos das crianças e adolescentes, discutese o problema da visibilidade do fenômeno e identifica-se, a partir do georeferenciamento das informações, a sua localização, bem como a localização dos fatores que sobre ele incidem. Os resultados indicam que apesar da enorme variação no tamanho, nos índices econômicos e na qualidade de vida dos três municípios, há semelhanças naqueles aspectos que predispõem a ocorrência do abuso e exploração sexual. Quanto à visibilidade do fenômeno ressalta-se que os parcos registros existentes, decorrentes em boa medida da dificuldade de caracterizá-lo, representam grande empecilho para o seu enfrentamento. O texto “diagnóstico de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim: a rede de proteção”, de autoria de Joana Domingues Vargas e Klarissa Almeida Silva, objetiva caracterizar as redes de proteção dos direitos das crianças e adolescentes e de enfrentamento da violência sexual (abuso e exploração comercial) nos municípios de Uberaba, Teófilo

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Otoni e Itaobim, foco da expansão do PAIR, no estado de Minas Gerais. A análise empreendida buscou comparar o funcionamento ideal de encaminhamento civil e criminal no fluxo de redes (previstos na legislação), bem como a percepção ideal de ação da rede (presente no discurso dos agentes) com o seu real funcionamento e articulação. A identificação feita pelos atores dos principais problemas e desafios do trabalho em rede para enfrentar de forma articulada e integrada o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil foi privilegiada. Finalmente, foram sugeridas algumas recomendações visando à maior articulação interinstitucional e fortalecimento das ações de enfrentamento do fenômeno. Cabe ressaltar que os dados descritos nos dois capítulos relativos ao diagnóstico orientaram e subsidiaram toda a ação interventiva desenvolvida pelo PAIR nos três municípios. O texto de Ricardo Silvestre da Silva, “A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes no Vale do Mucuri: iniciando o debate”, integra o conjunto de esforços realizados por sujeitos inseridos na UFMG, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri e Universidade Federal do Triângulo Mineiro em relação ao combate da violência infanto-juvenil. O autor parte do referencial legal conceitual que sustenta o compromisso político e ético de garantir condições dignas de vida às crianças e adolescentes brasileiras, o que inclui o combate a todo o tipo de violência e condições degradantes de vida deste segmento populacional. A reflexão elaborada contextualiza a realidade do conhecido Vale do Mucuri, que, como várias outras regiões do Brasil, padece com o acirramento das expressões da questão social, particularizando a problemática da violência sexual infanto-juvenil. No texto “Organização do trabalho pedagógico – os desafios inerentes ao processo de planejar”, que abre a terceira parte do livro, as autoras Geovânia Lúcia dos Santos e Tânia Aretuza se detêm na

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reflexão sobre o processo de planejamento e execução das ações de capacitação/formação da equipe de multiplicadores e dos educadores da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, realizadas por meio do curso, de oficinas temáticas e de planejamento. O trabalho apresenta, inicialmente, uma reflexão acerca do processo de planejamento de ações formativas desta natureza, bem como as opções feitas no sentido de tornar exeqüíveis os princípios que orientaram as ações e, em seguida, faz uma síntese avaliativa acerca da execução das ações de formação, apontando os limites e possibilidades identificadas ao longo deste processo de trabalho. “A saúde e as ações de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes”, de autoria de Paula Cambraia de Mendonça Vianna, Mara Vasconcelos, Vanessa Henriques Pinto, Miguir Teresinha V. Donoso e Janete Ricas tem como objetivo propor uma reflexão das ações da área da saúde na abordagem da violência contra crianças e adolescentes. Foram abordados o conceito de saúde em sua dimensão mais ampla, o significado da violência, o referencial conceitual e legal e, finalmente, os desafios das ações interventivas da saúde. Considera-se que a prevenção e o enfrentamento demandam, para além das questões normativas, a construção de uma rede de proteção com efetiva integração dos setores governamentais e da sociedade civil organizada. Para tanto, torna-se necessária a implementação de propostas cidadãs de inclusão e responsabilização; a capacitação dos profissionais; e o avanço em direção a uma prática que supere ações pontuais, fragmentadas e desarticuladas, produzindo ações incompatíveis com os marcos legais. O texto de Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben, José Joesso Alves Pereira e Rosemary Alves dos Santos Nascimento, “A educação e o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil: ângulos de um problema”, discute a relação entre educação, sociedade e violência presentes no fenômeno da exploração sexual

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infanto-juvenil. Destaca esse problema como um fato recorrente e que tem sua expressão política na década de 1990, fruto da desigualdade social de gênero, de raça e de etnia. Essa situação requer políticas públicas e mobilização urgente da sociedade brasileira, na perspectiva de humanização do cidadão brasileiro e de proteção à vida. Envolve, também, uma ação intensiva e massiva nos âmbitos sociais, econômicos e educacionais, com a criação de dispositivos legais adequados e a participação de todos, na construção de um novo conceito de educação. O texto de autoria de Geovânia Lúcia dos Santos, “A educação na expansão PAIR/MG – Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim”, consiste em uma síntese das discussões realizadas na expansão do PAIR/ MG nos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, relativas à política setorial de educação e às atribuições dos educadores no que se refere ao enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Realizadas no processo de capacitação/formação dos profissionais que atuam junto às crianças e adolescentes e às famílias, em espaços não-escolares e, de modo mais específico, nos espaços escolares e socioeducativos, as discussões contemplaram, por um lado, a especificidade do fazer educativo-pedagógico destes profissionais e, de outro, os desafios que se lhes apresentam para atuarem preventiva e protetivamente no enfrentamento ao fenômeno, conforme apresentamos a seguir. “Ações de enfrentamento à violação de direitos da criança e do adolescente na política de assistência social”, redigido por Geralda Luiza de Miranda e Edite da Penha Cunha, trata da natureza e do formato das ações de intervenção da política de Assistência Social para a promoção e proteção dos direitos de crianças e adolescentes em situação de violência sexual (abuso e exploração), violência física e psicológica, negligência, trabalho infantil, mendicância e trajetória de vida nas ruas. No primeiro tópico, são discutidos os fatores

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relacionados à pobreza que, ao incidirem sobre as famílias, fornecem um terreno favorável à emergência e à reincidência das situações de violência e dificultam sua superação. Dadas a complexidade e gravidade das situações de violação de direitos, seu enfrentamento, como determinado pela legislação, requer um tipo específico de intervenção nas famílias, a “intervenção psicossocial”. São sugeridas ainda diretrizes gerais para as ações de intervenção nas famílias em situação de violação dos direitos da criança e do adolescente. O texto “Contribuição do direito para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil”, de autoria de Kleber Queiroz, é uma reflexão acerca dos instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para assegurar a proteção da criança e do adolescente, vitimizados pela violência sexual, e dos procedimentos para a responsabilização criminal do agressor. Sinaliza-se inicialmente que o marco legal da proteção da Criança e do Adolescente é o Estatuto da Criança e do Adolescente e as medidas de proteção que podem ser buscadas para afastar a ameaça ou para interromper a violência contra a criança e o adolescente. Outro ponto abordado é a responsabilização criminal do agressor. Busca-se neste tema evidenciar os procedimentos para se responsabilizar o agressor pelo cometimento do crime. Por último, tem-se uma abordagem geral sobre os tipos de crimes de violência sexual, visando uma compreensão geral desse tipo de violência praticada contra a criança e o adolescente. O texto de autoria de Eleonora Schettini M. Cunha, “Planejando a ação em rede”, apresenta conceitos e elementos do processo de planejamento especificamente relacionados à elaboração de planos, uma vez que serviu como subsídio para que os atores sociais e políticos que integraram as oficinas pudessem elaborar os Planos Operativos Locais para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes em seu âmbito. Também aborda mais detalhadamente os aspectos relacionados ao monitoramento, avaliação e

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construção de indicadores, dimensões consideradas essenciais para a averiguação dos resultados pretendidos com a intervenção social. Considerando a importância de se pensarem ações estratégias para o enfrentamento desta realidade e a necessidade de se avaliar o resultado das ações, o texto pode ser estímulo ao aprofundamento deste conhecimento por todos aqueles que se vêem frente a essas tarefas. Encerrando o volume, o texto “Assessoria técnica e expansão do PAIR/MG: uma relação dialógica”, de Edite da Penha Cunha, Eduardo Moreira da Silva, Helena Hemiko Iwamoto e Sybelle de Souza Castro Miranzi, apresenta a contribuição da Assessoria Técnica para a continuidade do processo de formação e apoio à implementação dos Planos Operativos Locais de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. E, finalmente, em “Últimas palavras”, destaca-se a importância da tomada de consciência coletiva da gravidade e da complexidade do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, bem como da urgência de uma ação de enfrentamento à questão integrada e em rede. Esperamos que o leitor, ao visitar as páginas deste livro, se sinta instigado à busca e ao aprofundamento na compreensão do fenômeno e na elaboração de novas propostas de enfrentamento, tarefas imprescindíveis e urgentes.

Nota 1

Ao mencionarmos “educadores”, nos referimos aos agentes os quais, ao atuarem em sua realidade local, seja nos Conselhos Tutelares, nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos Postos de Saúde, nas escolas, nas Unidades de Assistência Social, no Judiciário, no Ministério Público, no Legislativo, dentre outros órgãos governamentais, desenvolveram uma ação educativa ao abordarem junto à comunidade local o tema do enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.

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W a l t e r ud e

Enfrentamento da Violência Sexual Infanto -Juvenil e Construção de Redes Sociais Produção de indicadores e possibilidades de intervenção

O fenômeno da violência sexual infanto-juvenil representa uma realidade complexa constituída por aspectos histórico-culturais, sociais e econômicos que necessitam ser descritos e compreendidos em sua trama, no intuito de se tentar construir intervenções mais pertinentes e efetivas frente a um quadro que permanece durante séculos na nossa história ocidental moderna. A desnaturalização desse grave problema de saúde pública significa uma bandeira a ser assumida por todos os trabalhadores sociais que estão envolvidos na luta contra este tipo de sofrimento provocado por relações de dominação e humilhação de infantes e jovens vulneráveis às condições biopsicossociais que se encontram. Nesse sentido, precisamos indagar: por que a criança, ainda hoje, não é reconhecida como um ser que vive um ciclo de vida distinto das necessidades e capacidades de um adulto? Por que as meninas estão mais expostas a este tipo de violência? Por que as meninas negras e mestiças das classes de baixa renda estão mais expostas à exploração sexual infanto-juvenil? Como se entremeiam as relações de classe, etnia e gênero neste contexto?

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Essas indagações nos indicam que a construção social desta problemática necessita ser questionada e (re)significada por meio da desconstrução de visões deterministas e simplificadas que procuram naturalizar a violência como algo dado pela natureza humana, já que desprezam níveis materiais, econômicos e simbólicos presentes no fenômeno (Bourdieu, 2003). A situação chega a ser tão reducionista que uma menina ou uma jovem explorada por esse tipo de violência se vê julgada e culpabilizada pela exploração sexual da qual foi vitimizada. As próprias famílias, muitas vezes, reproduzem narrativas que atribuem ao feminino o lugar do “pecado original”. Nesse enredo, a maçã representa aquela fruta proibida extremamente sedutora. Todavia, as metáforas bíblicas ultrapassam esse olhar naturalizante. Na verdade, o perigo está na possibilidade do ser humano se alimentar da árvore do conhecimento. Por isso, estamos comprometidos, aqui, no entendimento desta questão que nos deixa indignados. No que se refere à masculinidade, o homem frente às prescrições androcêntricas, as quais estabelecem o uso do poder e da dominação masculina, age em nome da defesa da sua honra viril, abrindo uma ferida sexual que acomete a si e a quem violenta (Keen, 1999). Aliás, tanto o abusador quanto o agressor sexual utilizam retóricas machistas para tentar justificar seus atos. Como se nota, estão emaranhados em visões mecânicas e lineares que necessitam ser desconstruídas com urgência, mediante relações de gênero que se tornaram excessivamente hostis, aviltantes e desumanas. Para isso, este texto propõe, num primeiro momento, levantar algumas questões relativas ao fenômeno da violência sexual infantojuvenil e, num segundo momento, apresentar a metodologia do trabalho em redes sociais como possibilidade de mapeamento da qualidade dos vínculos institucionais das organizações e demais grupos reconhecidos que estão envolvidos com a luta contra este

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grave problema social, com vistas a construir articulações que fortaleçam as iniciativas comunitárias. Obviamente que este pequeno capítulo não pretende esgotar a complexidade do problema, porém cabe-nos suscitar alguns indicadores e propostas de intervenção. Sendo assim, passo à discussão da exploração sexual infanto-juvenil, nas suas dimensões intra e extrafamiliares, considerando o contexto histórico-cultural e econômico envolvido na questão.

Violência sexual infanto-juvenil: alguns aspectos histórico-culturais e psicossociais do problema A violência sexual infanto-juvenil se constitui de variadas formas, perpassando por questões que envolvem desde o abuso sexual intra e extrafamiliar, o fenômeno da pedofilia, a mídia pornográfica, indo até a exploração sexual. Junto a isso, a Era da Internet ampliou a complexidade do mundo atual (Castells, 2003) ao intensificar as relações por meio de comunidades virtuais que realizam negócios eletrônicos clandestinos que, por sua vez, também alimentam uma rede de pedófilos e de exploradores do turismo sexual infantil. Diante dessas redes perversas – aquelas que não apresentam compromisso com a vida –, necessitamos organizar redes solidárias em defesa da vida (Ude, 2002). Contudo, tendo o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR), que possui como objetivo integrar políticas para a construção de uma agenda comum de trabalho, entre Governos e Sociedade Civil, como referência para o debate aqui proposto, enfatizaremos a temática da exploração sexual infantil dando destaque à proposta do programa no que tange à mobilização, articulação e organização de redes de intervenção, nessa realidade. Sendo assim, torna-se inevitável discutir as relações de gênero construídas na nossa história cultural, no intuito de romper com

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visões essencialistas que reduzem essa temática ao âmbito biológico, como se fosse possível localizar um gen masculino agressivo adormecido, por exemplo, que, a qualquer momento, pode ser ativado e produzir ações violentas. Tentativas de definir papéis sexuais fixos para homens, mulheres e outras orientações da sexualidade humana, tanto no mundo acadêmico como no senso comum, produziram rivalidades e dicotomias entre as distintas identidades de gênero. Nesse contexto, a dominação masculina gerou um olhar hegemônico sobre as demais diferenças sexuais, ao instituir que homem é somente aquele indivíduo branco, rico e heterossexual (Oliveira, 2004). Aqueles que estão fora dessa definição prescrita se vêem no convívio social com uma identidade fragilizada e marginalizada. Nesse sentido, compartilho da concepção apresentada por Jaeger: Gênero é um termo ou uma categoria, que se refere às relações sociais entre os sexos, que rejeita as explicações biológicas sobre as desigualdades de poder entre homens e mulheres. (...) Diferentemente de sexo, que está relacionado a diferenças físicas, gênero refere-se às diferenças socialmente construídas. (2004: 307)

Vários estudos apontam que a violência nas relações de gênero incide muito mais sobre as mulheres do que em relação aos homens, embora homens também possam sofrer violência nas suas interações de gênero (Strey, 2004; Jaeger, 2004; Machado, 2004). Nessa construção social, na qual a mulher é colocada no lugar da passividade e da submissão e o homem, como dominante e possuidor da vida e da morte das pessoas – conforme os ditames patriarcais coloniais –, a menina, em situação de vulnerabilidade pessoal e social, se depara com cenas em que são possuídas como objeto dessa violência física e simbólica. Nesse contexto, o homem, ao acreditar que é o único detentor da lei, tanto na visão do senso comum como na perspectiva de algumas correntes teóricas, não percebe que também está

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submetido a essa mesma lei que produz sofrimento mútuo; apesar de vangloriar-se dos seus feitos heróicos (Wacquant, 1998). Frente a esse quadro social, o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil representa uma luta contra essas concepções aviltantes em relação ao ser mulher e ao ser homem, dentre outras orientações sexuais, as quais têm configurado no sacrifício da vida de milhares de pequenos seres diante de um capital viril (Carreteiro; Ude, 2007). Todavia, esse compromisso não deve ser visto como um combate que desencadeará uma verdadeira guerra contra agressores e abusadores. Não podemos confundir luta com guerra. A guerra é viril. Nesse sentido, a responsabilização jurídica e penal de cada caso deve ser acionada com veemência, porém acompanhada de um amplo debate com a sociedade sobre a produção desses cenários de violência. No atendimento individual e familiar, as questões de gênero também necessitam ser refletidas com vistas a desconstruir premissas falocêntricas que geram posições de dominação e subalternidade entre o masculino e o feminino. Em termos das relações familiares, a história dos sujeitos deve ser pesquisada com o grupo familiar e seus membros para se tentar identificar elementos históricos dessa trama cultural e social. Sabemos que existe uma pedagogia da violência praticada nas famílias com o fim de controlar crianças. Os pais se sentem mais autorizados a cometer atos violentos do que as mães devido ao imaginário construído a partir dessa divisão de papéis de gênero. Nesse sentido, várias pesquisas demonstram que o abuso e a violência sexual são reedições de fatos acontecidos em gerações anteriores, tornando-se um fenômeno transgeracional no contexto sociofamiliar (Jaeger, 2004; Narvaz; Koller, 2004). De abusados passam a abusadores e de agredidos a agressores. Um círculo vicioso que precisa ser interrompido por meio de intervenções que, na maioria dos casos, são carregadas de emoção e sofrimento, mas

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que podem culminar na conquista de um novo sentido construtivo para a vida dos sujeitos. Segundo Strey, as conseqüências dessas violações, no âmbito familiar, podem gerar histórias terríveis na trajetória das pessoas: Muitas das conseqüências negativas do abuso na infância estão presentes nas mulheres vítimas de violência, o que pode nos levar a pensar num círculo vicioso que integra violência sofrida na infância com violência sofrida na vida adulta. No caso dos homens, os transformaria de vítimas em algozes, pois têm a experiência prática de que ninguém iria intervir para proteger sua vítima e tomar alguma medida contra ele. (2004: 21)

Realmente, a prática e a produção bibliográfica sobre o assunto têm nos mostrado que os homens abusadores e agressores apresentam grande dificuldade em aceitar a interdição da lei ou a intervenção de profissionais da área psicossocial. Como já fora ressaltado, se colocam no lugar da lei. Nessas circunstâncias, não aceitam a lei vinda de outra instância social, seja das instituições públicas ou da própria comunidade a que pertencem. Em busca da sustentação da impunidade, ameaçam de morte a menina ou a jovem abusada e violentada, como também familiares, vizinhos, conselheiros tutelares e até policiais. Querem se mostrar intocáveis na sua honra viril por meio da valentia e da força que ostentam. Diante disso, os trabalhadores sociais e demais cidadãos e cidadãs devem recorrer ao recurso da Denúncia Anônima. Nesses casos, a articulação de todos os setores sociais envolvidos torna-se imprescindível para deter a fúria de um guerreiro que abusa da sua hostilidade. O trabalho de um terapeuta familiar jamais será bemsucedido sem a participação do delegado, e este não conseguirá interromper a reincidência do fato sem a contribuição dos demais profissionais que pertencem à área jurídica, educacional, assistência

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social e saúde. Esse é o novo paradigma proposto neste trabalho a ser construído em redes de cooperação. É importante salientar ainda que, nos casos do abuso sexual intrafamiliar, as fronteiras entre os subsistemas – parental, conjugal, fraternal e filial – estão mal definidas. Ou seja, a definição das responsabilidades, atribuições e tarefas de cada membro não estão bem delimitadas e configuradas. A figura da mãe se confunde com a filha abusada. O “pai”1 ou “padrasto” não se reconhece no lugar de uma paternidade protetora. Por sua vez, não reconhecem a filha como filha. A menina se torna amante; e a esposa, a responsável pelos afazeres domésticos. Nesse contexto, a idéia patriarcal do homem visto como único provedor e chefe da família, dentre outros elementos identitários, faz com que o grupo fique subjugado ao drama da violência intrafamiliar. Na maioria dos casos, todos os membros familiares sabem do abuso sofrido pela menina ou pela jovem. Aliás, muitos deles já passaram por este constrangimento durante as suas infâncias. O mito da sagrada família dificulta a denúncia, já que se torna um lugar intocável mesmo que violento. A experiência terapêutica de Machado quanto à indiscriminação de fronteiras nessas famílias é a seguinte: Muitas vezes, sinto-me perdida, não conseguindo entender quem é casado com quem, quem é pai ou mãe de quem, mergulhada na indiscriminação trazida por essa família. Passei a entender o abuso sexual dessas crianças como mais um sintoma presente na dinâmica familiar. (...) As crianças parecem estar reproduzindo essa indiscriminação de papéis, não identificando limites claros que não devam ser ultrapassados. (2002: 88)

Na verdade, a violência sexual infanto-juvenil representa também a consecução de um ato incestuoso, no qual adultos não são capazes de reconhecer suas funções sociais de proteção integral às crianças

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e jovens da nossa sociedade, tal como está evidenciado no artigo 227 da nossa Constituição. Nesse sentido, o papel do terapeuta e dos trabalhadores sociais é procurar ajudar as famílias a definirem quem é quem no espaço familiar de convivência. Devemos fazer perguntas que remetem para a constituição da identidade: quem é pai aqui? Quem é mãe? Quem é filho? Quem é filha? Quem é adulto? Quem é criança? Quem é jovem? Ou seja, essas indagações podem contribuir para a delimitação de fronteiras materiais e simbólicas que configuram o contexto sociofamiliar. Por outro lado, este tipo de violência se constitui por uma relação de dominação que se realiza por meio da força física, do poder econômico ou do status social. Nesse aspecto, a condição de uma criança ou jovem em situação de extremo risco social e pessoal se torna mais vulnerável ao abuso e à exploração sexual. Muitas meninas e meninos se refugiam nas ruas para tentarem escapar dos constantes assédios e constrangimentos vividos no âmbito doméstico (Narvaz; Koller, 2004). Não se trata de um problema que se reduz à dimensão material e econômica. Nesse enredo, observa-se que outras questões relativas às interações de gênero perpassam a dinâmica familiar dessa realidade. Todavia, o fenômeno do abuso sexual ocorre em todas as classes sociais. Outro ponto importante a ser destacado, neste debate, se refere aos possíveis sintomas que as crianças e jovens submetidos a este tipo de violência podem apresentar nas suas distintas relações sociais. Nesse aspecto, torna-se fundamental que os(as) educadores(as) fiquem atentos a determinados sinais verificados no contexto escolar e social mais amplo. Entretanto, pesquisas e experiências têm demonstrado que a maioria das instituições escolares desenvolve seus trabalhos educativos de maneira isolada em relação à comunidade onde atua e aos serviços sociais existentes. Um diagnóstico realizado pela Expansão do PAIR,2 numa cidade

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do Triângulo Mineiro e em duas cidades dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, demonstra que as escolas são as instâncias institucionais que menos participam da rede de enfrentamento a este tipo de problema. Sabemos que um trabalho em redes sociais constitui uma possibilidade fundamental para o fortalecimento dos vínculos interpessoais e institucionais para a construção de uma vida mais solidária, ecossistêmica e humana, já que isolados somos frágeis (Ude, 2002). Sendo assim, a escola representa um espaço importantíssimo na identificação e encaminhamento dos casos que evidenciam violência sexual infanto-juvenil. A instituição escolar compõe a vida social dos estudantes de uma maneira preciosa, tendo em vista que ali estabelecem contatos com o conhecimento sistematizado e com uma rede de vínculos pessoais e grupais que podem reconfigurar suas maneiras de compreender o mundo. Essa é a escola que, ao meu ver, devemos sonhar e lutar para que se consolide. Trata-se de um lugar onde se efetua a socialização secundária da criança, além do âmbito familiar, possibilitando expressar dimensões da subjetividade nas atividades realizadas. Qual a professora que nunca se surpreendeu com o conteúdo de uma redação ou de um desenho de um(a) estudante? Numa experiência vivida pelo Programa Sentinela3 da Prefeitura de Belo Horizonte, no período de 2002/2004, uma menina de 4 anos que sofria abuso sexual intrafamiliar desenhou um pênis numa folha de papel em branco, quando a educadora solicitou um desenho livre na sala de aula de uma creche. Esse tipo de situação e outros cenários que são observados no contexto escolar demonstram que alguns indícios de violência sexual podem ser identificados na prática cotidiana dos(as) educadores(as). Nesse sentido, algumas crianças e jovens podem apresentar comportamentos extremamente erotizados, como curiosidade sexual acentuada e manipulação da própria genitália

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ou de colegas. Além disso, algumas se colocam de maneira mais isolada diante das demais, com postura depressiva ou agressiva, indicando guardar algum segredo doloroso. Nesses casos, podem estar sofrendo violências intra ou extrafamiliares. Frente a esses e outros sintomas, o(a) professor(a) necessita buscar maneiras éticas e profissionais para aproximar desse sujeito em situação de sofrimento e providenciar intervenções sociofamiliares. Para isso, a escola deve estar conectada e articulada a uma rede intersetorial e interorganizacional mais ampla constituída por Conselho Tutelar, Delegacia de Polícia, Promotoria, Juizado da Infância e da Juventude, Posto de Saúde, Núcleo de Atendimento Sociofamiliar, Programa Sentinela, PAIR, dentre outros. Entretanto, nem sempre a denúncia pode ser feita diretamente, tendo em vista que muitos abusadores e agressores, na crença de que a lei não pode ser capaz de interditá-los, ameaçam a vida dos seus delatores. Nessas situações, recorre-se aos serviços de Denúncia Anônima, como já foi mencionado. Junto a esses sintomas que podem ser manifestados no âmbito escolar, pode-se identificar outros sinais relativos à dinâmica familiar em que ocorre violência. Um indicador comum é o isolamento do grupo familiar em relação à sua vizinhança. Isso ocorre porque o segredo daquela família é um crime e, por isso, traz sofrimento para os seus membros. Num caso atendido pelo Programa Sentinela de Belo Horizonte, observou-se que o “padrasto” de uma jovem sempre espreitava com quem ela estava conversando na escola, seja no pátio ou na saída das aulas. Esse temor se devia ao medo da denúncia do abuso sexual que ela sofria do referido abusador. Sendo assim, ele sempre ia buscá-la de motocicleta após as aulas. Diante desse sinalizador, as professoras desconfiaram daquele vínculo obsessivo e aditivo, dentre outros sintomas, e encaminharam o caso com a devida cautela, conforme já mencionado anteriormente.

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É curioso verificar que esse segredo familiar se estende para outras redes, como instituições e vizinhança. A falta de conhecimento sobre o fenômeno e a desinformação quanto aos meios de encaminhamento e denúncia frente a essas situações impede que as pessoas enfrentem esse tipo de violência. Junto a isso, temem ser ameaçadas pelos exploradores ou abusadores. Entretanto, a divulgação dos programas de proteção e a devida orientação podem romper com esse silêncio que causa certa agonia a todos. A culpa que assola quem se torna cúmplice de fatos violentos passa a gerar sofrimento nos demais relacionamentos dos indivíduos. A relação de amor e ódio que marca a interação entre a criança vitimizada e o abusador passa também a contaminar as pessoas que estão próximas ao problema. Por isso, o enfrentamento representa a melhor saída para superar a questão. A equipe de trabalho deve conversar sobre os sentimentos provocados por essas circunstâncias para ter consciência de como proceder de uma maneira mais coerente e protegida. A identificação dos profissionais com os membros familiares e indivíduos envolvidos com violência sexual infanto-juvenil é inevitável. Aliás, esse espelhamento no outro que comparece diante de si pode ser a grande ferramenta para trabalhar o fenômeno com maior pertinência e adequação. Alguns profissionais tomam as dores da filha, outros da mãe e outros do agressor. Esse tipo de configuração pode fragmentar a equipe de trabalhadores sociais se o assunto não for bem discutido e elaborado. Quanto a isso, Furniss nos alerta: Diferentes profissionais se identificam com diferentes membros da família e diferentes aspectos do processo familiar. Em casos complexos de grave abuso sexual da criança não existe maneira de não ocorrerem diferentes identificações, pois cada profissional é apresentado a diferentes aspectos da família e dos seus membros. Existe apenas a maneira de negar a identificação, com o perigo de atuar

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por procuração. O pulo qualitativo que precisamos dar é confessar explicitamente nossas inevitáveis identificações. (2002: 83)

Frente a isso, os profissionais necessitam observar os vínculos estabelecidos entre as dimensões intra e interpessoais dos membros da equipe e do grupo familiar atendido. Como se nota, a realidade da violência sexual infanto-juvenil representa um fenômeno complexo que necessita ser discutido nos seus aspectos culturais, sociais, históricos e institucionais, no intuito de abranger sua complexidade. A criação de grupos de estudos, reuniões de equipe, seminários, fóruns e debates sobre o assunto podem contribuir para uma maior compreensão e intervenção diante deste grave problema. Sendo assim, no próximo item, guardados os devidos limites que este texto permite, passaremos a discutir a importância de se tecer redes cooperativas de enfrentamento a essas formas de violência no âmbito comunitário e municipal.

Construção de redes sociais: por uma tessitura de ações solidárias em defesa da vida A proposta de trabalhos em redes sociais tem representado um novo paradigma que se contrapõe às tradicionais políticas públicas marcadas por ações fragmentadas que, historicamente, apenas contribuíram para intervenções localizadas, segmentadas, centralizadas e simplificadas frente a fenômenos complexos e contextuais. A obsessão de isolar fragmentos da realidade num laboratório pretensamente asséptico das influências externas e internas do sistema observado, no afã de controlá-los e dominá-los para prescrever medidas preditivas e lineares, tornou-se o modelo predominante da ciência clássica. Nesse contexto, a certeza produzida por uma visão que acredita num mundo que funciona de

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forma homogênea e mecânica por meio de um equilíbrio estático gerou análises deterministas, considerando-se que não enfrenta a diversidade, a incerteza, a instabilidade, os conflitos, as crises, e, enfim, a dinâmica da vida. Entretanto, a realidade é relativamente estável, caracterizada por um processo constante de conservação e transformação que procura estabelecer uma identidade do sistema diante de momentos de instabilidade (Maturana, 1998). Nesse sentido, o grande desafio de qualquer ser vivo é permanecer existindo perante situações inesperadas (Rey, 1997; Capra, 1999). Não existe vida sem conflitos. Contudo, quando as crises não geram novas organizações identitárias e maneiras mais criativas de permanecer no mundo, o adoecimento se instala. Esse é o caso das famílias onde ocorre o abuso sexual intrafamiliar, das crianças e jovens vitimizadas pela violência sexual, dos abusadores, dos agressores e demais membros que se fixam nesse tipo de sofrimento. Sabemos que são histórias que se repetem e que perpassam por gerações familiares e sociais, as quais não conseguem superar uma circularidade que se tornou mórbida. Diante da dificuldade de construir espaços de diálogo para se tentar compreender as relações interpessoais produtoras de violência, não são capazes de construir novas formas de relacionamento grupal e social mais amplo. Porém, tudo aquilo que procura se fixar se aproxima da morte. De acordo com Silva (2000), a necessidade de fixação é uma necessidade e uma impossibilidade. Em suma, o sujeito necessita continuar sendo si mesmo de uma maneira inovada frente ao inusitado. Essas premissas nos ajudam a entender o paradigma das redes sociais, pelo caráter dialético, sistêmico e complexo que o constitui (Rey, 2003; Morin, 1996; Sluzki, 1997). Outro aspecto importante a ser ressaltado, no que se refere a essa perspectiva teórico-metodológica, é a percepção de que tudo

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interage com tudo de uma maneira simultânea e complexa. O todo está na parte, a parte está no todo e as partes interagem entre si; ora se complementando e ora entrando em conflitos. Dentro dessa compreensão da realidade, torna-se impossível discutir o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil sem considerar os diversos níveis que participam da teia que produz este tipo de problema. Por isso, no item anterior procuramos apontar as interseções existentes entre elementos macro e microssociais que engendram relações de gênero tão desiguais que, na maioria dos casos, culminam na exploração sexual de crianças e jovens do sexo feminino. Aqui, evidencia-se a relevância dos aspectos histórico-culturais presentes nessa trama. Baseando-se em alguns desses princípios teóricos, determinados autores têm desenvolvido metodologias de grande valor comunitário na construção de políticas e ações coletivas mais integradas e cooperativas. Na verdade, a defesa da metáfora de redes sociais se preocupa com a qualidade dos vínculos estabelecidos e as possibilidades de bem-estar do sujeito e da sua comunidade (Najmanovich, 1995). Nesse sentido, representa uma proposta que tem um compromisso ético com a proteção da vida das pessoas e do ecossistema. Foi inspirado nesses pressupostos teórico-conceituais que o psiquiatra argentino Carlos Sluzki (1997) criou o Mapa Mínimo da Rede Pessoal Social para tentar avaliar a saúde de indivíduos portadores do HIV/AIDS e a densidade dos seus vínculos no âmbito da família, das relações comunitárias, das amizades, do trabalho, da escola, dos agentes de saúde e do serviço social. No decorrer da sua pesquisa ficou evidenciado que aqueles indivíduos que se viam isolados, sem acolhimento familiar e vida comunitária, ficavam mais vulneráveis ao adoecimento psíquico e orgânico, devido ao sofrimento crônico produzido por esta situação. Diante disso, suas sobrevidas se tornavam mais ameaçadas e precocemente interrompidas. Por outro lado, aqueles sujeitos

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que encontravam apoio familiar, freqüentavam espaços de lazer, estabeleciam boas relações de amizade e mantinham vínculos no trabalho, se mostravam mais saudáveis e felizes, apresentando um período de sobrevida maior. Nesse aspecto, os estudos de Sluzki se transformaram numa referência para vários estudiosos e trabalhadores sociais que atuam no campo de políticas públicas e de terapias comunitárias e familiares. No campo da terapia familiar, encontramos trabalhos que atuam nessa perspectiva, sendo que o trabalho de Both (1976) foi um dos precursores nessa temática. Em termos de trabalhos comunitários, a pesquisadora Elina Dabas (1995) evidenciou-se como importante divulgadora desta proposta fundamentada na construção de redes sociais, em defesa de uma vida mais solidária. No Brasil, temos pesquisadores, terapeutas e educadores sociais que têm desenvolvido trabalhos comunitários e socioeducativos baseados nessa concepção sistêmica e complexa (Sudbrack, 2006; Vasconcelos, 2002; 2005; Ude, 2002). Retomando Sluzki (1997), a sua proposição de mapeamento das redes sociais tornou-se instrumento precioso para se tentar verificar como estão constituídos os vínculos do sujeito e sua qualidade de vida. Nesse sentido, passou a constituir um diagnóstico que produz uma visibilidade gráfica que mostra os níveis de relacionamento construídos nos diferentes campos interacionais (família, relações comunitárias, amizades, trabalho, escola, agências de saúde e serviço social). Na configuração produzida pelo mapa é possível identificar fatores de proteção e fatores de risco apontados pelo desenho construído. Frente a isso, abre-se um diálogo com o sujeito, seus familiares e sua rede mais ampla, no intuito de verificar os pontos mais frágeis identificados no mapa e, em seguida, construir alternativas que possam resgatar e fortalecer vínculos significativos para o grupo envolvido, no sentido de gerar dispositivos de proteção perante os quadros de vulnerabilidade constatados.

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No caso da exploração sexual infanto-juvenil, a exposição de uma criança ou jovem a condições de miserabilidade, associada a uma organização familiar precarizada pela falta de trabalho para as figuras parentais, situações de violência intrafamiliar e ausência de oportunidades de lazer, podem gerar vulnerabilidade a esta forma de trabalho infantil, dentre outras, principalmente quando se trata de meninas. Por isso, os programas e instituições sociais não podem trabalhar isoladamente. O mapeamento da vida pessoal social do sujeito irá indicar lacunas que necessitam ser trabalhadas por meio da articulação e construção de políticas públicas, seja no Município, no Estado ou na Federação. Ao pensar nestas questões, resolvemos apresentar a idéia básica do mapa desenvolvido por Sluzki, por meio do seu traçado metodológico e avaliação de indicadores. Além disso, pretendemos introduzir a proposta de construção de um Mapa Mínimo da Rede Institucional Interna, tendo como referência o modelo sluzkiano, aqui referido. Trata-se de um esforço que tem a intenção de instrumentalizar pesquisadores e trabalhadores sociais que atuam no campo das políticas voltadas para questões de interesse coletivo, sem perder de vista as dimensões da individualidade dos sujeitos constitutivos da teia comunitária que estão enredados, como se segue abaixo.

Mapeamento das redes pessoais e institucionais: identificação de vínculos e lacunas para o trabalho de intervenção Quando se fala de redes que se traçam numa comunidade, seja na vida de um sujeito ou de uma instituição (inclusive a familiar), evidencia-se que estas relações acontecem em territórios relativamente delimitados. A demarcação desses espaços se dá por meio de fronteiras simbólicas e materiais que possibilitam a constituição

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da identidade das pessoas e da sua coletividade. Quando mencionamos que alguém é morador do Vale do Jequitinhonha, estamos caracterizando um sujeito que pertence a uma região do estado de Minas Gerais, a qual se distingue, por exemplo, do Triângulo Mineiro, por suas características geográficas, econômicas, culturais e sociais. Todavia, apesar das diferenças regionais, denotam problemas comuns, guardadas as devidas proporções, como é o caso do enfrentamento da exploração sexual infanto-juvenil, nessas regiões, já que se situam na margem de uma malha rodoviária com tráfego interestadual intenso. Diante desse quadro, faz-se necessário mapear os vínculos daquelas meninas e jovens que estão submetidos a esta forma de violência sexual, tanto no âmbito das suas redes pessoais sociais quanto na dimensão das instituições que poderiam e deveriam protegê-las de situações comprometedoras para a sua integridade física, psíquica e moral. Para isso, a sugestão do desenho dos mapas representa um elemento gerador de intervenções que podem apontar caminhos para um trabalho em redes mais fortalecidas, solidárias e cooperativas frente a essas situações degradantes. O Mapa Mínimo da Rede Pessoal Social, proposto por Sluzki, se constitui de um desenho representado por um círculo que é dividido por quatro quadrantes principais: família, amizades, escola/trabalho e relações comunitárias (religião, esporte, cinema, teatro, clubes, bares, restaurantes, praças etc.). Além destes, acresce-se um pequeno quadrante marcado por uma linha pontilhada que representa os vínculos com sistemas de saúde e serviços sociais. Esses quadrantes são permeados por dois círculos internos que indicarão as relações mais próximas, as intermediárias e as mais distantes, estabelecidas pelo sujeito. Essa configuração possibilitará identificar níveis de relação que variam da maior confiabilidade e intimidade, entre amigos; relações com menor grau de comprometimento, constituídas

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de colegas; e pessoas conhecidas, que se situam mais distanciadas ou que surgem de maneira ocasional. É interessante observar que, quando o sujeito apresenta uma rede reduzida, ou seja, com poucos vínculos de amizade, escassez ou falta de acesso a experiências de lazer, desempregado, sem acesso à escola ou com dificuldades escolares e, ainda, precários vínculos familiares, sua vulnerabilidade pessoal e social se torna evidenciada no mapa. Nesses casos, fica notório que, diante de um sentimento de pertença tão fragilizado, o sujeito procura buscar recursos nos sistemas de saúde e serviços sociais. Em síntese, os programas sociais atuam quando as redes sociais estão esgarçadas ou praticamente inexistentes. Aqui mora o perigo das políticas compensatórias. Nesse sentido, os profissionais do serviço social necessitam ficar atentos para não lidar apenas com sintomas, mas, pelo contrário, procurar avaliar como os vínculos foram se esgarçando na trajetória pessoal e social dos indivíduos. Esse diagnóstico permitirá construir alternativas que podem possibilitar o resgate de algumas relações nas redes primárias e secundárias dos sujeitos, por meio de um trabalho em redes. Por outro lado, sabemos também que, quando as políticas públicas estão ausentes ou mostram-se ineficazes, os indivíduos são emaranhados por redes perversas, seja no narcotráfico ou na exploração sexual. Outra atividade a ser desenvolvida junto ao desenho produzido com o sujeito será o estabelecimento de um diálogo que deverá envolver os segmentos implicados na sua tessitura. Um roteiro de entrevista deve ser construído para que se problematizem questões relativas aos vínculos estabelecidos na família, escola, amizades, trabalho e relações comunitárias. Esses questionamentos poderão apontar fatores de risco e de proteção a serem trabalhados. Sendo assim, a seguir apresentamos o mapa produzido por Sluzki, no

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intuito de provocar os trabalhadores sociais a recorrerem a este tipo de instrumento, a fim de oferecer uma visibilidade gráfica da qualidade e da quantidade de vínculos que caracterizam a rede dos sujeitos atendidos.

Mapa mínimo da rede pessoal social Elaborado por Carlos Sluzki (1997) e desenhado por Gustavo Souza Marques

Além do Mapa Mínimo da Rede Pessoal Social, sugerimos a construção do Mapa Mínimo da Rede Social Institucional. Essa idéia foi inspirada a partir do mapa sluzkiano, tendo em vista sua perspectiva sistêmica, a qual nos mostra que um sujeito isolado se torna frágil e, por sua vez, uma instituição dissociada e fragmentada em relação às demais se torna vulnerável. Esse mapa institucional pode avaliar tanto a rede interna da instituição, ou seja, as relações existentes entre os seus diversos setores, departamentos e secretarias,

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como a rede externa, aquela referente aos vínculos estabelecidos entre a instituição avaliada e as que se situam em torno do território onde atua. Para avaliar o Mapa da Rede Institucional Interna, faz-se necessário criar quadrantes que representem os diversos setores que compõem a instituição, de acordo com a especificidade de cada situação. Em seguida, adotar-se-á linhas que indicarão a qualidade dos vínculos existentes entre cada setor, departamento ou secretaria. Ou seja, procura-se visualizar os vínculos significativos, os fragilizados e os rompidos ou inexistentes. A representação gráfica para o desenho desses níveis pode ser realizada por meio de linhas com cores diferenciadas ou por uma única cor, conforme indicado a seguir: • Vínculos significativos - são relações de confiança e amizade, caracterizadas por vínculos de solidariedade, reciprocidade e intimidade. No caso das relações institucionais, tanto internas como externas, representam parcerias extremamente cooperativas. No que se refere à rede pessoal social, são aquelas pessoas a quem podemos confidenciar nossas angústias, dúvidas, incertezas, sofrimentos e alegrias, convictos de que não seremos traídos. Nesse contexto, encontraremos apoio e acolhimento. Por sua vez, retribuiremos com dedicação e disponibilidade. “São ombros em que podemos chorar e desabafar.” O traço utilizado é uma linha contínua, a qual pode ser desenhada com uma cor específica ou preta, como demonstrado a seguir: Vínculos significativos : _______________ (linha contínua) • Vínculos fragilizados - são vínculos que se encontram tênues devido a diversos fatores, como distância afetiva, pouca intimidade, afastamento geográfico ou alguma tensão que ocorreu entre as pessoas, decorrente de atritos, desconfiança ou

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desentendimentos que não foram superados. A representação gráfica se dá por meio do desenho de uma linha com cor distinta e/ou entrecortada, conforme a seguir: Vínculos fragilizados: __________/_____________ (linha entrecortada) • Vínculos rompidos ou inexistentes - são relações que se romperam devido a alguma decepção séria, traição, incompatibilidade ou alguma situação de violência que gerou afastamento entre as pessoas a ponto de quebrar seus vínculos sociais e institucionais. Por outro lado, também representa indivíduos que pertencem à rede pessoal e social do sujeito, porém, devido à falta de oportunidades de contatos, ainda não estabelecem relações. No caso da rede institucional, os critérios são semelhantes. Ou seja, procura-se mapear grupos e instituições que pertencem à comunidade e, em seguida, se avaliam aqueles vínculos que foram rompidos e os inexistentes. Nesses casos, simboliza-se o vínculo utilizando uma linha quebrada ou uma cor diferenciada, como se vê a seguir: Vínculos rompidos ou inexistentes: _____________⁄ ⁄___________ (linha quebrada) A representação gráfica do mapa, tanto no nível pessoal quanto no institucional, visa identificar a qualidade dos vínculos e sua distribuição entre os quadrantes. Nesse aspecto, tenta-se avaliar se a rede está reduzida, mediana ou ampliada. De acordo com Sluzki, uma rede mediana e bem distribuída entre os quadrantes tende a gerar fatores de proteção. Uma rede muito ampliada pode dificultar a articulação de apoios mais consistentes no cotidiano da vida dos sujeitos e das instituições. Entretanto, uma rede que apresenta lacunas na sua constituição aponta aspectos preocupantes que necessitam ser trabalhados. Nesse sentido, uma comunidade na qual se

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identifica falta ou ausência de projetos na área de lazer e de cursos profissionalizantes demonstra vulnerabilidades que necessitam ser debatidas com vistas a estabelecer reivindicações coletivas para se procurar atenuar ou eliminar fatores de risco para a população como um todo. Todavia, uma rede jamais será completa, considerando que somos seres marcados pela incompletude (Morin, 1996). Sendo assim, logo a seguir apresentaremos o Mapa da Rede Institucional Interna e, em seguida, o Mapa da Rede Institucional Externa.

Mapa mínimo da rede instucional interna Elaborado por Walter Ude e desenhado por Gustavo Souza Marques

Por sua vez, o Mapa da Rede Institucional Externa propõe evidenciar como estão constituídos os vínculos entre a instituição avaliada e os grupos organizados na comunidade, como também as

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distintas instituições governamentais e não-governamentais, com o objetivo de procurar identificar recursos e lacunas existentes, com vistas a integrar, fortalecer e otimizar a rede comunitária existente. O trabalhador social que atua numa perspectiva de redes necessita desenvolver a habilidade de articular as instâncias verificadas no local onde trabalha. A experiência tem demonstrado que fóruns, conselhos, seminários, assembléias, grupos de trabalho e núcleos de estudo, dentre outros espaços, constituem instâncias fomentadoras para trabalhos em redes sociais. A constante avaliação e discussão sobre os problemas verificados no âmbito comunitário e os encaminhamentos a serem adotados para enfrentá-los representam metodologia essencial para a manutenção de um trabalho comunitário baseado em parcerias. Dessa forma, o primeiro movimento do desenho, no mapa, se caracteriza pelo traçado da construção de indicadores quanto aos vínculos da instituição avaliada em relação às demais, nos seguintes campos: educação, saúde, área jurídica, segurança, religião, meio ambiente, trabalho, lazer, cultura, assistência social, famílias, órgão diretor etc. Nesse sentido, coloca-se o nome da instituição estudada no centro do mapa e vai se verificando os vínculos próximos, intermediários e distantes, nos distintos campos mencionados. Para indicar as diversas instituições, programas e grupos identificados, utiliza-se o nome abreviado conforme exemplo: CT – Conselho Tutelar; IE – Igreja Evangélica; IC – Igreja Católica; PS – Posto de Saúde; BF – Bolsa Família. A qualidade dos vínculos é sinalizada pelas mesmas linhas sugeridas anteriormente para se referir aos vínculos significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes. O segundo movimento se evidencia pela tentativa de verificar como estão os vínculos entre as instituições e grupos mapeados nos distintos quadrantes. Nesse aspecto, observa-se como estão os relacionamentos entre o Conselho Tutelar (CT), a escola, a delegacia,

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o posto de saúde, dentre outros. Simultaneamente, avaliam-se as inter-relações estabelecidas entre estes órgãos e os demais indicados no mapa. Nesse momento, constata-se que uma verdadeira teia (Capra, 1997) vai se configurando. É preciso lembrar que os traços devem ser qualificados, seguindo o parâmetro indicado acima, ou seja, vínculos significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes. Ao terminar essa parte, inicia-se a avaliação do desenho por meio dos seguintes critérios mencionados a seguir. • Tamanho: no caso do Mapa da Rede Pessoal Social, avalia-se o número de pessoas na rede. No que se refere à rede institucional, verifica-se a quantidade de vínculos institucionais e grupais estabelecidos. Sendo assim, a rede pode ser classificada como reduzida, mediana ou ampliada. • Densidade: avalia a qualidade dos vínculos observados, tanto no nível pessoal quanto institucional, no que tange às linhas do traçado: significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes. Obviamente que uma rede com boa densidade apresenta mais vínculos significativos nos seus quadrantes. • Distribuição/composição: refere-se ao número de pessoas ou instituições situadas em cada quadrante. Aqui, denotam-se lacunas e recursos existentes na rede. • Dispersão: trata-se da distância geográfica entre membros e instituições. Esse fator pode dificultar contatos e apoios mútuos no cotidiano dos sujeitos. • Homogênea ou heterogênea: avalia as características dos membros e das instituições, no intuito de verificar a diversidade e as semelhanças que compõem a rede. Uma rede homogênea torna-se fechada e frágil por não permitir diálogos com as diferentes organizações e individualidades que constituem a vida social em comunidade.

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Entre esses fatores, acrescem-se outros componentes importantes para se buscar o fortalecimento de um trabalho comunitário pautado por parcerias solidárias. Nesse aspecto, torna-se fundamental conhecer as funções da rede, ou seja, suas potencialidades e vantagens para a implicação de uma sociedade mais articulada e comprometida com as coletividades. O compartilhamento de recursos e saberes constitui noção básica para a consolidação desse propósito. Diante disso, apresentamos algumas características de suas atribuições: • companhia social: parte do princípio que isolados somos frágeis, tanto como pessoa como instituição. Nesse sentido, refere-se às necessidades e possibilidades de atividades coletivas e compartilhadas, as quais propiciam inúmeras alternativas e estratégias para se enfrentar problemas diários; • apoio emocional: trata-se da presença compreensiva frente às adversidades da vida, por meio do acolhimento, da escuta, do estímulo e da simpatia. Nesse contexto, um apoio amigo traz segurança e bem-estar; • guia cognitivo e de conselhos: representa a referência que cada um pode representar para o outro, no que diz respeito a informações e esclarecimentos sobre determinadas decisões que necessitam ser adotadas frente a desafios cotidianos; • regulação e controle social: o diálogo e a convivência permanentes estabelecem princípios, critérios e valores que constituem normas e responsabilidades que se tornam parâmetros para regular posturas pessoais e grupais, principalmente daquelas que destoam das expectativas que foram acordadas coletivamente. Contudo, os consensos são sempre negociados durante a construção do trabalho realizado;

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• ajuda material e de serviços: o compartilhamento de recursos materiais (veículos, alimentos, salas, quadras etc.) e de conhecimentos constitui a materialização de uma proposta em redes. • acesso a novos contatos: o envolvimento junto a redes cooperativas e solidárias possibilita a construção de novos vínculos com pessoas e grupos, ampliando a rede social dos indivíduos e das instituições. Frente a isso, apresentamos, em seguida, o Mapa Mínimo da Rede Institucional Externa para tentar ilustrar como os traçados se configuram quando o mapa é construído. Obviamente que cada realidade social e comunitária produz desenhos próprios, conforme a peculiaridade de cada lugar. Todavia, essa diversidade não impede a identificação de fatores de proteção e fatores de risco, diante de recursos e lacunas identificadas na comunidade avaliada ou na própria vida dos sujeitos. Dessa forma, destacamos, a seguir, o desenho proposto e um exemplo do seu preenchimento.

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Mapa mínimo das redes sociais institucionais Elaborado por Walter Ude e desenhado por gustavo Souza Marques

Mapa mínimo da rede institucional externa Elaborado por Walter Ude e desenhado por gustavo Souza Marques

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Considerações finais Toda essa proposição não se realiza sem as perspectivas trans e interdisciplinares, as quais constituem patamares fundamentais para se construir trabalhos intersetoriais, interorganizacionais e interinstitucionais. Junto a isso, os demais saberes presentes na teia social comunitária devem ser considerados por meio de uma metodologia que possibilita diálogos assentados na prática do intersaberes, ou seja, estabelecidos entre os saberes: científico, popular, prático, comunitário, religioso etc. Devemos lembrar que o paradigma de redes sociais reconhece o inacabamento do conhecimento. Por isso, defende relações mais horizontais e cooperativas para tentar construir descrições, explicações e intervenções mais pertinentes com a realidade com que se trabalha. Podemos concluir que o enfrentamento da violência infantojuvenil envolve fatores complexos que perpassam por aspectos histórico-culturais, econômicos e sociofamiliares. Essa constatação nos convoca a realizar um trabalho em redes sociais, frente à complexidade do problema. Foi pensando nisso que criamos e desenhamos os mapas institucionais propostos anteriormente. Esperamos que os instrumentos sinalizados, neste texto, possam fomentar práticas solidárias e participativas, por meio da identificação de recursos e lacunas verificadas nas políticas desenvolvidas, com o intuito de ampliar fatores de proteção para as crianças e jovens que estejam expostas a situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social. Almejamos uma teia de relações que realmente ofereça proteção integral às crianças e aos jovens do nosso país, como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90. Não se rompe com situações violentas sem rupturas na maneira de ser diante do mundo. A nossa mudança está entrelaçada na mudança do próximo. O desafio está colocado para todos – nós – dessa

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rede social. Cada um tem sua parcela de responsabilidade e cada sociedade humana deve se responsabilizar por cada um de seus cidadãos e cidadãs.

Notas 1

“Pai” ou “Padrasto” – Os termos estão entre aspas devido ao fato de estes personagens familiares não conseguirem se reconhecer, ainda, no lugar de uma paternidade protetora e responsável, confundindo-se na indiscriminação de funções e atributos que devem ser delimitados para se constituir uma identidade familiar.

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Diagnóstico realizado pelo Centro de Estudos sobre Criminalidade e Segurança Pública - CRISP/UFMG, no período de janeiro a maio de 2007, nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba.

3

Programa Sentinela – Programa Nacional de Enfrentamento à Exploração e ao Abuso Sexual Infanto-Juvenil, desenvolvido em vários municípios brasileiros.

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R e n n a n m a fra

Mobilização e Articulação no PAIR Limites e possibilidades do programa em Minas Gerais

Introdução Como grande parte dos problemas sociais enfrentados no Brasil, a violência sexual contra crianças e adolescentes é, certamente, uma questão determinada por inúmeros fatores. Complexa, nesse sentido, merece o envolvimento de possíveis atores que, de alguma forma, relacionam-se direta ou indiretamente ao problema, uma vez que delegar apenas ao poder público o papel de combatê-la seria ineficaz, ou mesmo fruto de um pensamento paternalista e ingênuo. Ao perceber esse multifacetado e desafiador cenário, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, de 2001, destaca como um de seus eixos estratégicos1 a Mobilização e Articulação, assim descrito no documento que sistematiza o Plano: Fortalecer as articulações nacionais, regionais e locais de combate e pela eliminação da violência sexual; comprometer a sociedade civil no enfrentamento dessa problemática; divulgar o posicionamento do Brasil em relação ao sexo turismo e ao tráfico para fins sexuais e

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avaliar os impactos e resultados das ações de mobilização. (Plano nacional de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, 2000, p. 7)

Nesse sentido, há um desejo explícito de fortalecimento dos mais diversos atores sociais, governamentais e não-governamentais, na busca pelo enfrentamento de uma questão urgente, uma vez que o desenvolvimento de um aparato técnico de denúncia e investigação, ou mesmo o conhecimento científico dos fatores que compõem o quadro da violência e exploração sexual infanto-juvenil no país não seriam suficientes para combater, de maneira cotidiana, o problema. É assim que, não somente nos eixos estratégicos, mas também em diversos momentos do Plano, ressalta-se a importância fundamental da mobilização e da articulação social para a luta contra tal exploração. Imbuído também desse espírito e tomando como base o Plano Nacional, foi concebido o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro – o PAIR, como uma das mais variadas estratégias criadas para dar materialidade ao enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. A partir de uma referência metodológica composta pelos eixos estratégicos do Plano, o PAIR, especialmente disseminado para os Estados da Federação a partir das universidades públicas, carregou, portanto, o especial desafio de possibilitar a operacionalização dos grandes eixos do Plano, a partir do qual a mobilização social apresenta-se como uma demanda essencial para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e jovens. Assim, tendo como referência primordial do PAIR sua demanda por Mobilização e Articulação dos diversos setores e atores que se referem, de algum modo, ao problema da exploração infanto-juvenil, este texto carrega dois principais propósitos: 1 - compreender, teoricamente, a necessidade de mobilização social pela questão

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da violência sexual infanto-juvenil, junto aos desafios das democracias contemporâneas, em que processos de deliberação pública e participação coletiva dos sujeitos mostram-se como desenhos possíveis essenciais na luta por direitos e na busca pela (re)definição de normas e questões coletivas; e 2 - partir do entendimento da mobilização social como um processo comunicativo, em que a visibilidade, a vinculação co-responsável e a transversalidade apresentam-se como demandas proeminentes para a decorrência do processo mobilizador; compreender em que medida o PAIR, em relação ao eixo Mobilização e Articulação, pode ser analisado em meio aos seus limites e às suas possibilidades de ação, diante dos desafios e dilemas presentes na concretização das ações do Programa, em Minas.

A luta contra a exploração e a violência sexual infanto-juvenil: uma questão de direito e de deliberação pública O entendimento da luta contra a exploração e da violência sexual contra crianças e adolescentes, como uma questão de direito, insere o PAIR num quadro social contemporâneo em que a própria definição de direitos como garantias vinculadas a uma auto-organização jurídica de cidadãos iguais e livres (Estado Democrático de Direito) deve ser compreendida de modo novo sob as condições das sociedades complexas (Habermas, 1997), como aponta Telles: ...colocados na ótica da sociedade, os direitos não dizem respeito apenas às garantias formais inscritas nas leis e instituições. Não se trata, longe disso, de negar a importância da ordem legal e da armadura institucional garantidora da cidadania e democracia. (...) Para colocar em outros termos, os direitos operam como princípios

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reguladores de práticas sociais, definindo as regras das reciprocidades esperadas na vida em sociedade através da atribuição mutuamente acordada (e negociada) das obrigações e responsabilidades, garantias e prerrogativas de cada um. (1999: 138)

Dessa maneira, Telles (1999) propõe o entendimento do direito pelo ângulo das práticas sociais e formas de sociabilidade. Esse entendimento, portanto, explica o direito como resultado de processos de negociação, fundados em práticas relacionais, mutuamente acordadas entre os indivíduos, inseridos em contextos democráticos. Habermas (1997) conforma e amplia essa perspectiva, quando compreende o direito como resultado de um processo discursivo, fruto de relações comunicativas entre cidadãos. Assim, tais cidadãos seriam capazes de debater publicamente questões que os afetam, de modo que, deste debate, possam surgir arranjos e entendimentos mutuamente negociados – capazes de regular e organizar a vida em sociedade. Nesse processo, os participantes do debate, orientados para o entendimento mútuo (a noção de “agir comunicativo”2), “unem-se em torno da pretensa validade de suas ações de fala, ou constatam dissensos, os quais eles, de comum acordo, levarão em conta no decorrer da ação” (Habermas, 1997: 36). Os direitos, vindos desse processo, como forma de sociabilidade e regra de reciprocidade, seriam essenciais para construírem vínculos civis entre indivíduos, grupos e classes (Telles, 1999). Destarte, a própria concepção de um “Estado de Direito” implicaria a participação ativa de uma sociedade civil mobilizada, em que os sujeitos, na qualidade de participantes de um debate público, buscariam balizar as regras que regulam a vida coletiva por meio de uma prática efetiva de comunicação, voltada para o entendimento. Não se trataria de negar o papel do Estado, mas buscar entender as possibilidades da construção de determinadas arenas públicas entre Estado e Sociedade,

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responsáveis por dar visibilidade aos conflitos e ressonância às demandas sociais, permitindo, no cruzamento das razões e valores que conferem validade aos interesses envolvidos, a construção de parâmetros públicos que reinventem a política do reconhecimento dos direitos como medida de negociação e deliberação de políticas que afetam a vida de todos. (Telles, 1999: 163)

Por meio desse prisma, o Estado, norteado por princípios democráticos, garantiria os direitos por meio de decisões e deliberações públicas, em que tais cidadãos tenham oportunidade de debaterem coletivamente as regras responsáveis por conduzir a vida em sociedade. Sendo assim, a partir de alguns autores, tais como Bohman (2000), Habermas (1997), Cohen (1997) e Avritzer (2000), podemos compreender a idéia de deliberação pública em, basicamente, dois sentidos: primeiro, como tomada de decisão; segundo, como troca de argumentos/visões em público. De qualquer maneira, a idéia de tomada de decisão não está desvinculada da idéia de debate, através do qual argumentos são trocados em público e justificados por razões. Os processos de discussão coletiva na esfera pública (sendo esta o locus privilegiado da argumentação) são fundamentais para processar os entendimentos e chegar a formulações reguladoras da vida social. É dessa forma que a idéia de uma democracia deliberativa3 seria capaz de expressar tanto o envolvimento coletivo dos cidadãos na vida pública, em democracias complexas, quanto a definição de direitos por meio de um processo dialógico de “dar” e “receber” razões em público (Bohman, 2000). Assim, momentos de debate e diálogo públicos são compostos por uma pluralidade de agentes que, juntos, tentam convencer uns aos outros e coordenar suas ações. Nesse sentido, na esfera pública, o processo de diálogo público e a definição de direitos não acontecem necessariamente orientados por um conhecimento específico de especialistas e são

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abertos para todos os cidadãos que desejam tomar parte nos objetivos da deliberação. Isso justifica, inclusive, o entendimento do enfrentamento à exploração e violência sexual contra crianças e adolescentes como uma questão de direito: neste caso, crianças e adolescentes, não mais como objetos de tutela ou elementos pertencentes a sujeitos que atingiram uma determinada maioridade civil acordada, passam a ser sujeitos de direitos; tal questão, reposicionada a partir da noção dos direitos humanos, torna o combate a essa exploração e a essa violência como uma questão não restrita apenas a uma esfera específica de sujeitos e/ou seleta de especialistas, mas também a todos os cidadãos que, como participantes de argumentações públicas, tomam o combate contra a violência e a exploração sexual infantojuvenil como um problema público, e compartilham, portanto, a responsabilidade de acordar e garantir o exercício dos direitos humanos das crianças e adolescentes. Nesse sentido, estudos já realizados (Henriques; Braga; Mafra, 2004; Mafra, 2006; Toro; Werneck, 2004) apontam que, na complexidade da sociedade contemporânea, tanto os embates coletivos pela garantia ao direito quanto a busca pelo exercício do direito conquistado interligam-se com um esforço convocatório, no sentido de chamar os cidadãos para atuarem em deliberações públicas. Tal processo pode ser compreendido como mobilização social.

Mobilização social: processo comunicativo fundamental à deliberação A mobilização social pode ser entendida como um processo de convocação de vontades para uma mudança de realidade (Toro; Werneck, 2004). Tal convocação não significa, portanto, apenas a

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junção de indivíduos em torno de uma ação específica, mas, acima de tudo, deve pressupor: ... a reunião de sujeitos que definem objetivos e compartilham sentimentos, conhecimentos e responsabilidades para a transformação de uma dada realidade, movidos por um acordo em relação a determinada causa de interesse público. (Henriques; Braga; Mafra, 2004: 36)

Para que seja “social”, a mobilização pressupõe algum tipo de acordo em relação a determinada causa e deve envolver indivíduos que visem atuar sobre a realidade. Para que haja este acordo e, principalmente, para que o interesse coletivo seja definido, é necessário que entendimentos sejam negociados e trocados a partir de um processo comunicativo. Isso significa dizer que a mobilização, como prática social, constitui-se, eminentemente, pela comunicação. Convocar vontades e compartilhar sentimentos, conhecimentos e responsabilidades pressupõe conversa, troca, partilha intersubjetiva, relação (Mafra, 2006). Sendo assim, entender processos comunicativos como relações significa considerar que, ao contrário de uma lógica transmissiva, em que mensagens são enviadas de um emissor a um receptor, provocando determinados efeitos, a comunicação se constitui por interlocutores (em âmbitos de produção ou recepção) como instituidores de sentido, que “partem de lugares e papéis sociais específicos” (França, 2002: 27). Em outras palavras, a comunicação, por uma perspectiva relacional, pode ser entendida como um processo que cunha relações entre sujeitos inseridos em determinados contextos, por meio de códigos e linguagens específicas, organizando e empregando sentido ao estar-junto, à interação. Destarte, a ocorrência do processo mobilizador, compreendida pelo ângulo da comunicação, envolve o estabelecimento de relações, compartilhadas e moldadas intersubjetivamente.

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É possível considerar a mobilização social como fundamental no estímulo aos sujeitos para o processo de deliberação, numa esfera pública ativa. É relevante notar que essa visão do processo de mobilização não exclui a existência do embate entre diversas posições e entendimentos. O conflito e as contradições são inerentes ao próprio processo. Mobilizar sujeitos se mostra necessário justamente porque existem determinados sentidos coletivos naturalizados que, por meio de processos comunicativos de ordem pública, podem ser questionados, problematizados e (re)negociados (Mafra, 2006). Como o processo de mobilização social se liga com as maneiras pelas quais os sujeitos estabelecem suas trocas comunicativas, é possível notar, em sociedades complexas, um grande desenvolvimento de meios e instrumentos de comunicação altamente especializados, os quais certamente são utilizados para gerar visibilidade às causas sociais. Como apontado por Habermas (1997), a visibilidade aos argumentos e propostas é fundamental para a existência de um debate público e, nesse sentido, tornar um tema visível, acima de tudo, representa o primeiro passo para o estabelecimento de um processo comunicativo entre os sujeitos. De tal sorte, no sentido de gerar visibilidade, tanto recursos da mídia de massa quanto recursos da comunicação estratégica são acionados em processos de mobilização social. É dessa maneira que um processo de mobilização social cumpriria um papel essencial no sentido de estabelecer vínculos civis e sociais entre os cidadãos, de modo a torná-los participantes ativos num processo de deliberação e debate públicos, para a garantia, normativa e cotidiana, ao exercício de direitos. Este parece ser o caso do PAIR, ao privilegiar a mobilização social como um de seus eixos estratégicos: a geração de esforços convocatórios dos sujeitos para a participação no enfrentamento da questão da exploração e violência sexual contra crianças e adolescentes representa um

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movimento essencial, que se direciona, em última análise, a um processo de geração e fortalecimento de vínculos dos mais variados atores com a causa proposta. Nesse sentido, a comunicação, nesses momentos, cumpriria determinadas funções essenciais para que uma causa possa tornar-se coletiva, e um problema publicamente relevante, passível de debate e deliberação – já que a mobilização social é, por si mesma, um processo comunicativo. Dentre as funções, destacamos, a seguir, a vinculação como uma função da comunicação para a mobilização social.

Entendendo a vinculação em processos de mobilização social Em linhas gerais, segundo Henriques, Braga e Mafra (2004: 21), a comunicação para a mobilização social tem como principal função “gerar e manter vínculos entre o projeto e seus públicos, por meio do reconhecimento da existência e da importância de cada um e do compartilhamento de sentidos e valores”. Aprofundando mais o entendimento do processo de vinculação, ainda segundo os autores, o vínculo mais forte e que todo processo de mobilização deve buscar é o da co-responsabilidade. Esta pode ser, portanto, alcançada “quando todos se sentem realmente envolvidos no problema, compartilhando a responsabilidade pela sua solução, entendendo sua participação como uma parte essencial do todo” (Idem). Isso significa dizer que os públicos mobilizados devem compartilhar informações e responsabilidades, atuando com a certeza de que outros estão realizando ações semelhantes ou complementares no mesmo sentido, e cujo resultado advirá da soma destas ações. Para se chegar, portanto, à co-responsabilidade, os autores propõem que os públicos podem possuir outros vínculos, que podem ser visualizados numa escala progressiva, sendo que os objetivos das

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estratégias de comunicação seriam possibilitar o fortalecimento dos vínculos de tais públicos, até se atingir o nível ideal, que é o da co-responsabilidade. Tal escala, chamada de Escala de Níveis de Vinculação, é assim representada:

Escala de níveis de vinculação Fonte - Henriques; Braga; Mafra, 2004: 44.

Da esquerda para a direita, caminham, do mais fraco ao mais forte, os níveis de vinculação, aos quais os sujeitos podem se posicionar. Tais níveis não são estanques; muito menos não há uma regra temporal para o processo de vinculação. Em alguns casos, sujeitos podem, em instantes, alcançar o nível ideal de vinculação; em outros, a permanência pode ser maior em algum dos níveis (mesmo que seja nos mais fracos). O primeiro dos níveis, Localização espacial, apresenta o vínculo mais fraco e se situam nele todas as pessoas e instituições localizadas na área de abrangência do projeto de mobilização, mesmo que não tenham conhecimento sobre sua existência. Contudo, os públicos que se encontram neste nível têm uma relação ainda frágil com a causa. O entendimento de tal nível representa, portanto, um passo primordial para o projeto: conhecendo a localização de seu público,

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podem-se orientar estratégias de forma a contemplar os outros níveis da escala. O segundo nível de vinculação, a Informação, indica que as pessoas que estão neste nível, além de se localizarem espacialmente no espectro de atuação do projeto, possuem informação sobre a causa e têm um vínculo mais forte em relação aos públicos que apenas se encontram no nível anterior. Todavia, informações, por si mesmas, não seriam ainda suficientes para gerar, nos públicos, uma opinião, de preferência favorável, formada sobre o assunto. Dessa forma, o terceiro nível de vinculação, o Julgamento, indica que os públicos que aí se encontram, além de terem informações detalhadas sobre o projeto, expressam julgamento positivo sobre a causa e passam a defendê-la e a legitimá-la, fortalecendo seu vínculo. Em seguida, o quarto nível, a Ação, indica que os públicos que se encontram neste nível já agem de alguma forma para contribuir com a causa, embora estas ações possam ser pontuais, sem ligação com a de outros públicos. O ideal é que as ações não se esgotem nelas mesmas, mas que possam ser coesas e contínuas. A Coesão, o quinto nível de vinculação, indica que os públicos que nele se encontram realizam ações organizadas, sistematizadas e interligadas. Em seguida, o sexto nível, Continuidade, indica que os que aí se encontram, além de ações coesas, realizam também ações permanentes, num processo contínuo de participação. Por fim, a Co-responsabilidade, que é o nível de vinculação ideal, indica que os públicos, neste nível da escala, realizam ações coesas e contínuas – parâmetro da co-responsabilidade – compreendendo que são responsáveis e essenciais, assim como os demais atores, para o sucesso do projeto mobilizador. Mesmo sendo a co-responsabilidade um nível de vinculação ideal, é possível que sujeitos participem de um projeto mobilizador num nível ainda mais forte, assim denominado de Participação Institucional, que representa participação institucionalizada por

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vínculo contratual. Dirigentes, parceiros, prestadores de serviço, funcionários etc. são públicos de um projeto mobilizador e se encontram nesse nível. Contudo, mesmo que este seja um nível de vinculação forte, ele diz respeito apenas a alguns agentes da rede mobilizadora, representando um vínculo estratégico, mas não um ideal a ser almejado por todos os públicos da mobilização social. Ainda nessa escala, uma outra forma de entender os vínculos seria a partir de uma visão dos públicos, que, no caso da mobilização, podem ser classificados em três categorias, representados, na figura, pelas letras B, L e G: Beneficiados, Legitimadores e Geradores. Beneficiados são aqueles públicos que estão dentro da área atingida pelo projeto (nível de localização espacial) e podem ter informações (nível informação) sobre ele, porém, ainda não possuem um julgamento formado sobre a causa. Legitimadores representam o público que possui julgamento positivo em relação à causa e ao projeto, entretanto não tomam parte em suas ações. Já os Geradores são os que realizam qualquer tipo de ação num processo mobilizador: desde as ações pontuais até àquelas que vão da coesão à co-responsabilidade e à participação institucional. Essa forma de segmentação de públicos não os separa em grupos totalmente distintos. Na verdade, há uma progressão, de forma que, de início, todos os públicos são Beneficiados; dentre eles, haverá indivíduos e instituições que se caracterizam como Legitimadores; e, desta legitimação, surgirão os Geradores. Assim, um público está contido no outro. Assim, a proposta metodológica da Escala de Níveis de Vinculação pode voltar-se, sobretudo, à análise de diversos projetos e programas de mobilização social, que buscam o compartilhamento de suas causas junto aos sujeitos, como também pode servir, aos mesmos projetos, como um instrumental metodológico capaz de

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orientar a composição de estratégias de comunicação para a mobilização social, para seus mais diversos públicos. Nesse sentido, sendo o PAIR um Programa Mobilizador, cuja proposta caminha em direção ao enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, a partir da mobilização social e da articulação com os diversos atores que se relacionam, direta ou indiretamente, ao problema, as referências da Escala de Níveis de Vinculação podem servir de base a uma análise de seu processo mobilizador. Além disso, sem perder de vista que o PAIR se insere numa proposta mais ampla apresentada pelo Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, bem como se posiciona como um estimulador de um processo de deliberação pública acerca desta questão controversa, buscaremos, a seguir, propor uma breve análise da Articulação e Mobilização Social no PAIR, em Minas Gerais, a partir das ações empreendidas para tal, em 2007.

Proposta analítica da mobilização do PAIR em Minas Gerais Como postulado na introdução deste texto, é possível observar que, já no Plano Nacional, a questão da mobilização apresenta-se como proeminente para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Em linhas gerais, podemos fazer uma leitura de que os esforços de mobilização social apresentam-se em duas grandes frentes: a) dar visibilidade - deve haver um esforço, por parte dos atores envolvidos, para tornar o problema publicamente conhecido, e a questão controversa explicitada, para que a mesma se configure como objeto de debate e de deliberação pública (entendendo deliberação a partir de um processo discursivo e comunicativo

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mais amplo, estabelecido entre sujeitos, numa esfera pública ativa); b) fortalecer a ação coletiva - deve também haver um esforço para o fortalecimento de vínculos civis entre os sujeitos, de modo que possam vir a se tornar co-responsáveis com o enfrentamento, em seus âmbitos de atuação; nesse sentido, destaca-se a necessidade de trabalho em rede, uma vez que uma questão tão complexa merece o envolvimento de atores e setores diversos. Além disso, é válido destacar um ponto extremamente relevante, que incide significativamente na compreensão da mobilização no enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil: além de se constituir como um eixo metodológico independente, que necessita de investimentos, estratégias e indicadores, a articulação e a mobilização social apresentam-se como uma espécie de eixo metodológico transversal, uma vez que são entendidas como estratégias permanentes, entre todos os operadores de ação pertinentes ao Plano Nacional. Ou seja: para que esta questão seja enfrentada por todos, a mobilização dos atores é condição que deve perpassar todos os outros eixos metodológicos (análise da situação; defesa e responsabilização; atendimento; prevenção; e protagonismo infanto-juvenil). Nesse sentido, como a concepção do PAIR é formulada a partir do Plano Nacional, propomos identificar como a Articulação e a Mobilização, enquanto partes de um eixo metodológico independente e transversal, operaram em sua expansão no estado de Minas Gerais e, especialmente, se houve uma preocupação em se gerar: a) um potencial de visibilidade à questão da violência sexual infanto-juvenil, essencial à deliberação pública; b) um potencial de envolvimento e vinculação dos diversos atores implicados, examinado a partir da escala de níveis de vinculação;

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c) um potencial de transversalidade das ações de mobilização em Minas, entendendo-a como uma ação estratégica permanente do Programa. Assim, nossa proposta, neste texto, não seria, propriamente, avaliar os resultados da mobilização, mas, um pouco antes, analisar em que medida o Programa se investiu tecnicamente para articular o processo mobilizador junto aos seus públicos. Para isso, utilizamos, particularmente, como referências de análise, os documentos: Relatório Parcial – Expansão do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil – PAIR/MG, do período de dezembro de 2006 a julho de 2007, bem como o documento “Ações de articulação e mobilização nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba – período: janeiro e fevereiro de 2007”, ambos elaborados pela equipe de coordenação do PAIR, em Minas Gerais.

Ações e estratégias de mobilização e articulação do PAIR em Minas Como vimos anteriormente, a proposta de expansão e disseminação do PAIR aos Estados da Federação ficou a cargo das universidades, de maneira a buscar a operacionalização dos grandes eixos do Plano Nacional e, como conseqüência, a procurar garantir sustentabilidade ao Programa. De maneira mais específica, a inserção das universidades caminhou sob dois grandes desafios: 1 - sensibilizar grupos no âmbito acadêmico para a produção e a formação de operadores técnico-científicos, tanto para a expansão do PAIR, a partir de seus eixos metodológicos, quanto para avaliação e monitoramento das ações futuras; e 2 - mobilizar gestores estaduais e locais, responsáveis pela execução de políticas públicas, de maneira a sensibilizá-los a se sentirem co-responsáveis pelo

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enfrentamento da violência e exploração sexual infanto-juvenil, a partir da proposição de ações coletivas, em rede. Nesse sentido, após a constituição das equipes executoras da Universidade Federal de Minas Gerais (que atuou em parceria com equipes da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), os esforços de mobilização do PAIR se direcionaram à definição dos públicos que poderiam, potencialmente, constituir uma ação em rede, na busca pelo enfrentamento da questão proposta, em contextos locais. Como grandes articuladoras e sensibilizadoras da questão, as equipes de coordenação e executoras das universidades optaram por identificar e categorizar públicos que pudessem se tornar futuros geradores – para utilizar a proposição terminológica da “Escala de Níveis de Vinculação”. Dito por outras palavras, como os objetivos das universidades voltavam-se a ações de multiplicação e capacitação/formação de grupos, as ações do PAIR não se pautaram por disseminar massivamente a causa do enfrentamento à sociedade como um todo; ao contrário, dirigiram-se a pequenos públicos que pudessem tomar a questão para si mesmos, de forma que estes, num momento posterior, pudessem ser capazes de dar materialidade e capilaridade à causa, em seus contextos de atuação. É como se as universidades, “colocando em ligação” os atores de uma possível rede, pudessem lançar o problema como uma questão de relevância pública, de modo a garantir uma determinada sustentabilidade à mesma, fortalecendo e capacitando tecnicamente os atores envolvidos para lidar autonomamente com a mobilização. Em linhas gerais, pode-se compreender que a escolha destes públicos se baseou no artigo 86, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que preconiza a ação integrada dos poderes e da sociedade no desenvolvimento de ações em prol das crianças e adolescentes. Foram, portanto, definidos como públicos do PAIR, em Minas:

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a) Instituições do Poder Executivo - prefeituras, secretarias municipais, escolas, postos de saúde, centros de referência da assistência social (Programa Sentinela), bem como programas de governo que possuíssem afinidade com a causa do PAIR; b) Instituições do Poder Legislativo - essencialmente câmaras de vereadores das cidades envolvidas; c) Instituições do Poder Judiciário - Juizados da infância e juventude, varas cíveis especializadas e comuns; d) Ministério Público - promotorias municipais e regionais; e) Polícias - polícia civil, rodoviária e militar; f) Organizações da Sociedade Civil - organizações e sujeitos da sociedade civil que lutam por causas afins ou semelhantes à causa do PAIR (exemplos: Abrigo Ninho e Casa das Meninas, em Teófilo Otoni; Casa da Juventude, em Itaobim etc.); g) Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos de Políticas Públicas e Conselhos Tutelares - organizações essenciais como potencializadoras do enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nas cidades; h) Outros - foram colocados nesta categoria os públicos como professores e funcionários de universidades e profissionais da mídia etc. No período de janeiro a fevereiro de 2007, foram realizadas ações de mobilização e articulação junto a estes públicos. Tais ações, que visavam iniciar o processo de vinculação, ganharam, em linhas gerais, o formato de reuniões. A partir de um cronograma previamente elaborado, a coordenação da expansão do PAIR, em Minas Gerais, realizou reuniões com todos estes públicos, de forma a torná-los legitimadores da causa proposta, para que, num segundo momento, pudessem os mesmos tomá-la para si, e se imbuírem do espírito de geradores.

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Além das reuniões, foram também, em menor escala, realizadas visitas às cidades nos locais onde, perceptivelmente, verificou-se a existência da exploração e da violência sexual infanto-juvenil, visitas estas voltadas ao conhecimento e à visibilidade do problema in loco. E, ainda, na cidade de Uberaba, a coordenação do PAIR esteve presente numa emissora local de televisão (afiliada à Rede Globo de Televisão), numa entrevista ao telejornal diário, sobre a expansão do Programa em Minas. Nas ações de mobilização, é possível observar que, em cada encontro, após a apresentação da proposta do Programa, questões específicas de cada cidade eram levantadas pelos participantes: como a violência e a exploração sexual infanto-juvenil ganhavam contornos naquele local; quais os principais entraves à mobilização; quais as iniciativas passadas que geraram visibilidade à questão e estímulo a um processo de envolvimento coletivo dos cidadãos etc... . É curioso observar que, de forma quase unânime, todos os públicos mobilizados apontaram a necessidade de um diagnóstico do problema – uma vez que compõem o mesmo inúmeras razões –, bem como a necessidade de fortalecimento de uma rede para o enfrentamento de tal questão. De modo geral, estas foram as principais estratégias de mobilização e articulação realizadas pela equipe executora, responsável pela expansão do PAIR, em Minas Gerais.

Limites e possibilidades da mobilização em Minas Sobre as ações de mobilização e articulação do PAIR, em Minas Gerais, é possível fazer algumas ponderações, tendo como referência os operadores elencados anteriormente, a saber: potencial de visibilidade; potencial de vinculação dos sujeitos; e potencial de transversalidade da mobilização. Nesse sentido, nossas considerações, a seguir, girarão em torno dessas questões.

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Inicialmente, é possível ponderar sobre a escolha das universidades públicas como responsáveis pela expansão do PAIR aos municípios de cada Estado (e, neste caso, da Universidade Federal de Minas Gerais para expansão do PAIR em Minas). Como locus supremo de produção de saberes, a universidade guarda, especialmente em suas ações de extensão, um sabor conformado pelo diálogo entre estes saberes e a sociedade. Nesse sentido, a escolha da universidade como articuladora e sensibilizadora do PAIR mostra-se como uma estratégia relevante, uma vez que pousa sobre a universidade o papel de conhecer e de dialogar com a realidade, sobre a qual nasce o próprio sentido da investigação científica. Esse ponto positivo se evidencia também nas parcerias da Universidade Federal de Minas Gerais com a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e com a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), fato que mostra um considerável esforço para conhecimento do problema com atores que estejam próximos, bem como de, no contexto local, gerar referências para uma ação em rede, essencial ao processo mobilizador do PAIR. Com essas características, já de antemão, pode-se refletir sobre o potencial de transversalidade dado à mobilização social na expansão do PAIR, em Minas. A participação da coordenação geral do PAIR e, em especial, da equipe de diagnóstico e análise da situação, desde o início do processo de mobilização e articulação, indica a potencialidade de transversalidade da mobilização. Uma vez participando das ações de mobilização (reuniões, visitas e entrevista), e sendo os outros eixos metodológicos investidos, por excelência, após iniciado o processo mobilizador, pode-se presumir que a coordenação geral teve, potencialmente, condições de articular a mobilização social em todos os outros eixos do programa (capacitação, análise da situação etc.). Quanto a isso, é válido observar que a opção por iniciar o processo de expansão do PAIR pela articulação e mobilização pareceu

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ter dado uma razoável materialidade à causa junto aos públicos – os essenciais participantes de uma ação em rede para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, em seus contextos de ação. O interessante disso é que o risco do academicismo (de pesquisadores que olhariam para os públicos do PAIR como objetos de estudo) foi combatido desde o primeiro momento, quando a mobilização e a articulação abriram, de modo mais efetivo, o processo de expansão do PAIR em Minas. Isso evidencia a louvável preocupação de diálogo: em torno da causa social do PAIR, encontram-se sujeitos de conhecimento, e não objetos distantes. Além disso, por buscar garantir o envolvimento dos públicos desde o início da expansão, a mobilização social do PAIR, em Minas, parece ter sido conformada por um grande potencial de transversalidade, como estratégia permanente, presente nos outros eixos subseqüentes. Em relação ao potencial de vinculação dos diversos atores implicados, é possível também tecer alguns comentários. A opção pela escolha dos públicos geradores, no primeiro momento de expansão do Programa, é de extrema pertinência, tendo em vista o papel investido pela universidade de articulação e sensibilização da causa (e não de única propositora e geradora desta causa). De modo mais específico, utilizando os referenciais da Escala de Níveis de Vinculação, podemos observar que: a) a escolha dos públicos e da localização espacial foi relevante e coerente com todos os eixos metodológicos posteriores; b) o esforço de interlocução gerado foi considerável; buscou-se não apenas apresentar a causa do PAIR, mas, em diálogo com os públicos, perceber nuances da realidade local. Nesse sentido, de acordo com a escolha dos públicos, o potencial de informação foi grande, evidenciando forte tendência para a ocorrência de julgamento positivo por parte dos públicos;

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c) a escolha da universidade como articuladora e sensibilizadora, contudo, trouxe algumas limitações, em relação ao processo mobilizador, em especial com relação à coesão e à continuidade do processo. Em relação à coesão, algumas dificuldades encontradas no deslocamento das equipes da Universidade Federal de Minas Gerais às cidades escolhidas apresentaram-se como questão destacada pelos próprios integrantes do trabalho, em relatório parcial das atividades. Além disso, nos contextos das cidades, é essencial que a coesão seja alcançada por atores executores locais, que atuem como estimuladores da rede, e sejam capazes de planejar estratégias de mobilização social junto aos públicos do local. Nesse sentido, para a continuidade do processo, é essencial que outros atores locais também assumam o papel de articuladores dessa grande rede, de modo a estimular a participação de outros públicos no processo, bem como de gerenciar o processo mobilizador de modo estratégico, nas realidades mesmas em que a violência sexual infanto-juvenil sejam verificadas. Nesse sentido, é válido lembrar que a condição para a indicação da co-responsabilidade é a presença de ações coesas e contínuas. Por fim, em relação ao potencial de visibilidade, é válido observar que, neste primeiro momento, os esforços para geração de comunicação interpessoal foram bastante observados; com isso, o potencial de visibilidade da causa junto aos públicos elencados, nesse primeiro momento, tendeu a ser elevado. Contudo, para a continuidade do Programa, e estímulo a um processo deliberativo ampliado, é essencial que sejam investidas em estratégias mais amplas de visibilidade, assumidas por outros atores, nos contextos locais, utilizando os recursos da comunicação estratégica (eventos, jornais, peças publicitárias, palestras, reuniões) e da própria mídia local (a busca por um relacionamento cotidiano com a mídia para a inserção da causa em espaços de cobertura midiáticos massivos).

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Considerações finais Ao longo deste texto, uma questão presente se mostrou explícita, em algumas seções, ou como pano de fundo, em outras: o entendimento do enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes como uma questão de direito. As crianças e os adolescentes, não mais compreendidos como objetos de tutela ou elementos pertencentes a sujeitos que atingiram uma determinada maioridade civil, passam a ser compreendidos como sujeitos de direitos. E, tal compreensão, repensada a partir da noção dos direitos humanos, torna o combate a tal exploração e violência como uma luta empreendida numa esfera pública ativa, em sociedades pautadas pela concepção de uma democracia deliberativa. Nessas sociedades, a noção de deliberação pública, como um processo enraizado na própria possibilidade de debate público entre cidadãos, acaba sendo essencial por entender que, muito além de uma definição normativa, os direitos se efetivam como formas de sociabilidade e regras de reciprocidade, a partir da possibilidade de constituição de vínculos civis entre indivíduos, grupos e classes. É em meio a esse cenário que o PAIR, como um programa de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, busca posicionar tal questão como um problema público, que deve ser compartilhado pelos cidadãos e suas instituições. Os esforços, portanto, são inúmeros: da mesma forma que o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência e Exploração Sexual Infanto-Juvenil, “a ação coordenada entre antigos e novos atores oriundos de universos sociais diferentes e portadores de cultura institucional e visões programáticas específicas” (Relatório parcial: 18) representa um desafio fundamental aos propósitos e eixos metodológicos do PAIR, dada a natureza multidisciplinar e complexa do problema da violência e exploração sexual infanto-juvenil.

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A articulação e a mobilização social, como partes de um eixo metodológico do PAIR, se mostram, dessa forma, essenciais para a efetividade do Programa. É assim que os esforços de mobilização social do PAIR foram aqui analisados sob o prisma de três operadores: o potencial de visibilidade estimulado para a questão central do Programa; o potencial de fortalecimento e vinculação dos públicos; e potencial de transversalidade do eixo “mobilização” junto aos outros eixos metodológicos. Nesse sentido, nossa proposta, aqui executada, foi analisar em que medida o PAIR, em Minas Gerais, se investiu tecnicamente para articular o processo mobilizador junto aos seus públicos. Certamente, uma outra análise de grande relevância (aqui não trabalhada) seria obtida por uma avaliação dos resultados da mobilização, junto aos públicos escolhidos. Em meio a isso, uma questão seria particularmente interessante: em que medida os públicos escolhidos num primeiro momento de expansão do PAIR, vislumbrados enquanto potenciais geradores, foram capazes de se apropriar da causa, e, de forma co-responsável, estimular a mobilização social em seus contextos de atuação? Esta avaliação da mobilização nos municípios certamente demandaria um novo tratamento metodológico, e contribuiria, de forma considerável, para o entendimento da mobilização da causa do PAIR, numa dimensão local – inclusive para buscar compreender em que medida o sucesso ou insucesso da mobilização, em cada local, se deveu a fatores ligados aos eixos metodológicos de expansão, ou a outros fatores, muito mais amplos, ligados ao próprio contexto local das interações. E, finalmente, vale a pena ponderar que, sendo o PAIR um particular programa congregador de atores discursivos, estimuladores de um processo deliberativo, é essencial que sejam investidas em ações de visibilidade e mobilização, de maneira a conformar uma

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esfera pública ativa, acionada pelos proferimentos diversos em torno de uma questão tão controversa. E, neste caso, para a conformação de um processo de debate público, não se trata apenas de explicitar proferimentos dos públicos favoráveis ao enfrentamento dessa questão, mas também dos inúmeros outros sujeitos que representam atores contrários à causa do PAIR, por estimularem a violência e a exploração sexual infanto-juvenil. A visibilidade de todos os públicos, bem como o conhecimento das razões que os levam a exercerem ou a combaterem tal ato, representa questão chave para: 1 - o fortalecimento cívico de tal questão; 2 - a busca pela desnaturalização da exploração e violência sexual infantojuvenil; e 3 - a conformação de um debate público ampliado, que se direcione tanto a esferas formais de regulamentação, quanto a esferas cotidianas de negociação de entendimentos.

Notas 1

Além do eixo Mobilização e Articulação, há ainda outros cinco eixos que compõem o Plano: 1) Análise da Situação; 2) Defesa e Responsabilização; 3) Atendimento; 4) Prevenção; e 5) Protagonismo Infanto-Juvenil.

2

Segundo Habermas, “os que agem comunicativamente encontram-se numa situação que eles mesmos ajudam a constituir através de suas interpretações negociadas cooperativamente, distinguindo-se dos atores que visam o sucesso e que se observam mutuamente como algo que aparece no mundo objetivo” (1997: 92).

3

A partir de Cohen (1997) entendemos que a noção de uma democracia deliberativa está enraizada no ideal intuitivo de uma associação democrática, na qual a justificação dos termos e das condições de associação efetua-se através da argumentação pública e do intercâmbio racional entre cidadãos iguais.

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Maria amélia gomes de castro giovanetti

Ação Educativa Princípios norteadores do processo de capacitação/formação

O objetivo deste texto é apresentar uma reflexão a respeito dos princípios que nortearam o processo de capacitação/formação realizado pela expansão do PAIR/MG. Está estruturado em três partes: na primeira, apresentamos a concepção de educação subjacente à proposta de capacitação/formação e alguns princípios, tais como: a busca de superação da banalização, da acomodação, do assistencialismo e do ativismo; a implementação de uma ação extensionista marcada pela ação conjunta, pela conquista da autonomia e por um trabalho articulado em rede. Na segunda parte do texto, refletimos em torno da concepção do processo de capacitação/formação concebendo-o composto por três dimensões: a dimensão teórico-prática, a dimensão ética e a dimensão metodológica. E, finalmente, nas “Considerações finais”, apresentamos nossas reflexões a respeito da ação educativa e do papel do educador a partir da experiência vivenciada no processo da capacitação/ formação dos educadores da expansão/PAIR-MG que atuaram, no decorrer do ano de 2007, nos três municípios: Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba.

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Concepção de educação subjacente à proposta de capacitação/formação: alguns princípios Capacitação/formação é entendida em nossa proposta como processo de formação humana visando ao aprendizado de “mão dupla”, isto é, uma construção conjunta entre todos os participantes do processo. Portanto, a experiência de vida pessoal, grupal e de trabalho de cada participante da capacitação/formação – vivências decisivas na construção da experiência humana – é considerada ao longo do processo de formação. A concepção de Educação subjacente ao processo de capacitação/formação da expansão do PAIR/MG encontra sua fonte teórica nas reflexões de autores do campo da Educação Popular, tendo no pensamento de Paulo Freire sua expressão mais significativa. Educação é, portanto, concebida aqui como processo de formação humana, visando a transformação dos educandos e da sociedade na qual se encontram inseridos. Concepção que está ancorada em uma visão de mundo marcada pela ótica do movimento; em uma visão de homem concebido como sujeito; portanto, um ser que se afirma no mundo a partir de sua autonomia, de seus pensamentos, de sua ação e de seus gestos. Enfim, a partir de sua voz, de seu “ser”. E, por fim, educação concebida como um processo de formação humana que se desenvolve no bojo de uma sociedade marcada por relações de conflito e pela construção de novos consensos. Esta proposta de capacitação/formação se orienta pela intenção de superar aquela visão tradicional de educação restrita ao processo de transmissão de saber, visão nomeada por Paulo Freire como “educação bancária”. Concepção segundo a qual o educador simplesmente “deposita” conteúdos na mente do educando. Este, por sua vez, permanece passivo; um mero receptáculo do “depósito” de conhecimentos efetivado pelo educador.

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Nossa proposta de capacitação/formação, entendida como um processo de formação humana, está fundamentada na convicção de que cada participante, inserido em sua realidade local – como Conselheiro(a) Tutelar, Promotor(a), Juiz(a), profissionais da Educação, da Saúde, da Assistência Social, da Cultura e Esportes, da Segurança Pública e das instituições da sociedade civil e representantes do Legislativo –, realiza uma ação educativa em seu sentido amplo. Cada um é concebido, portanto, como EDUCADOR. O objetivo central de nossa proposta de capacitação/formação é propiciar um espaço e um tempo de reflexão para que os educadores possam problematizar sua prática e acrescentar novos elementos, oriundos das diversas áreas do conhecimento; ou seja, das Ciências Sociais, do Direito, da Psicologia, da Educação, da Saúde, dentre outras. Nossa intenção é contribuir no processo de formação humana de cada participante da capacitação/formação.

Alguns princípios: a busca de superação da banalização, a busca de superação da acomodação, oposição ao assistencialismo e ao ativismo Um trabalho como o implementado pela expansão do PAIR/ MG, fundamentado na concepção freiriana de educação, precisa ser filosoficamente profundo e eticamente comprometido. Conscientes deste duplo compromisso, buscamos explicitar para os multiplicadores/formadores e agentes/educadores os princípios norteadores de nossa proposta pedagógica. Ou seja, a expansão PAIR/MG fundamenta-se em uma concepção de educação que se traduz em um convite permanente à reflexão, ao diálogo e à busca de compressão do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, movidos pelo compromisso ético de seu enfrentamento. “A educação

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é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate e a análise da realidade. Não é fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa” (Freire, 2000a: 104). Portanto, os eixos centrais do PAIR, traduzidos na compreensão do fenômeno e na identificação e fortalecimento das ações da rede de proteção, são estudados e debatidos à luz do repúdio ao conformismo que agrava a banalização da injusta realidade da violência sexual infanto-juvenil.

A busca de superação da banalização Banalização – risco corrente em situações nas quais, de tanto ver, “o olhar se acostuma”, naturalizando a existência do fenômeno. A ótica por meio da qual todo o processo de capacitação/formação foi planejado e executado pautou-se pela indagação, desconstrução de preconceitos e conformismos. Além de aguçar a indignação por parte de todos os envolvidos, o processo de capacitação/formação de educadores e formadores insistiu na construção de propostas de intervenção concretas e diretas em cada realidade local. Nossa meta foi aprofundar nossa compreensão do fenômeno por meio de leituras, estudos e debates, aprofundamento acompanhado pelo compromisso em traduzir nossos incômodos e nossas preocupações em um reforço às propostas concretas já existentes de intervenção ou mesmo estimular a criação de novas frentes de ação. Cabe ressaltar nossa preocupação em realizar uma ação educativa com os formadores e com os educadores, e não uma ação para. Esta linha de intervenção expressa um dos princípios norteadores do pensamento freiriano, ou seja, uma ação educativa marcada pela dialogicidade. Diálogo não significa ausência de conflitos, divergências e oposições. Pelo contrário, uma ação educativa dialógica prima em abrir espaços para “enfretamentos” diversos.

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É pelo diálogo que os homens se aproximam uns dos outros, desarmados de qualquer preconceito ou atitude de ostentação. Ninguém pode, querendo dialogar, estabelecer uma relação em que um dite as normas e o outro, simplesmente, as observe. (...) o diálogo não é um bate-papo desobrigado, mas sim a oportunidade, “não-isolamento”, com a possibilidade de compreensão do pensamento do outro. (Vasconcelos; Brito, 2006: 73)

O texto intitulado “Organização do trabalho pedagógico – os desafios inerentes ao processo de planejar”, de autoria de Tânia Aretuza e Geovânia Lúcia dos Santos, expressa a dinâmica vivenciada tanto no processo de capacitação/formação dos formadores como na capacitação dos educadores nos três municípios. A metodologia empregada na capacitação/formação por meio das exposições dialogadas, grupos de trabalho (GTs) e plenárias, ao final da discussão de cada eixo, expressa a opção por uma ação educativa marcada pela participação coletiva permeada por reflexões ora individuais, ora em pequenos grupos e ora no grande coletivo.

A busca de superação da acomodação A “não-acomodação” constituiu outro referencial que mobilizou nossa equipe de formadores/educadores a atuar, junto aos agentes/educadores, concebidos como agentes de mudança, com o objetivo de resgatar sua capacidade de reflexão, bem como de fazer escolhas e de tomar decisões. O fato de todo o processo de mobilização/articulação/capacitação/formação ter culminado no Plano Operativo Local (POL) e no PACTO (momento solene de assinatura do termo de compromisso por parte das instâncias institucionais responsáveis pela promoção e defesa das crianças e dos adolescentes) comprovou a existência do princípio da “nãoacomodação”.

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A acomodação e o imobilismo gerados pela descrença e desânimo, frutos de uma ideologia fatalista, caracteriza-se pelo deixar-se levar pelo conformismo, pela passividade. “A ideologia fatalista é imobilizante; anima o discurso neoliberal; tem ares de pós-modernidade; insiste em convercer-nos de que nada podemos contra a realidade social” (Freire, 2000b: 22).

Oposição ao assistencialismo e ao ativismo Uma vez acordada na dialogicidade, a ação educativa proposta pela expansão do PAIR/MG pautou-se pela oposição ao assistencialismo, o qual consiste na modalidade de ação em que apenas se transferem dados e conhecimentos, mostrando-se desinteresse em dialogar e desconsiderando o outro pelo que é e sabe. Deste modo, o assistencialismo é mutilador, cerceador de iniciativa, deixando a pessoa à mercê de uma situação de eterna dependência. (Vasconcelos; Brito, 2006: 46)

Desde o início de todo o planejamento do processo de implantação da expansão PAIR/MG a equipe coordenadora teve o cuidado de identificar as ações de enfrentamento já existentes nos municípios. Outro princípio norteador de nossa proposta de capacitação/ formação foi o convite aos formadores e educadores à construção da relação contínua entre ação e reflexão, buscando a articulação entre teoria e prática. Caso contrário, correríamos o risco do ativismo. Ou seja, a tendência de mergulharmos na prática, descuidando do “distanciamento crítico”, necessário a toda ação educativa.

Extensão: sinônimo de ação conjunta Um dos princípios que nortearam nossa proposta de capacitação/formação é aquele que concebe a ação educativa extensionista

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em uma ótica oposta à que, infelizmente, ainda impera em nosso contexto educacional, ou seja, aquela ação extensionista marcada, segundo Paulo Freire, por uma “invasão” do opressor, ainda que acredite ser uma ação messiânica, buscando organizar o mundo “caótico” do outro, fazendo-o semelhante ao seu. (Vasconcelos; Brito, 2006: 34) Nossa ótica a respeito da atividade de extensão é oposta, à medida que toda metodologia vivenciada no processo de capacitação/ formação pautou-se por superar a falsa imagem de inferioridade construída a respeito das classes populares e superar também a equivocada tendência de querer normalizar a realidade a partir de um referencial externo pertencente ao educador. Neste sentido, a ação educativa extensionista do PAIR/MG pautou-se pela vigilância constante no tocante à postura do formador, mantendo-se alerta para observar e escutar os agentes locais, para juntos buscarmos as “saídas”, via ações coletivas, sem pretender extender, levar o conhecimento acumulado pela universidade aos educandos no sentido de mão única.

Estímulo à autonomia Desde o início de todo o processo da implantação da expansão PAIR/MG, ou seja, desde a fase de sensibilização, mobilização/articulação nos três municípios, a equipe coordenadora buscou nortear suas ações estimulando a autonomia dos agentes e atores locais. Ao reconhecer as ações de enfretamento à violência sexual infanto-juvenil existentes nos municípios, buscou-se imprimir a marca do respeito e do incentivo à autonomia, endossando a responsabilização de cada agente e cada ator no enfretamento do fenômeno.

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A importância do processo de conquista da autonomia, ainda que gradativo, expressa-se na capacidade crescente das pessoas de decidir e, ao mesmo tempo, de arcar com as conseqüências dessa decisão, assumindo, portanto, responsabilidades.

Trabalho articulado em rede O núcleo central da proposta metodológica do PAIR expresso em seu objetivo central, “desenvolver um trabalho articulado em rede”, pressupõe a existência de um “ato comprometido” que, segundo Paulo Freire, liga-se “à capacidade de o homem agir e refletir sobre os seus atos. Para que isso ocorra, é necessário que o indivíduo esteja no mundo de maneira participante, crítica e atuante.” Ao planejar as dinâmicas do processo de capacitação/formação de educadores e de formadores a partir de exposições dialogadas, pequenos grupos de discussão e plenárias, estivemos cuidando para que o clima criado fosse favorável à participação e à crítica. No decorrer de todo o processo de capacitação/formação foi possível identificar uma “linha” que perpassou tanto os cursos como os seminários, oficinas temáticas e de planejamento: o convite permanente à indagação; à revisão dos preconceitos e pré-julgamentos; ao estranhamento, ao não conformismo, a uma inserção crítica na busca de alternativas coletivas de enfretamento do fenômeno. “...o mero reconhecimento de uma realidade que não leve a [uma] inserção crítica não conduz a nenhuma transformação da realidade objetiva, precisamente porque não é reconhecimento verdadeiro” (Freire, 1987: 38). Cabe ressaltar que o fato de pautarmos nossa proposta de capacitação/formação nos princípios apresentados até então não significa que alcançamos sua presença absoluta. Pelo contrário, os princípios desempenham a função de referenciais aos quais estamos

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constantemente nos remetendo. Trata-se de um processo contínuo de construção. Uma vez humano, trata-se de um processo limitado, portador de lacunas e deficiências. Longe de nós a pretensão de esgotá-lo.

Dimensões do processo de capacitação/formação Ao conceber o processo de capacitação/formação como processo de formação humana e, portanto, processo educativo, destacamos três dimensões fundantes: a dimensão teórico-prática, a dimensão ética e a dimensão metodológica. Acreditamos, portanto, que um processo de formação de educadores exige que várias dimensões da vida humana sejam contempladas. No decorrer do processo de capacitação/formação para os Formadores1 e no Curso e Oficinas para os Educadores2 centramos nossa proposta em três eixos, correspondentes às três dimensões do processo de formação mencionadas anteriormente: eixo da dimensão teórico-prática, eixo da dimensão ética e eixo da dimensão metodológica. No eixo da dimensão teórico-prática oferecemos aos formadores e educadores um referencial bibliográfico para aprofundarem na “Análise da situação e no conhecimento e compreensão do funcionamento da Rede de Atendimento e Proteção Integral Infanto-Juvenil”. Além de referenciais teóricos, os seminários, cursos e oficinas proporcionam aos Formadores e Educadores a oportunidade de debaterem a partir da análise de experiências concretas, projetos em andamento no campo do enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. O eixo da dimensão ética justifica sua presença em nossa proposta de capacitação/formação, por acreditarmos que a formação de Educadores pressupõe, também, a vivência de um processo que

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proporcione a tomada de consciência relacionada a valores, a princípios que conferem um sentido à ação educativa. A equipe de coordenação do trabalho de capacitação/formação junto aos Educadores participantes do PAIR parte da convicção de que todo ser humano se humaniza, ou seja, se realiza pessoal e socialmente, ao imprimir um sentido em sua ação no mundo. O sentido que imprimimos em nossas ações se constrói a partir de alguns valores, princípios norteadores, referenciais, a partir dos quais elaboramos nossas propostas de intervenção. A dimensão ética é responsável por dar o “tom” da ação ao expressar a “postura de vida” do educador. A partir de nossa experiência no campo da formação de Educadores, acreditamos que, no conjunto infinito de valores e princípios, podemos destacar um que consideramos central: a crença no processo de mudança. E para viabilizar tal processo, outros valores e princípios tornam-se fundamentais: a abertura e disponibilidade para a mudança, o respeito, a esperança e a solidariedade.

Abertura e disponibilidade para mudança Ao concebermos a educação como um processo de formação humana, tendo por objetivo a contribuição para o processo de transformação pessoal e social, está subjacente o princípio da crença no processo de mudança. Portanto, as atitudes de abertura e disponibilidade, cultivadas pelo educador, cumprem o papel de catalizadoras de um princípio ao criar condições propícias para a mudança ser efetivada. É a não desistência, é o acreditar que, mesmo de forma latente, o processo de mudança pessoal e social dá seus sinais. Esta crença é a expressão da concepção do mundo pela ótica do movimento e do homem como sujeito. Concepções estas que fundamentam nossa concepção de educação.

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Respeito O princípio do respeito confere um sentido à ação educativa, na medida em que ele se torna um “sinal de alerta” para compreender as diferenças de ritmos e de intensidade da participação de cada pessoa, grupo e/ou comunidade. Transmitimos informações, proporcionamos tempo e espaço para a participação de cada cidadão, de cada comunidade. Porém, não detemos o poder de imprimir, no outro, o nosso próprio ritmo, a nossa intensidade de envolvimento no processo participativo. O princípio do respeito é um referencial claro para a convivência humana, marcada por relações de conflito.

Esperança O princípio da esperança é aquele que está sempre nos lembrando da importância de se conceber a “história como possibilidade”. Segundo Paulo Freire, “mudar é difícil, mas é possível!” Conceber a história como possibilidade nos ajuda a superar a postura fatalista, determinista, marcada pela desistência. Além disso, desperta a nossa memória e nossa imaginação para buscarmos soluções para as questões pessoais e sociais que nos rodeiam. Ao longo do processo de capacitação/formação, convidamos os Educadores a cultivarem esses princípios que, aliados a outros tantos infinitos princípios humanos, possam conferir sentido a uma prática educativa que se delineia no contexto da Educação Popular. Uma prática que nos motiva a viver a condição humana. Finalmente, o eixo da dimensão metodológica tem por objetivo assegurar ao processo de capacitação/formação o seu tom prático e de coerência entre teoria e prática. Portanto, se em nossos referenciais teóricos explicitamos que nossa concepção de capacitação/formação é entendida como “processo de formação humana, visando ao

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mesmo aprendizado de ‘mão dupla’, isto é, uma construção conjunta entre todos os participantes do processo”. O caminho o qual nos propomos a percorrer em nossos seminários, cursos e oficinas de capacitação/formação é aquele norteado pelo Método Dialógico anunciado por Paulo Freire. Método que objetiva a construção da relação humana, passando pela vivência do Acolher, do Observar e do Escutar. Formadores e Educadores são incentivados a cultivar essas três habilidades básicas ao atuarem no atendimento às famílias e às suas crianças, seus adolescentes e aos seus jovens.

Considerações finais Temos consciência de que as crianças, os adolescentes, os jovens e suas famílias, pertencentes aos setores populares, estão inseridos em um contexto marcado pelo complexo processo de desigualdade social, enraizado em nossa sociedade brasileira, ao longo de sua história. A existência do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil nos setores populares é mais um indicador, a “ponta de um iceberg”, da perversa realidade de exclusão social na qual se encontram mergulhados. Portanto, o enfrentamento ao fenômeno de violência sexual infanto-juvenil pressupõe um enfrentamento ao fenômeno da desigualdade social. A importância do trabalho articulado em rede, proposto pelo PAIR, reforça a urgência do enfrentamento do fenômeno, superando a fragmentação das ações ainda presentes na rede de proteção integral à criança e ao adolescente. A realidade da desigualdade social deixa de ser concebida como realidade incontornável e naturalizada. Ao contrário, ela se apresenta como um desafio,

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gerando espanto, indignação e inconformismo. Todos nós, educadores, somos convocados e desafiados a denunciar e a agir. Ação marcada pelo processo educativo o qual visa a transformação dos sujeitos e da sociedade. Todos nós, autores e leitores, formadores e educadores, agentes locais e familiares das vítimas da violência sexual infanto-juvenil, somos desafiados a desconstruir nossos préconceitos, nossos pré-jugamentos, nossas imagens pré-concebidas, a rever nossa prática. Acreditamos na potencialidade da ação educativa, norteada pelos princípios aqui apresentados, como um elo desencadeador de mudanças, à medida que, por meio dela, se cria um vínculo entre educadores e educandos. Vínculo construído permanentemente, o qual propiciará a vivência do sentimento de reconhecimento e de confiança. À medida que o ser humano se sente reconhecido pelo outro ele é atingido por algo que lhe é fundamental (Buber apud Von Zuben, 2003). Somos convocados também a superarmos o risco da desesperança que gera imobilismo. Jurandir Freire Costa nos alerta: A mudança exige que pensemos que o que todos fazemos no dia-adia, em qualquer atividade profissional ou cultural, é importante. O que cada um de nós faz ou diz importa, e importa muito! O mundo se faz de pequenos gestos cotidianos e das grandes crenças que os sustentam. (2004: 88)

Notas 1

Equipe de Formadores responsável pela capacitação/formação dos Educadores nos três municípios (Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim). Composição da equipe: professores e técnicos das três Universidades (UFMG, UFTM e UFVJM), profissionais da área da Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura e Esportes e representantes da sociedade civil, indicados pelos três municípios. São eles: Andréa Francisca dos Passos, Bethânia Ferreira Goulart Cunha, Carla Oliveira

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Cardoso, Cibele A. Chapadeiro C. Sales, Cláudia Gomes da Silva, Cristina Pinto Cunha, Eduardo Moreira da Silva, Eliana Baracho A. Reis, Fabiana Silva Almeida, Fabiana Silva de Oliveira, Geovânia Lúcia dos Santos, Glaziane Aparecida Silva, Helena Hemiko Iwamoto, Helga Yuri Silva Okano Andrade, Jacira de Moura Sander, José Joesso Alves Pereira, Jozeli Rosa de Souza, Marcos Genari Mariano, Mário Alfredo S. Miranzi, Miriam de F. Amorim Corrêa, Nádia Maria Carvalho O. Martins, Pedro Paulo V. de Macedo, Ricardo Silvestre da Silva, Rita Lúcia de C. Oliveira, Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira, Sandra Ottoni Bamberg, Tânia Aretuza, Wallysson Mardem V. Macedo, Zélia de Oliveira Barbosa. 2

Agentes locais os quais, inseridos em sua realidade municipal, desenvolvem uma ação educativa em sua comunidade: Conselheiro(a) Tutelar, Promotor(a), Juiz(a), profissionais da Educação, da Saúde, da Assistência Social, da Cultura e Esportes, da Segurança Pública e das instituições da sociedade civil e representantes do Legislativo.

Referências BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular 40 anos depois. In: ____. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002. BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos/Ministério da Educação/Ministério da Justiça/Unesco, 2007. COSTA, Jurandir Freire. Perspectivas da juventude na sociedade de mercado. In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (Org.). Juventude e sociedade. Trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. FREIRE, Ana Maria Araújo. Notas. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a Pedagogia dos oprimidos. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000a. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000b. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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LIBANIO, João Batista. Abordagem filosófica. In: ____. A práxis impregnada de amor. Por uma educação católica inédita e viável. Atividades Pré-Congresso. 19 CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO CATÓLICA, Belo Horizonte, Chevrolet Hall, 22 a 25 jul. 2007. GIOVANETTI, Maria Amélia G. C. A relação educativa na EJA: suas repercussões no enfrentamento das ressonâncias da condição de exclusão social. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação), Poços de Caldas, 26 out. 2003. Anais... Poços de Caldas, out. 2003. Disponível em: . GIOVANETTI, Maria Amélia G. C. A formação de educadores de EJA: o legado da Educação Popular. In: SOARES et al. (Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis: Vozes, 1999. VASCONCELOS, Maria Lúcia M. C.; BRITO, Regina Helena Pires. Conceitos de educação em Paulo Freire. Petrópolis: Vozes, 2006. VON ZUBEN, Newton Aquiles. Martin Buber. Cumplicidade e diálogo. Bauru: EDUSC, 2003. VON ZUBEN, Newton Aquiles. Introdução. In: BUBER, Martin. Eu e tu. Tradução de Newton Aquiles Von Zuben. 2. ed. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.

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Juventude, Democracia e Participação Social Desafios e prioridades para o protagonismo

Primeiras palavras Não gostaria de começar essa nossa conversa sobre o protagonismo sem antes conceituar apresentando quem sou e explicando as razões por eu estar escrevendo sobre este assunto aqui, neste livro. Chamo-me Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira, sou negro, filho de Rosilda e Geraldo, e tenho o ensino médio concluído. Nascido em Belo Horizonte (MG), tenho vinte e dois anos de vida dos quais sete foram dedicados à participação social. Nesses sete anos sei que caminhei bastante, mas ainda é preciso caminhar. Nesse sentido afirmo a visão de Paulo Freire, acerca da relação do sujeito consigo mesmo: Gosto de ser homem, de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. (1996: 53)

Pois é o que herdo, é o que me faz ser quem sou, participar do jeito que participo e defender os Direitos Humanos como um

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instrumento de igualdade que, para mim, apesar de já terem sido declarados há muito, ainda representam um avanço tão grande que causa espanto o fato de alguns – os resistentes – ainda não terem se dado conta. Minha formação ética e a favor dos direitos inerentes aos homens vem dos grupos de discussão e dos processos de formação de que participo. Acredito no potencial formativo que há nas rodas de conversas e nas instituições de ensino tradicional formais, e também nos espaços onde informalmente a educação se faz. O trânsito nestes espaços é o me que possibilita ocupar esse lugar e compartilhar os saberes adquiridos e construídos nessa minha rica caminhada de formação, lutas e conquista. Dentre os espaços nos quais tenho atuado e me (in)formado, destaco o Projeto Jovens Interagindo – JITE,1 onde pude amadurecer minha participação no movimento social. A equipe da Oficina de Imagens,2 organização não-governamental que coordena este projeto, é uma das responsáveis pela minha formação e de outros(as) jovens que, tendo participado do Projeto JITE, foram co-responsáveis por esse amadurecimento.3 O texto que se segue é uma sistematização sobre o trabalho realizado em torno do Protagonismo Juvenil na expansão do PAIR/MG nas cidades de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, em articulação com outras vivências em projetos que tinham/têm por objetivo estimular e/ou fortalecer a participação de crianças, adolescentes e jovens no enfrentamento à violência sexual.

O direito à participação juvenil Quem nunca ouviu dizer que “os jovens são o futuro do país?” Quase todo mundo, não é verdade? Porém a afirmativa merece uma reflexão: se os jovens são o futuro do país, qual é o seu papel

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sociopolítico no presente? O que podemos considerar em relação a esta afirmativa? Parece-me que ela projeta para o jovem uma responsabilidade para o futuro e o trata como um “parasita” na sua realidade juvenil. Entender o jovem como futuro é, sobretudo, dar visibilidade à sua realidade no presente – momento no qual ele constrói as bases para o tão falado futuro que, diferentemente do que muitos acreditam, não o aguarda pronto, mas será resultado de um trabalho de construção; construção esta na qual tanto o jovem quanto a sociedade devem participar ativamente. Por isso, é importante ter a participação de crianças, adolescentes e jovens em todos os espaços da cidade, inclusive naqueles onde ocorrem as tomadas de decisão. Nesse sentido, podemos definir o protagonismo juvenil como atuação cidadã dos jovens na luta por suas posições, crenças e valores. Trata-se de um tipo de intervenção no contexto social para responder a problemas reais onde o jovem é sempre o ator principal (Costa, 2000).

Portanto, o protagonismo juvenil está diretamente ligado à participação de crianças, adolescentes e jovens na vida/mundo social. Trata-se de um processo educativo que viabiliza o exercício da cidadania entre as crianças, adolescentes e jovens. Na perspectiva do protagonismo, a participação social deste segmento se dá de forma democrática e, por esta via, eles são reconhecidos como sujeitos de direito. Mas tomemos cuidado com esse processo educativo, pois é preciso lembrar uma das reflexões de Paulo Freire em que ele alerta para o fato de que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo em que vivem” (1996: 68).

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Trabalhar com jovens na perspectiva da educação e participação social exige um conhecimento prévio deste segmento; é preciso saber quem é este jovem, de onde vem e o que gosta ou não de fazer, quais são os laços que ele estabelece na família, na escola, na comunidade e no trabalho (independentemente de ele estar inserido ou não neste mercado). Educar para o protagonismo é enfatizar a capacidade dos jovens de sonhar, sentir e de saber se expressar com maior liberdade e criatividade. Entretanto, essa é uma tarefa árdua para educadores populares e sociais que atuam na área dos direitos e da cidadania. Isto porque é um desafio que propõe aos educadores pensar suas práticas diárias e, indo mais além, despedir-se da visão estereotipada da cultura do jovem, entendendo-os como seres singulares que trabalham a educação de forma horizontal e coletiva, e não hierárquica, como tradicionalmente se faz. Vale, ainda, ressaltar que protagonismo não é empreendedorismo. O empreendedorismo está ligado ao trabalho, emprego e renda, e embora saibamos que o trabalho é um direito inerente aos seres humanos, defendemos a idéia de que o protagonismo está ligado diretamente aos direitos e à cidadania fugindo, assim, à lógica do mundo capitalista que tende a converter tudo em mercadoria/valor de troca. A promoção do protagonismo e garantia de espaço para a atuação protagônica de crianças, adolescentes e jovens na vida social não é uma discussão recente, mas vem ganhando cada vez mais espaço. Deste modo, é importante que a sociedade em geral e os educadores de modo mais específico fiquem alertas para este fenômeno no Brasil, pois esse é um movimento que veio para ficar. Não se trata de modismo, mas da adoção de uma postura aberta e reconhecedora do potencial que as novas gerações possuem de contribuir na discussão, definição e deliberação acerca de questões

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que lhes dizem respeito direta e/ou indiretamente. O educador que não perceber isso, além de sair perdendo, será atropelado pelo curso da história. Portanto, é mais que urgente uma mudança, tanto nas práticas de educação quanto na concepção de uma nova mentalidade acerca da cultura infanto-juvenil do século XXI. Uma das preocupações pertinentes ao educador na tarefa de fomento à atuação protagônica é observar se a sua presença inibe ou incentiva a participação do jovem. Quando inibir, é importante ao educador se perguntar as possíveis razões para tanto e observar que laços as crianças, jovens e/ou adolescentes do grupo estabelecem consigo, a fim de avaliar as possibilidades e desenvolver mecanismos a partir dos quais consiga, de fato, ser reconhecido como um mediador do processo por todos os participantes, elemento fundamental para que sua atuação fomente o protagonismo de modo efetivo. Preparar o jovem para uma Participação Protagônica significa formá-lo chamando sua atenção para a necessidade de definir, com clareza, as bases de sua ação por meio do exercício de responder a algumas questões: qual a situação problema? o que pretendemos fazer? quando começará e terminará a ação? onde acontecerá (local e área)? quem ficará responsável pelo quê? como as atividades serão organizadas? quanto de recursos físicos, materiais, financeiros e humanos serão utilizados para execução da atividade em foco? (Costa, 2000). A formação para o planejamento de ações a serem protagonizadas pelos jovens é um dos elementos necessários para que se atinja o objetivo da promoção de sua participação ativa na vida social. Nesse sentido, as perguntas elaboradas pelo autor Antonio Carlos Gomes da Costa, que apresentamos acima, constituem uma das possibilidades de organização da ação protagônica infanto-juvenil e não uma regra, pois é preciso pensar principalmente os recursos financeiros e físicos

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para que a ação possa sair da esfera do planejamento, passado ao campo da execução. É possível que as ações protagônicas sejam executadas sem a presença do educador, e quando isso acontece é fundamental planejar todos os recursos e passos a serem dados pelos agentes para que a ação não seja comprometida e nem ocorra a sua desmobilização. Ou seja, no processo de promoção do protagonismo, é necessário pensar a sustentabilidade do público infanto-juvenil, pois muitas vezes as crianças, adolescentes e jovens deixam de priorizar fazeres importantes em suas vidas para se entregarem à participação. Assim, é fundamental que sua ação protagônica seja objetiva e efetiva, sem gerar frustrações tanto nos agentes que irão executá-las, quanto nos educadores que irão mediar o processo. Quando o educador acompanha essas mobilizações em torno do protagonismo, é importante que se posicione diante da situação problema e, sempre que necessário, motive os agentes para avaliarem as ações. Seu papel também é importante no sentido de dar visibilidade às ações executadas. Para isto, existem várias estratégias possíveis, dentre as quais sugerimos a construção da “linha do tempo”.4 Trata-se de um mecanismo que possibilita a visualização ampla da ação como um todo, quando a mesma se apresenta confusa: o percurso da ação é desenhado em uma linha horizontal e ali se coloca todo o planejamento que antecede a ação. Deste modo, torna-se possível a todos os participantes visualizar o que está sendo feito, bem com as opções/decisões tomadas, o que lhes permitirá compreender as ações em cuja execução eles estão participando/contribuindo ativamente. Para o exercício da participação social é preciso que o jovem se reconheça como sujeito de direitos, principalmente do direito à expressão e opinião. Ele também precisa compreender a importância dos princípios básicos da cidadania para, a partir daí, perceber seu

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potencial de transformação social; tais princípios são referentes ao conhecimento em direitos humanos. Vale ressaltar, nesse contexto, a necessidade de os envolvidos desenvolverem o senso de responsabilidade pessoal e compromisso social no que se refere ao destino coletivo. Assim, reforçamos a visão de Costa (2000), para quem o exercício da cidadania vem antes da participação social, ou seja, é necessário um trabalho de esclarecimento e (re)conhecimento dos direitos e dos deveres a eles correspondentes para que o jovem possa exercer sua participação, percebendo a importância de suas intervenções na elaboração e/ ou implementação de políticas públicas. Por fim, é importante lembrar que o protagonismo é um conceito em construção e não uma forma engessada de estímulo à participação de crianças, adolescentes e jovens na vida social. Contrariamente, trata-se de uma postura que, como tal, deve ser construída coletivamente, considerando-se as especificidades do público envolvido, do contexto no qual as ações serão executadas, bem como a natureza da ação propriamente dita.

Protagonismo juvenil no PAIR: panorama nacional5 Muito se tem refletido e debatido sobre a violência em nosso país, e as crianças, adolescentes e jovens ainda permanecem como as maiores vítimas deste fenômeno. Em alguns casos, a negligência e a violência física, psicológica e sexual de que são vítimas chegam a comprometer o seu processo de desenvolvimento, deixando seqüelas para o resto de suas vidas. Entre os muitos desafios de nossa época está o de compreendermos as questões relacionadas à violência sexual infanto-juvenil que se configura como um fenômeno multidimensional e de extrema gravidade no campo da violação dos direitos humanos.

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Vários estudos apontam a complexidade da violência sexual, cuja ocorrência se dá em todos os tipos de organização familiar, e o desafio de seu enfrentamento se torna maior quando este tipo de violência está vinculado a outras formas de violação dos direitos, tais como a pobreza, a desigualdade, as questões culturais, de gênero, etnia, raça, conflito de gerações, orientações sexuais, entre outras. É preciso compreender que cada fenômeno social possui aspectos históricos, culturais, políticos e econômicos, que necessitam de uma leitura global para que seja possível pensar em ações com alcance global. A ciranda perversa na qual um adulto utiliza-se de uma criança ou de um adolescente para sua satisfação sexual tem exigido do governo e da sociedade civil ações articuladas e integradas na busca da superação desse problema, e o marco para a mudança da nossa realidade de injustiça social e de violação dos direitos das crianças e adolescentes é a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Este instrumento de garantia e promoção dos direitos, que neste ano completou 18 anos, contrapõe-se historicamente a um passado de controle e de exclusão social e sustenta-se na Doutrina da Proteção Integral. A partir da instituição do ECA começamos a construir um novo olhar e uma nova prática onde crianças e adolescentes são sujeitos de direito, pessoas em situação peculiar de desenvolvimento. Diante desta nova compreensão, redefinimos a construção e gestão das políticas públicas, bem como também dos papéis, responsabilidades, atribuições e competências de todos, sejam eles nos âmbitos federal, estadual, municipal, familiar e social. O grande passo para reverter o quadro de violação dos diretos infanto-juvenis foi, primeiramente, criar uma rede integrada e assim garantir de forma efetiva o cumprimento do ECA e a implantação

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do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual InfantoJuvenil – PAIR, cabendo lembrar que este último é produto e testemunho da mobilização articulada da sociedade civil com as três esferas de governo e organismos internacionais, com atuação e experiência na área. Esses atores e agentes se uniram em torno do objetivo de estabelecer um Estado de Direitos para a proteção integral de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, o que implica a interrupção do ciclo de violência no caso das situações já instauradas, bem como na prevenção junto a todas as crianças e adolescentes e, em especial, junto àquelas que se encontram sob risco de virem a ter sua integridade física e seu desenvolvimento sexual saudável violados. Deliberado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), esse Plano consiste em uma diretriz nacional e tem por objetivo desenvolver ações articuladas a partir de seis eixos, a saber: análise da situação, articulação e mobilização, prevenção, atendimento, defesa e responsabilização e protagonismo infanto-juvenil. O Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual InfantoJuvenil tem, portanto, como objetivo, o estabelecimento de um conjunto de ações articuladas que permitam a intervenção técnica, política e financeira para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Considerando esta premissa, ressaltaremos, a partir deste ponto, a importância do protagonismo infanto-juvenil na construção e fortalecimento da rede social e no enfrentamento a este fenômeno. O protagonismo infanto-juvenil tem como fundamento o fato de as crianças, adolescentes e jovens terem sua participação social legitimada pelo capítulo II do ECA, no qual há a defesa da garantia “Do Direito à liberdade” (artigo 16) traduzido, em seu texto, por

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meio da garantia do direito a “Opinião de expressão” (§ II); “Participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação” (§ V) e “Participar da vida política na forma da lei” (§ VI). Assegurar essa participação nos espaços de decisão é, portanto, um dever nosso enquanto educadores conscientes do protagonismo infanto-juvenil, e um direito de crianças e adolescentes, tal como definido no ECA. Ao ocupar esses espaços, crianças e adolescentes – e aqui estendemos a reflexão aos jovens –, estão exercendo o que está preconizado nos artigos do Estatuto, tarefa fundamental, uma vez que são eles os agentes que mais sofrem com a violência sexual e outras formas de privação/violação de diretos. Deste modo, trata-se de viabilizar que eles, juntamente com todos os setores sociais comprometidos com a doutrina da proteção integral, lutem por seus próprios direitos ocupando o lugar que lhes cabe. Nesse sentido, é importante lembrar que todos têm algo com que contribuir, embora de maneiras diferentes, em ritmos diferentes. Por isso, é importante que o adulto saiba ouvir, respeitar e valorizar os diversos saberes e formas de expressão de crianças, adolescentes, jovens e que, partindo desse respeito, se lembre que a participação dos outros não acontece no ritmo/forma que queremos, pois cada um tem seu jeito de dizer sobre as coisas do mundo. Segundo Antonio Carlos Gomes da Costa, devemos procurar promover uma “participação autêntica”, ou seja, o protagonismo, para este autor, é a criação de espaços e mecanismos de escuta e participação. Trata-se, portanto, de “reconhecer o jovem não como um problema, mas como parte da solução”. A adoção desta postura, ainda segundo ele, “é meio caminho andado” no sentido da promoção do protagonismo. O protagonismo juvenil é a atuação dos jovens com questões relacionadas com a sua subjetividade, no convívio com seus pares, com a escola, família, comunidade, sociedade e com o mundo.

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Conforme Roger Hart (1993), a participação é um importante antídoto às práticas educativas tradicionais, que correm o risco de deixar a adolescência alienada e exposta à manipulação. Por meio de uma participação genuína em projetos que levem à solução de problemas verdadeiros, os jovens desenvolvem capacidades que são essenciais para a autodeterminação de suas opções políticas. O benefício é duplo: a autodeterminação do jovem e a democratização da sociedade.

O protagonismo juvenil é, assim, um tipo de ação de intervenção no contexto social para responder a problemas reais dos quais adolescentes e jovens são sempre os atores principais. Isto posto, podemos dizer que o protagonismo juvenil é a atuação cidadã dos adolescentes e jovens na luta por suas posições, crenças e valores. Daí a responsabilidade de todas as instituições e dos educadores que fazem parte da rede de defesa e garantia dos direitos das crianças, adolescentes e jovens no que diz respeito ao protagonismo: esse não pode ser visto e nem trabalhado como um modismo, e sim como uma prática educativa.

Protagonismo juvenil no PAIR/MG expansão Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim Um importante setor das políticas públicas em que o protagonismo juvenil tem ganhado legitimidade é no Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Neste caso, objetiva-se promover a participação ativa de crianças e adolescentes (e aqui incluímos os jovens) para a defesa de seus direitos, comprometendo-os com a concepção, planejamento e execução de ações de prevenção pró-ativa e de enfretamento ao fenômeno. Para tanto, foram instituídas, no âmbito da coordenação colegiada

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do Comitê Nacional do PAIR, representações juvenis para as cinco regiões brasileiras. Estas têm a função de fazer o monitoramento e avaliação das ações executadas no âmbito do Plano Nacional. No caso da expansão do PAIR/MG nos municípios mineiros de Teófilo Otoni, Itaobim e Uberaba, a estratégia nacional de promoção da participação ativa dos jovens no enfrentamento ao fenômeno se desdobrou em ações específicas. Dentre elas, destacamos a parceria firmada entre os atores responsáveis pela execução do Plano (Pró-Reitoria de Extensão da UFMG, UFTM e UFVJM) e a ONG Oficina de Imagens. Por meio desta parceria, foi possível efetivar a presença e atuação do segmento juvenil em todas as ações de concepção, planejamento e execução da expansão do PAIR, nos municípios em questão. Tratou-se, conforme mostraremos adiante, de uma estratégia de fundamental importância, pois, através da presença efetiva dos jovens, junto ao grupo de formadores – atuando, também eles, como formadores –, pôde-se ampliar as possibilidades de sensibilização do público participante em relação à importância de programar situações e criar as condições necessárias para se efetivar esta participação no enfrentamento ao fenômeno em nível local. A participação do segmento juvenil nesta etapa da expansão do PAIR/MG se deu de diferentes formas, tendo gerado resultados positivos em todas elas. No que se refere à concepção e planejamento das ações, a presença deste segmento sensibilizou o grupo de formadores no sentido de atentar para a necessidade de fugir ao formato adultocêntrico e teórico-acadêmico característico de ações da capacitação/formação, imprimindo mais movimento e leveza nas dinâmicas e atividades propostas. A necessidade de construção de uma forma de diálogo que possibilitasse a compreensão e o acompanhamento dos conteúdos da capacitação/formação por parte do segmento infanto-juvenil

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também foi um aspecto para o qual se atentou, sobretudo no processo de execução das ações de capacitação/formação, a partir da sinalização feita pelos representantes do eixo protagonismo juvenil presentes na equipe de capacitadores/formadores. A satisfação do objetivo de articular uma rede de proteção à infância e adolescência, que contemplasse todos os segmentos atuantes na área e, dentre eles, o público-alvo destas ações, foi outra realização tornada possível graças à presença e atuação protagônica dos jovens na equipe dos capacitadores/formadores. Isto porque o diálogo promovido entre estes e os representantes do segmento infanto-juvenil nas ações realizadas foi construído por jovens lideranças que colocavam em reflexão questões do universo juvenil, problematizando-as com uma linguagem própria a este segmento.6 A partir das contribuições dadas pelos agentes do protagonismo que compuseram a equipe de capacitadores/formadores, o entendimento que orientou todo o trabalho foi a necessidade de deixar os adolescentes e jovens partícipes da capacitação/formação o mais à vontade possível para participarem da forma que sabiam. A adoção desta postura e orientação para o trabalho se fez por considerarmos que encontraríamos nos municípios agentes inseridos em seu próprio contexto e realidade local, sendo inadequado, de nossa parte, tentar imprimir ali um modelo de participação alheio a seu universo. Interessava-nos, pelo contrário, propiciar-lhes acesso ao conhecimento de um panorama mais ampliado da participação social infanto-juvenil para que, de posse deste panorama, eles avançassem no sentido de compreender e se apropriar de outras formas/mecanismos de ação adequados à realidade e potencialidades locais. Tais estratégias possibilitaram que os representantes do eixo protagonismo juvenil, presentes nas ações de capacitação/formação, melhor compreendessem o sentido e a importância da participação

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ativa das novas gerações na vida social, o que significou a sensibilização e o compromisso para que também eles, atuando protagonicamente como multiplicadores desta postura, promovessem ações voltadas à sua disseminação junto à juventude local. No que se refere aos representantes deste eixo nas ações de capacitação/formação, é importante ressaltar que o que encontramos nos municípios em questão foi uma adolescência e juventude prontas e dispostas a participar da rede constituída para o enfrentamento ao fenômeno. Também encontramos ações de mobilização do enfrentamento à violência sexual e grupos já organizados, dispostos a incorporar as ações de enfrentamento em ações que já estavam em curso. Assim, tratou-se do encontro de um público jovem que, diferentemente do que tende a ocorrer em ações desta natureza, não “caíram de pára-quedas” nas discussões. Sua participação revelou a experiência e o amadurecimento dos adolescentes e jovens com os quais trabalhamos. Esta experiência e amadurecimento, por sua vez, possibilitaram que eles avançassem na qualificação de sua participação, por meio da proposição de ações ligadas ao eixo do Protagonismo Infanto-Juvenil nos Planos Operativos Locais, das três localidades aqui consideradas – Teófilo Otoni, Itaobim e Uberaba. A presença deste segmento entre os participantes da capacitação e, também, no interior da equipe de capacitadores/formadores gerou impactos significativos no que se refere à sensibilização do público adulto na compreensão do significado do protagonismo, de suas implicações e da necessidade, por conseguinte, de criação de mecanismos que fomentem/favoreçam a atuação protagônica das jovens lideranças municipais. Esta presença, portanto, representou uma rica oportunidade de os agentes que atuam junto a crianças e adolescentes e famílias dos municípios compreenderem esta nova forma de estar com/e em

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relação às crianças, adolescentes e jovens, por meio do acompanhamento/participação de atividades nas quais nossas jovens lideranças tiveram participação ativa. Neste sentido, vale, ainda, lembrar que, sempre que acionadas, essas lideranças se mostraram prontas e aptas a sugerir e participar, conforme dissemos anteriormente.

Considerações finais Antagonistas ou protagonistas? “Tu me dizes, eu esqueço. Tu me ensinas, eu lembro. Tu me envolves, eu aprendo.” Benjamim Franklin

Esse pequeno poema de Benjamim Franklin nos diz em poucas palavras sobre como deve ser o processo de participação dos jovens: se ele não estiver efetivamente envolvido no processo, a participação não surte efeitos desejados. Por isso, há que se pensar os processos formativos, para que a participação infanto-juvenil seja cada vez mais qualificada. Não adianta só abrir os espaços para que se participe, tem que haver também uma formação para que adolescentes e jovens não “caiam de pára-quedas” nas discussões das redes sociais, sobretudo nas que se realizam na rede de enfrentamento à violência sexual. Isto porque, conforme já tivemos a oportunidade de ressaltar aqui, trata-se de uma realidade da qual crianças, jovens e adolescente são as principais vítimas. Segundo Costa (2000), existe uma escala de tipificação da participação de crianças, adolescentes e jovens que varia entre as seguintes formas: Participação manipulada; Participação decorativa; Participação simbólica; Participação utilitária (execução); Participação no planejamento e execução; Participação na decisão, planejamento e execução; Participação na decisão, planejamento, execução, avaliação e apropriação dos resultados; Participação de

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todas as etapas, atuando sob a orientação de adultos; e Participação em todas as etapas sem a participação dos educadores. Diante desta variação de formas/modelos é importante saber como a participação protagônica de crianças, adolescentes e jovens na vida social tem se dado, a fim de se criar meios de estimular a adoção daqueles modelos que propiciem a efetivação de uma participação ativa, autônoma, e que expresse, de fato, os interesses, demandas, realidades e potencialidades dos agentes envolvidos. O mesmo autor destaca que, para que a participação juvenil protagônica ocorra, é importante apostar na autonomia ou, bem mais que isso, nas experiências vivenciadas pelos adolescentes e jovens que não se apresentam como um papel em branco ou apenas uma promessa de futuro, como infelizmente é comum se pensar. Propomos um exercício para ilustrar nosso raciocínio: gostaríamos que você, nosso leitor, pensasse em jovens. Mas pense como ele é, considerando tipo físico e todas as especificidades que o compõem. Pense em um jovem médico. Pensou? Agora pense em um jovem físico nuclear. Pensou? Agora pense em um jovem do hip-hop, um jovem pagodeiro e um jovem líder comunitário. Pensou? Bom, parece-nos que a resposta é óbvia. Geralmente, quando propomos este tipo de reflexão, ao pensar no jovem que é físico nuclear e/ou médico, as pessoas pensam, de imediato, em pessoas brancas, com um bom poder aquisitivo. Por outro lado, ao pensar em jovens pagodeiros, do hip-hop e líderes comunitários, normalmente pensam em jovens negros, moradores de periferia, com baixo poder aquisitivo. Foi assim com você? Este exercício é um importante termômetro que nos ajuda a identificar e refletir sobre o quanto alguns estereótipos e preconceitos referentes às competências, potencialidades e formas de participação dos jovens estão internalizados em nós. E, ainda, nos ajuda a compreender por que, socialmente, há a tendência de se tutelar

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as ações de adolescentes e jovens, de preferir sua participação manipulada e decorativa. Ou seja, o que está internalizado em nós nos impede de construir uma percepção mais adequada e real da cultura juvenil. Assim, quem deseja, realmente, promover e/ou estimular o protagonismo infanto-juvenil deve começar identificando e refletindo sobre todas as percepções que tem internalizadas acerca deste público. No que se refere ao Protagonismo Juvenil no PAIR, fez-se um grande investimento no sentido de incorporar, na rede de proteção de crianças e adolescentes, a participação protagônica dos mesmos como tentamos mostrar ao longo deste texto. Porém, ainda temos muito a caminhar. Os adolescentes e jovens estão sendo “bombardeados” com uma avalanche de informações por meio dos meios de comunicação. E estas informações, na maioria das vezes, além de não acrescentar muita coisa no que se refere ao seu preparo para a vida social, tendem a reforçar a competitividade, o individualismo, o consumismo e a alienação, não estimulando a participação cidadã. Uma experiência nossa7 também referida ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil foi bastante significativa no sentido de revelar o quanto alguns agentes e atores sociais têm dificultado a ação dos jovens, no que diz respeito a esta participação protagônica. Surgido a partir de uma das metas do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, o Projeto Juventude em Ação consistiu em um mecanismo por meio do qual se buscou formar/sensibilizar jovens para agirem protagonicamente neste enfrentamento. A experiência foi realizada em sete cidades brasileiras (Olinda/PE; Fortaleza/CE; Belo Horizonte/MG; Manaus/AM; Foz do Iguaçu/PR; Belém/PA e Corumbá/MT). O trabalho consistiu na aplicação de questionários e realização de oficinas em torno

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das seguintes temáticas: Direitos Sexuais são direitos Humanos; Violência Sexual; e Protagonismo Juvenil. Nesse processo, foi feito um levantamento sobre as percepções de adolescentes, jovens e educadores sociais sobre o protagonismo juvenil, e a conclusão apontou para a fragilidade no comprometimento das redes sociais com este eixo. Para nós, jovens protagonistas, pareceu-nos um tanto assustador que as redes sociais se comprometam com a promoção do protagonismo e, ao mesmo tempo, não construam as condições necessárias para trabalhar as temáticas relativas a esse eixo. Conforme consta do relatório final do projeto: Não se trata, logicamente, de repetir formas de enfrentamento que bem ou malsucedidas cumpriram seu papel em diferentes contextos históricos: as lutas estudantis dos anos 60 e 70, os processos de afirmação de identidade dos jovens das periferias das cidades (gangues, galeras) nos anos 80 e 90 ou ainda a aparente “apatia política” da juventude neste início de século. (RELATÓRIO FINAL JUVENTUDE-AÇÃO, 2007)

Assim, no contexto atual, torna-se importante repensarmos a forma de estar com o segmento infanto-juvenil, pois, se de fato o objetivo da rede de proteção integral é articular e promover os agentes e atores que atuam no atendimento, promoção e proteção de crianças e famílias, é fundamental avançar no sentido de criar estratégias que possibilitem a efetiva integração de todos no processo, em reconhecimento à importância que cada um tem no enfrentamento a este fenômeno. Os adolescentes e jovens querem, sim, participar, e nossa atuação nos municípios de Teófilo Otoni, Itaobim e Uberaba reforçou a percepção de que o desejo por eles alimentado e convertido em demanda é de que esta participação se dê para além das manifestações artísticas e culturais que estamos

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acostumados a ver em seminários e cursos de formação. Isto porque a disposição que vimos nos participantes das ações ali executadas é de atuar efetivamente em todas as etapas/ações de enfrentamento, indo da concepção e planejamento até a avaliação final das ações executadas neste âmbito. Deste modo, nos sentimos impelidos a enfatizar a lembrança do dever que a rede de proteção integral de crianças e adolescentes tem de garantir-lhes assento e voz ativa nas discussões, tomadas de decisão e execução de ação, de modo que eles efetivamente compreendam, participem e contribuam em todo o processo; afinal, é disto que se trata quando falamos em promover a integração dos agentes locais para que atuem de forma articulada. É importante que nesse processo os educadores estabeleçam canais efetivos de diálogo com o segmento infanto-juvenil e firmem com estes agentes parcerias, dando-lhes os subsídios necessários para atuarem de forma protagônica. Uma sugestão que julgamos procedente, neste sentido, é a garantia de participação dos agentes infanto-juvenis do enfrentamento em todas as ações formativas realizadas neste âmbito, reconhecendo e resguardando seu espaço de escuta, mas também de fala. Conforme tentamos demonstrar, os adolescentes e jovens também têm muito que dizer, e sua fala, muitas vezes, é reveladora daquilo que nós, adultos, não damos conta de captar, visto estarmos imersos em nosso universo de questões e preocupações. Trata-se, portanto, de abandonarmos o velho hábito de fazermos “por/para eles” e incorporarmos, de uma vez por todas, a postura educativa de fazer “com/por meio deles”, que são as principais vítimas e importantes interessados na eliminação do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, bem como de todas as formas de violação de direitos a que estão cotidianamente expostas as nossas novas gerações.

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Com a efetivação da participação infanto-juvenil protagônica na execução desta política de diretriz nacional, acreditamos que ficaremos um pouco mais próximos de, juntos e articulados em rede, construirmos um país no qual o respeito às crianças, aos adolescentes e aos jovens se torne realidade e onde eles possam crescer e se fazer adultos com a liberdade, a responsabilidade e o compromisso ético tão fundamentais para a consolidação dos princípios da cidadania, em uma sociedade democrática.

Notas 1

Coordenado pela ONG Oficina de Imagens Comunicação e Educação, o projeto JITE – Jovens Interagindo – formou, entre os anos de 2003 e 2006, 45 jovens de Belo Horizonte e região Metropolitana em direitos e cidadania para a utilização dos mecanismos de comunicação no trabalho de mobilização social.

2

A Oficina de Imagens é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 1998 por um grupo de comunicadores e educadores. A ONG desenvolve, a partir das técnicas e linguagens da comunicação, métodos pedagógicos escolares e nãoescolares, para a formação de jovens, educadores e líderes sociais como sujeitos críticos, cidadãos conscientes e atuantes em suas comunidades por meio do uso dos meios de comunicação.

3

Aqui fica o agradecimento a todos que colaboraram para qualificar a nossa participação.

4

A linha do tempo é um mecanismo criado pela ONG Oficina de Imagens com o objetivo de fazer com que os jovens do JITE se situassem no projeto, em relação à metodologia e aos objetivos do trabalho.

5

Agradecemos as contribuições de Elizabeth Gomes Vieira, membro da Oficina de Imagens e representante da região sudeste no Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil na construção deste tópico do texto.

6

Nos encontros de adesão e sensibilização, por exemplo, utilizamos a técnica da videocabine, por meio da qual adolescentes e jovens deram depoimentos e nos apresentaram o contexto e a realidade local, a partir de sua perspectiva. A videocabine é uma técnica de entrevista livre e direta por meio da qual é possível mapear posições pessoais sobre temas diversos. Neste caso específico, os temas postos em diálogo foram protagonismo, sexualidade e participação.

7

Trata-se do Projeto Juventude em Ação.

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Referências COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil: adolescência, educação e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 20. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Literária) HART, Roger. A. La participación de los niños: de la participación simbólica a la participación auténtica. Firenze: Instituto Innocenti, 1993. KIMO, Paula; ZENHA, Leonardo. Sistematização do Projeto JITE. Oficina de Imagens. In: INSTITUTO CEDICAR. Educadores e jovens em ação. São Paulo: Via Impressa Edições de Arte, 2006. PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL. Uma política em movimento. Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, 2006. Disponível em: . RELATÓRIO FINAL JUVENTUDE-AÇÃO. Disponível em: . Último acesso em: 27de dezembro de 2007.

Para saber mais: COQUITO, Antônio. Protagonismo infanto-juvenil: crianças e adolescentes na condução dos rumos da sociedade. DOHME, Vania D’Angela. O protagonismo juvenil e os grandes educadores. GOMES, Elizabeth Vieira. Rede de proteção à criança e ao adolescente: protagonismo juvenil. Disponível em: e

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ANÁLISE DA SITUAÇÃO

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DIAGNÓSTICO de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim Caracterização, visibilidade e localização do fenômeno1

Introdução O problema da violência sexual (abuso e exploração comercial) contra crianças e adolescentes tornou-se questão pública assumindo relevância política no início da década de 1990 com a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), realizada pelo Congresso Nacional em 1993. Como resposta à emergência pública do fenômeno, também objeto de investigação em comissões estaduais,2 o Governo Federal formulou o primeiro projeto de âmbito nacional, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, definindo diretrizes, ações prioritárias e estratégias de enfrentamento do problema. Um dos princípios estratégicos do plano é a realização de investigação científica, visando compreender, analisar, subsidiar e monitorar o planejamento e a execução das ações de enfrentamento do fenômeno. A expansão do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR), em Minas Gerais, orientou sua ação pelos princípios estratégicos do

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Plano Nacional e, nesse sentido, buscou diagnosticar e caracterizar o fenômeno, bem como a rede de enfrentamento da violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes existente nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. A Pró-Reitoria de Extensão da UFMG, responsável pela execução da expansão do PAIR/MG, convidou o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG),3 o Programa Pólos de Cidadania (Programa Pólos de Cidadania/UFMG) e a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) para a realização do diagnóstico.4 O diagnóstico visou à adequada descrição do problema e da rede de proteção nos municípios selecionados para informar e embasar as discussões do Seminário de Sensibilização e Adesão, bem como as Oficinas de Planejamento, etapas da implantação do PAIR/MG que lhe seguiram, estabelecidas em consonância com o Plano Nacional. A concepção geral do diagnóstico tomou por referência várias iniciativas pioneiras no país (apesar da escassa produção científica sobre violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil) que fundaram um marco teórico e metodológico sobre o tema da violência sexual e revelaram um panorama da sua incidência e prevalência nas distintas regiões do Brasil (Leal, 1999; Faleiros; Campos, 2000; Faleiros; Faleiros, 2002; Faleiros, 1998; Vargas, 2000; Senna; Kassar, 2005; Leal; Leal, 2002; Nappo, 2004; Matos, 2005; Programa Pólos de Cidadania, 2006; Pagano, 2006). As variáveis utilizadas neste diagnóstico foram selecionadas com base na revisão destes e de outros estudos teóricos e de pesquisas sobre o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Apesar da heterogeneidade destes estudos, há neles um consenso quanto à complexidade das causas do fenômeno. Conseqüentemente, explicações também multidimensionais têm sido utilizadas para lhe fazer face. São apontados aspectos de natureza estrutural,

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como pobreza, desigualdade social, exclusão do mercado de trabalho, falta de acesso a serviços básicos, aumento da criminalidade violenta, uso e tráfico de drogas, bem como aqueles de natureza cultural: dominação masculina historicamente determinada e sua influência no imaginário social; pressões sociais caracterizadas pelo predomínio de valores econômicos, dentre outros. Também são discutidos aspectos para o seu enfrentamento, tais como mobilização da rede, participação da sociedade civil, responsabilização legal, desenvolvimento da cidadania (direitos civis, políticos e sociais) e elaboração das políticas públicas. Os instrumentos metodológicos empregados para realização do diagnóstico foram combinados às referências teóricas para dar conta de uma realidade complexa que não se desvela à primeira vista. Para cada município foram realizadas consultas a fontes secundárias e coletadas informações de natureza variada (demográfica, econômica, de sáude, educação, assistência social, criminalidade e segurança pública) que auxiliassem na compreensão do fenômeno e da atuação da rede. Aos representantes das redes de defesa, atendimento e responsabilização foram aplicados questionários institucionais, realizados entrevistas e grupos focais. Foram coletadas informações e tratados e analisados os dados sobre o abuso e a exploração sexual registrados nos Conselhos Tutelares. Foram feitas observações em campo e as informações obtidas foram geoprocessadas.5 Partiu-se da premissa de que o fenômeno tem abrangência regional e, assim, foram obtidas informações sobre distribuição e deslocamento do fenômeno, bem como a extensão da influência da rede na região. Informações pertinentes à discussão do fenômeno (número de denúncias, taxa de evasão escolar, dentre outras) de abrangência nacional e também estadual foram cotejadas e comparadas àquelas encontradas nos municípios. Finalmente, foi elaborado um indicador de vulnerabilidade social, que oferece

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uma visão detalhada das condições de vida do município, com a identificação e a localização espacial das áreas que abrigam os segmentos populacionais mais vulneráveis à pobreza.6 Este texto apresenta uma análise dos resultados referentes à caracterização dos municípios e do fenômeno em Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim, em Minas Gerais.

Caracterização dos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim/MG Esta seção apresenta a caracterização dos municípios feita a partir da obtenção e tratamento de dados secundários pertinentes à discussão do problema do abuso e da exploração sexuais.

Uberaba O município de Uberaba, juntamente com o de Uberlândia, destaca-se como um dos pólos econômicos principais da região do Triângulo Mineiro e do Estado e conta, segundo estimativa do IBGE de 2005, com uma população de 280.060 habitantes. Uberaba possui uma economia bastante diversificada. Os setores de atividade mais importantes são o agropecuário, o industrial e de comércio, bem como o de serviço. Este dinamismo econômico propiciou o desenvolvimento do turismo de negócio na cidade, que ganha visibilidade e expressão na festa anual agropecuária, reunindo os maiores criadores e comerciantes de gado do Brasil. Tal acontecimento, entretanto, é fator de risco do ponto de vista da exploração sexual. Também fator de risco permanente, porém sazonal, é o plantio e colheita de cana-de-açúcar que vêm sofrendo um forte crescimento no município e em seu entorno, em razão do movimento migratório de homens solteiros para a região.

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O município é entrecortado pelas rodovias federais – BR-050, BR-262 e BR-464 –, entroncamento rodoviário que o conecta com vários estados, como São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Além das rodovias federais, importantes rodovias estaduais cortam o município, como a MG-190/LMG-798, que interliga Uberaba ao norte de Minas e noroeste do país; a MG-427 e a MG-255, que interligam Uberaba ao centro-oeste do Brasil. Economicamente favorável ao município, uma vez que facilita o escoamento da produção agrícola, pecuária e industrial, tal concentração de malha rodoviária também pode ser considerada fator de risco do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, já que propicia a exploração e o tráfico de crianças e adolescentes. A cidade de Uberaba conta com unidades de educação federais, estaduais, municipais e particulares. Tais entidades de ensino atuam em todos os níveis educacionais: fundamental, médio, educação especial e ensino superior. No período compreendido entre 1991 e 2000, observa-se uma melhora nos indicadores educacionais para a população infanto-juvenil do município, em todas as faixas etárias.7 Contudo, em 2004, verifica-se uma porcentagem de evasão escolar no ensino fundamental (7,4%) mais alta do que a taxa do Estado (6,4%) e do que a da Região Sudeste (4%). Sabe-se que o fato de a criança e o adolescente freqüentarem a escola é um fator protetivo à vitimização dessa coorte populacional, principalmente em relação à vitimização sexual. Quando fora da escola, encontram-se mais facilmente expostos ao trabalho infantil e/ou à exploração sexual infanto-juvenil. Uberaba é o maior e principal centro de atendimento médicohospitalar-odontológico do Triângulo Mineiro. Isto concorre para que o setor de saúde do município atenda pacientes de toda a região, fato que se expressa também nos dados de saúde registrados. As unidades de Saúde da Família são responsáveis por 35,3% do

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total das unidades, evidenciando a expressividade do modelo de atendimento de saúde local, agente fundamental no enfrentamento do abuso e exploração da criança e do adolescente.8 O indicador do SUS de “Internações por grupo de causa e faixa etária do paciente – 2005” mostra que 57,6% das pacientes internadas entre 15 e 19 anos em Uberaba o foram por “gravidez, parto e puerpério”. Esse tipo de atendimento corresponde a 13,8% do total de atendimentos realizados em 2005, na rede de saúde de Uberaba, e corrobora outras informações sobre a forte incidência de gravidez na adolescência na região. Dentre as diversas instituições voltadas para a saúde no município, destaca-se o Centro de Atendimento Integral à Saúde da Mulher (CAISM), que foi fundado em Uberaba em 2001 para oferecer assistência à saúde da mulher, da criança e do adolescente, e atender aquelas que são vitimadas por violência sexual. O mapa da área urbana da cidade, representado pelos distintos graus de vulnerabilidade social, permite identificar que é ao longo das rodovias MG-217 e BR-418, que cortam a cidade de Uberaba, que está a região mais carente sob o ponto de vista de vulnerabilidade social.9 Em Uberaba, as taxas por 100 mil habitantes de roubo e roubo a mão armada vêm sofrendo forte crescimento a partir de meados da década de 1990. A maior taxa, em ambos os casos, ocorreu no ano de 2005, quando o roubo apresentou taxa de 305,41 ocorrências e o roubo a mão armada, de 361,49. Em contraposição ao homicídio, que apresentou certa regularidade neste período, as taxas desses dois tipos de crimes evoluíram muito rapidamente ao longo desses anos chegando a apresentar, em 2005, aumento de mais de dez vezes em relação à taxa observada em 1987.10 As ocorrências de estupro e outros crimes contra os costumes também apresentaram aumento entre 2002 e 2005.11 O crime de estupro teve o maior número de registros em 2004 (26) e os demais crimes dessa natureza, em 2005

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(45). Cabe ressaltar que o crescimento desses crimes teve evolução rápida e significativa, visto o curto período analisado. Em 2002, os outros crimes contra os costumes tiveram 16 ocorrências registradas passando, em 2005, a 45 casos. Esse aumento pode ser decorrente de um maior estímulo a registrar as ocorrências, seja mediante incentivo dos programas de proteção ou o atendimento especializado nas delegacias.

Teófilo Otoni O município de Teófilo Otoni, junto com Malacacheta e Nanuque, destacam-se como os principais pólos econômicos da região do Vale do Mucuri. Conta, segundo estimativa do IBGE de 2005, com uma população de 127.818 habitantes. Em razão do baixo índice de desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri, a cidade acabou se tornando uma referência no comércio regional, atraindo moradores das cidades vizinhas. Em 2000, 39,8% da população residente em Teófilo Otoni era considerada pobre. Em 2001, a grande maioria da população de Teófilo Otoni recebia até 3 salários mínimos (cerca de 78%). Teófilo Otoni situa-se na BR-116, a Rio-Bahia, e também na confluência com outras rodovias estaduais e federais. Este fato constitui fator de risco permanente com relação à violência sexual, sobretudo exploração sexual e tráfico comercial de pessoas, principalmente de meninas adolescentes. Outros fatores de risco são as feiras de negócio de pedras e os garimpos situados nas proximidades do município concentrando homens e dinheiro. Houve notável mudança no nível educacional da população jovem de Teófilo Otoni entre os anos de 1991 e 2000. Destacam-se principalmente a redução da taxa de analfabetismo e o grande aumento da porcentagem de jovens com freqüência escolar, principalmente entre 15 e 17 anos.12 Em 2006, segundo estimativa do

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IBGE, o município registrou 2.445 matrículas no ensino pré-escolar, 26.867 matrículas no ensino fundamental e 7.112 matrículas no ensino médio.13 Mas as taxas de abandono escolar de Teófilo Otoni são mais elevadas do que as taxas nacionais, regionais e estaduais tanto para o ensino médio quanto para o fundamental. Como observado anteriormente, a freqüência de crianças e adolescentes no sistema de ensino formal deve ser percebida como fator protetivo contra o problema de violência sexual e de vitimização de modo geral. Teófilo Otoni é referência regional de atendimento à saúde pública. Em 2005, 47.560 pessoas foram atendidas pelos PSF (Programa Saúde da Família). O indicador do SUS (Sistema Único de Saúde) de “Internações por grupo de causa e faixa etária do paciente – 2005” mostra que 73,1% das causas de internações entre adolescentes de 15 a 19 anos referem-se à “gravidez, parto e puerpério” e representa 22% (entre as causas é a de maior proporção) do total de atendimento em 2005, indicando índice bastante elevado de adolescentes grávidas no município. O mapa da área urbana da cidade, representado pelos distintos graus de vulnerabilidade social, permite identificar que, ao longo das rodovias MG-217 e BR-418 (que cortam a cidade de Teófilo Otoni), situa-se a região mais carente sob o ponto de vista deste indicador. As taxas de homicídios por 100 mil habitantes, que de 1986 até 2000 mantiveram uma certa regularidade, vêm crescendo em Teófilo Otoni. Essa taxa, que correspondia a 13,7 em 1986, passou para 51,92 em 2005. Já a taxa de crimes contra o patrimônio, que correspondia a 52,04 para cada 100 mil habitantes em 1986, passou para 450,69 em 2005. Em 2002, foram registrados 6 estupros de acordo com dados da Polícia Civil, e nenhum em 2005. O tipo “outro crime contra os costumes” passou de 37 ocorrências, em 2002, para 27

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em 2005.14 Esse fato pode sugerir que, em Teófilo Otoni, as vítimas desses crimes não estão sendo motivadas a registrar ocorrências e este pode ser um indicador de uma atuação ainda tímida da rede de proteção. Tanto em relação ao tráfico como ao uso indevido de droga, a maior ocorrência é em relação à maconha. Porém, o tráfico e consumo de crack na cidade aumentaram. Em 2002, foram registradas 2 ocorrências de tráfico de crack, passando para 6 em 2005, e seu uso indevido saltou de 13 em 2002 para 22 em 2005. Deve-se levar em conta que estes dados não representam apenas a incidência do fenômeno, mas também o trabalho policial de repressão.

Itaobim Itaobim localiza-se na microrregião de Pedra Azul e na mesorregião do Vale do Jequitinhonha. A sua população, segundo estimativa do IBGE em 2005, é de 21.843 habitantes. A BR-116 corta o município. Como vimos, isto constitui fator de risco permanente quanto ao fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil, uma vez que os agentes exploradores, em sua maioria, são caminhoneiros e é nos postos de gasolina e suas imediações, localizados ao longo da rodovia, que se concentram as prostitutas e os prostíbulos camuflados em restaurantes e hotéis. Cidades próximas a Itaobim, como Ponto dos Volantes, Medina e Comercinho, também são “conhecidas” pelo problema. A dimensão da regionalização do fenômeno da exploração contra crianças e adolescentes na mesorregião do Vale do Jequitinhonha foi identificada no estudo “Projeto 18 de Maio”, do Programa Pólos de Cidadania (2006). De acordo com o Atlas de desenvolvimento humano no Brasil, em 2000, 64,4% da população residente em Itaobim era considerada pobre. Um dos maiores problemas de Itaobim é a carência de fonte de renda no município, o que implica a falta de emprego para a população em geral. Boa parte desta população vive de recursos

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que provêm de programas de renda mínima, empregos no setor público, aposentadorias e pensões, bem como de um comércio e serviços pouco desenvolvidos. Na agricultura, destacam-se a cultura de manga e de cana-de-açúcar e, na atividade extrativa, a lenha para produção de carvão vegetal. Baixos índices de renda e de educação são considerados os fatores que mais predispõem as famílias ao fenômeno do abuso e da exploração sexual infanto-juvenil, visto que estas são mais vulneráveis a situações de violência e de violação de direitos. O município de Itaobim conta com uma rede de ensino composta por duas escolas pré-escolares municipais, 17 escolas que oferecem o curso fundamental (5 estaduais e 12 municipais), duas escolas de ensino médio (sendo uma delas estadual e a outra, a única escola particular registrada no município) e nenhuma instituição de ensino superior ou profissionalizante.15 Quando se comparam as taxas de abandono escolar de Itaobim às taxas de Minas Gerais, da Região Sudeste e do Brasil, em 2004, observa-se que essas são bem mais elevadas do que as taxas nacionais, regionais e estaduais tanto para o ensino médio como para o fundamental. Salta aos olhos a marca de 30% de abandono no ensino médio. Uma das explicações a este fato, observado a partir de trabalho de campo, deve-se à divisão territorial imposta pelo tráfico de drogas na cidade. Em Itaobim, há apenas uma escola pública que possui ensino médio e muitos jovens abandonam os estudos nesta fase porque são impedidos ou temem “passar para o outro lado”. De acordo com informações do IBGE, em 2005, havia 15 estabelecimentos de saúde no município de Itaobim, dos quais 13 eram públicos municipais, sendo que apenas um deles (privado com atendimento pelo SUS) apresentava local para internação com 61 leitos. Quanto aos indicadores para causas de internações registradas em Itaobim, em 2005, por faixa etária, 66% das internações

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entre adolescentes de 15 a 19 anos se devem à “gravidez, parto e puerpério”, indicando o alto índice de adolescentes grávidas no município. Sabe-se que, além de maiores riscos de saúde para mãe e filho, as adolescentes grávidas tendem a abandonar a escola mais cedo e têm menores chances de inserir-se em atividades profissionais qualificadas, o que as predispõe, neste município em que estas chances já são baixíssimas, ao fenômeno da exploração sexual. Não foi possível elaborar mapa da área urbana da cidade, representado pelos distintos graus de vulnerabilidade social, tendo em vista não haver informações detalhadas por setor censitário para municípios de sua dimensão populacional. Contudo, foi apurado o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).16 Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Itaobim era de 0,689, enquanto o IDH de Minas Gerais era de 0,773. Apesar do IDH relativamente baixo quando se compara com o Estado, Itaobim, ainda assim, é o município da região de Pedra Azul com o melhor IDH-M, indicando a existência de baixa qualidade de vida não só nele, mas também em toda a sua região. As taxas de crimes violentos, em Itaobim, aumentaram em mais de quatro vezes no espaço de menos de 10 anos (1997-2005). As taxas de crimes contra o patrimônio sofreram aumento contínuo a partir de 1986 e um súbito aumento de 2004 a 2005, quando a taxa alcança a marca de 303,65 ocorrências por 100 mil habitantes. Não foi possível obter dados oficiais sobre o tráfico e uso de drogas, mas estes estão recorrentemente presentes no discurso da rede e, na percepção desta, constitui hoje um dos problemas do município. Na próxima seção, será abordada a visibilidade do fenômeno do abuso e da exploração e, para tanto, serão analisados os dados coletados nos Conselhos Tutelares de cada município.

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Visibilidade do fenômeno em Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim/MG A publicização do fenômeno e a disposição de lhe fazer frente resultaram na criação em 1997 de um canal nacional de denúncias por meio do telefone 0800-99-0500 a serem feitas de forma anônima.17 O número de denúncias feitas pelos cidadãos entre janeiro de 1997 e janeiro de 2003 foi de 4.076 casos de abuso e exploração sexual no Brasil. A maior proporção de denúncias, 26%, é referente ao Rio de Janeiro, seguida de São Paulo (14%), Ceará (8%) e Minas Gerais (6,45%). O aumento do número de denúncias a partir de 2000, para todas as unidades da federação, pode estar indicando mais um incremento na divulgação da política de enfrentamento do que propriamente o crescimento deste tipo de violência. Neste sentido, vislumbra-se uma tendência de um maior reconhecimento e uma maior visibilidade do fenômeno perante a população brasileira em geral. Dados da mesma fonte mostram, para Minas Gerais, que entre janeiro de 2001 e dezembro de 2002 houve um aumento de cerca de 50% no número de denúncias telefônicas de exploração sexual e um aumento de 500% para as denúncias de abuso sexual. Isto indica que, também em Minas Gerais, o fenômeno vem se tornando mais visível com o passar do tempo, certamente em virtude de campanhas publicitárias de conscientização e de trabalhos de divulgação do problema realizado por algumas instituições componentes da rede de enfrentamento ao fenômeno.18 Para o levantamento dos dados sobre o fenômeno, visando verificar a visibilidade deste nos municípios em estudo, foi eleito o Conselho Tutelar (CT). Tal escolha pautou-se nas disposições do ECA, sobre ser a notificação dos casos de responsabilidade desta instituição, como também em informações dos entrevistados, que

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a apontaram como centralizadora das notificações. Além disso, considerou-se a existência do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (SIPIA) que coleta informações no interior dos CTs e é responsável por padronizar e garantir a compilação dos registros em âmbito nacional, de maneira a subsidiar políticas públicas no setor. Em Uberaba, coletamos informações referentes à violência sexual e drogaditos19 computados pelo CT e também pelo CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social).20 Nos outros dois municípios, as informações foram coletadas nos CTs e, em todos eles, o ano de referência foi 2006. Os resultados devem ser avaliados levando-se em conta a postura mais comum frente ao fenômeno do abuso e da exploração. No primeiro, privilegia-se o silêncio ficando o caso, não poucas vezes, restrito ao âmbito privado (as razões disto se devem, dentre outras, ao medo ou à proteção do agressor provedor) (Vargas, 2000). No caso da exploração sexual, há falta de interesse dos envolvidos em denunciar. Um tipo específico de exploração que envolve adolescentes inseridas em rede de exploração raramente chega ao conhecimento da rede de proteção (a não ser por quebra de acordo entre as partes envolvidas) e é particularmente difícil de detectar.

Uberaba Foram identificados 55 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes registrados em Uberaba em 2006, por estas duas instituições, dos quais 41 de abuso sexual e 14 de exploração sexual e drogadição feminina.

Abuso sexual A imensa maioria das vítimas de abuso sexual (83%) é do sexo feminino. A maioria das vítimas (59%) tinha menos de 10 anos na época dos fatos. A imensa maioria (95%) dos seus agressores

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são do sexo masculino e boa parte (63%) tem 28 anos ou menos de idade. Há de se considerar a ausência de informação sobre o agressor em vários registros. Em relação ao local da ocorrência, foi investigada a coincidência do mesmo com o local de residência da vítima. Os dados coletados mostraram que 54% dos abusos sexuais ocorreram dentro da casa das vítimas, sendo que apenas 10% não coincidiram. Chama a atenção, entretanto, os 37% de registros coletados que não possuíam esta informação. O cruzamento das informações referentes à faixa etária da vítima com a relação social existente entre ela e o agressor mostra que vítimas com até 12 anos de idade foram abusadas por agressores conhecidos e próximos. Os principais abusadores são os pais ou padrastos (54%), seguidos dos amigos e conhecidos (29%) e outro familiar (17%). Já as vítimas entre 13 e 18 anos são abusadas com mais freqüência pelos amigos e conhecidos (54%) do que pelos pais ou padrastos (38%). Estas foram abusadas por desconhecidos em 8% dos casos. A denúncia foi feita pela rede de atendimento (37%), pela comunidade (familiar ou vizinho) (34%), rede de responsabilização (16%), rede de defesa (11%), sem informação (2%). O encaminhamento dado foi à saúde (32%), à assistência social (15%), à rede de defesa (22%), à rede de responsabilização (10%), à educação (5%) e em 16% dos casos não há informação sobre o desfecho dado.

Exploração sexual Em relação ao perfil das vítimas de exploração sexual, consideramos a hipótese de que as crianças e adolescentes, principalmente do sexo feminino que possuem algum envolvimento com drogas, podem estar também sendo exploradas sexualmente. Neste sentido, coletamos dados referentes a meninas envolvidas em drogadição. Verificamos que as vítimas de exploração encontram-se igualmente

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distribuídas nas três faixas etárias, 5 a 9 anos, 10 a 14 anos e 15 a 18 anos, o que pode estar indicando uma certa dificuldade dos atores da rede em diferenciar as ocorrências de abuso e exploração. Por outro lado, a maioria daquelas envolvidas em drogadição (63%), que suspeitamos também estar envolvida em exploração, contava na data do fato com idade de 15 a 18 anos.

Teófilo Otoni Abuso sexual Foram identificados, a partir de coleta de informação nos Conselhos Tutelares Norte e Sul de Teófilo Otoni, 9 casos de abuso sexual em 2006, a maioria (7) com vítima de sexo feminino. A maioria das vítimas (6) tinham, à epoca do fato, até 11 anos de idade. Em todos os casos em que foi possível obter a informação, o agressor era do sexo masculino. Quanto à relação entre vítima e agressor, a maioria era de pessoas próximas da vítima: padrastos (3), vizinhos (2) e tio (1), ou não foi possível obter a informação (3). Os denunciantes identificados nos registros foram: família, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, escola estadual, Sentinela, Emater, Delegacia de Polícia Civil. Os encaminhamentos realizados e registrados foram: Creche Ninho, Promotoria, Sentinela, Delegacia de Polícia.

Exploração sexual Foram identificados apenas três casos de exploração sexual. As vítimas, do sexo feminino, tinham 13 e 15 anos respectivamente, e em um caso não foi possível obter a informação. Em dois casos o agressor era do sexo masculino e o terceiro sem informação. Em apenas um caso foi possível saber a relação entre vítima e agressor, de apadrinhamento. Os denunciantes foram o Disque Direitos Humanos, tio e um caso sem informação. Quanto ao encaminhamento dado, em apenas um caso este ficou registrado: Delegacia de Polícia.

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Itaobim A partir da coleta realizada no Conselho Tutelar foram identificados um caso de exploração sexual e 8 de abuso sexual em que todas as vítimas eram do sexo feminino e a maioria tinha entre 11 e 13 anos. Todos os agressores eram do sexo masculino, e a relação entre estes e as vítimas era de proximidade. Daqueles em que foi possível saber o grau da relação, metade deles eram familares (pai, padrasto e irmão) e metade de conhecidos. Em todos os casos também em que foi possível obter a informação, o denunciante era da família. Não há registro sobre que encaminhamentos foram dados aos casos.

Localização do fenômeno Para proceder à localização do fenômeno buscaram-se informações nos registros dos Conselhos Tutelares e nos registros da Polícia Militar (endereços das ocorrências e das vítimas), nas entrevistas realizadas com os integrantes da rede, bem como aquelas obtidas em campo. Neste caso, elegeu-se um informante-chave que indicou os pontos de exploração sexual captando, juntamente com os pesquisadores, suas coordenadas espaciais com o GPS,21 o que permitiu posteriormente situá-los no mapa. Foram elaborados mapas temáticos com a sobreposição destas informações às informações situadas espacialmente de vulnerabilidade social. É importante salientar que o tratamento e mapeamento destas informações só foi possível, em toda a sua extensão, para o município de Uberaba. Para Téofilo Otoni não se conseguiu o acesso aos dados da Polícia Militar e as informações coletadas nos CTs, como vimos, são bastante precárias. Quanto a Itaobim, aos parcos registros soma-se a inexistência de informações desagregadas por setor censitário (impossibilitando gerar mapa de vulnerabilidade).

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Contudo, foi possível georeferenciar, com o auxílio da Polícia Rodoviária Federal, os pontos de exploração no trecho da BR-116 de Teófilo Otoni a Itaobim.

Uberaba Abuso sexual Os dados obtidos no Conselho Tutelar e no CREAS indicaram que as ocorrências de abuso se dão, em sua maioria, nas próprias residências das vítimas. Esta também é a percepção da rede que afirma que tais residências, na maior parte das vezes, localizam-se em bairros periféricos de baixa renda. A sobreposição dos locais de moradia (obtidos nos registros) das vítimas de abuso sexual no mapa de vulnerabilidade social revela que boa parte delas reside na região leste da cidade, que pode ser caracterizada por vulnerabilidade social média, alta e muito alta. A localização desses pontos vem ao encontro da percepção dos atores da rede. Os bairros mais citados pelos integrantes da rede como um todo foram: Gameleira, Vila Esperança, Abadia, Boa Vista, Santa Maria, Jardim Planalto, Ponte Alta e Residencial 2000. A zona rural apareceu como local de incidência, contudo, sem especificação dos distritos, lugarejos ou fazendas.

Exploração sexual As informações obtidas nos registros do CT e do CREAS, na Polícia Militar, em campo e em entrevistas indicam que a exploração sexual em Uberaba concentra-se nos locais próximos às BRs 050 e 262, nas avenidas Fernando Costa, São Lourenço e, principalmente, na avenida Marcos Xerém. Os pontos de prostituição seguem ao longo da região sudeste do território, coincidindo com as áreas de alta e muito alta vulnerabilidade social (ver Mapa 1 em anexo). Tais pontos coincidem

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com os locais de exploração, uma vez que muitos aliciadores são prostitutas ou estas fazem “a ponte” com o aliciador. Esta afirmação foi corroborada com os dados da Polícia Militar sobre corrupção de menores e estupros tentados que coincidem sobremaneira com os pontos de prostituição. Com o auxílio do informante-chave marcaram-se também, in loco, as “bocas de fumo” existentes em Uberaba, que foram plotadas no mapa. Posteriormente, foram georeferenciados os registros da Polícia Militar de aquisição ou posse de entorpecente, bem como os de tráfico de entorpecente, todos se concentrando nesta região: bairro São Benedito, cruzamento da avenida Marcos Xerém, com rua Sacramento e Ipiranga. Foi possível verificar a proximidade destes pontos com os de prostituição/exploração. Assim, a partir da sobreposição destes dados, foi possível demonstrar a associação entre exploração sexual, prostituição e uso e tráfico de drogas. Outra forma e local de exploração sexual em Uberaba ainda mais invisível (que não aparece nos registros do CT e do CREAS) é aquela que ocorre em chácaras e propriedades particulares. De acordo com um dos entrevistados, as adolescentes e as prostitutas que freqüentam a avenida Marcos Xerém estariam em fim de carreira. A iniciação na carreira para muitas destas meninas se daria nas casas de prostituição e chácaras existentes nas redondezas da cidade. Foi recorrente nas falas de integrantes da rede de atendimento e de responsabilização a alusão a festas com a presença de pessoas importantes da cidade e de adolescentes, bem como da atuação de uma possível rede de exploração (em uma destas festas a polícia foi acionada e adolescentes foram encontradas com documentação falsa). Na visão da rede, estes locais, por serem propriedades particulares, tornam-se “adequados” para abrigarem o fenômeno, uma vez que as boites e os prostíbulos da cidade são freqüentemente fiscalizados.

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Finalmente, o fenômeno da exploração tem ocorrido no entorno do município, principalmente nos municípios de Delta e Conquista. Nos meses de colheita da cana-de-açúcar, há grande movimento imigratório de homens – em sua maioria, jovens e solteiros – de várias partes do Brasil. Tal evento tem acarretado, além da exploração, a gravidez precoce e incentivado o tráfico de pessoas, sobretudo de meninas adolescentes.

Teófilo Otoni Abuso sexual Também em Teófilo Otoni, os locais de moradia (obtidos nos poucos registros) das vítimas de abuso sexual foram plotados no mapa situando-se em locais de média e alta vulnerabilidade social. No mesmo sentido, a rede em Teófilo Otoni identificou os bairros pobres e a zona rural do município como aqueles que concentram o maior número de ocorrências do abuso sexual.

Exploração sexual Os pontos de exploração sexual concentram-se na região Central da cidade e nas proximidades do cruzamento da BR-116 com a MG-217 (naturalmente, regiões de baixa vulnerabilidade social: ver Mapa 2 em anexo). No centro, estes pontos seguem ao longo da rua Francisco Sá, avenida Alfredo Sá, Praça da CEMIG (região conhecida historicamente como ponto boêmio e de prostituição da cidade), Praça Tiradentes e imediações, em alguns bares, lanchonetes (algumas com casas ao fundo, cujos quartos são alugados para fins de prostituição). A praça próxima ao Batalhão da PMMG e da BR-418 também foi indicada como local onde as “meninas fazem ponto”.22 Na percepção da rede, o local de procedência de meninas exploradas sexualmente concentra a população mais carente da cidade,

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em especial os bairros Pindorama e Boiadeiros. Foi identificada como foco de exploração pela rede como um todo a região do Vale do Mucuri. Também apontaram a exploração ocorrida nas rodovias, em particular na BR-116, postos de gasolina e restaurantes ao longo desta. Foram mencionadas cidades como Cruzeiro, Campanário, Águas Formosas, Novo Oriente, Mucuri e Mucurizinho (distrito de Teófilo Otoni), não em toda BR-116, mas nos perímetros urbanos onde há iluminação e o tráfego circula em menor velocidade. As redes de atendimento e de defesa fizeram menção às regiões das favelas (Pindorama, Boiadeiros), bairro São Jacinto, Palmeiras e Eucaliptos e apontaram a existência, nestes locais, da exploração sexual associada ao tráfico de drogas. Por fim, foram georeferenciados os principais pontos de exploração na BR-116, no trecho entre Teófilo Otoni e Itaobim, em viagem realizada com a Polícia Rodoviária Federal. Postos de gasolina, hotéis e restaurantes, que funcionam como “ponto de encontro” entre as prostitutas adultas ou adolescentes e os viajantes, em sua grande maioria caminhoneiros, foram identificados em Mucurizinho (distrito de Teófilo Otoni), Padre Paraíso, Mucaia, Mucuri, Rio Pretinho, Catuji, Ponto dos Volantes, Itaobim, Medina, Comercinho até Divisa Alegre, já na fronteira com a Bahia. (Mapa 3 em anexo)

Itaobim Abuso e exploração sexual A identificação da localização do fenômeno do abuso e da exploração sexual em Itaobim só foi possível a partir da percepção da rede. A ocorrência do abuso foi relacionada à zona rural, e São Jorge foi apontado como o local de maior procedência dos casos. Quanto à exploração sexual, a Rio-Bahia (ou BR-116) apareceu em todas as falas como um ponto de concentração, não em todo o seu trecho, mas em alguns locais, como próximo às mangas – há grandes

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esculturas de mangas que são o símbolo da cidade – e nos postos de gasolina, onde há também hotéis e restaurantes. Especialmente em relação à exploração, a maioria das falas referiu-se antes a um ouvir falar do que a uma pontuação objetiva do fenômeno, e os bairros indicados foram: São Cristóvão, Santa Helena, Esperança e Vila Nova, todos, à exceção deste último, localizados próximo à BR-116 e considerados de muita pobreza. Foi feita referência à existência de Casas de Homens – locais para onde se dirigem as meninas e prostitutas – na zona rural e em Medina, comarca que abarca Itaobim, criadas em decorrência da instalação do Programa Luz Para Todos do Governo Federal. Aqui também a exploração sexual infanto-juvenil acompanha a prostituição e cumpre um ciclo geracional envolvendo avó, mãe e filha, respectivamente prostituídas e exploradas.

Considerações finais Os resultados obtidos na caracterização dos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim, de acordo com dados secundários, mostram uma enorme variação no tamanho, nos índices econômicos e de qualidade de vida dos três municípios. Contudo, apesar das diferenças, verificam-se semelhanças naqueles aspectos que predispõem a ocorrência do abuso e exploração sexual: vulnerabilidade social, localizada especialmente ao longo das rodovias e entroncamentos; evasão escolar; internação por gravidez nas faixas etárias entre 15 e 19 anos; aumentos das taxas de crimes, sobretudo a partir de 2000 e, especialmente, contra o patrimônio; aumento do uso e tráfico de drogas e de sua repressão; bem como a existência de fatores de risco locais, tais como festa de negócios (Expo Zebu, em Uberaba, e Feira de Pedras Preciosas, em Teófilo Otoni), garimpos, instalação de programas de governo (como o Luz Para Todos), dentre outros.

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Apesar de sua reduzida visibilidade, as características do fenômeno do abuso, identificadas nos três municípios, inserem-se nos padrões destas ocorrências encontrados em outros estudos, nacionais e internacionais (Vargas, 2004). Os homens são invariavelmente os agressores e identificam-se dois perfis para as vítimas: um mais freqüente, da vítima muito jovem abusada por pessoas muito próximas, na maioria das vezes, parentes (pais, padrastos ou outro familiar); e outro, da vítima adolescente abusada mais freqüentemente por conhecidos, e também por parentes e por desconhecidos. Boa parte dos abusos, especialmente das mais jovens, ocorrem na própria residência da vítima, oriunda, assim como o agressor, de bairros mais vulneráveis socialmente. Contudo, é necessário relativizar estes resultados e considerar que o público da rede de enfrentamento é, em sua maioria, originário das regiões menos favorecidas (a profecia que se realiza). Pressupõe-se, assim, que o abuso sexual não se restringe às camadas populares, mas a sua visibilidade é maior nestas camadas, já que as famílias de classe média e alta procurariam outras formas de resolução e tratamento do caso. Do ponto de vista da sua notificação, o fenômeno da exploração sexual ainda é mais invisível, pouco aparecendo nos registros dos CTs (Conselhos Tutelares). Assim, possíveis perfis da vítima e padrões de ocorrência do fenômeno foram obtidos a partir da percepção da rede e do trabalho realizado em campo. Um padrão recorrente nos três municípios é a exploração às margens de rodovias, de vítimas oriundas de famílias muito pobres por caminhoneiros. Um outro padrão é a exploração decorrente de movimentos migratórios de homens no garimpo, cana-de-açúcar, programas federais, ou, ainda, da concentração de homens em festas de negócios. Em Uberaba, além destes dois padrões, identificou-se a exploração em festas realizadas em propriedade particular e prostíbulos de luxo. A associação entre exploração e

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prostituição é evidente nos três municípios e, em Itaobim e na região em seu entorno, concretiza-se em ciclo geracional: avó, mãe, filha. Também a associação da exploração e do mercado de sexo com o mercado de uso e tráfico de drogas foi estabelecida (muito embora precise ser melhor compreendida) para Uberaba e, em menor medida, para Teófilo Otoni. Semelhanças, mas também diferenças na configuração da exploração sexual nos três municípios incitam algumas reflexões. Em um mundo social onde prevalecem os valores do mercado sobre os da escola ou da família, crianças e adolescentes são cooptadas para o mercado do prazer. As mais desfavorecidas, originárias dos bairros e dos municípios mais pobres, são desguarnecidas de valores alternativos, até mesmo daqueles oferecidos pela família. Embora o mercado do prazer permaneça restrito e reservado (chácaras) quando seus consumidores são “homens de bem”, este vem ganhando visibilidade (pista, margens de rodovia) e incitando a reação do poder público no desenvolvimento de políticas de enfrentamento ao fenômeno tais como: blitz educativas, campanhas, Serviço Sentinela, o próprio PAIR, dentre outros. Se a não notificação do abuso e da exploração sexual, porta de entrada da reação, deve-se principalmente às dificuldades decorrentes da não denúncia e da caracterização desses crimes, há que se considerar também o despreparo e desarticulação da rede ou a adoção de estratégias diferenciadas evitando o registro e a estigmatização da vítima (Itaobim). Tais fatores se revelam na incidência e qualidade dos parcos registros existentes, impossibilitando dimensionar o fenômeno e, assim, atuar sobre ele. Em todos os três municípios o SIPIA não é utilizado atualmente, o que dificulta um melhor conhecimento da situação para o embasamento de políticas públicas de enfrentamento municipais, estaduais ou federais.

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Notas 1

Este texto foi elaborado a partir de pesquisa que resultou nos relatórios técnicos do Diagnóstico do PAIR/MG, nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. Participaram da sua elaboração: CRISP/UFMG – pesquisadores: Klarissa Silva (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento de dados secundários e de campo, análise de entrevista, elaboração do relatório, divulgação dos resultados), Cristiane Torisu (análise de entrevista, elaboração do relatório), Frederico Marinho (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento bibliográfico e de dados secundários, elaboração do relatório, divulgação de resultados), Bráulio Silva (georeferenciamento, índice de vulnerabilidade social), Keli de Andrade (análise de entrevista, elaboração do relatório). Estagiários: Analice Mateus, Lívia de Oliveira, Mateus Reno. Programa Pólos de Cidadania/UFMG – pesquisadora: Marisa Lacerda (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento de dados de campo, análise de entrevista, divulgação dos resultados). Estagiária: Hanna Fux. Em Uberaba, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – professoras: Helena Hemiko Iwamoto e Sybelle de Souza Castro Miranzi (elaboração dos protocolos de pesquisa, mobilização da rede local, levantamento de dados de campo, divulgação dos resultados). Estagiárias: Fernanda Gonçalves, Michele Araújo, Letícia Apolinário e Tarin Kamikabeya. Em Teófilo Otoni, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – professor: Ricardo Silvestre da Silva (levantamento de dados de campo). Estagiária: Ana Luiza Cunha. Da Faculdade Doctum – aluno: Heverton Leite. Em Itaobim, da IESFATO – Patrike Chaves (levantamento de dados de campo).

2

Tal como a Comissão Parlamentar sobre a Prostituição Infantil do Norte de Minas Gerais, realizada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em 1995.

3

Para mais detalhes sobre os relatórios do Diagnóstico PAIR/MG nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim, visitar o site do CRISP (www.crisp.ufmg. br), onde constam também mais informações acerca de pesquisas sobre violência, criminalidade, segurança pública e direitos humanos, dentre outros assuntos.

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Nossos agradecimentos à Pró-Reitoria de Extensão da UFMG: Ângela Dalben – Pró-Reitora; Paula Vianna – Pró-Reitora Adjunta; à equipe de Coordenação do PAIR/MG, da Pró-Reitoria de Extensão: Edite Cunha, Eduardo Moreira e Lucas Schettini; ao Coordenador Geral do CRISP: Claudio Chaves Beato Filho; à equipe do CRISP, pelo apoio e sugestões. Em especial: em Uberaba, Marcos Genari; em Itaobim, Glaziane e Lia; em Teófilo Otoni, os inspetores da Polícia Rodoviária Federal, Ricardo, Urlênio e Hans Nick. A todos os entrevistados, atores da rede de enfrentamento ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e de proteção aos direitos da criança e do adolescente dos três municípios, principalmente aos Conselheiros Tutelares (e ao CREAS de Uberaba) que permitiram o acesso e coleta dos dados registrados.

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Para analisarmos os dados coletados, utilizamos softwares adequados a cada metodologia. Para a análise de conteúdo das entrevistas estruturadas e dos grupos focais, usamos o NUDIST, versão 6.0. Para a tabulação das respostas dos questionários, usamos o SPSS, versão 14.0. Por último, para georeferenciar os pontos de prostituição, de drogaditos, as sedes das instituições componentes da rede e demais informações mapeadas, usamos o MAPINFO, versão 6.5. Desta forma, garantimos a confiabilidade das análises aqui empreendidas e, conseqüentemente, dos resultados aqui encontrados.

6

Esse indicador é resultado da metodologia utilizada pela Fundação SEADE do estado de São Paulo para a construção do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. Ele parte de dois pressupostos. Primeiro, de que as múltiplas dimensões da pobreza precisam ser consideradas e, assim, buscou-se agregar aos indicadores de renda outros referentes à escolaridade e ao ciclo de vida familiar. Segundo, de que a segregação espacial, fenômeno presente nos centros urbanos, contribui decisivamente para a permanência dos padrões de desigualdade social. Isso levou à utilização de um método de identificação de áreas de acordo com os graus de vulnerabilidade de sua população residente, gerando um instrumento de definição de áreas prioritárias para o direcionamento de políticas públicas. Para tanto, entendeu-se que os resultados precisavam ser fortemente detalhados do ponto de vista espacial, de forma a permitir o desenho de ações locais focalizadas, especialmente por parte do poder público municipal.

7

Ver Fundação João Pinheiro, Atlas do desenvolvimento humano no Brasil, 2000.

8

Fonte: SIA/SUS – 2003.

9

As informações utilizadas para a construção do Índice de Vulnerabilidade Social no município mineiro de Uberaba são provenientes do Censo Demográfico – 2000, detalhadas por setor censitário. Adotou-se um Sistema de Informação Geográfica (SIG), para que os setores censitários urbanos fossem tratados e representados em cartografias temáticas. (Fonte: IBGE – 2000/CRISP-UFMG.)

10

Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais – tratamento CRISP-UFMG.

Fonte: Polícia Civil de Minas Gerais/ CRISP-UFMG.

11

12

Fonte: Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Fundação João Pinheiro/PNUD/ IBGE.

13

Fonte: IBGE (2006). Ensino/Matrículas/Docentes/Rede Escolar.

14

Fonte: Polícia Civil de Minas Gerais/ CRISP-UFMG.

15

Fonte: IBGE (2006). Ensino/Matrículas/Docentes/Rede Escolar.

16

O IDH é calculado a partir de outros três índices – o IDH-Educação, o IDH-Renda e o IDH-Longevidade.

17

Ver Sistema Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil 0800-99-0500/ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência). A partir de 2006, a mudança do número do telefone para

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100 buscou simplificar o canal de denúncias, facilitando a memorização dele por parte da população. 18

Em 2007, foram registradas em Minas Gerais 485 denúncias de exploração sexual infanto-juvenil e 595 denúncias de abuso sexual via disque 100. Foram recebidas, nesse mesmo ano, 14 denúncias de exploração sexual para Uberaba, 1 para Teófilo Otoni e 2 para Itaobim. Para abuso sexual, foram categorizadas 32 denúncias em Uberaba, 5 em Teófilo Otoni e 1 em Itaobim pelo disque 100, em 2007. (Fonte: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República/Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, data de atualização dos dados 11/11/2007.)

19

Entende-se por “drogaditos” crianças e adolescentes envolvidos em casos de drogadição, ou seja, que tenham sido encontrados usando ou portando algum tipo de drogas.

20

O Creas se disponibilizou a fazer o levantamento de dados ali registrados de acordo com o nosso modelo de coleta de informações. Identificamos os casos que se repetiam nas duas bases e agregamos os dados vindos das duas fontes.

21

O Sistema de Posicionamento Geográfico (GPS) é um instrumento utilizado para localização via satélite das coordenadas geográficas de determinados pontos territoriais.

22

Durante a pesquisa de campo, pudemos observar quatro meninas “subindo na boléia de um caminhão” nessa rodovia. Neste mesmo dia, também um pouco mais tarde, por volta da 1 hora da madrugada, uma adolescente de 15 anos, grávida, foi apreendida pela Polícia Militar em um bar da região central portando crack e “fazendo ponto”.

Referências BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Relatório descritivo da pesquisa do perfil organizacional das Delegacias Especializadas da Criança e do Adolescente, 2004. Divulgação: março 2006. BRASIL. Ministério da Justiça/SEDH/SIPIA. Sistema de informação para a infância e adolescência. Manual SIPIA. 5. ed. Brasília: Ed. Primeiros Passos, 2001. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça. Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990. FALEIROS, Eva T. Silveira; CAMPOS, Josete de Oliveira (Org.). Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Brasília: CECRIA/MJ-SEDH-DCA/FBB/UNICEF, 2000.

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FALEIROS, Vicente de Paula; FALEIROS, Eva T. Silveira (Coord.). Circuitos e curtos-circuitos no atendimento, defesa e responsabilização do abuso sexual contra crianças e adolescentes no Distrito Federal. Brasília: CECRIA, 2002. FALEIROS, V. Redes de exploração e abuso sexual e redes de proteção. In: IX CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS. Goiânia, jul. Anais..., v. 1, p. 267-271. 1998. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Belo Horizonte, 2000. LEAL, Maria Lúcia Pinto. A exploração sexual comercial de meninos, meninas e adolescentes na América Latina e Caribe. 2. ed. Brasília: CECRIA, jul. 1999. LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima. Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial. Brasília: PRESTAF, 2002. MATOS, Marlise et al. Avaliação do Programa Sentinela. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM/UFMG)/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Brasília, 2005. MINAS GERAIS. Lei Complementar do Estado de Minas Gerais, n. 59/2001. NAPPO, S. A. et al. Comportamento de risco de mulheres usuárias de crack em relação às DST/AIDS. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 2004. PAGANO, S. M. Turismo sexual envolvendo menores em Recife: evolução, características e estrutura de combate – 1999 a 2003. Concurso Nacional de Pesquisas Aplicadas em Justiça Criminal e Segurança Pública. Relatório final. Brasília: Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2006. SENNA, Ester; KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães (Org.). Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes e tráfico para os mesmos fins. Brasília: organização internacional do trabalho – OIT, 2005. SIPIA/MJ. www.mj.gov.br/sipia UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Programa Pólos de Cidadania. Projeto criança e adolescente em situação de risco: geração de renda como alternativa de prevenção à exploração sexual – Médio Vale do Jequitinhonha: “Projeto 18 de Maio”. Relatório. Belo Horizonte, 2006. VARGAS, J. D. Crimes sexuais e justiça criminal. São Paulo: IBCCRIM, 2000. VARGAS, J. D. Estupro: que justiça? Fluxo do funcionamento e análise do tempo da justiça criminal para o crime de estupro. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2004. Disponível em: .

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Anexos

mapa 1

Pontos de prostituição (exploração sexual infanto-juvenil) sobrepostos ao índice de vulnerabilidade social – Uberaba

fonte - IbGE, 2000/CrISP/UfmG. Trabalho de campo.

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Mapa 2 Pontos de prostituição (exploração sexual infanto-juvenil) sobrepostos ao índice de vulnerabilidade social – Teófilo Otoni Fonte - IBGE/CRISP/Programa Pólos de Cidadania-UFMG. Levantamento de campo.

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Mapa 3 Regionalização da exploração sexual no trecho da BR-166 entre Teófilo Otoni e Itaobim Fonte - CRISP/Programa Pólos de Cidadania-UFMG. Levantamento de campo.

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J o a n a d om i n gu e s vargas K l a ri s s a a l m e i d a s i lva

DIAGNÓSTICO de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim A rede de proteção1

Introdução O artigo 862 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que define o trabalho em rede, é a referência metodológica do PAIR. Assim, para além da descrição das características do fenômeno nos municípios selecionados, entendeu-se ser necessário o conhecimento e a caracterização da rede de enfrentamento local. A ação pública na área da infância e da juventude, desde 1990, tem por referência o ECA, que estabelece uma série de disposições para prevenir e controlar as violações dos direitos e proteção deste público. Em consonância com a Constituição Federal de 1988, o ECA descentraliza a ação, agora de competência não apenas da União ou do Estado, mas principalmente do Município, e postula que esta deve se dar de forma coordenada entre organizações governamentais e não-governamentais. A ação conjunta de organizações do Estado e da sociedade com responsabilidade compartilhada e negociada – a ação em rede – tornou-se paradigma nas políticas públicas. A rede é concebida como uma aliança de atores/forças, num bloco de ação, ao mesmo tempo,

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político e operacional. Também é vista como mecanismo de gestão democrática, por compartilhar o poder de decisão entre os atores, pela interação comunicativa, pela transparência das propostas e avaliação coletiva (Faleiros, 1998: 1). Quando se trata de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes identificam-se três tipos de redes, cada uma caracterizada pela função singular a ser exercida. São elas: a rede de responsabilização, a rede de defesa dos direitos e a rede de atendimento. A rede de responsabilização é composta pelas Delegacias de Polícia, Delegacias Especializadas (de Proteção à Criança e ao Adolescente, e da Mulher), Instituto Médico Legal, Varas Criminais, Vara da Criança e do Adolescente ou da Infância e Juventude, Delegacia da Criança e do Adolescente e Ministério Público. Tem como função responsabilizar judicialmente os autores de violações de direitos, proteger a sociedade, fazer valer a lei. Também pode determinar como pena o atendimento ao réu. A rede de defesa dos direitos é composta pelos Conselhos Tutelares, Varas da Infância e da Juventude, Ministério Público, Defensoria Pública e Centros de Defesa. Tem a função de defender e garantir os direitos de todos os implicados na situação de violência sexual notificada, protegendo-os de violações a seus direitos. Para tal, tem o poder de, com força da lei, determinar ações de atendimento e de responsabilização. A rede de atendimento é composta pelas instituições executoras de políticas sociais (de saúde, educação, assistência, trabalho, cultura, lazer, profissionalização), de serviços e programas de proteção especial, bem como por organizações não-governamentais (ONGs) que atuam nestas áreas. Suas atribuições: dar acesso a direitos, a políticas sociais de proteção, prestar serviços, cuidar e proteger. Deve dar cumprimento a determinações oriundas das redes de

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defesa de direitos e de responsabilização, bem como prestar-lhes informações (Senna; Kassar, 2005). A metodologia adotada para caracterizar a rede nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim partiu da identificação das instituições por meio de questionários aplicados aos seus integrantes presentes na etapa de mobilização do PAIR, os quais indicaram outras instituições e agentes que lidam com a temática da violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Tal estratégia metodológica teve por objetivo abarcar o maior número possível de instituições nos municípios. Foram remetidos às instituições questionários estruturais auto-respondidos. Em Uberaba, foram realizadas 8 entrevistas semi-estruturadas com integrantes da rede de atendimento e 8 entrevistas com os da rede de defesa e responsabilização. Especificamente neste município foram feitos dois grupos focais, sendo um com componentes da rede de atendimento e outro com atores das redes de defesa e responsabilização. Buscou-se, com isso, colocar em debate certos tópicos relevantes à discussão proposta pelo Diagnóstico. Em Teófilo Otoni, foram feitas 11 entrevistas semi-estruturadas, sendo 5 com agentes da rede de atendimento e 6 com os da rede de defesa e responsabilização. Em Itaobim, foram realizadas ao todo 11 entrevistas semi-estruturadas, 6 com agentes da rede de atendimento e 5 com os da rede de defesa e responsabilização. Para proceder à comparação do funcionamento teórico-ideal (previsto no ECA e nos Códigos Penal e do Processo Penal) e real da rede, bem como averiguar a intensidade e freqüência (rotina) das relações entre os componentes da rede, foram empregados dois instrumentos metodológicos específicos. O primeiro consistiu na apresentação ao entrevistado do diagrama ideal de encaminhamento no fluxo de responsabilização civil e criminal e questioná-lo

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sobre se este corresponde ao fluxo real empreendido pela rede em seu município. Tal diagrama mostra dois tipos possíveis de encaminhamentos – o civil e o criminal (ver Fluxo de Encaminhamento, em anexo). No segundo caso, solicitou-se ao entrevistado que preenchesse um modelo de diagrama de rede (ver Fluxograma Conselho Tutelar de Uberaba, em anexo). Este preenchimento consistia em localizar a instituição da qual fazia parte no centro, interligando-a a outras instituições com as quais se trocavam informações. As ligações eram feitas por meio de setas que indicavam o caminho desta troca, ou seja, se as informações eram apenas enviadas por ele ou apenas recebidas ou, ainda, enviadas e recebidas. Por meio da análise desses dois materiais foi possível não somente descrever o funcionamento das redes de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim, mas conhecer o grau de articulação entre as instituições componentes. Este texto abordará a percepção da rede sobre os seguintes aspectos: conceito de rede, funcionamento e interação dos componentes da rede, problemas e desafios do trabalho em rede.

Percepção da rede sobre “rede” Nesta seção objetiva-se averiguar em que medida o conceito de “rede” encontra-se interiorizado no discurso da rede. Acredita-se que este empreendimento é necessário para se verificar, nos próximos tópicos, se tal conceito vem alterando a realidade daqueles que compõem a rede, especialmente no enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil ou, ao contrário, permanece como conceito típico-ideal distante da realidade e da prática dos integrantes da rede de proteção.

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Nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim prevalece entre os integrantes da rede uma concepção de rede entendida como interações entre instituições governamentais e não-governamentais permitindo trocas de informações, bem como responsabilidades e poder de decisão compartilhados. Para as instituições uberabenses, o trabalho em rede permite a superação de fragilidades individuais, bem como a eleição de objetivos comuns como forma de fortalecimento da atuação da rede no enfrentamento da violência sexual. Também possibilita o preenchimento de uma lacuna deixada pelo poder público – federal, estadual, municipal – quando do enfrentamento do problema. Já em Teófilo Otoni, a conexão das instituições deve propiciar a socialização das informações sobre os casos atendidos e, ao mesmo tempo, preservar a identidade e papel de cada instituição no enfrentamento da violência sexual. A metáfora de teia de fios entrelaçados foi utilizada em Itaobim para definição de rede e entendeu-se que esta resulta no empoderamento, quando da atuação contra a violência e exploração. Vislumbrou-se uma troca constante de informações e experiências e não apenas restrita a casos específicos e urgentes. Verifica-se, pois, que o discurso dos agentes das instituições que compõem a rede de enfrentamento nos três municípios aproxima-se muito das definições teóricas sobre rede e sobre o trabalho em rede, indicando a sua interiorização. Caberia então perguntar se esta maneira de ver e fazer ver (Bourdieu, 1987) a rede e o trabalho em rede tem conseguido se impor na prática da atuação das redes locais. Para responder a esta questão propõe-se, a seguir, explorar o funcionamento da rede de enfrentamento a partir da descrição do seu fluxograma teórico e de sua realização prática em cada município.

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Funcionamento da rede Um dos objetivos desta pesquisa é identificar como se dá o percurso da notificação, do atendimento e da responsabilização empreendido na rede de enfrentamento da violência sexual contra criança e adolescente. Este percurso, do ponto de vista teórico, ocorre no interior dos três tipos de rede, anteriormente classificadas, que agora podem ser vislumbradas como fluxos: o Fluxo da Defesa de Direitos, o Fluxo da Responsabilização e o Fluxo do Atendimento. Não obstante a necessidade didático-metodológica de distinguir esses três fluxos, principalmente no que se refere à elaboração dos instrumentos de pesquisa, destaca-se a sobreposição dos mesmos. Ou seja, na prática, algumas instituições podem atuar em mais de um dos três tipos de fluxos, a exemplo do Ministério Público. Neste sentido, como já observado, a responsabilização deve ocupar-se do processo legal, da violação da lei, da sanção. Já o atendimento ocupa-se com as pessoas, com a dor e o dano e, finalmente, a defesa de direitos deve centrar-se na proteção e garantia da cidadania (Senna; Kassar, 2005). Nas situações concretas, estas redes são mobilizadas e devem atuar articuladamente para garantir a resolubilidade da violência sexual quando apreendida a partir da notificação. A revelação pública de uma violação sexual infanto-juvenil (que pode se dar nos serviços de saúde, escolas, disque denúncia etc.) deve, para prosseguir no fluxo, materializar-se na notificação. São portas de entrada da notificação da ocorrência: os Conselhos Tutelares, a Vara da Infância e da Juventude (onde não houver Conselho Tutelar), a Promotoria e as Delegacias de Polícia. Após a notificação são previstos dois tipos de encaminhamento: o civil, que pode ser iniciado pelo Conselho Tutelar requisitando serviços públicos na área de assistência social, na área de saúde,

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educação, esporte. Ou principiado pelo Ministério Público solicitando a guarda de uma criança que precisa ser retirada da família ou, ainda, pelo Juizado da Infância e da Juventude autorizando-a. Já o encaminhamento criminal segue no fluxo com a realização do exame de conjunção carnal pelo Instituto Médido Legal (IML), a investigação na Polícia Civil, a denúncia dos envolvidos no aliciamento ou no abuso oferecida pelo Ministério Público e sua apreciação pelo Juiz da Vara Criminal. Ressalta-se que a ação penal para esses casos depende necessariamente da autorização da vítima ou de seu representante legal (exceto quando o agressor é tutor ou responsável legal por esta, ou que o fato tenha resultado em morte ou lesão grave). Com a denúncia, inicia-se o processo e segue-lhe a instrução criminal, que consiste de vários ritos em que são ouvidos réus e testemunhas e em que se manifestam o Ministério Público e a Defesa. Ao final, o juiz pronuncia-se por meio da sentença (ver Fluxo de Encaminhamento, em anexo). Encerrada a descrição do fluxo teórico de encaminhamento, far-se-á, a seguir, a descrição do funcionamento real da rede nos municípios selecionados, de maneira a contrapô-lo ao funcionamento previsto.

Uberaba Em Uberaba, comarca de entrância especial,3 a notificação dos casos de abuso e exploração sexual é centralizada no Conselho Tutelar. Mesmo quando a denúncia é feita diretamente ao Ministério Público ou ao Juizado da Infância e Juventude ou, ainda, a outros órgãos, esta é encaminhada ao Conselho Tutelar para que os procedimentos iniciais sejam cumpridos. O fluxo de encaminhamento criminal inicia-se no Conselho Tutelar. Este repassa a denúncia à Promotoria da Infância e Juventude (Ministério Público) que encaminha o caso à Polícia Civil (invertendo, pois, a

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ordem do fluxograma ideal-típico). Tal procedimento é justificado pelos agentes da rede em vista da competência da Promotoria de proceder à filtragem dos casos, estando assim mais qualificada para identificar corretamente o tipo de ação penal adequada para se acionar a Justiça. Além disso, também se vislumbra que uma demanda enviada à Delegacia ou à Vara Criminal referendada pela Promotoria estaria mais respaldada. Essa ação mediadora do Ministério Público se deve, ao que parece, à personalidade atuante e reconhecida do antigo Promotor da Infância e Juventude que no município. Cabe ressaltar que a forma de encaminhamento dado aos casos reflete-se na natureza da interação entre as instituições da rede. Neste caso, salienta-se que, em razão da intermediação do Ministério Público, há falta do contato direto do Conselho Tutelar com o Juizado da Infância e Juventude e com a Vara Criminal (sendo este feito apenas via papel) inviabilizando ações conjuntas destas instituições. Esta observação foi corroborada com as informações obtidas no diagrama da rede (ver Fluxograma Conselho Tutelar de Uberaba). Quanto ao encaminhamento civil, este é iniciado em Uberaba pelo Conselho Tutelar e pelo CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), que recebem os casos de violação dos direitos da criança e do adolescente denunciados pela comunidade. Estas instituições buscam estabelecer diversas parcerias, tais como as Secretarias de Esporte, Educação, Saúde e ONGs em geral, para onde as crianças e adolescentes são encaminhados e atendidos através de programas, como o Agente Jovem, cujo foco é o protagonismo juvenil. No diagrama da interação da rede, a relação do CREAS com o Conselho Tutelar foi percebida como muito alta. O CREAS em Uberaba fornece apoio psicológico, de assistência social e jurídico,

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desenvolve trabalho preventivo e pró-ativo, no caso da exploração sexual, fazendo abordagem de rua (trata-se de “blitz” realizada em conjunto com o comissariado), o que indica uma interação desta instituição mais efetiva com o Juizado. Também vale ressaltar que o CREAS é a instituição de maior contato com escolas, tendo em vista o trabalho de prevenção e divulgação que realiza junto a estas.

Teófilo Otoni A comarca de Teófilo Otoni é de segunda entrância e, por isso, conta com Promotoria e Vara da Infância e Juventude. Tais órgãos da Justiça são dotados de profissionais como psicólogos e assistentes sociais. Quando as denúncias de casos de abuso e exploração sexuais infanto-juvenis são remetidas a esses órgãos, o encaminhamento civil é feito para o Programa Sentinela (para seu acompanhamento e monitoramento), para a Casa Ninho (que procede ao atendimento e abrigo) ou para a APJ (Aprender Produzir Juntos, entidade filantrópica cujo objetivo é ensinar ofícios aos jovens). Não raro os atendidos pela Casa Ninho são também encaminhados à APJ. Em geral, o encaminhamento criminal inicia-se com as denúncias remetidas aos Conselhos Tutelares Norte e Sul para lá serem notificadas. Entretanto, não raro os casos chegam diretamente à Delegacia que o repassa ao Programa Sentinela enquanto procede às investigações. Também não é incomum que o Ministério Público, por meio da Promotoria da Infância e Juventude, faça a notificação e inicie a ação a ser apreciada e julgada pelo Juiz da Vara Criminal. Assim, nestes casos, a notificação não é registrada no Conselho Tutelar. No diagrama das interações, salienta-se a comunicação entre o CT e outras instituições realizada somente via papel (a que mais nos chama atenção é a dos Conselhos Tutelares com o Programa Sentinela). O contato dos Conselhos Tutelares com o Juizado e, especialmente, com a Vara Criminal foi muito baixo. Nestes casos, como

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ressaltado, o contato com o Juiz Criminal é feito via Promotoria (ver Fluxograma Conselho Tutelar Norte de Teófilo Otoni e Fluxograma Conselho Tutelar Sul de Teófilo Otoni, em anexo).

Itaobim Itaobim pertence à Comarca de Medina, de primeira entrância, constituída de uma Vara Única. O fluxo de encaminhamento civil e criminal neste município apresenta característica singular, visto que, em geral, é feito diretamente por uma ONG específica – a Casa da Juventude, entidade mais atuante no município quanto à violência contra criança e adolescente –, à Vara Única da Comarca de Medina. Recebida a comunicação da violação, o juiz encaminha o caso para o Ministério Público, com sede também em Medina, para oferecer denúncia e, em seguida, dar início à instrução criminal e julgamento do caso. Tal procedimento também é revelado no diagrama de interação da rede que mostra o quão intenso é o contato desta ONG com a Vara e com o Ministério Público, e a escassez deste mesmo contato com o Conselho Tutelar (ver Fluxograma Conselho Tutelar de Itaobim, em anexo). A partir do cotejamento das descrições teórica e real dos fluxos de procedimento da rede de enfrentamento nos três municípios em estudo, observa-se que a realidade enseja adaptações e aplicações diferenciadas da proposição ideal. Tais adaptações são decorrentes de fatores como as características de cada município (tamanho, estrutura jurisdicional, complexidade da rede etc.) e as características do fenômeno (dificuldade de denúncia e de caracterização, dentre outros). Mesmo considerando que as decisões no fluxo de funcionamento são tomadas de acordo com cada caso, ressalta-se que estas não se institucionalizaram tornando-se procedimentos de rotina aplicáveis

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a todos os casos. Observou-se, nos três municípios, forte personalização das relações na atuação da rede. Trata-se de questão complexa, pois a personalização, de um lado, pode facilitar a comunicação, ação e a resolubilidade dos casos, mas, de outro, o modus operandi adotado pelos agentes envolvidos pode se esvair com a transferência ou ausência de um destes responsáveis. Verifica-se, assim, quanto à interação da rede na resolubilidade dos casos para os três municípios que, não poucas vezes, são efetuadas ações conjuntas entre dois ou mais agentes ou instituições. Contudo, estas ações conjuntas não se institucionalizaram em procedimentos padrões. Foram observadas estratégias mais dinâmicas (Itaobim) e mais formais (Uberaba e Teófilo Otoni) de atuação no enfrentamento da violência sexual. Contudo, nem uma nem outra conseguem envolver a rede como um todo, restringindo, assim, as possibilidades de seu empoderamento. A não notificação no Conselho Tutelar observada em larga medida em Itaobim (pois é prática premeditada que visa proteger a vítima e sua família da estigmatização) e em menor medida em Teófilo Otoni tem por conseqüência impedir a visibilidade do fenômeno. Isto porque priva o Ministério da Justiça de informação sobre a questão, quando da alimentação do Sistema de Informação para a Infância e a Adolescência (SIPIA), banco de dados elaborado exatamente para este fim e, em conseqüência, prejudica o embasamento de políticas públicas, conforme já mencionado no texto “diagnóstico de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim: caracterização, visibilidade e localização do fenômeno”. Uma vez identificados os procedimentos adotados pelas redes nos três municípios, torna-se complementar identificar os problemas e desafios advindos dessas formas de atuação. É o que se propõe na próxima seção.

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Problemas e desafios da rede no enfrentamento da violência sexual Nesta seção serão apresentados os problemas e desafios apontados pelas redes de proteção no enfrentamento ao fenômeno da violência sexual em Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim.

Caracterização do fenômeno da violência sexual Problemas recorrentemente assinalados são aqueles gerados pela própria caracterização dos fenômenos do abuso e da exploração sexual. Analisando a percepção da rede sobre estes fenômenos, foi possível observar nos três municípios pontos bastante convergentes. Um deles é o limite tênue entre uma e outra forma de violência. Inúmeras vezes foi salientado que a adolescente explorada apresenta uma história de abuso sexual. Neste caso, as vítimas são identificadas como crianças e os agressores são homens cujas relações com elas são muito próximas, sobretudo pais, padrastos, familiares e vizinhos (conforme mostram também os dados apresentados no texto anterior). Na percepção da rede, a diferença entre abuso e exploração residiria então no fato do segundo envolver monetarização da vítima, sendo esta muitas vezes adolescente. Em Itaobim e Teófilo Otoni, a existência do “ciclo geracional” – avó e mãe prostitutas e filha vítima de exploração – mostrou-se como um fator causal muito evidenciado, o que, na percepção dos agentes, dificulta ainda mais a ação das instituições, posto que perpassa uma questão cultural e econômica. No mesmo sentido, outro ponto freqüentemente enfatizado é a “desestrutura familiar”. Fornecida como principal causa ou explicação para ambos os fenômenos, é recorrentemente associada à situação de pobreza em que estas famílias (sobre)vivem e é entendida como um limite estrutural, impossível de ser superado apenas com a atuação da rede.

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Para a rede como um todo, uma das principais dificuldades no enfrentamento da violência sexual é o alto índice de não denúncias. No caso do abuso sexual, este é atribuído a fatores como medo de represálias por parte do agressor (que muitas vezes é o provedor da família) e, também, pela não confiança da comunidade nas instituições da rede. Esta desconfiança pode ser atribuída ao desconhecimento, por parte da sociedade em geral, dos procedimentos adotados para esses casos. Em Itaobim, município de apenas 22.000 habitantes, a não denúncia associa-se ao medo da estigmatização sofrida pela vítima e sua família. Já no caso da exploração sexual, as denúncias não são feitas, segundo a rede em geral, em razão do “desinteresse” por parte da vítima e de sua família – pois, não poucas vezes, o recurso obtido nesta prática sustenta a ambas –, e do medo de represálias por parte do aliciador. Em Uberaba, foi reconhecida a existência de uma rede de exploração muito articulada envolvendo autoridades e pessoas influentes da cidade em oposição à atuação desarticulada da rede de proteção. Para a rede de responsabilização, a dificuldade nestes tipos de crime consiste na obtenção de provas materiais e testemunhais. Foi particularmente enfatizada a dificuldade com o depoimento infantil aliada ao fato de que as vítimas podem sofrer intimidação por parte dos acusados. Também foi salientada a precariedade das provas materiais obtidas em exames e a necessidade de um melhor preparo dos profissionais que estabelecem o primeiro contato com a vítima (médicos, legistas etc.).

Desarticulação e falta de estrutura da rede de enfrentamento A desarticulação da rede pode ser vislumbrada a partir da análise dos diagramas, conjugada à da percepção dos agentes das redes sobre os respectivos funcionamentos. Embora ocorra ação conjunta

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e articulada entre algumas instituições no enfrentamento da violação de direitos e da violência sexual contra crianças e adolescentes, prevalece a falta de conexão e interação da rede como um todo. Na percepção da rede, isto se deve à escassez da troca de informações no que se refere ao retorno dos casos encaminhados e à inexistência de uma definição clara acerca do papel desempenhado pelos agentes institucionais dentro da rede. A conseqüência mais imediata é, de um lado, a sobreposição de funções, e de outro, a ausência de certos serviços. Vislumbra-se, assim, que a falta de conexão entre as instituições tem gerado deficiências no atendimento dado às vítimas e, conseqüentemente, o não aproveitamento do potencial das instituições existentes. Em Uberaba, um dos principais desafios postos pelos atores entrevistados é a promoção de espaços de discussão periódica entre as instituições, incentivando, desta forma, a troca de informações e melhor definição do papel atribuído a cada uma das instituições. Assim também, esforços no sentido de “fechar os casos”, ou seja, solucioná-los de fato, seja pela responsabilização do agressor e/ou com o devido atendimento à vítima, mostram-se como demandas urgentes. Em Teófilo Otoni, foi enfatizada a pouca clareza de definição dos papéis de cada instituição, inclusive para os próprios agentes inseridos na rede. Isso parece implicar a falta de conhecimento dos serviços oferecidos pelas instituições componentes desta rede, por parte da comunidade em geral. Muito deste desconhecimento deve-se à pouca divulgação dos serviços oferecidos. Uma das conseqüências do desconhecimento da existência dos serviços de proteção aos direitos da criança e do adolescente por parte da população é, como vimos, o alto índice de não denúncias, que contribuiu, por sua vez, para a invisibilidade do fenômeno. Assim, sensibilizar a comunidade de forma a tornar a violência sexual contra crianças

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e adolescentes um problema perceptível à população constitui um desafio que visa à diminuição dos altos índices de não denúncias. Entretanto, a questão da visibilidade é complexa e pode acarretar efeitos perversos caso se restrinja a denúncias feitas pela mídia, podendo resultar na estigmatização do município. Prova disto é o desafio que se impõe hoje a Itaobim de superar o estigma gerado pela grande visibilidade nacional dada ao fenômeno da exploração sexual. Outro problema comum aos três municípios refere-se à não inserção efetiva na rede de enfrentamento das escolas e postos de saúde e equipes dos PSFs (Programa Saúde da Família), sobretudo se considera que tais instituições desempenham papel fundamental na identificação das vítimas e situações de violência sexual infantojuvenil. A excessiva burocratização dos procedimentos foi um aspecto problemático salientado pela rede nos três municípios. A burocracia envolvida em alguns encaminhamentos acaba por torná-los demasiado lentos. Em muitas situações, a burocratização dos processos de encaminhamento – envolvendo a elaboração de relatórios e ofícios – acaba por retardar a etapa de atendimento propriamente dito das vítimas e de suas famílias, e também de responsabilização do abusador/explorador, o que tem como efeito, aqui também, o desestímulo às denúncias. O fato de Itaobim pertencer à comarca de Medina traz uma outra implicação que se refere à ausência de Promotoria e Juizado da Infância e Juventude, sendo apenas um promotor e um juiz responsáveis por todos os crimes, de natureza civil ou criminal, registrados em todas as cidades da comarca. Assim, entende-se que a morosidade no âmbito da responsabilização seja um dos problemas enfrentados pela rede de Itaobim, que vem buscando alternativas de resolubilidade dos casos de violência e exploração sexual.

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A falta de estrutura física e de pessoal capacitado (principalmente quando da tomada de depoimento infantil) nas instituições componentes da rede pode ser considerada problema relevante. Não apenas a falta de investimentos por parte dos poderes públicos municipais, sobretudo nas instituições da rede de atendimento, mas também por parte dos governos estadual e federal, nas instituições de defesa e responsabilização, acabam por gerar tal contexto. Apesar de investimentos em programas voltados ao enfrentamento do fenômeno, a efetivação dos mesmos torna-se prejudicada pela falta desta estrutura. A falta de apoio do governo municipal à rede de enfrentamento foi queixa recorrente nos três municípios. No caso dos Conselhos Tutelares, foi salientada a dependência financeira da prefeitura municipal (embora os CTs sejam, de acordo com o ECA, formalmente autônomos). Também comum é o desconhecimento, pela maioria das instituições da rede nos três municípios, da existência do Fundo Municipal da Infância e Juventude, mecanismo instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com a finalidade de gerar recursos para implementação de programas e projetos voltados para os direitos das crianças e adolescentes. Na percepção da rede, as instituições que mais se ressentem da falta de estrutura são as de atendimento às vítimas e, por isso, encontram-se saturadas. A dificuldade em conseguir vagas em alguns serviços de atendimento, como creches e escolas, acaba por impor uma lacuna no processo e impossibilitar a efetividade dos atendimentos oferecidos à vítima. A falta de estrutura é mais visível em Itaobim, onde há escassez de transporte aos conselheiros tutelares para idas freqüentes a Medina, sede da comarca e onde se localizam a Vara Única e o Ministério Público. Também neste município não há casas de abrigo ou acolhida, sendo as vítimas freqüentemente encaminhadas à Casa Ninho de Teófilo Otoni,

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que, por sua vez, recebe vítimas de outros municípios vizinhos e pertencentes à sua comarca. Pode-se pensar que a conseqüência mais imediata disto é a revitimização da criança ou adolescente, que se vê forçada a continuar o convívio no mesmo contexto no qual foi gerada a violação, sem que intervenções sejam direcionadas a este, em tempo hábil. Finalmente, a falta de estrutura e a desarticulação da rede foram mencionadas nos municípios como dificuldades para se enfrentar a regionalização do fenômeno (Itaobim e Teófilo Otoni) e a sua distribuição no território (Teófilo Otoni e Uberaba). Em Uberaba, a dimensão territorial do município parece dificultar as ações da rede, principalmente no que concerne à prevenção dos casos, que terminam restritas à área urbana do município. Também em Teófilo Otoni, a atuação da rede restringe-se à área urbana do município, não incluindo o distrito de Mucuri, que é um dos principais locais de procedência das vítimas. Em Itaobim, a ação na área urbana é agravada pela não interação em nível regional, com redes de proteção dos municípios próximos. Isso permite o deslocamento do fenômeno nesta região. Tal deslocamento ficou conhecido como “fazer o trecho”, ou seja, mulheres e adolescentes saem das cidades – Medina, Padre Paraíso, Ponto dos Volantes, Comercinho, Itaobim, dentre outras – na boleia de caminhão e, posteriormente, retornam com outro caminhoneiro até a cidade de partida.

Comentários finais Este texto teve por objetivo caracterizar a rede de enfrentamento ao fenômeno do abuso e exploração sexuais nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. Para tanto, foram utilizados instrumentos metodológicos que dessem conta de mensurar a

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percepção dos atores das redes acerca do conceito sobre rede, do seu funcionamento, bem como dos problemas e desafios por eles enfrentados. Vislumbram-se semelhanças entre as redes e sua atuação nos três municípios, salvaguardadas as diferenças territoriais, socioeconômicas, demográficas e jurisdicionais. A rede de enfrentamento vem construindo uma identidade própria que pôde ser observada no discurso conceitual sobre rede. Nele, como vimos, o significado atribuído pelos agentes ao trabalho em rede mostrou-se afim com o discutido pela teoria. Entretanto, quando se comparam o discurso e o trabalho prático, percebe-se um distanciamento entre o que se diz e o que se faz. Em geral, as redes trabalham de forma pouco articulada, através de ações reativas e não planejadas, não havendo rotina na troca de informações, principalmente acerca de acompanhamento dos casos encaminhados. Nos três municípios, os procedimentos civis e criminais mostraram-se burocráticos e formais, muitos deles realizados apenas via papel (especialmente os que envolvem os juizados e as varas criminais). Uma das conseqüências mais imediatas dessa característica é a revitimização da criança e do adolescente, uma vez que o agressor, quando identificado, demora a ser julgado e, além disso, não se procede ao adequado atendimento das vítimas. Foram identificadas, entretanto, iniciativas pessoais buscando minimizar tais efeitos. Apesar de reconhecidamente ser um ponto positivo, a personalização das ações mostra-se também como um problema, uma vez que, na ausência dos atores específicos, tais ações ficam comprometidas. O fortalecimento dos Conselhos Tutelares é um dos fatores que mais necessita de atenção nos três municípios. A Constituição de 1988 e o ECA pretenderam a participação da sociedade lado a

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lado do Estado. O Conselho Tutelar foi o órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 131 do ECA). Os Conselhos Tutelares constituem, portanto, uma inovação e é instituição fundamental no enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Também é este o órgão que dá visibilidade ao fenômeno junto ao Governo Federal através da alimentação do SIPIA. Nesse sentido, vislumbra-se a necessidade de capacitação dos conselheiros tutelares. A capacitação dos atores envolvidos na rede de enfrentamento deve ser entendida como uma ação contínua. Enfatiza-se, na rede de responsabilização, a necessidade de capacitação dos agentes que coletam provas da violência sexual e realizam tomada de depoimento infantil. Na rede de atendimento, enfatiza-se, de maneira geral, a capacitação voltada para a identificação de situações de violência sexual, pois ações de busca pró-ativas foram pouco identificadas, sobretudo em Teófilo Otoni e Itaobim. Também foi demandada (Uberaba) a capacitação para o resgate da vítima de exploração sexual, muitas vezes envolvida com o abuso de drogas. O trabalho com as famílias das vítimas, bem como com as famílias em vulnerabilidade social, mostra-se ser uma ação também voltada ao abusador, que ainda permanece personagem muito ausente da atenção da rede de enfrentamento. Já o protagonismo juvenil – a exemplo do que é feito pela Casa da Juventude em Itaobim – constitui uma iniciativa bem-sucedida de atuação não apenas voltada para as vítimas, como também para crianças e adolescentes em risco. O maior desafio do Plano Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil é a ação articulada de antigos e novos atores oriundos de universos sociais diferentes e portadores de cultura institucional e visões programáticas específicas.

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Embora a rede de enfrentamento já se reconheça enquanto tal nos três municípios em estudo, a integração efetiva dos seus agentes para combater o problema, ou pelo menos para minimizar os seus efeitos, ainda está por se fazer.

Notas 1

2

Este texto foi elaborado a partir de pesquisa que resultou nos relatórios técnicos do Diagnóstico do PAIR/MG, nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. Participaram da sua elaboração: CRISP/UFMG – pesquisadores: Klarissa Almeida Silva (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento de dados secundários e de campo, análise de entrevista, elaboração do relatório, divulgação dos resultados), Cristiane Torisu (análise de entrevista, elaboração do relatório), Frederico Marinho (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento bibliográfico e de dados secundários, elaboração do relatório, divulgação de resultados), Bráulio Silva (georeferenciamento, índice de vulnerabilidade social), Keli de Andrade (análise de entrevista, elaboração do relatório). Estagiários: Analice Mateus, Lívia de Oliveira, Mateus Reno. Programa Pólos de Cidadania/ UFMG – pesquisadora: Marisa Lacerda (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento de dados de campo, análise de entrevista, divulgação dos resultados). Estagiária: Hanna Fux. Em Uberaba, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – professoras: Helena Iwamoto e Sybelle de Souza Castro Miranzi (elaboração dos protocolos de pesquisa, mobilização da rede local, levantamento de dados de campo, divulgação dos resultados). Estagiárias: Fernanda Gonçalves, Michele Araújo, Letícia Apolinário e Tarin Kamikabeya. Em Teófilo Otoni, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – professor: Ricardo Silvestre da Silva (levantamento de dados de campo). Estagiária: Ana Luiza Cunha. Da Faculdade Doctum – aluno: Heverton Leite. Em Itaobim, da IESFATO – Patrike Chaves (levantamento de dados de campo).

“Art. 86 - A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

3

As comarcas são unidades de organização do Poder Judiciário estadual compostas por um ou mais municípios em área contínua, sempre que possível. Cada comarca tem que ter, no mínimo, 18.000 habitantes e 13.000 eleitores, além de movimento forense anual de no mínimo 400 feitos judiciários. Entrâncias são formas de classificação das comarcas, que são definidas segundo tamanho populacional, principalmente. As de primeira entrância são aquelas com um ou dois juízes.

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As de segunda entrância são as com mais de dois juízes e com menos de 250.000 habitantes, possuindo, portanto, duas ou mais Varas. As de entrância especial são, por exclusão, aquelas com mais de 250.000 habitantes. (Fonte: Lei Complementar do Estado de Minas Gerais n. 59/2001.)

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Anexos

Família / População Instituições / ONGs

Denúncia

Delegacias

Encaminhamento criminal



Encaminhamento civil





Ministério Público

 Vara criminal

Notificação

 Conselho Tutelar MP SOS-Criança JIJ

 • Famílias • Abrigos provisórios • Programas e projetos socioculturais • Profissionalização / esporte / lazer/ saúde e educação • Outras alternativas

Fluxo de encaminhamento Fonte - LEAL, jul. 1999.

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Legenda Rotina Operacional

Nível de Interação

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Rotina Diária

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B

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RQ

Rotina Quinzenal

M

Média

A

Alta

RM

Rotina Mensal

RT

Rotina Trimestral

RST

Rotina Semestral

SP

MB

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Muito Baixa

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Sem Periodicidade

Fluxograma Conselho Tutelar de Uberaba Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

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Legenda Rotina Operacional

Nível de Interação

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Rotina Diária

RS

Rotina Semanal

B

Baixa

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Rotina Quinzenal

M

Média

RM

Rotina Mensal

RT

Rotina Trimestral

RST

Rotina Semestral

SP

MB

A MA

Muito Baixa

Alta Muito Alta

Sem Periodicidade

Fluxograma Conselho Tutelar Norte de Teófilo Otoni Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

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Legenda Rotina Operacional

Nível de Interação

RD

Rotina Diária

RS

Rotina Semanal

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Muito Baixa Baixa

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Rotina Quinzenal

M

Média

RM

Rotina Mensal

A

Alta

RT

Rotina Trimestral

RST

Rotina Semestral

SP

MA

Muito Alta

Sem Periodicidade

Fluxograma Conselho Tutelar Sul de Teófilo Otoni Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

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Legenda Rotina Operacional

Nível de Interação

RD

Rotina Diária

RS

Rotina Semanal

MB B

Muito Baixa Baixa

RQ

Rotina Quinzenal

M

Média

RM

Rotina Mensal

A

Alta

RT

Rotina Trimestral

RST

Rotina Semestral

SP

Sem Periodicidade

MA

Muito Alta

Fluxograma Conselho Tutelar de Itaobim Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

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R i c a rd o S i lv e s t re da Si lva

A Problemática da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Vale do Mucuri Iniciando o debate

Introdução A reflexão que se segue é o resultado do esforço do curso de Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por intermédio da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), de enfrentarem, juntamente com o poder público local e federal, a problemática da violência contra criança e adolescente, particularmente aquela de natureza sexual, na região conhecida como o Vale do Mucuri.1 Este é um esforço que faz coro a um movimento nacional,2 em que estão envolvidos diversos sujeitos, da sociedade civil organizada e do governo, na luta pela construção de condições de uma vida digna, ao conjunto das famílias das crianças e adolescentes brasileiras. Nesta direção, busca-se criar instrumentos legais que possibilitem o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, particularmente a sexual, por meio de políticas sociais sistemáticas e planejadas, que contribuam com o fortalecimento da rede de prestação de serviços.

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A presença de uma universidade pública3 em Teófilo Otoni provoca grandes desafios a esta, neste caso particularmente ao curso de Serviço Social,4 no sentido de que o conhecimento produzido em seu interior possa materializar-se em propostas concretas que contribuam com a emancipação cultural e sociopolítica das pessoas que vivem na Mesorregião do Vale do Mucuri. Assim, a presente reflexão e o conjunto de ações realizadas por esta universidade no campo do enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes representam uma tentativa de transcender o conhecimento universitário para além dos muros institucionais. Assim, o objetivo central desta reflexão é oferecer contribuições sobre o debate desta problemática, tendo a realidade da região do Mucuri como locus privilegiado da análise, de modo que possamos garantir o fortalecimento dos serviços oferecidos. Para além disso, também é nosso objetivo fortalecer o protagonismo que a infância e juventude devem ter, junto às instâncias de poder, responsáveis pelo planejamento, elaboração e execução de políticas sociais voltadas para este segmento. A organização deste texto procura, em primeiro lugar, contextualizar de maneira geral o marco legal da política da criança e do adolescente no Brasil, de modo que possamos compreender que a discussão sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes encontra-se inserida no processo de construção e consolidação dos direitos sociais deste segmento populacional. Esta é uma discussão que deverá se dar concomitantemente com a caracterização da violência sexual propriamente dita, para que possamos, a partir deste panorama, problematizar a região do Mucuri, através de alguns indicadores sociais e apontar algumas observações sobre a articulação da rede de serviços, bem como os desafios a serem enfrentados por esta.

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Contextualizando o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil Sabemos que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é uma exclusividade desta região e está presente em todo o território nacional, como aponta um guia elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o qual destaca Minas Gerais com a maior malha rodoviária do país5 (cf. OIT, 2007). Então, torna-se um grande compromisso político e ético de todas as instituições preocupadas em oferecer contributos, na direção de enfrentar e romper com as mazelas sociais, a construção de tecnologias sociais, que sejam capazes de possibilitar a emancipação de segmentos sociais vulnerabilizados pelas mais variadas razões. É nesta direção que a UFVJM e a UFMG se lançaram ao desafio de ultrapassar os seus muros, interagindo com os sujeitos envolvidos com a prestação de serviços voltados à infância e juventude no Vale do Mucuri, em uma troca constante de experiências e conhecimentos, visando ao enfrentamento a esta dolorosa problemática, o que tem como um dos resultados este trabalho. Este conjunto de reflexões é o resultado dos esforços realizados por sujeitos inseridos na UFVJM, UFMG e UFTM, que vêm atuando em conjunto e como parceiros, na defesa dos direitos da criança e do adolescente, preocupados em criar mecanismos reais de enfrentamento contra a violência sexual infanto-juvenil. Particularmente este texto tem a preocupação central de debruçar-se sobre esta problemática na região do Mucuri. Sabemos que esta é uma reflexão ainda incipiente, e que por isso não tem a pretensão de esgotar este debate, mas, ao contrário, contribuir com o mesmo, bem como o enfrentamento efetivo de tal problemática nesta região. Cabe destacar, ainda, que este esforço institucional situa-se no interior das atividades relacionadas à expansão do PAIR6 e ao desenvolvimento de uma pesquisa intitulada Diagnóstico da

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Exploração Sexual Infanto-Juvenil na Microrregião de Teófilo Otoni,7 ainda em curso. A partir desta articulação é que foi possível realizar uma aproximação com a realidade regional e problematizar a temática em tela. Uma problematização que contribui para o entendimento do significado da construção da política no Brasil da criança e do adolescente é aquela que diz respeito ao entendimento sobre políticas sociais. Conforme Faleiros (2000), a política social no capitalismo, via Estado, exerce a função legitimadora da ordem social, além de contribuir com o processo de valorização do capital. Entretanto, segundo o mesmo autor, devemos entender este espaço, atravessado pela luta de classes e, por isso, perpassadas por contradições que expressam interesses diversos presentes na sociedade. Isto quer dizer que um dos fundamentos da política social na contemporaneidade é a idéia de moralização da questão social,8 ou seja, a reintegração de desviados e incapacitados para a vida social. Quando pensamos o caso brasileiro, devemos fazê-lo procurando compreender que o padrão de política social que se constituiu aqui, ao longo da história, não se pautou na universalidade e na eficácia como seus princípios organizadores,9 o que produziu políticas sociais fundadas no populismo e no clientelismo político.10 Isto significa dizer que sempre foram marcas das políticas públicas no Brasil uma submissão de interesses econômicos em detrimento às demandas coletivas postas pelo conjunto dos grupos vulnerabilizados, ou seja, o privilegiamento dos interesses das elites políticas no desenvolvimento das relações institucionais. Outro elemento que devemos considerar na contemporaneidade para pensar o significado das políticas sociais é o avanço neoliberal, que reconfigura o escopo destas, tornando-as mais seletivas, precárias e pulverizando seus recursos. Além de esvaziar o caráter público do Estado, que em muitos casos transfere para a

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sociedade civil parte de sua responsabilidade. Neste sentido, o que percebemos é um processo de contra-reforma do parco conjunto de direitos sociais brasileiros, conquistados pelo conjunto da classe trabalhadora e movimentos sociais organizados.11 Assim, devemos articular a discussão sobre o enfrentamento da violação de direitos fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil com a movimentação social ocorrida na década de 1980, que culminou com a promulgação da Constituição de 198812 e como desdobramento desta movimentação, a construção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).13 Este movimento é importante de ser destacado, porque permitirá que a política social, particularmente aquela voltada à criança e ao adolescente, se organize a partir dos princípios como a descentralização político-administrativa e uma gestão participativa, ou seja, a idéia posta no pacto federativo, em que as responsabilidades são distribuídas em cada nível de governo, de forma co-responsabilizada.14 Além disso, podemos pretender que esta política passe a contar com a participação dos sujeitos sociais, envolvidos em seu processo de construção, o que permite uma gestão social mediada pelos interesses de todos os protagonistas envolvidos com o mesmo. Podemos destacar que deste importante avanço jurídico são garantidos legalmente direitos fundamentais das crianças e adolescentes como “à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade; convivência familiar e comunitária; à educação; à cultura; ao esporte e ao lazer e à profissionalização e à proteção no trabalho” (cf. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). Além disso, enquanto um ser em desenvolvimento, podemos dizer que a criança e o adolescente devem receber privilegiadamente especial atenção no processo de elaboração de políticas e recursos públicos, no que se refere à proteção integral a infância e juventude.

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Para que possamos realizar o recorte temático pretendido, nesta reflexão, a partir da amplitude proposta pela política da criança e do adolescente, ressalta-se que, de acordo com o ECA, a ocorrência da violência sexual,15 que é uma das formas de violência contra crianças e adolescentes, significa violação do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, e deve ser enfrentada, de modo que sejam garantidas as condições necessárias para o desenvolvimento pleno deste conjunto da população. Contudo, sabemos que existe uma distância entre os avanços jurídicos formais conquistados, a partir da mobilização dos grupos organizados, e a concretização destes no processo concreto do desenvolvimento das relações sociais. Isto quer dizer que, mesmo existindo uma garantia legal que protege as crianças e adolescentes e lhes afiança o direito à proteção integral, bem como de suas famílias, o que percebemos é uma violação de seus direitos, e em muitos casos, uma incapacidade institucional de enfrentar tal situação. Em parte podemos explicar esta distância entre os direitos sociais legitimamente conquistados, através dos espaços legais e o cotidiano construído nas relações sociais, pelo fato de que este é um processo que se constrói historicamente e necessita da participação dos sujeitos sociais. Porém, ao longo da história brasileira, o que podemos constatar é uma exclusão da possibilidade de participação dos espaços decisórios da população em geral, o que torna o processo de construção democrática de políticas sociais extremamente complicado e difícil. Por isso é urgente fazer com que o conjunto de avanços sociais, conquistados pelo conjunto da sociedade brasileira, e a legislação em favor da infância e juventude sejam cumpridos, não permitindo que os direitos fundamentais deste segmento populacional possam ser violados. Isto acontecerá na medida em que a sociedade civil se

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organizar, através de seus sujeitos políticos, em torno de seus interesses e criar as condições necessárias para a realização do necessário processo de pressão sobre o poder público instituído. Conforme apontado anteriormente, existem vários tipos de violência contra crianças e adolescentes, mas a que nos interessa aqui é a do tipo sexual.16 Sobre esta questão é importante destacar que existe uma diferença entre o abuso e a exploração sexual, pois enquanto o abuso consiste em algum tipo de relação de dominação com ou sem contato, e normalmente ocorre no interior da própria família, a exploração se dá através da pornografia, turismo sexual, prostituição convencional e tráfico de pessoas com fins sexuais (cf. Neumann, 2005). O abuso sexual normalmente ocorre no que se chama de ambiente intrafamiliar, ou seja, o agressor é alguém próximo à criança violada, de seu ciclo de confiança. O enfrentamento a este tipo de violência encontra grandes obstáculos como o silêncio das famílias,17 por medo ou vergonha, a carência material, a omissão das instituições escolares em muitos casos, a falta de competência técnica de profissionais para enfrentarem essa problemática, além de, muitas vezes, a inoperância das autoridades policiais e da justiça diante do abuso sexual contra crianças e adolescentes. As explicações sobre a ocorrência da violência sexual contra crianças e adolescentes poderão ser diversas, o que deverá produzir análises em direções distintas sobre esta questão. Entretanto, devemos considerar que a pobreza e a carência material são fatores importantes que determinarão em grande medida a existência deste fenômeno, e que, aliadas com a ineficaz capacidade do Estado em enfrentar esta questão, contribuem com a reprodução desta problemática. Por isso deveremos levar em consideração o contexto social da região do Vale do Mucuri, através de seus indicadores sociais, para

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que, a partir deste quadro, possamos perceber que o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes na região, como várias outras expressões da questão social, passa, principalmente, pela melhoria da qualidade de vida da população que vive neste território, por meio do acesso à renda e aos serviços fundamentais que permitam ultrapassar o cenário de abandono em que vive. A fonte dos dados que serão apresentados a seguir é o Atlas do desenvolvimento humano no Brasil, tendo o ano 2000 como referência. A população total dos 23 municípios que compõe esta região é de aproximadamente 400 mil habitantes (IBGE, 2007), sendo que a população de até 17 anos é de 99 mil pessoas. Isto quer dizer que, aproximadamente, 25% da população total desta região é composta de criança e de adolescente, o que coloca um grande desafio às políticas sociais voltadas para este público, e também uma grande população potencialmente vulnerável à violência sexual. Em relação à expectativa de vida, enquanto a média nacional segundo o IBGE ultrapassa os 71 anos, no Vale do Mucuri esta média é de 65 anos, o que confirma um quadro de vulnerabilidade extremamente alto. Por outro lado, a média de mortalidade infantil18 é de 45 óbitos para cada 1.000 nascidos, ao passo que a Organização Mundial de Saúde considera “aceitável” o índice de 10 mortes para cada 1.000 nascidos (cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/ Mortalidade_infantil). Se considerarmos a mortalidade de criança de até 5 anos de idade, esta média aumenta para 49 óbitos, ultrapassando a impressionante marca de 70 óbitos para cada 1.000 nascidos no município de Ouro Verde de Minas. Apenas para que tenhamos idéia de como é preocupante este quadro, a média mundial de mortalidade infantil é de 43 óbitos. Este quadro demonstra que a infância ainda encontra-se em uma situação de extrema vulnerabilidade na região do Mucuri, o que coloca a necessidade de um forte investimento

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público no melhoramento das condições de vida de suas famílias, através do acesso a serviços básicos de saúde, alimentação, além de renda. A situação educacional nesta região também não é nada animadora, porque temos uma média de 14% de analfabetos entre a população entre 18 a 24 anos, e de 45% de analfabetos entre a população com mais de 25 anos. Ainda analisando indicadores relacionados à educação, percebemos que o índice populacional entre 18 e 24 com menos de 4 anos de estudo é de 35%, e entre a população com mais de 25 anos, de 67%. A média de anos de estudo desta parcela populacional é menos que 3 anos. Este quadro demonstra que o perfil da população adulta, que na maioria das famílias assume a posição de provedor das crianças e adolescentes, é pouco qualificado, o que reduz as chances de conseguir espaço no mercado formal de trabalho, cada vez mais exigente. Quando pensamos sobre os indicadores educacionais, na faixa etária da infância e juventude, percebemos que o índice de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola é de 30%, e praticamente 10% da população entre 10 e 17 anos é analfabeta, demonstrando forte vulnerabilidade social, no que se refere ao acesso a educação básica à população infanto-juvenil. A renda é outro indicador que nos ajuda a compreender a realidade econômica desta região, pois de acordo com o Atlas do desenvolvimento humano no Brasil, no país a população do Vale do Mucuri vivia, em 2000, com uma renda per capita em média de 66% em relação ao salário mínimo,19 enquanto praticamente 20% desta população tinha mais da metade de sua renda proveniente de transferências governamentais.20 Isto expressa, além de um baixo poder econômico, uma forte dependência dos programas

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governamentais no processo de reprodução desta população, o que em muitos casos reforça a continuidade de uma relação política conservadora e clientelista. A desigualdade existente nesta região pode ser confirmada também pela concentração de riqueza, pois enquanto os 10% mais ricos detêm 46% da riqueza produzida, os 20% mais pobres ficam com apenas 2% de toda a riqueza existente no Vale do Mucuri. Esta absurda concentração de renda pode explicar grande parte das graves problemáticas existentes nesta região, incluindo aí a violência contra crianças e adolescentes. A falta de perspectiva da população e a ineficácia do Estado em enfrentar esta desigualdade, via ações concretas, faz com que o quadro social desta região se transforme em um grande desafio. Um dado que nos interessa nesta análise é sobre a existência de crianças em domicílios com baixa renda, pois nestes casos podemos ter a idéia de que tais sujeitos estarão extremamente vulneráveis à violação de seus direitos, devido à carência material. Assim, temos que 89% dos domicílios com renda per capita menor do que ½ salário mínimo possuem crianças, enquanto que 55% dos domicílios com renda per capita menor do que ¼ do salário mínimo possuem crianças ou adolescentes, de acordo com a fonte citada. Este quadro torna-se extremamente preocupante, quando pensamos a violência sexual infanto-juvenil presente nesta região, quer seja na forma de abuso ou da exploração, pois ambas as situações encontram na miséria um dos elementos motivadores para esta violência.21 Outro dado importante quando tratamos desta temática é a gravidez na adolescência, pois pode significar a necessidade do fortalecimento de uma política de orientação sexual, por exemplo. Então constatamos que 7% da população entre 10 a 17 anos do sexo feminino possuem filhos. Em relação à composição familiar, temos também que 7% destas que possuem membros com menos de 15 são

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chefiadas por mulheres e não possui cônjuge, o que pode demonstrar um aumento ainda maior da vulnerabilidade nestas famílias. Finalmente, devemos pensar sobre o significado do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – desta região. O IDH é um indicador social importante, pois leva em consideração a educação, a longevidade e a renda, e é utilizado mundialmente pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – como uma forma padronizada de qualificar o nível de bem-estar e qualidade de vida da população residente em alguma região. O IDH pode então ser uma referência para avaliar qualitativamente a vulnerabilidade social de um município, de uma região ou de um país. Neste sentido, um IDH menor que 0,5 é considerado baixo, entre 0,5 e 0,8, médio, e acima de 0,8, alto, ou seja, quanto mais próximo de 1 melhor são as condições gerais para se viver.22 Constatamos, nesta região, que a média do seu IDH é de 0,632 e que apenas Teófilo Otoni tem um IDH maior que 0,7, o que coloca o Vale do Mucuri em uma posição de médio desenvolvimento humano, mas, como pudemos observar, com grandes desafios a serem enfrentados em seu processo de desenvolvimento regional. Deste modo, devemos entender que a violência sexual contra criança e adolescente na região do Mucuri está articulada a este contexto social, pois em grande medida é o quadro apresentado acima que cria as condições para a sua ocorrência. Isto quer dizer que o enfrentamento desta questão perpassa principalmente pela melhoria das condições de vida desta população, em particular no que se refere ao acesso a uma educação de qualidade, moradia digna, trabalho e renda que sejam capazes de garantir reprodução social básica, além de políticas de saúde, lazer, cultura etc., pois temos a clareza que a violência sexual praticada contra indivíduos em formação (e a sua continuidade) é o reflexo de uma sociedade que não consegue garantir uma proteção integral.

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Miranda (2006) aponta em seus estudos que as políticas destinadas às crianças e adolescentes na região do Mucuri “são insuficientes tendo em vista o grau de ausência de direitos fundamentais em detrimento das garantias legais”, conforme já apontado anteriormente. Esta é uma realidade que não se difere das demais regiões pobres no Brasil, em que as condições de vida precárias acirram-se com a ausência de políticas públicas que sejam capazes de inverter neste quadro.

Região do Mucuri: alguns desafios Ao final, cabe destacar algumas considerações sobre a realidade institucional encontrada no conjunto da região, a partir da realização da pesquisa citada e que ainda não representam resultados conclusivos, conforme mencionado, de modo que possamos apresentar alguns desafios postos ao conjunto dos sujeitos envolvidos com a política de criança e adolescente. Em relação às instituições envolvidas com esta temática, elegeu-se enquanto espaço privilegiado as escolas, Unidades Básicas de Saúde, Programas de Saúde da Família (PSF), Conselhos Tutelares, Serviço Sentinela, Ministério Público, Judiciário e Polícias. Entende-se que com este elenco de instituições tem-se conseguido minimamente apreender as principais determinações deste fenômeno, além de caracterizar a rede regional de proteção à criança e ao adolescente. O que se tem percebido é que a organização institucional de parte considerável destas organizações é insuficiente para o desenvolvimento da amplitude do trabalho proposto, pois, na maioria dos casos, faltam recursos humanos e estruturais para a sua realização. A organização do trabalho institucional é atravessada por grandes desafios e limites, que, em alguma medida, interferem na prestação dos serviços oferecidos, pois percebemos carências de toda

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ordem, como: infra-estruturas inadequadas, ausência de recursos materiais, um entendimento equivocado sobre o papel das diversas instituições. Além disso, encontra-se também um quadro de técnicos que em muitos casos não se acham preparados para enfrentarem situações de violência sexual infanto-juvenil. Esta situação em vários momentos não permite que as diferentes missões institucionais sejam alcançadas, o que compromete o desenvolvimento do trabalho em rede como um todo. Além disso, não existem, na maioria dos casos, um planejamento e recursos específicos para o enfrentamento desta problemática, que ora recebe encaminhamentos pontuais de efeitos temporários, ora é desconsiderada ou escamoteada como outro tipo de violência. A relação destas instituições com a política municipal da criança e adolescente é muito pontual e fragmentada e não possui um caráter sistemático e planejado. O que acontece em muitos casos é que o desenvolvimento da política municipal depende quase exclusivamente da “boa vontade” do gestor municipal, reforçando toda aquela herança conservadora já mencionada, e não contribui com o desenvolvimento de uma política pautada em princípios públicos e eficazes. Além disso, não há, na maioria dos espaços, uma integração entre a rede e os CMDCAs (Conselhos Municipais das Crianças e dos Adolescentes), e nem a realização de uma discussão sobre o ECA nos espaços institucionais, o que sugere a necessidade de uma melhor qualificação sobre os agentes que trabalham com esta política. Quando se tenta identificar o fenômeno e os encaminhamentos realizados, encontra-se muita dificuldade, porque não há sequer o correto conhecimento no interior das instituições sobre a distinção entre o conceito de abuso e violência sexual, e nem o que fazer quando é descoberto um caso.

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O que se percebe é que onde existe o Programa Sentinela a identificação e os devidos encaminhamentos ocorrem de forma acertada, mas onde este programa ainda não foi implantado, os encaminhamentos normalmente não ocorrem da forma devida e nem têm o devido fluxo, bem como o seu acompanhamento. Com relação aos agressores, o que se tem é praticamente uma invisibilidade destes, que não recebem os encaminhamentos previstos na legislação em vigor e em muitos casos continuam convivendo com as vítimas. Sobre a rede de proteção, os Conselhos Tutelares e o Judiciário não possuem nesta região a estrutura necessária e prevista no ECA, para a realização dos devidos encaminhamentos como, por exemplo, programas de apoio sociofamiliar, ou instituições preparadas para prevenir, receber e enfrentar com eficácia esta questão. Portanto, na grande maioria dos casos, não se encontram programas nem recursos disponíveis que consigam enfrentar a questão da violência sexual da maneira adequada, como prevê a legislação e os procedimentos indicados nestes casos. Isto ocorre, em alguma medida, porque, para além da ausência de recursos materiais e financeiros, a esmagadora maioria dos municípios não conta com a existência de equipes multidisciplinares qualificadas para enfrentarem esta questão. Temos então, de uma forma geral, uma grande fragilidade da rede de atendimento e proteção à criança e ao adolescente no Vale do Mucuri, pois esta não consegue garantir o atendimento adequado aos casos de violência sexual conhecidos. Isto quer dizer que esta rede se apresenta de maneira fragmentada, com um baixo nível de comunicação entre seus componentes e pouca capacidade de articular ações que possibilitem o efetivo enfrentamento da problemática em questão. Além disso, percebe-se pouca capacidade técnica e conhecimento sobre o fenômeno, o que resulta em ações pontuais e assistemáticas que não têm continuidade nem eficácia.

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Articulada a atuação no campo do atendimento e proteção à criança e ao adolescente, no que se refere à violência sexual, devemos destacar que a prevenção, através de ações planejadas e orientadas, deve ser uma estratégia política realizada no sentido de atuar sobre esta problemática por razões óbvias.

Considerações finais Uma conclusão preliminar que podemos apresentar, a partir deste quadro político-institucional, é que a prevenção e a rede de atendimento e proteção, no que se refere à violência sexual contra crianças e adolescentes no Vale do Mucuri, refletem o histórico descompromisso governamental em priorizar ações públicas nas diversas áreas e necessidades humanas. Além disso, há uma sintonia entre as políticas sociais regionais e a lógica organizacional das políticas públicas no Brasil, que não se centram nos interesses e demandas vindas das classes populares, mas, ao invés disto, prioriza interesses das elites econômicas. Por tudo isto, os desafios postos ao conjunto da sociedade brasileira e, particularmente, aos segmentos envolvidos com a política da criança e do adolescente no Vale do Mucuri são muito grandes. O enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes nesta região não é uma tarefa fácil e nem pode ser realizada descolada do contexto político em que a mesma está inserida, que, no caso deste Vale, como pudemos perceber, é perpassado por determinações sociais complexas. Deste modo, a violência sexual contra esta parcela da população assume contornos dramáticos, porque o que poderemos observar é uma realidade onde não se tem as condições básicas necessárias à reprodução social, pela via formal do mercado de trabalho, e, por

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outro lado, uma presença estatal cada vez mais centrada no personalismo político, esvaziando o seu caráter público e universalizante. Seria uma grande pretensão querer indicar aqui uma fórmula capaz de acabar com este tipo de violência, mas certamente podemos afirmar que este caminho passa pela construção de relações sociais mais justas e eqüitativas, onde todos os cidadãos tenham acesso às condições básicas23 para sua reprodução. Deste modo, no extremo teremos as condições reais e efetivas para responder a esta problemática de maneira eficaz e não precisaremos conviver com a impunidade e a reincidência desta violação de direitos fundamentais, sem que tenhamos as condições adequadas para o seu efetivo enfrentamento. Finalmente, cabe ressaltar que a idéia deste esforço reflexivo é oferecer algumas contribuições que possam suscitar outras discussões sobre a temática da violência sexual contra crianças e adolescentes e também em relação a esta política setorial. Por isso não devemos entender as idéias aqui colocadas como algo rígido, mas ao contrário como uma tentativa de apreender a complexidade na dinâmica complexa das relações sociais. Assim, pretendemos ver na região do Vale do Mucuri o fortalecimento das políticas sociais, de uma forma geral, e ainda contribuir com o protagonismo infanto-juvenil no processo de elaboração de políticas públicas destinadas a este segmento populacional, além de buscar realizar um efetivo enfrentamento da violência sexual contra as crianças e adolescentes neste importante território mineiro.

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Notas 1

O Vale do Mucuri é formado pelas Microrregiões de Nanuque e Teófilo Otoni, que compreende 23 municípios e uma população de aproximadamente 400 mil pessoas. (Cf. ALMG, 2007 e o Atlas do desenvolvimento humano do Brasil, 2000.)

2

Sobre esta questão é interessante conferir o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, que foi elaborado em 2000, e é atualmente a referência para o estabelecimento de políticas públicas nesta área em todo o território nacional.

3

Para um panorama sobre o ensino superior no Brasil, ver MINTO, 2006. Para uma discussão mais contemporânea sobre educação e seus desafios a partir do quadro neoliberal ver LIMA, 2006.

4

O Serviço Social é uma profissão regulamentada pela Lei Federal 8.662/93, está inserida na divisão sociotécnica do trabalho e tem como matéria-prima para o desenvolvimento de sua atividade profissional as expressões da questão social. (Cf. IAMAMOTTO; CARVALHO, 1982.)

5

A região do Vale do Mucuri é atravessada pela Rodovia Federal BR-116, também conhecida como Rio-Bahia, e pela Rodovia Estadual BR-418, conhecida como a Rodovia do Boi. Estas estradas são movimentadas, o que transforma toda esta região em um corredor de passagem para o Sul da Bahia, o nordeste do Brasil e norte do Espírito Santo, propiciando por diversas razões principalmente a exploração sexual contra crianças e adolescentes.

6

O PAIR é o Programa de Ações Integradas Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que teve início em 2002 nos estados de Roraima, Amazonas, Acre, Mato Grosso do Sul e Bahia. No Ceará, Maranhão e Minas Gerais, o PAIR iniciou em 2005 e, em 2006, as cidades de Uberaba, Itaobim e Teófilo Otoni passaram também a receber ações deste programa. Sobre o PAIR, ver SEDH, 2006.

7

Esta pesquisa ainda encontra-se em desenvolvimento e tem como objetivo central realizar um diagnóstico sobre a exploração sexual contra crianças e adolescentes na Microrregião de Teófilo Otoni, que possibilite vislumbrar o quadro geral desta problemática na Mesorregião do Vale do Jequitinhonha/Mucuri. Vale destacar que as reflexões contidas neste texto não expressam o resultado final desta pesquisa, uma vez que a mesma ainda não foi concluída, mas que o seu desenvolvimento, até o momento, permitiu uma interessante aproximação com o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil na região, e também o conhecimento sobre a rede de serviços.

8

Sobre a discussão da questão social, ver TEMPORALIS, 2001.

9

Para uma breve problematização sobre a constituição de políticas sociais no Brasil, ver RIZOTTI, 2001.

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O populismo sempre esteve presente na história política brasileira e também no processo de formulação das políticas sociais, como um elemento garantidor de legitimidade institucional e reprodução de relações conservadoras. Sobre esta temática, ver FERREIRA, 2001; e LEAL, 1997.

Estas são questões muito complexas que envolvem diversas determinações, e que não serão tratadas aqui por não se consistirem em temas centrais desta reflexão. Todavia, torna-se importante apontá-las como elementos que contribuem com o entendimento das políticas sociais no Brasil e sua configuração. Sobre o neoliberalismo no Brasil e na América Latina, ver SOARES, 2002 e SADER; GENTILI, 1995. Vale a pena conferir também a interessante discussão que Montaño (2000) faz sobre a transferência de responsabilidades estatais para a sociedade civil. Sobre a temática da “reforma” do Estado, ver BRESSER PEREIRA, 1998; e sobre a contra-reforma do Estado brasileiro, ver Berhing, 2003.

11

12

Podemos considerar a Constituição de 1988 como um importante marco contemporâneo para compreendermos a organização das políticas sociais brasileiras na atualidade, pois representou a incorporação de demandas de vários segmentos populacionais, historicamente excluídos, na institucionalidade estatal. Entretanto devemos entender este processo, atravessado por projetos políticos distintos que, em muitos casos, representou um avanço jurídico formal, mas não implementado plenamente na realidade social.

13

Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990. O ECA pode ser considerado como resultado de ampla mobilização social de setores da sociedade civil organizada, ligados principalmente aos direitos da criança e do adolescente, que substituiu o antigo Código de Menores e tem como principal avanço o ingresso da criança e do adolescente brasileiro, enquanto sujeitos de direitos, e o status de política social que esta política passa a assumir. Sobre a discussão do ECA e o Código de Menores, ver SILVA, 2005.

14

Esta concepção altera a dinâmica das políticas sociais brasileiras, que passam a se organizarem a partir de uma lógica ”democrático-participativa”, em que os conselhos paritários transformam-se em espaços privilegiados de formulação, planejamento, execução, gestão e avaliação das políticas sociais públicas, em todas as esferas de governo. Sobre gestão democrática, ver BITTAR; COELHO, 1997.

15

De acordo com o artigo 17 do ECA, a violência sexual pode ser considerada como “atos que violam a integridade física, moral ou psicológica da criança e do adolescente, com finalidade sexual”.

16

Não é o objetivo deste texto categorizar e tipificar de forma aprofundada os tipos de violência contra crianças e adolescentes, mas apenas apresentar uma breve diferenciação entre abuso e violência sexual, de modo que possamos compreender a natureza das mesmas.

17

O debate sobre criança e adolescente deve ocorrer articulado com a discussão sobre família, por isso essa temática pode ser discutida a partir de CARVALHO, 1995.

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18

Mortalidade infantil consiste no óbito de crianças durante o seu primeiro ano de vida e é a base para calcular a taxa de mortalidade observada durante um determinado período de tempo, normalmente um ano, referida ao número de nascidos vivos do mesmo período.

19

Isto quer dizer que, em 2000, o salário mínimo que vigorava era de R$151,00, e a renda per capita média desta população era de R$100,00.

20

Apesar de existir emblemática defesa governamental em torno dos programas de transferência de renda, conhecido como “bolsas”, o que podemos perceber é que esta estratégia é parcial e se pauta em critérios extremamente rígidos que, em muitos casos, se tornam verdadeiras armadilhas de pobreza. Sobre esta discussão ver SILVA, 2001 e 2007.

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Não estamos afirmando que a violência sexual contra crianças e adolescentes é uma exclusividade das famílias pobres, mas que a vulnerabilidade provocada pela carência material coloca esta questão em uma posição muito mais dramática, pois a exploração sexual transforma-se, em muitos casos, em uma oportunidade de acesso a bens materiais, enquanto que o abuso intrafamiliar incorpora-se na cultura familiar, em que estão presentes nesta relação um sentimento de pertencimento e apoderamento do provedor da criança e do adolescente, difícil de ser alterada.

De acordo com o Atlas do desenvolvimento humano no Brasil, em 2000, a cidade brasileira com o melhor IDH era São Caetano do Sul, em São Paulo, com um índice de 0,919, e o pior estava em Manari, em Pernambuco, com um índice de 0,467. Sobre um panorama da exclusão social, ver PONCHMANN; AMORIM, 2003.

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Pereira (2000) realiza uma interessante discussão sobre os mínimos e básicos sociais.

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A problemática da violência sexual contra crianças...

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INTERVENÇÃO

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G e o v â n i a lú c i a d o s s an to s t â n i a a re t u za

Organização do Trabalho Pedagógico Os desafios inerentes ao processo de planejar

A Expansão do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil em Minas Gerais (PAIR/MG), na sua implementação e execução, prevê um leque extenso de ações, tais como: mobilização dos municípios envolvidos (Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim), articulação de uma comissão estadual, diagnóstico dos municípios, seminários de adesão e sensibilização, preparação da equipe de capacitação/ formação, curso para os educadores da rede, oficinas temáticas e de planejamento, supervisão e acompanhamento dos planos operativos locais, avaliação final e a publicação deste trabalho. Neste texto, nos deteremos ao processo de planejamento e execução das ações de capacitação/formação da equipe de formadores e dos educadores (adiante denominados educadores) de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, realizadas por meio do curso, das oficinas temáticas e de planejamento, apresentando, em linhas gerais, uma reflexão acerca dos resultados destas ações formativas.

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Desafios do planejamento O primeiro desafio para o planejamento das ações de formação seria pensar em um trabalho articulado ao conjunto de ações previstas na estrutura do programa (ver Cronograma das Ações do PAIR EXPANSÃO, em anexo). O referido planejamento deveria se traduzir em um processo de formação dos formadores, ao mesmo tempo que se constituiria no planejamento da formação dos educadores que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias vítimas ou em situação de vulnerabilidade frente à violência sexual infanto-juvenil. O mesmo planejamento deveria contemplar um movimento de introduzir teoricamente a temática, refletir acerca de suas especificidades, sobretudo no que concerne à ocorrência do fenômeno nas localidades contempladas nesta etapa da expansão do PAIR/MG, avançar na compreensão da importância da articulação dos atores para a promoção de ações integradas, bem como planejar coletivamente ações de formação dos educadores a serem realizadas nos municípios e de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. No tocante aos aspectos relacionados à concepção e organização do trabalho pedagógico, podemos afirmar que foram semelhantes para os dois segmentos envolvidos: multiplicadores/formadores e educadores. Portanto, estruturaremos este texto focalizando os pontos comuns à formação desses dois segmentos. No caso do curso de formação de formadores, cabe lembrar que foi o momento no qual se construiu, coletivamente, a proposta a ser executada nos municípios. O processo de capacitação/formação se estruturou em quatro frentes de ação: 1 - definição dos princípios norteadores do processo de capacitação/formação; 2 - realização de um Seminário de

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Metodologias de Capacitação/Formação; 3 - Capacitação/Formação da equipe de Formadores; 4 - Capacitação/Formação de educadores nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba. A definição dos princípios norteadores do processo de capacitação/formação foi de fundamental importância para a elaboração da metodologia e da matriz pedagógica/curricular que possibilitaram a definição das temáticas a serem abordadas e dinâmicas utilizadas no curso e nas oficinas. Mais detalhes de todo o processo se encontram no texto “Ação educativa – princípios norteadores do processo de capacitação/formação”, de Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti, neste volume. A realização do Seminário Metodologias de Capacitação teve como objetivo central propiciar aos formadores o conhecimento de experiências de capacitação já existentes, no intuito de construir uma proposta que incorporasse os avanços já alcançados por outros grupos profissionais. O Seminário esclareceu para os participantes os objetivos do PAIR e propiciou o encontro entre os formadores dos três municípios e as equipes das universidades federais do Mato Grosso do Sul (UFMS), do Triângulo Mineiro (UFTM), dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e de Minas Gerais (UFMG). As reflexões realizadas no Seminário foram de grande importância para o início dos trabalhos. Detalhamos a seguir as duas outras frentes de ação.

Formação dos multiplicadores/formadores Os trabalhos de formação foram desenvolvidos por uma equipe de profissionais1 com conhecimentos e experiências diversificadas sobre a atenção às crianças/adolescentes/jovens e suas famílias, numa dimensão interdisciplinar. Contamos também com as lideranças dos municípios para compor a equipe formadora, constituída por

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profissionais que atuaram como referência nos campos da saúde, educação, assistência social e cultura. Após uma parceria do Programa PAIR com a organização não-governamental – Oficina de Imagens, de Belo Horizonte –, introduzimos na equipe dois jovens que atuaram com a temática protagonismo juvenil. Com esta composição, pudemos congregar, em uma mesma equipe, profissionais com diferentes olhares sobre a realidade local e sobre os desafios e perspectivas para o enfrentamento ao fenômeno do abuso e da exploração e violência sexual infanto-juvenil.

Objetivos Pretendíamos com os processos de capacitação/formação, tanto da equipe formadora como dos educadores, que os participantes tivessem domínio sobre os conteúdos considerados necessários para uma compreensão do fenômeno da violência sexual infantojuvenil e do funcionamento da Rede de Proteção, bem como se apropriassem das ferramentas básicas necessárias para planejar e executar ações embasadas, tanto numa concepção teórica como da prática de abordagem e intervenção, sempre dentro da perspectiva do trabalho em rede (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Capacitação da rede). A partir dos objetivos traçados, o processo de organização metodológica da formação teve como foco a reflexão, baseada na afirmação de Nóvoa: “A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal [e coletiva].” Segundo o mesmo autor, “a formação não se faz antes da mudança, se faz durante, produz-se nesse esforço de inovação e de procura de melhores percursos (...)” (1992: 54).

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A partir da procura por melhores percursos buscamos equacionar uma matriz pedagógica/curricular organizada a partir dos seis eixos do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (Análise da Situação, Articulação e Mobilização, Defesa e Responsabilização, Atendimento, Prevenção e Protagonismo Infanto-Juvenil) e dos objetivos do PAIR (compreender o fenômeno, fortalecer a rede de proteção integral e planejar a ação de enfrentamento por meio da construção de Planos Operativos Locais). Como resultado chegou-se à definição dos conteúdos estruturantes do processo de formação – Marco Conceitual (violência sexual), Políticas Públicas, Marco Legal, Políticas Setoriais e Famílias – e dos temas transversais,2 que perpassam todo o processo formativo. São eles: protagonismo infanto-juvenil, articulação e mobilização. (Ver Matriz pedagógica/curricular da capacitação/ formação, em anexo.) Optamos também por tratar o diagnóstico em uma perspectiva transversal. Referimo-nos ao diagnóstico realizado nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, pelo Centro de Estudos e Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG), que teve como objetivo geral mapear a ocorrência dos fenômenos do abuso e da exploração sexual comercial, levantar a rede de proteção nos municípios selecionados bem como os recursos que cada município dispõe para o enfrentamento, a fim de informar e embasar as discussões do Seminário de Sensibilização e Adesão, dos Cursos de Capacitação/Formação e das Oficinas Temáticas e de Planejamento previstas na intervenção. Entendemos que um bom planejamento pressupõe conhecer bem a situação que se quer mudar. Para tanto, fez parte dos processos de formação conhecer o diagnóstico, ter um retorno do que os educadores dos municípios tinham a dizer sobre o que lhes foi apresentado e utilizar os dados como objeto de estudos e debates contínuos.

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A partir da definição da matriz pedagógica/curricular, foi possível termos maior clareza acerca dos objetivos do processo de capacitação/formação. O segundo desafio para a organização do trabalho pedagógico foi a elaboração de um planejamento para o processo de capacitação/formação que equacionasse nossas concepções reveladas na matriz pedagógica. Ou seja, como planejar a partir das escolhas e dos princípios3 norteadores elaborados.

Metodologia Tal questão impulsionou o grupo a definir estratégias que orientassem os planejamentos, pois a preocupação da equipe responsável foi de que o curso não se configurasse como mais um em que a capacitação/formação são concebidas externamente ao grupo ao qual se destinam. As discussões e reflexões indicavam a necessidade de instituir espaços de trabalho, onde a vinculação entre teoria e prática estivesse marcadamente presente. Acreditava-se que não bastava a adoção de uma metodologia e proposição de dinâmicas que vinculassem as duas instâncias, mas que tivesse a finalidade, bem específica, de proporcionar aos educadores participantes do grupo espaço para levantamento de expectativas, reflexão e de intercâmbio dos desejos e das reais dificuldades, limitações e possibilidades, para a proposição de um trabalho de fato em rede. Definimos alguns pontos importantes para a organização do trabalho de formação dos formadores, que foram: a realização do planejamento do curso para os educadores com a participação de todos, ou seja, em parceria com a equipe formadora dos municípios; privilegiar o debate e o diálogo como estratégias centrais de trabalho; a produção de sínteses e/ou registros como forma de subsidiar a construção de conhecimentos sobre o fenômeno em questão.

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Elaboramos então o processo de formação dos formadores com espaços e tempos bem definidos para essa interação. A equipe formadora composta por pessoas dos municípios e das Universidades Federais de Minas Gerais, do Triângulo Mineiro e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri4 planejou em conjunto os eixos temáticos construindo, coletivamente, ementas e definindo tempos, objetivos, conteúdos, metodologias, referências bibliográficas e recebeu o retorno dos demais grupos/municípios com comentários e sugestões sobre o material produzido. (Ver Formulário do Programa de Ações Integradas de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, em anexo.) Organizamos para a formação dos formadores um planejamento que contemplava um conjunto de atividades estruturadas com o objetivo de instituir um espaço de debate e diálogo acerca do fenômeno. Na organização dos tempos foram contemplados momentos coletivos, espaços de interação entre os diferentes municípios, e momentos em que o município estivesse só com os membros da sua equipe para refletir sobre as especificidades de cada local. (Ver Programação do Curso de Capacitação/Formação do PAIR/ MG - Fase 1.) Buscamos contemplar o debate de maneira privilegiada como fonte de conhecimento, ou seja, debate-se para conhecer, para usufruir a possibilidade de ler o mundo com maior profundidade, de ver a si mesmo e aos outros por uma ótica mais ampliada (Souza, 2004). Criamos um ambiente de discussão acerca das demandas do grupo, em um convite ao conhecimento das questões mais relevantes que caracterizam as instituições envolvidas. O intuito foi ampliar o leque de possibilidades de construção de conhecimento a partir da interação entre as instituições que compõe a rede de enfrentamento, articulando ações de integração e estimulação dos grupos e municípios em discussões sistemáticas sobre os eixos referentes ao Plano Nacional.

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Para atingir os objetivos propostos pelo processo de formação, organizamos o trabalho a partir de estratégias que fossem coerentes com os princípios anteriormente descritos no texto “Ação educativa – princípios norteadores do processo de capacitação/formação”, neste livro. Para tanto utilizamos estratégias, tais como: exposição dialogada, grupos de trabalho – GTs e plenárias. Além dessas estratégias, a construção diária da nossa rotina de trabalho era compartilhada com o grupo, como forma de garantir aos participantes poder de interferir na proposta de trabalho, fazendo sugestões de mudanças. Buscamos assim consolidar um processo de formação enfatizando o desenvolvimento do grupo e, ao mesmo tempo, da pessoa, e não o desenvolvimento exclusivo de saberes ou de saber fazer. Foi nesse movimento de procura de confirmações, de novos percursos e de registro das idéias que iam surgindo é que as sínteses foram tão ricas. Ao final de cada dia de formação, a coordenadora pedagógica do programa produzia sínteses do conhecimento produzido pelos participantes, como também organizava as dicas de referências bibliográficas, filmes etc. (ver Programação do Curso de Capacitação/Formação do PAIR/MG- Fase 2.) Todo esse processo fez parte da construção de um leque de subsídios para a equipe formadora atuar nos municípios. O processo de formação nos municípios foi estruturado e organizado a partir desses mesmos referenciais, tendo sofrido, entretanto, algumas alterações com vistas à adaptação da proposta à realidade de cada município, em conformidade com as sugestões dos formadores locais. Ressaltamos também que a realização de dinâmicas de grupo junto aos municípios foi um momento oportuno para valorizar o lúdico. Nesses momentos, tanto os participantes como nós tínhamos a oportunidade de trocar impressões, discutir as dificuldades e descontrair.

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Podemos afirmar que os desafios do processo de organização dos planejamentos não incidiram apenas sobre os aspectos cognitivos, mas também sobre os aspectos culturais, afetivos, éticos e estéticos envolvidos na prática formativa.

Curso de capacitação/formação e oficinas temáticas e de planejamento para educadores: síntese analítica da execução A seguir, apresentamos uma síntese analítica das questões discutidas nos encontros de capacitação/formação dos educadores que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias vítimas ou em situação de vulnerabilidade frente à violência sexual infanto-juvenil. Ressaltamos que se trata de uma sistematização através da qual esperamos apresentar as linhas gerais dos diálogos construídos pelos educadores entre si, e entre eles e as(os) formadoras(es), uma vez que a riqueza e variedade das idéias trocadas e construídas em cada município não se esgotam em um relato. Conforme apontado anteriormente, a proposta de trabalho construída para e com os educadores municipais fundou-se no princípio da valorização dos saberes, conhecimentos e experiências dos participantes com o objetivo de, por meio das atividades formativas apresentadas, contribuir para que o grupo avançasse no sentido de uma compreensão mais ampliada, tanto do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil propriamente dito, quanto de seu enfrentamento. Para atingir tal objetivo, organizamos a formação/capacitação e as oficinas temática e de planejamento em torno de três atividades específicas, a saber: Exposição Dialogada (ED), Grupos de Trabalho (GTs) e Plenárias (PL). No primeiro caso, trata-se de uma

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metodologia de exposição na qual a interação entre palestrante e participantes consiste em um elemento fundamental do trabalho, uma vez que o objetivo que se pretende alcançar é a promoção de um diálogo entre os saberes, conhecimentos e experiências que o público tem acerca da temática abordada, e os conhecimentos e questões apresentadas ao grupo pelo(a) palestrante. No caso dos GTs tratou-se de momentos em que, organizados em pequenos grupos, os participantes tiveram a oportunidade de avançar na reflexão das temáticas propostas para discussão, tendo garantidas melhores condições de fala, diálogo e troca entre eles, sobretudo para aqueles que se sentiam pouco à vontade para se expressar diante de um público maior (ED, por exemplo); as plenárias consistiram em momentos em que os GTs tiveram a oportunidade de apresentar e pôr em diálogo o resultado de seus trabalhos junto ao coletivo de participantes da formação.

Curso de capacitação/formação de educadores O curso foi organizado de forma a contemplar os Eixos temáticos da matriz pedagógica, com proposição de atividades específicas referidas a cada eixo, conforme apresentamos a seguir.

Marco conceitual Partindo do princípio de que “(...) conhecer a realidade é condição de sua transformação” (Oliveira; Oliveira, 1999: 19) e de que, no referente à violência sexual infanto-juvenil, é fundamental construir a compreensão para que se possa intervir adequadamente, a capacitação/formação dos educadores que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias dos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, para o enfrentamento ao fenômeno no âmbito do PAIR, foi concebida de modo a promover,

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inicialmente, a construção de uma compreensão básica e comum a todos acerca do fenômeno em suas mais diferentes dimensões. Tal proposição se baseou na compreensão da importância de se “(...) trabalhar em estrita ligação com um grupo oprimido, com vistas a construir, com o grupo e a partir de dentro da situação vivida pelo grupo, um conhecimento da realidade que conduza à identificação dos meios para superar a situação de opressão (...)” (Ibidem: 21). O fomento à reflexão coletiva em torno dos fatores que geram e/ou mantêm condições propiciadoras da violência sexual infantojuvenil foi realizado através da ED intitulada “Violência sexual infanto-juvenil: compreender para intervir”, da produção nos GTs, a partir de um Estudo de Caso e da Plenária de apresentação dos resultados das discussões realizadas. Tal estratégia possibilitou uma importante abertura no processo de capacitação/formação, pois possibilitou estimular a explicitação, pelos participantes, das concepções que compartilham acerca do fenômeno e da instauração de um debate amplo em torno destas concepções, fazendo com que o grupo avançasse na compreensão das mais diferentes dimensões do fenômeno. Neste contexto, ressaltamos a importância do trabalho ter feito emergir algumas formas reducionistas de entendimento do fenômeno que tendem a reproduzir uma visão estigmatizante da vítima – na qual esta, muitas vezes, passa à condição de culpada, conforme os julgamentos feitos em relação à sua conduta. Tais concepções foram dialogadas de modo a evidenciar a todos os participantes seus limites e inadequações, sobretudo no que se refere à definição de estratégias para o enfrentamento do fenômeno. A necessidade de contribuir para a superação deste modo de encarar a violência sexual infanto-juvenil foi uma das conclusões a que o coletivo participante da capacitação/formação chegou.

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Também foi possível, por meio desta atividade, alertar aos participantes da capacitação/formação acerca da importância de, ao tratar a violência sexual infanto-juvenil, atentarem para suas especificidades de modo que, uma vez compreendendo tratar-se de um fenômeno de múltiplas determinações, dentre as quais destacamos a questão da vulnerabilidade socioeconômica e cultural que caracteriza a maioria das vítimas e de suas famílias, bem como para as questões de gênero e raça, de modo a adequarem suas ações de enfrentamento ao fenômeno, a fim de atingirem resultados efetivamente mais positivos. Deste processo, resultou a reafirmação, entre os educadores participantes da formação, da importância da criação e manutenção de fóruns permanentes de discussão acerca da violência sexual infanto-juvenil e das demais questões relativas a seu enfrentamento, como estratégia para ampliar, em toda a rede de atendimento à criança, ao adolescente e às famílias, a compreensão do fenômeno em todas as suas dimensões, de modo a dar conta da complexidade que o reveste e de suas implicações, ampliando, assim, as possibilidades de êxito das ações voltadas a seu enfrentamento. Um outro resultado bastante positivo desta atividade foi a compreensão, entre os educadores participantes da capacitação/ formação, de que, dada a complexidade que caracteriza a violência sexual infanto-juvenil e considerando-se nesta complexidade o fato de seu enfrentamento muitas vezes implicar o envolvimento de diferentes sujeitos, grupos e/ou instituições (entre estes, inclusive, a própria família da vítima), as possibilidades de êxito das intervenções voltadas a interromper o ciclo de violência serão tanto maiores quanto mais integrados estiverem os educadores e mais articuladas forem suas ações.

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Políticas públicas/políticas setoriais Construída esta compreensão básica e comum acerca do fenômeno, a etapa seguinte foi de promover, entre os participantes, a compreensão dos mecanismos que a sociedade brasileira dispõe para promover seu enfrentamento. O foco dos trabalhos recaiu, portanto, nas políticas públicas, contemplando desde uma discussão ampliada acerca deste mecanismo, na exposição dialogada “Política Pública: assegurando direitos e deveres”, até as especificidades das políticas públicas que dão suporte ao enfrentamento ao fenômeno, através de exposições dialogadas sobre Política da Criança e do Adolescente; Política de Assistência Social; Política de Saúde; Política de Educação e Protagonismo Juvenil. Esta compreensão inicial foi seguida da realização de GTs nos quais se fomentou a reflexão coletiva em torno dos principais desafios com que os educadores se deparam e cujo enfrentamento é tarefa fundamental para que os diferentes setores, que atuam no atendimento à criança, ao adolescente e às famílias, possam contribuir efetivamente na garantia da proteção integral à criança e ao adolescente. Durante os GTs, os educadores tiveram a oportunidade de expor sobre as ações que realizam em seus setores específicos de atuação e trocar conhecimentos, saberes e experiências, explicitando, neste processo, os limites e possibilidades das políticas públicas de cada município, para a implementação de ações de atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias de um modo geral, e de ações de caráter protetivo e preventivo, no referente à violência sexual infanto-juvenil, de modo específico. A constatação de que uma maior articulação entre as políticas existentes tende a contribuir para potencializar as ações de enfrentamento ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, ampliando tanto sua eficiência quanto sua eficácia, foi um importante resultado

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deste trabalho. Por outro lado, o grupo constatou também a importância de construir uma compreensão mais ampliada, tanto das políticas públicas de defesa e garantia dos direitos e deveres sociais, quanto da implementação destas políticas no nível do município, acompanhando a execução e discutindo, coletivamente, alternativas para superar os limites que elas apresentam.

Famílias Considerando que o trabalho com as famílias representa um elemento fundamental para o êxito do enfrentamento, esta temática foi tratada de modo especial no processo de formação dos educadores de atendimento, proteção e promoção das crianças e adolescentes vítimas ou sob risco de violência sexual, por meio da realização de uma exposição dialogada inicial – Famílias: compreendendo os papéis das famílias em relação à violência sexual infanto-juvenil – seguida, tal como previsto na proposta do curso, de GTs nos quais os participantes tiveram a oportunidade de trocar experiências acerca das ações de intervenção realizadas junto às famílias e das especificidades deste trabalho. A delicadeza que reveste o trabalho junto às famílias de crianças e adolescentes vítimas ou sob risco de violência sexual infanto-juvenil, a necessidade de que este trabalho seja realizado pela mobilização de diferentes atores, instituições e segmentos da sociedade, e a necessidade de contribuir para a consolidação de um conceito de família mais adequado à dinâmica social da contemporaneidade, de modo a favorecer a intervenção junto aos diferentes modelos de organização familiar ora existentes, foram algumas das principais conclusões a que os participantes chegaram nesta etapa do trabalho. Para além destas conclusões, é necessário, ainda, ressaltar o fato de ter emergido deste processo uma nova sensibilidade, uma vez que se instaurou, entre os participantes, o reconhecimento de que

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a família, mesmo na condição de agressora, precisa, na maioria das vezes, ser promovida sociocultural e economicamente de modo que o ciclo de violência instalado em seu interior possa ser quebrado. Este reconhecimento foi traduzido, posteriormente, na proposição, durante o processo de elaboração dos Planos Municipais, da constituição de grupos de apoio às famílias.

Trabalho em rede Focando o objetivo geral do PAIR, qual seja, promover a articulação dos educadores e a integração das ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, a temática do trabalho em rede também mereceu destaque no curso, através de uma atividade específica: exposição dialogada, sob o título “Rede de proteção integral: conceito de rede, princípios do trabalho em rede e fluxo da rede”. Por meio desta atividade, os participantes tiveram acesso a noções básicas acerca do trabalho em rede, bem como do paradigma que o sustenta – complexidade –, e puderam perceber as possibilidades que se abrem às políticas e ações de caráter social, quando seus promotores, organizados em rede, conseguem dar uma orientação mais precisa e coesa às suas ações, ampliando a positividade de seus resultados. A compreensão da importância do trabalho em rede, por um lado, e a de que o pleno conhecimento da rede local consiste em um elemento fundamental para sua promoção, por outro, instaurou entre os participantes a necessidade de avançar no conhecimento da potencialidade local, de maneira que a rede de atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, no contexto da violência sexual infanto-juvenil, possa ser fortalecida com a presença e articulação de todos os atores municipais. Esta necessidade, por sua vez, assumiu a forma de demanda por maior

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conhecimento da rede local e de suas ações, tarefa que ficou para ser realizada durante as oficinas temáticas.

Marco Legal Embora já fosse de conhecimento dos educadores, participantes do curso, o atendimento, a proteção e a promoção de crianças, adolescentes e famílias, a existência de um consistente substrato legal que dá sustentação às ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil foi também um dos temas focados no processo de capacitação/formação. O trabalho realizado em torno desta temática foi feito através da exposição dialogada “Doutrina da Proteção Integral e garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente”, quando os participantes puderam ter mais informações acerca da legislação que regulamenta os assuntos referidos à infância e adolescência, de um modo geral, e dos crimes de violência sexual infanto-juvenil especificamente. Tratou-se, nos três municípios em que a capacitação/formação foi executada, de um rico momento em que os participantes puderam ampliar a compreensão acerca do Marco Legal do PAIR, esclarecer dúvidas surgidas em seu trabalho cotidiano e trocar experiências e informações acerca dos limites e possibilidades da legislação em face à realidade de cada contexto local. O reforço à compreensão, até então embrionária, da importância de que as ações de enfrentamento tenham por sustentação o amparo jurídico-legal de profissionais e instituições dotadas desta prerrogativa foi o principal resultado desta reflexão. Com isto, mais uma vez, ficou explícita a necessidade de articulação efetiva entre todos os atores, instituições e órgãos que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, como meio de potencializar os recursos humanos e materiais existentes no município para o enfrentamento ao fenômeno, para que, além

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da proteção e da prevenção, a sociedade local também avance no sentido de criar e efetivar mecanismos de responsabilização dos agressores, diminuindo, assim, as possibilidades de reincidência e/ou descrédito da população em relação à efetividade da denúncia.

Intersetorialidade/rede de proteção integral Por fim, o trabalho se voltou para a construção, junto aos participantes, dos conceitos de intersetorialidade e de rede de proteção integral, de maneira que, estando melhor informados acerca do fenômeno e das possibilidades de seu enfrentamento no nível local, pudessem avançar no sentido de compreender a necessidade de articulação entre todos os setores atuantes no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, resguardando as especificidades das atribuições/atuação de cada um e promovendo sua complementaridade. A compreensão da necessidade de se efetivar, no interior de cada município, o princípio da intersetorialidade como mecanismo através do qual tornar-se-á possível aos educadores locais constituírem a rede de proteção integral à criança e ao adolescente, colocando-os, conforme apontado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na condição de prioridade absoluta, foi um resultado bastante positivo desta etapa do trabalho, deixando abertas as possibilidades de continuidade do diálogo, com vistas a sistematizar as intenções e os compromissos de cada local no referente ao enfrentamento do fenômeno.

Apresentações artístico-culturais Um último aspecto que consideramos importante ressaltar foi a inclusão, em diferentes momentos do curso de formação/capacitação realizado nos três municípios, de apresentações artístico-culturais

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por crianças e adolescentes participantes de grupos e entidades locais. Tendo sido demandadas e organizadas pelos próprios educadores participantes do curso, a abertura de espaço para estas apresentações representou a criação de momentos em que todos puderam conhecer ou rever trabalhos de promoção à criança e ao adolescente realizados nos municípios, constituindo-se, também, de uma rica oportunidade para que o público-alvo das ações a serem implementadas no âmbito do PAIR – crianças e adolescentes – pudesse se mostrar, revelando aos expectadores, seu potencial.

Oficinas temáticas A segunda etapa do trabalho de capacitação/formação no âmbito da expansão do PAIR nos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim consistiu na realização de Oficinas Temáticas específicas com o objetivo de aprofundar a compreensão de diferentes aspectos ligados às redes locais de proteção integral à criança e ao adolescente e de uma oficina de planejamento voltada à elaboração dos Planos Municipais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. A demanda por um maior conhecimento da rede local, identificada pelos participantes da primeira etapa da capacitação/formação, foi contemplada nesta fase do trabalho, por intermédio da apresentação dos diversos atores municipais que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, com uma breve exposição acerca das atividades que realizam, dos limites e das possibilidades de sua atuação.5 Tratou-se de um momento bastante significativo, pois representou a oportunidade de os educadores publicizarem seu fazer, dando mais visibilidade às ações que realizam, aos desafios que enfrentam e, também, aos resultados deste fazer. Por outro lado, para a maioria dos participantes, a oficina temática representou a

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possibilidade de (re)conhecer o potencial da rede local, uma vez que se viram diante de iniciativas, algumas das quais não tinham nem mesmo conhecimento da existência. Além do conhecimento da rede local, os participantes da oficina temática também puderam conhecer e refletir sobre a realidade de seus municípios, no que se refere ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, através do estudo do diagnóstico inicial, realizado pela UFMG especificamente para este fim. Dentre as muitas questões discutidas neste sentido, destacou-se a compreensão de que a realidade é mais dinâmica e complexa que os dados do diagnóstico inicial conseguiram apontar, sendo colocado para o grupo a necessidade de dar continuidade ao trabalho de levantamento de dados acerca da realidade local, dando conta tanto dos casos já ocorridos, quanto das situações de risco, a fim de melhor intervir par alterar a realidade das crianças, adolescentes e famílias vitimizadas pelo fenômeno.

Oficina de planejamento Uma vez realizadas a apresentação da rede e a reflexão sobre a realidade local, o trabalho voltou-se para a Oficina de Planejamento, cujo objetivo foi de incentivar e subsidiar os participantes na elaboração dos planos municipais de enfrentamento ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil. Isto foi feito através de um trabalho no qual puderam, em paralelo à compreensão do processo de planejamento – considerando-se todas as suas especificidades e a importância de fazê-lo em conformidade com os interesses, expectativas, necessidades e potencialidades locais –, avançar na elaboração coletiva do Plano. Tratou-se de um momento em que os participantes tiveram a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos acerca da

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elaboração de planos, projetos e programas sociais, através da alternância entre momentos formativos propriamente ditos – exposições dialogadas –, e momentos de GTs, em que tiveram a oportunidade de exercitar os conhecimentos adquiridos neste processo em articulação com aqueles que foram se consolidando em todas as etapas da capacitação/formação que antecederam a esta oficina. Tendo sido acompanhados durante todo o período de elaboração do plano pelos formadores, os participantes tiveram, ainda, a possibilidade de (re)ver sua produção à luz das orientações do PAIR, da realidade local levantada no diagnóstico e da produção teórica referida à temática. Esta revisão foi feita a partir da análise, pelos(as) formadores(as), da produção dos grupos e do retorno desta análise aos mesmos, com a indicação dos pontos ainda frágeis nas proposições, a fim de que os participantes pudessem avançar em seu trabalho. É importante ressaltar a riqueza deste momento, uma vez que possibilitou que a equipe técnica subsidiasse de modo mais efetivo a construção do plano, ampliando sua compreensão das especificidades locais, sobretudo no referente ao modo como os(as) educadores(as) locais atuam. Por outro lado, este retorno da análise da sua produção ao coletivo, com o reconhecimento de seus elementos positivos, e a indicação daqueles ainda frágeis, em relação aos quais o grupo deveria trabalhar um pouco mais, representou tanto a abertura da possibilidade de maior adequação do plano, quanto a ampliação da compreensão dos participantes da oficina de todas as questões nele contidas, bem como do processo de elaboração de documentos desta natureza. Afora a elaboração dos planos municipais em si, a positividade desta etapa da capacitação/formação residiu na evidente contribuição que a mesma representou para a maioria dos participantes

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no sentido de melhor fundamentá-los no referente à elaboração de planos, projetos e programas sociais, havendo entre eles, desde aqueles que se viram e disseram diante de uma nova ferramenta de trabalho, quanto outros que, já tendo em seu cotidiano a prática de elaborar materiais desta natureza, tiveram a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos. Assim, de modo geral, pode-se dizer que se tratou de um momento de dupla positividade, tendo servido tanto para instrumentar atores e educadores municipais no referente ao enfrentamento do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, quanto para potencializar o trabalho dos educadores municipais que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias por ele atingidas ou sob rico de virem a ser.

Considerações finais No que se refere à execução da proposta do curso de capacitação/ formação dos educadores municipais que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias sob risco ou situação de violência sexual infanto-juvenil, alguns aspectos mostraram-se bastante relevantes, sendo importante recuperá-los aqui. Dentre estes aspectos destacamos, inicialmente, a opção por constituir a equipe formadora com técnicos especializados no trabalho com a temática, em diferentes áreas e com educadores municipais que atuam diretamente com o atendimento às crianças, adolescentes e famílias. Tratou-se no nosso entendimento de uma importante estratégia que nos permitiu ampliar a compreensão da realidade de cada localidade, as possibilidades de diálogo com os(as) participantes das ações formativas e, ainda, criar referências profissionais locais e regionais de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.

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O fomento à abertura dos participantes para o diálogo e para a troca de saberes, conhecimentos e experiências sobre o fenômeno e seu enfrentamento também se revelou um elemento bastante positivo, quando da execução da proposta, pois, através deste expediente, foi possível aproximar ainda mais estes educadores e seus fazeres, por meio da promoção de um conhecimento mútuo e da criação de consensos dinâmicos em torno deste tema em comum. A estratégia metodológica de garantir, ao longo do processo, momentos de exposição dialogada e momentos de reflexão, debate e proposição com a participação de todos também merece destaque, uma vez que representou a possibilidade de constituição de espaços coletivos de trabalho nos quais tornou-se possível que os participantes, de posse de um novo (ou renovado) instrumental teórico, (re)vissem suas concepções e analisassem as ações que empreenderam, de modo a identificar nestas os limites e as possibilidades de, uma vez implementadas, contribuírem efetivamente para o enfrentamento. A consideração de que todos que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias são, por princípio, educadores, uma vez que o trabalho que realizam se dá no sentido de promover uma (re)educação da sociedade no que se refere à forma de promover o desenvolvimento natural de crianças e adolescentes, através da garantia e efetivação de sua proteção integral, também representou um significativo avanço no que se refere a este trabalho de capacitação/formação. Isto porque, uma vez se compreendendo neste lugar e compreendendo desta forma sua tarefa, os educadores municipais tenderam a reforçar seu compromisso com o enfrentamento, entendendo que se trata de uma ação que vai além do mero combate à sua ocorrência, demandando,

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igualmente, um efetivo trabalho de disseminação desta contemporânea concepção do lugar social da criança e do adolescente, através, sobretudo, da promoção da prevenção ativa. Um último aspecto que merece destaque, neste contexto, foi o processo de elaboração dos planos municipais de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil e seu resultado. A adoção da estratégia de incentivar para que o documento final fosse, efetivamente, resultado do coletivo dos educadores participantes da oficina de planejamento, em um processo onde o material produzido pelo coletivo era permanentemente dialogado pela equipe de formadores, mostrou-se bastante adequada aos objetivos de promover o fortalecimento da rede de proteção integral à criança e ao adolescente do município. Isso possibilitou o estabelecimento de objetivos e de estratégias comuns a todos os setores atuantes na área de proteção/promoção de crianças, adolescentes e famílias para promover o enfrentamento ao fenômeno. Por sua vez, permitiu que o documento expressasse as intenções, os saberes, os conhecimentos e as experiências deste coletivo, articulados às questões teórico-conceituais e técnicas mais relevantes referidas ao tema e às especificidades locais que foram consideradas prioritárias para o aprimoramento das ações de enfrentamento. Por fim, resta considerar que, muito embora a extensão da carga horária e das jornadas de trabalho tenham sido bastante longas, a opção por trabalhar com todos os participantes do curso de capacitação/formação e da oficina temática e de planejamento juntos, mantendo, na medida do possível, toda a equipe de formadores presente e à disposição durante todos os eventos, consistiu em uma estratégia positiva uma vez que possibilitou um maior conhecimento desta pelos participantes e vice-versa. Por outro lado, o fato de manter todos os participantes juntos, por um período maior de tempo, também merece destaque neste

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contexto, pois fomentou a aproximação, o diálogo e as trocas entre todos, tanto no referente às temáticas propostas para estudo/ trabalho, quanto às questões diversas relacionadas ao seu fazer e viver cotidiano e às questões locais. Da observação de todos estes momentos, do acompanhamento e, muitas vezes, da participação direta ou indireta neles, ficou-nos a clareza do avanço dos educadores dos três municípios em questão no sentido de se conhecerem, se articularem e, efetivamente, iniciar ou aprimorar a integração de suas ações, reforçando o seu compromisso com o enfrentamento ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e com a promoção da proteção integral de crianças e adolescentes.

Notas Equipe - Seminário de Metodologias de Capacitação: Paula C. de M. Cambraia, Edite da Penha Cunha, Eduardo Moreira da Silva (PROEX/UFMG), Elizabeth Vieira Gomes (Oficina de Imagens), Kátia Liliane Alves Canguçu (Coordenadora do PEAS, na Secretaria Estadual de Educação), Vanessa Henriques Pinto (Coordenadora do PEAS, na Secretaria Estadual de Saúde), Sandra Maria Amorim (Escola de Conselhos - UFMS), Paulo Henrique Faleiros e Célia Carvalho Nahas (AMAS/PAIR/BH), Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti (FAE/UFMG), Maria Umbelina Caiafa Salgado (FAE/UFMG). Equipe - Curso de Formadores: Edite da Penha Cunha, Eduardo Moreira da Silva (PROEX/UFMG), Prof. Ricardo Silva (UFVJM) e Profª Helena Hemiko Iwamoto (UFTM), Profª Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti (FAE/UFMG), Profª Joana Vargas (CRISP/UFMG), Marisa Lacerda (POLOS/UFMG), Glaziane Silva (Prefeitura Municipal de Itaobim), Sandra Otoni (Prefeitura Municipal de Teófilo Otoni), Flávia Santana da Silva (CMDH/CAVIV - Secretaria Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania da PBH), Mary Cristina (Coordenadora da República Maria Maria), Kleber Queiroz (Judiciário), Profª Tânea Aretuza (CP/UFMG), Profª Geovânia Santos (UNIPEL), Profª Geralda Luiza de Miranda (DCP/UFMG), Nívia Mônica da Silva (Promotoria da Infância e da Juventude de BH), Maria das Graças Bibas (Ministério Desenvolvimento Social), Rosiléia Wille (Ministério da Educação), Thereza Delamare (Ministério da Saúde), Eleonora Schettini (PROEX/ NUPASS/UFMG), Profª Maria Thereza Nunes Fonseca (Prefeitura Municipal de Belo Horizonte), Rodrigo Correa e Jozeli Rosa de Souza (Oficina de Imagens).

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Termo que, na educação, é entendido como uma forma de organizar o trabalho didático na qual alguns temas são integrados nas áreas convencionais de modo a estarem presentes em todas elas. O conceito de transversalidade surgiu no contexto dos movimentos de renovação pedagógica, quando os teóricos conceberam que é necessário redefinir o que se entende por aprendizagem e repensar também os conteúdos que se ensinam aos educandos. A transversalidade diz respeito à compreensão dos diferentes objetos de conhecimento, possibilitando a referência a sistemas construídos na realidade dos educandos. (MENEZES; SANTOS, 2002)

3

Ver princípios norteadores do processo de capacitação/formação no texto de Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti, neste volume.

4

Equipe de Formadores responsável pela Capacitação/Formação dos Educadores nos três municípios (Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim). Composição da equipe: Professores e técnicos das três Universidades (UFMG, UFTM e UFVJM), profissionais da área da Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura e Esportes, e representantes da sociedade civil, indicados pelos três municípios. São eles: Andréa Francisca dos Passos, Bethânia Ferreira Goulart Cunha, Carla Oliveira Cardoso, Cibele A. Chapadeiro C. Sales, Cláudia Gomes da Silva, Cristina Pinto Cunha, Eduardo Moreira da Silva, Eliana Baracho A. Reis, Fabiana Silva Almeida, Fabiana Silva de Oliveira, Geovânia Lúcia dos Santos, Glaziane Aparecida Silva, Helena Hemiko Iwamoto, Helga Yuri Silva Okano Andrade, Jacira de Moura Sander, José Joesso Alves Pereira, Jozeli Rosa de Souza, Marcos Genari Mariano, Mário Alfredo S. Miranzi, Miriam de F. Amorim Corrêa, Nádia Maria Carvalho O. Martins, Pedro Paulo V. de Macedo, Ricardo Silvestre da Silva, Rita Lúcia de C. Oliveira, Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira, Sandra Ottoni Bamberg, Tânia Aretuza, Wallysson Mardem V. Macedo, Zélia de Oliveira Barbosa.

Como cada município teve autonomia para definir o desenho do curso a ser executado, a apresentação da rede local foi um dos itens cujos formato e momento de realização variou entre os municípios. Contudo, independente do momento/formato, a dinâmica do trabalho e seus principais resultados podem ser considerados para os três municípios, uma vez que apresentaram bastantes aproximações.

5

Referências MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos.”Transversalidade” (verbete). In: Dicionário interativo da educação brasileira EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. Disponível em: . NÓVOA, Antonio. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, Antonio (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

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OLIVEIRA, Rosiska Darcy de; OLIVEIRA, Miguel Darcy de. Pesquisa social e ação educativa: conhecer a realidade para poder transformá-la. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1999. p. 17-33. SOUZA, João Valdir de. Igreja, escola, comunidade: elementos para a história cultural do município de Turmalina. Montes Claros: Unimontes/Editora, 2004. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL. Escolas de Conselhos. Capacitação da rede. Campo Grande, [s.d.].

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anexos

cronograma de ações – Expansão do PaIR

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3º) Planejar a ação de enfrentamento Planos Operativos Locais (POL)

2º) Fortalecer a Rede de proteção Integral

Objetivos específicos: 1º) Compreender o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes, bem como a organização e dinâmica de funcionamento da rede de proteção.

Objetivos do PAIR

Eixos do plano nacional II Mobilização e articulação III Defesa e responsabilização IV Atendimento

V Prevenção

VI Protagonismo infanto-juvenil

Planejamento:

Política Pública

MARCO LEGAL • Doutrina de Proteção Integral e Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente • O papel da Promotoria

PLANO OPERATIVO LOCAL (POL) • Diretrizes • Objetivos/Metas • Ações/Cronograma

MARCO CONCEITUAL • O fenômeno da violência sexual infanto-juvenil na perspectiva dos Direitos Humanos • O enfrentamento e a prevenção da violência sexual - na Saúde - na Educação - na Assistência Social • Família • Protagonismo Infanto-Juvenil

Objetivo Geral: Agir articuladamente em rede para enfrentar a violência sexual infanto-juvenil

I Análise da situação

Matriz pedagógica/curricular da capacitação/formação Temas transversais

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Temáticas da capacitação/formação

EIXO II: - Articulação e mobilização (INTERSETORIALIDADE) - Estruturação e fluxo da REDE

EIXO VI: Protagonismo infanto-juvenil

Resultados do diagnóstico da rede de proteção Integral existente nos municípios

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responsáveis :

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Objetivos

Conteúdos

Metodologia

(detalhar a dinâmica de trabalho)

Textos

(colocar referências e número de cópias)

Curso de formação de educadores – julho/2007

Formulário do Programa de ações integradas de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil Expansão pair/mg (Ufmg/uftm/ufvjm)

(especificar duração de cada atividade)

Tempo

Temática: Formadores Ementa: Material

(vídeo, power point, papéis, pincéis etc.)

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22/05

8:30 Marco conceitual Compreendendo a violência sexual infanto-juvenil na perspectiva dos direitos humanos. Tipos e Sinais da violência sexual 10:30 Café 10:45 Debates 12:00 Almoço

13:30 Marco legal Doutrina de Proteção Integral e garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente 15:30 Café 15:45 Debates 16:45 Sistematizando as idéias do dia para a proposta de formação no município 17:15 Debates 17:45 Avaliação e registro do dia 18:00 Encerramento

21/05

8:30 Abertura PROEX, SEDH 10:00 Café 10:15 Princípios norteadores e objetivos da Capacitação/ formação e apresentação da Matriz Curricular –11:00 11:30 Debate 12:00 Almoço

13:30 Metodologia e resultados do Diagnóstico de Itaobim e Teófilo Otoni 15:00 Apresentação da síntese dos debates acerca do diagnóstico realizados nos municípios nos dias 16 a 19 de maio, comentários dos representantes dos municípios 15:30 Café 15:45 Debates 17:00 Avaliação 17:15 Registro do dia 17:30 Encerramento

Manhã

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Tarde

13:30 Definindo proposta de capacitação/formação dos municípios 16:00 Café 16:15 Plenária – Apresentação das propostas de cada equipe 17:30 Encaminhamentos e avaliação 18:00 Encerramento

8:30 O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na Assistência Social 9:30 Café 9:45 Trabalhando com famílias 10:45 Protagonismo Infanto-Juvenil 11:15 Debates 12:15 Registro da Manhã 12:30 Almoço

8:30 Política Pública Conceito; fases; políticas de enfrentamento e prevenção da violência sexual infanto-juvenil 9:30 Debates 10:30 Café 10:45 O papel da Promotoria, suas interfaces com o Judiciário e seus instrumentos legais 11:45 O papel do legislativo 12:30 Debates 12:45 Almoço

14:00 O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na saúde 15:00 O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na educação 16:00 Debates 16:30 Café 17:00 Sistematizando as idéias do dia para a proposta de formação no município 17:30 Avaliação e registro do dia 18:00 Encerramento

24/05

23/05

Programação do curso de capacitação | Formação do PAIR/MG - fase 1

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Encerramento

Oficina de Planejamento Avaliação do 1º dia

13:30 17:30

17:30

ALMOÇO

12:00

9:45 10:00

11/06

Abertura Introdução: Resgate do processo de Capacitação/ Formação (Abril e Maio) Idéias-força da proposta de formação CAFÉ Equipes Temáticas * (Ementa e o seu desenvolvimento)

18:00

15:00 15:45 16:00

14:00

12:30

8:30

12/06

Encerramento

O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na saúde Debate CAFÉ “Projeto Escola que Protege” Equipes Temáticas: Leitura e discussão das ementas trabalhadas no dia 11/06

ALMOÇO

Oficina de Planejamento

18:00

15:30 15:45 17:00 17:30

13:30

12:30

8:30

13/06

Encerramento

Equipes Temáticas: Fechamento da proposta da ementa e seu desenvolvimento para o curso de educadores de julho/07 CAFÉ Plenária Encaminhamento/Avaliação do 2º dia Atividade sócio-cultural

ALMOÇO

Oficina de Planejamento

12:15

11:45 12:00

10:00 10:15

9:00

14/06

ALMOÇO

Trabalho em equipes por municípios: A) Fechamento da proposta para o curso para educadores (julho/07) a partir da revisão da proposta de capacitação/formação dos municípios apresentada na Plenária do dia 24/05 CAFÉ B) Proposta Oficinas Temáticas para educadores (agosto/07) Plenária Encerramento

* Equipes Temáticas: I – Marco Conceitual; II – Políticas Públicas; III – O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na Saúde; IV – O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na Educação; V – O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na Assistência Social; VI – Famílias; VII – Protagonismo Juvenil.

Tarde

Manhã

8:30 9:00

Programação do curso de capacitação | Formação do PAIR/MG - fase 2

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Pa u l a ca m b ra i a d e m e ndo n ç a vi an n a M a ra va s c o n celo s Va n e s s a h e n ri q u es pi n to M i gu i r t e re s i n h a v. D o n o s o J a n e t e ri c as

A Saúde e as Ações de Enfrentamento à Violência Contra Crianças e Adolescentes

Introdução Discorrer sobre a contribuição da saúde no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes é um tema desafiante. Os dados estatísticos brasileiros apontam que 39% das crianças de 0 a 6 anos vivem em famílias com rendimento mensal per capita de até ½ salário mínimo, enquanto 52% das crianças de 0 a 3 anos vivem em famílias consideradas pobres. No censo demográfico de 2000, a população na faixa etária de 10 a 19 anos corresponde a 21% da nossa população e cerca de 26 mil jovens perdem a vida em acidentes, suicídios, violência e doenças relacionadas à gravidez e a outros males (Escorel, 1999; brasil, 2005). Esses dados demonstram que crianças de segmentos socioeconômicos menos favorecidos são mais vulneráveis a situações de violência desde o nascimento ou até mesmo antes dele.

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Propor uma reflexão sobre as ações da área da saúde na abordagem deste fenômeno exige uma construção criteriosa e ética de papéis, funções, ações e estratégias em um terreno pouco visitado pela maioria dos profissionais de saúde. Não podemos restringir esta abordagem aos profissionais que circulam pelas especialidades da pediatria e da hebeatria,1 pois necessitamos alargar o nosso campo de atuação, ganhando espaços, conquistando territórios em parceria com outras especialidades da área da saúde e com toda a rede de proteção à criança e ao adolescente, o que pressupõe ações intersetoriais. Inicialmente, será abordado, neste estudo, o conceito de saúde em sua dimensão mais ampla para depois compreendermos o significado da violência enquanto um problema, também, de saúde pública. Embasadas por estes dois conceitos, discorreremos sobre o referencial conceitual, legal e os desafios das ações interventivas da saúde no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.

Saúde, cuidado e serviços de atenção à saúde O conceito de saúde, definido na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e consagrado na Constituição Federal de 1988, “é resultante das condições de alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, liberdade e acesso aos bens de serviço essenciais”. Esta Constituição estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado. Portanto, saúde é sinônimo de qualidade de vida e por isso vai além da ausência de doença, ao entender o ser humano de forma integral, assegurando-lhe os direitos fundamentais do nascimento à morte. Promover o acesso a esses direitos, encaminhando-os aos serviços de atenção à saúde, quando necessário, é dever tanto dos profissionais de saúde como da sociedade de uma maneira geral.

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Neste sentido, a maneira como os diversos atores sociais (usuários, familiares, técnicos, sociedade, Estado) agem faz com que seja produzido um determinado modo de cuidar em saúde. Somos em determinadas situações, a partir de certos recortes, sujeitos de saberes e de ações que nos permitem agir protagonizando processos novos como força de mudança. Mas, ao mesmo tempo, sob outros recortes e sentidos, somos reprodutores de situações dadas. Ou melhor. Mesmo protagonizando certas mudanças, em muito conservamos. Entretanto, sob qualquer um desses ângulos, somos responsáveis pelo que fazemos. Não é possível não nos reconhecermos nos nossos fazeres (Merhy, 2002: 5).

O ato cuidador é basicamente um ato criador, atento, perspicaz às necessidades e singularidades de quem o demanda. Nos serviços de saúde, o ato cuidador pode ser definido como um encontro intercessor entre um trabalhador de saúde e um usuário, e no qual há um jogo de necessidades/direitos. Neste jogo, o usuário se coloca como alguém que busca uma intervenção que lhe permita recuperar, ou produzir, graus de autonomia no seu modo de encaminhar a sua vida. Coloca neste processo o seu mais importante valor de uso, a sua vida, para ser trabalhada como um objeto carente de saúde (Merhy, 1998: 4).

Saraceno define um serviço de alta qualidade como aquele “que se ocupa de todos os pacientes que a ele se referem e que oferece reabilitação a todos os pacientes que dele possam se beneficiar” (1999: 95). Não podemos reduzir a amplitude de um serviço a um local físico e aos seus profissionais, mas a toda gama de oportunidades e lugares que favoreçam a reabilitação e o cuidado do paciente. Um dos lugares privilegiados no intercâmbio com os serviços é a comunidade e dela fazem parte a família, as associações, os sindicatos, as igrejas etc. É, portanto, fonte de recursos humanos

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e materiais, lugar capaz de produzir sentido, contratualidade e resolutividade. É principalmente durante a crise que os serviços de saúde têm que se mostrar atuantes e eficientes no atendimento e suporte ao cliente e sua família, pois é o momento em que se encontram mais fragilizados e, muitas vezes, sem ter a quem recorrer. É fundamental, portanto, um vínculo terapêutico com o serviço e o profissional. Entretanto, para Merhy, o modelo assistencial que opera hoje nos nossos serviços é centralmente organizado a partir dos problemas específicos, dentro da ótica hegemônica do modelo médico liberal, e que subordina claramente a dimensão cuidadora a um papel irrelevante e complementar (1998: 12).

Não existe, pois, uma preocupação com o antes, com os modos de vida do paciente e sua família. Existem, sim, intervenções pontuais e descontextualizadas para atender situações específicas de crise. Para Saraceno (1999), o modelo hegemônico de atendimento, centrado no paradigma médico, apesar de acolher algumas proposições das abordagens psicossociais, se caracteriza por ser: • linear: um dano definido de determinado sistema de nosso corpo provoca uma condição de doença, e os tratamentos são reparações desse dano; • individualista: saúde e doença são determinadas pelos recursos/carências do indivíduo, e os tratamentos são intervenções exclusivamente dirigidas a ele; • a-histórico: ignora as interações indivíduo-ambiente.

Hoje, propõe-se um modelo de atenção interativo e complexo, que contemple as abordagens biológica, psicológica e social, sob a égide de um trabalho interdisciplinar que valorize as potencialidades de cada profissional, em benefício de uma assistência mais

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dinâmica e eficiente no atendimento e tratamento das pessoas. A troca de informações e experiências, as diferentes formas de estar e escutar o paciente possibilitam uma maior interação entre a equipe e o usuário. As condições que definem uma atenção de qualidade à saúde exigem vários olhares, reúnem diversos saberes e práticas na busca do entendimento e da construção integrada de soluções que garantam à população uma vida melhor, de acordo com o princípio da intersetorialidade. A intersetorialidade é a articulação entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, de saberes, poderes e vontades diferentes para enfrentar problemas complexos. É uma nova forma de trabalhar, de governar e de construir políticas públicas que pretende possibilitar a superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir efeitos mais significativos na saúde da população e garantir um acesso igualitário à saúde. É, portanto, uma nova prática social, construída a partir da reflexão e do exercício democrático, pois incorpora não apenas a compreensão compartilhada sobre finalidades, objetivos, ações e indicadores de cada programa, mas práticas sociais articuladas que resultam em um impacto na qualidade de vida da população. Envolve também mudanças de valores, normas e regras que permeiam o agir de grupos e organizações sociais. Por meio dessas mudanças, é possível perceber que, para promover a saúde, é necessário o respeito à diversidade e às particularidades de cada setor ou sujeito. Portanto, os caminhos para a construção da intersetorialidade partem de um processo transformador que busca o aprendizado da tolerância, da capacidade de escuta e da negociação. O primeiro passo é reconhecer as limitações do olhar setorial, ou seja, cada qual detém uma parte da verdade e das explicações, mas não a sua totalidade.

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A violência contra crianças e adolescentes como um problema de saúde pública O setor saúde tem se destacado, a partir do século XX, como um dos maiores locus de defesa à proteção integral de crianças e de adolescentes. No mundo e também no Brasil, as teses dos defensores dos direitos infanto-juvenis se fundamentam, sobretudo, nas condições de crescimento e desenvolvimento desses seres em formação. Entretanto, a prática da assistência em saúde focaliza, na maioria das vezes, o reparo de traumas e lesões físicas e aspectos médicolegais. Sabemos que esses cuidados são essenciais, mas é necessária uma ação intersetorial e um trabalho interdisciplinar para que o enfrentamento da violência infanto-juvenil realmente ocorra. O art. 136 do Código Penal Brasileiro define como maus-tratos o ato de expor a perigo a vida ou a saúde de pessoas sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de coerção ou disciplina (Código Penal Brasileiro, 2002, grifo nosso).

Subentende-se nesse conceito (elaborado em 1940) que práticas não abusivas de meios de coerção ou disciplina são legalmente respaldadas aos responsáveis pela criança. Os maus-tratos podem ser classificados em: violência física, maus-tratos emocionais ou psicológicos, negligência e abuso sexual (Latalski et al., 2004). Importante mencionar, neste momento, os diversos tipos de violência observados em crianças e adolescentes. O conhecimento

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sobre as diferentes maneiras de manifestação da violência orienta os profissionais a diagnosticar, intervir e notificar os casos atendidos. São elas: 1. negligência: omissão, deixar de prover as necessidades básicas para uma pessoa se desenvolver fisicamente, emocionalmente (frio, fome, higiene, estudo). A negligência pode ser definida como uma omissão dos pais ou responsáveis nos cuidados com a criança, que resulta em danos reais ou potenciais para ela (Dubowitz; Giardino; Gustavson, 2000). É considerada o tipo o mais comum de maus-tratos na infância (Allin; Wathen; Macmillan, 2005). É importante diferenciar situações de negligência de situações de pobreza extrema. O segundo caso é reconhecido por Morais e Eidt (1999) como negligência contextual. Whaley e Wong (1989) postulam sobre as várias formas de apresentação da negligência, citando até a negligência emocional, quando não são atendidas as necessidades de afeto, atenção e apoio emocional da criança; 2. abandono: forma extrema de negligência, desprezar, desamparar; 3. violência física: é definida como a utilização de força física em caráter intencional por parte dos pais ou responsáveis ou adolescente mais velho, com o objetivo de ferir, provocar dano ou levar à morte a criança ou adolescente, deixando ou não marcas visíveis (Pfeiffer; Waksman, 2003). Não encontramos na literatura definições que estabeleçam limites entre castigo leve, castigo severo, palmada, espancamento e outros. Allasio e Fischer (1998) questionam a existência de diferenças entre tortura e violência física contra a criança. Para os autores, a tortura é definida como qualquer ato pelo qual dor ou sofrimento severo (físico ou psicológico) é intencionalmente praticado contra alguém por motivos variados. Porém, socialmente, a percepção de tortura geralmente se encontra ligada a interrogadores e interrogados, vingança ou sadismo, não sendo usual a expressão “tortura de crianças

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e adolescentes”. No entanto, no caso dos maus-tratos, a tortura ocorre, mesmo que provocada por descontrole da raiva, punição excessiva e inadequada com intenção educativa e negligência por irresponsabilidade ou ignorância – falta de informação e reflexão sobre as conseqüências do ato ou da omissão; 4. síndrome do bebê sacudido: mau-trato físico, provocado por adulto, que agita o bebê com brutalidade, geralmente pela irritação por causa do choro ou desagrado por outro motivo. Essa agressão tem como resultado lesões cerebrais irreversíveis; 5. síndrome da criança espancada: sofrimentos infligidos, apresentados por fraturas ósseas, hematomas, lesões cerebrais, queimaduras de forma repetitiva; 6. abuso psicológico: compreende toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobranças exageradas, punições humilhantes e utilização da criança ou do adolescente para atender às necessidades psíquicas do adulto. É a forma mais praticada de violência contra a criança. Pode acarretar graves danos ao seu desenvolvimento psicológico, tendo como fator agravante o fato de não deixar marcas visíveis (Cavalcanti, 2002). Apresenta-se de diversas formas e evidencia-se como a interferência negativa do adulto sobre a criança e sua competência social, conformando um padrão de comportamento destrutivo (Morais; Eidt, 1999). São seis as formas mais praticadas de violência ou abuso psicológico contra a criança: rejeitar, isolar, aterrorizar, ignorar, corromper e, finalmente – a forma que tem sido a mais relacionada às crianças oriundas de classe média ou alta –, produzir excessivas expectativas sobre seu rendimento escolar, intelectual e esportivo (BRASIL, 1993). Este tipo de violência é difícil de ser caracterizada e conceituada, apesar da freqüência com que acontece. Cobranças exageradas e comparações desmerecedoras e humilhantes também são formas de

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abuso psicológico. Aliás, as comparações, estratégia bastante utilizada pelos adultos, não promovem o amadurecimento da criança – pelo contrário, é mais comum que lhe causem insatisfação consigo mesma, insegurança e medo de se expor (Moreira, 1999); 7. síndrome de Munchausen por procuração: quando a criança é trazida para cuidados médicos, mas os sintomas e/ou sinais são inventados ou provocados pelos seus pais ou responsáveis, exigindo dos profissionais exames complementares desnecessários, medicamentos, consultas e internações sem motivo clínico observado; 8. outras síndromes: fatos diferenciados dos já relacionados na literatura ou novas percepções que necessitem ser objeto de estudo específico. A violência sexual infanto-juvenil foi abordada de forma diferenciada neste estudo, por se tratar de um fenômeno cuja visibilidade aumenta em todo o mundo e, cada vez mais, os gestores têm se preocupado em criar políticas para o seu enfrentamento. De acordo com Araújo (2004), pode ser entendida como ato de força, quer seja moral, física, psicológica, praticado contra criança e adolescente pelo violentador, que detém sobre eles poder de autoridade, dominação, coerção e coação, para satisfação unilateral de seus desejos (prazer sexual) e/ou para tirar vantagens (lucro). Existem duas facetas da violência sexual que se inter-relacionam. No entanto, precisam ser entendidas a partir de suas especificidades: o abuso sexual e a exploração sexual. O abuso sexual atinge todas as camadas sociais, etnias, religiões e culturas, e certamente é uma das formas mais cruéis de violência contra a criança. Abrange quaisquer contatos ou práticas eróticas e/ ou sexuais impostos à criança ou ao adolescente por um agressor

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que esteja em etapa de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a vítima, mediante coerção física, ameaças ou indução de sua vontade e que tenha por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para a obtenção de satisfação sexual (Bretas et al., 1999). Em 1993, mais de 300 mil crianças nos Estados Unidos sofreram abuso sexual. Em algumas famílias, outros membros também haviam sofrido este tipo de violência (Bowen, 2000), que constitui um fenômeno cada vez mais observado no nosso meio, seja por aumento real ou por aumento de denúncias e queixas. Ainda que se ignore sua verdadeira incidência, Guerra (2000) informa que, na maioria dos casos, as vítimas são do sexo feminino. Sabe-se que há uma relação entre tipo de violência e questões ligadas ao gênero. Discorrendo sobre gênero, violência e direitos humanos, Pitanguy (2002) se refere à persistência da invisibilidade sobre a violência de gênero, ou seja, ainda há poucos olhos para essa violência social. Para a autora, isso é decorrente da situação e da inserção políticosocial, econômica e cultural da mulher na sociedade, no imaginário sobre o feminino e sobre as relações de gênero. A exploração sexual é uma das formas de violência sexual que se caracteriza pelo contexto de mercado em que as relações sexuais, envolvendo crianças e adolescentes, ocorrem. É uma forma de violência que se realiza nas relações de mercado – consumo, oferta e excedente, por meio da venda dos serviços sexuais de crianças e adolescentes pelas redes de comercialização de sexo, pais ou responsáveis ou pela via do trabalho autônomo (Leal; Piedade Júnior, 2001). A exploração sexual comercial é considerada quando se apropria comercialmente do corpo, como mercadoria para obter lucros. São considerados exploradores o cliente que paga pelos serviços sexuais e os intermediários em qualquer nível, ou seja, aqueles que induzem, facilitam ou obrigam crianças e adolescentes a serem explorados.

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Convivemos, em nossa sociedade, com outro tipo de violência, pouco falada e que é entendida, muitas vezes, como um assunto de família. A violência intrafamiliar não é fácil de ser combatida, pois, além de ser considerada por muitos como normal ou como uma questão particular da família, é exercida sobre os membros mais vulneráveis da sociedade: crianças e mulheres. Há, ainda, como agravante a “lei do silêncio”, fortemente envolvida nessa questão. As vítimas são ameaçadas, mas seja por desinformação, medos ou descrédito nas instituições oficiais, não se manifestam. Pode ser aplicada, também, por pessoas que convivem no ambiente familiar, como empregados, agregados e visitantes esporádicos (Blank et al., 2003). Esse tipo de violência somente vem à tona quando a vítima requer atendimento médico ou quando alguém – geralmente externo ao âmbito familiar – a denuncia aos órgãos competentes. No entanto, fatores, principalmente culturais, desinformação e, ainda, a incipiente organização social, contribuem para que essas denúncias sejam reduzidas e estejam longe de mostrar a intensidade e gravidade do fato. Não habituados a pensar nessa violência e, principalmente, a não vê-la como de sua responsabilidade, os profissionais de saúde não estão atentos e não buscam, de forma sistemática, os seus sinais. É possível que mesmo entre eles a obrigatoriedade da denúncia, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seja ainda amplamente desconhecida e, assim, com mais freqüência negligenciada. Diante do exposto, pode-se afirmar que a violência e suas conseqüências negativas sobre a saúde são primeiramente uma violação dos direitos humanos, não escolhendo cor, raça, credo, etnia, sexo e idade para acontecer. Embora ela ocorra em todas as faixas etárias, são as crianças e os adolescentes que sofrem maiores repercussões sobre sua saúde, por estarem em fase de crescimento e desenvolvimento e, por isso, em situações de maior vulnerabilidade social.

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Não podemos desconsiderar que várias instituições de saúde do Brasil atuam dentro de uma visão abrangente, atrelando cuidados específicos no atendimento das lesões e traumas decorrentes de uma situação de violência, com práticas de promoção e de prevenção. A distribuição desigual de conhecimentos, de equipamentos e de recursos, somados ao preconceito e a uma certa rejeição em trabalhar com o problema, são fatores que tornam a ação ainda restrita e pouco visível. Portanto, é imprescindível que a saúde, no que tange à prevenção e enfrentamento da violência, ultrapasse os muros dos serviços e atue não apenas no atendimento à vítima, mas na identificação precoce dos sinais e sintomas e, principalmente, no estabelecimento de parcerias com organizações governamentais (educação, ação social, defesa social, cultura etc.), não-governamentais e informais, comunidades, profissionais, serviços, programas sociais, setor privado, bem como as redes setoriais, priorizando o atendimento integral às necessidades das crianças e adolescentes. Vários estudos indicam que a violência física é um agravo muito freqüente nos serviços de saúde (Pereira; Silva; Campos, 1999; Hetler; Greenes, 2003; Elliman; Lynch, 2000). Os sinais de violência física contra a criança variam conforme o tipo e a intensidade das lesões. As marcas podem ser confundidas com lesões acidentais, decorrentes da atividade física diária da criança. As lesões corporais apresentadas pelas vítimas compreendem desde contusões, fraturas e queimaduras até rupturas de órgãos, pois o castigo corporal pode constar de simples palmadas ou, até mesmo, assumir dimensões brutais, como espancamentos com auxílio de instrumentos (cintos, correntes, cordas), queimaduras, choques elétricos e perfurações. Uma criança maltratada que chega ao serviço de saúde com graves lesões provavelmente já sofreu maus-tratos menos intensos anteriormente sem que a ocorrência fosse denunciada.

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Bauer (2004) estima que anualmente ocorra um milhão de casos de maus-tratos de crianças no mundo. O autor considera, ainda, o fato de que muitos casos de abuso e de negligência não são notificados ou são inconsistentes. Por isso, o número das crianças abusadas, negligenciadas e mortas pode ser ainda mais elevado. Santos (2000) considera que o maior número de crianças que sofrem maus-tratos são vítimas da própria família. Há fatores de risco comuns freqüentemente encontrados nos casos de maus-tratos referentes aos perpetradores e às crianças. No caso dos perpetradores, encontram-se: história pregressa de abuso na infância seguida de isolamento social; gravidez na adolescência; promiscuidade dos pais, com vários parceiros convivendo no mesmo teto; falta de apego familiar (pai, mãe, filho); ausência de acompanhamento pré-natal; capacidade limitada em lidar com situações de estresse; drogas; alcoolismo; baixa escolaridade; desemprego; e pais com doenças psiquiátricas, emocionais e de personalidade (Pires, 2000). É importante considerar que as famílias das camadas populares mais baixas são alvos mais fáceis de denúncias (Tomio, 2000). Crianças maltratadas freqüentemente se tornam adultos que maltratam (ABRAPIA, 1997). Além disso, outros agravos físicos e/ ou emocionais parecem estar relacionados aos maus-tratos durante a infância e a adolescência. Quando analisamos o perfil das vítimas de violência, as características comumente encontradas são: crianças não desejadas, não planejadas e que não foram aceitas desde a gravidez; pré-termos ou crianças hospitalizadas e afastadas da mãe por longos períodos, cujos vínculos foram abalados; crianças de gênero diferente das expectativas ou de aspecto físico contrastante com o dos pais; crianças ou adolescentes com capacidade intelectual ou perspectivas de vida contrastante com a dos pais; filhos criados por outras pessoas ou

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com pais distantes que desenvolveram valores diferenciados; filhos de relacionamentos extraconjugais; crianças de “comportamento difícil”, hiperativas ou com transtornos de conduta; e filhos portadores de necessidades especiais (Pfeiffer; Waksman, 2003; Pascolat et al., 2001). Os maus-tratos podem envolver crianças de todas as idades, porém predomina entre menores de 3 anos (Cardoso, 2002). Segundo Deslandes, Assis e Santos (2005), independentemente dos termos utilizados para nomear a violência contra crianças e adolescentes, esta se encontra representada em toda ação ou omissão capaz de causar lesões e transtornos a seu amplo desenvolvimento.

As ações de saúde e a violência contra crianças e adolescentes No Brasil, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, constituiu um marco histórico no que tange à proteção de crianças e adolescentes brasileiros. Este Estatuto orienta que “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízos de outras providências legais” (ECA, 1990, art. 13). Outras legislações foram criadas e buscam minorar as ações de violência contra crianças e adolescentes. Entretanto, uma lei não muda a realidade, pois ela é uma abstração. Portanto, ela requer um ator social que a aplique, que a faça operar sobre a realidade. Fazem parte deste rol de atores os profissionais de saúde. De acordo com a Portaria 1968/GM do Ministério da Saúde, de 2001, os profissionais da saúde e da educação são obrigados a

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notificar os maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes. Ela estabelece que os responsáveis técnicos de todas as entidades de saúde integrantes ou participantes, a qualquer título, do Sistema Único de Saúde SUS deverão notificar, aos Conselhos Tutelares da localidade, todo caso de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes, por elas atendidos.

Portanto, a notificação da violência ou maus-tratos contra a infância e adolescência é obrigatória e de responsabilidade de todos os profissionais da saúde pelo Ministério da Saúde e também para os de educação pelo estatuto da Criança e do Adolescente. Para o cumprimento dessas leis, esses profissionais, além de estarem sensibilizados quanto à sua relevância, devem estar tecnicamente preparados para reconhecer as várias formas deste agravo. É necessário que os órgãos competentes disponibilizem informações e capacitação técnica a eles, para que possam intervir adequadamente nestas questões.

Os desafios das ações interventivas da saúde no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil Ao tratar sobre os desafios encontrados por profissionais e instituições que prestam atendimento a vítimas de maus-tratos, Cunha (1998) salienta a não-aceitação da família, os limites da intervenção, a falta de uma retaguarda de apoio, a fragilidade dos Conselhos Tutelares e a dificuldade de capacitação dos profissionais. No que se refere às dificuldades de notificação de maus-tratos por profissionais de saúde, Silva (2001) pontua que falta preparo ao profissional para identificar e lidar com os casos de maus-tratos: ele tem medo de fazer a notificação e sofrer retaliações por parte da família e do agressor. Além disso, há fragilidade por parte dos

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Conselhos Tutelares no atendimento aos casos notificados; e desconhecimento das suas atribuições, ausência de retorno em relação aos desdobramentos dos casos notificados e de suporte necessário. Essas situações são agravadas pela enorme demanda de atendimentos que o profissional vive em seu cotidiano. Conforme Junqueira et al. (2002), nem sempre os profissionais da saúde se sentem preparados para assumir tais atribuições. Moura e Reichenheim (2005), em trabalho realizado sobre violência física na infância em um ambulatório de pediatria de hospital universitário do Rio de Janeiro, contrastaram a magnitude da violência contra a criança, observada ativamente no ambulatório, com a casuística espontânea do serviço. Realizaram entrevistas com os pais ou responsáveis para verificar casos violentos. Os casos encaminhados ao Serviço Social desse hospital representaram a casuística no período de busca ativa. Encontrou-se elevada prevalência de violência física entre o casal, com eventos graves ocorrendo em várias famílias. Em relação à criança, agressões físicas menores foram referidas em 46% das famílias, e a forma grave, em 9,9%. A prevalência identificada espontaneamente foi de 3,3%. Esse estudo demonstra as oportunidades perdidas de detecção e chama a atenção para a necessidade de rever a abordagem da violência familiar em serviços de saúde, pois os resultados sugerem que um número expressivo de situações de violência familiar contra a criança deixou de ser detectado pelos profissionais do setor. Segundo Minayo (2005), a visão do setor saúde sobre a questão da violência tem duas vertentes. A primeira explica-se a partir de uma reflexão filosófica e teórica. A segunda é operacional, fundamentada na constatação de danos biológicos, emocionais e físicos que sua dinâmica causa na qualidade de vida das vítimas. A autora intensifica a necessidade dos profissionais desse setor trabalharem não apenas com modelos epidemiológicos, mas também com a compreensão dos contextos na abordagem dos processos violentos.

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Pavez (2002) relembra que os casos são distintos entre si e que, portanto, as pessoas vítimas de violência têm necessidades distintas. A autora reforça a idéia de que os profissionais que lidam com pessoas vítimas de violência nem sempre levam em consideração a condição da vítima naquele momento e o significado dessa condição. Os profissionais da saúde, além de exercerem um papel crucial na detecção dos casos de violência familiar, também são fundamentais no acompanhamento dessas vítimas e nos trabalhos de prevenção do agravo. Reforçamos a importância da equipe multidisciplinar, reconhecendo o perfil e as necessidades individuais das vítimas e de seus perpetradores. Para tanto, Araújo (2004) aponta que os profissionais de saúde devem estar capacitados para identificar e reconhecer os Sinais de Alerta, Diagnóstico e Maus-Tratos contra a criança e o adolescente: • lesões não compatíveis com a idade ou com o desenvolvimento psicomotor da criança; • lesões que não se justificam pelo acidente relatado; • lesões em várias partes do corpo, ou lesões bilaterais; • lesões que envolvem partes cobertas do corpo; • lesões em estágios diferentes de cicatrização ou cura; • história de múltiplos acidentes; • inexplicável atraso entre o “acidente” e a procura de tratamento médico. É importante ressaltar que, na Política Nacional de Redução de Acidentes e Violências, as crianças e adolescentes foram amplamente contemplados. Esse documento contém conceitos, diagnósticos de situação, diretrizes e estratégias para a ação do setor saúde. A ação intersetorial é referida em todas as formas de abordagem e atuação. Com base nessas orientações gerais, vários planos específicos e

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documentos instrucionais voltados para atenção a essa população buscam conhecer o fenômeno da violência, a peculiaridade de cada ação de violência e os instrumentos e estratégias utilizados para enfrentá-la e preveni-la. Grande parte dos casos de violência sexual não são denunciados, o que dificulta estabelecer dados numéricos que revelem a amplitude do fenômeno. Segundo dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde/Coordenadoria Estadual de DST-Aids, dos 240 casos notificados em Minas Gerais no ano de 2003, 33% são de adolescentes na faixa compreendida entre 11 e 18 anos, todas do sexo feminino. Em Minas Gerais, podemos considerar como estratégias utilizadas para o enfrentamento da violência infanto-juvenil pelo setor saúde a sensibilização e responsabilização. Uma ação de fundamental importância tem sido a implementação dos seguintes documentos: a Linha-guia de atenção à saúde dos adolescentes da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais e o Protocolo de assistência à vitimas de violência no estado de Minas Gerais. A Linha-guia de atenção à saúde dos adolescentes faz parte da coleção do Programa Saúde em Casa e é constituído de diretrizes clínicas que orientam a abordagem adequada de uma determinada condição ou patologia. Dentre as temáticas abordadas nesse Guia, há um capítulo específico para a violência e a vulnerabilidade social. Esse documento é um instrumento essencial na organização do fluxo dos serviços de saúde na atenção básica e representa um avanço ao fornecer subsídios para o acolhimento, identificação precoce de sinais e sintomas da violência e medidas de prevenção pela equipe de saúde. A previsão do Governo de Minas Gerais e da Secretaria de Estado de Saúde para implantação da Linha-guia é até o final do ano de 2008. Compreendemos que a Linha-guia é um ganho enquanto orientador de condutas para os serviços. Entretanto, interroga-se se as

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questões de violência podem ser atendidas com eficiência e resolutividade na atenção básica ou é necessário o encaminhamento para um serviço de atendimento secundário. De acordo com o Ministério da Saúde, recomenda-se que os casos de violência, principalmente a violência sexual, devam ser atendidos nos serviços de atenção secundária. Portanto, é nesse momento que a implantação do Protocolo de Assistência a Vítimas de Violência no estado de Minas Gerais ocupa lugar de destaque. O estado de Minas Gerais tem como referencial metodológico para a implantação do Protocolo a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes do Ministério da Saúde. São estes os passos para a sua implantação: • sensibilização dos gestores municipais, que possuem um papel decisivo na organização de redes integradas de atendimento, na capacitação de recursos humanos, na provisão de insumos e na divulgação para o público em geral; • sensibilização e formação dos profissionais de saúde que atuarão nos serviços de referência; • organização da atenção que perpassa pela definição da área física, dos equipamentos, instrumentais e recursos humanos. Outra estratégia que contribui para a abertura de possibilidades para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil é que em se tratando de seres humanos temos que considerar sempre as capacidades individuais e coletivas. Assim, a experiência do PAIR/MG no setor saúde por meio das parcerias estabelecidas com as Secretarias Municipais de Saúde comprova que, quando há o comprometimento real dos gestores e profissionais de saúde, é possível ultrapassar as barreiras existentes para a organização dos serviços, apostando na efetividade de ações intersetoriais.

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Há, ainda, um longo caminho a ser percorrido em relação à minimização da violência praticada contra a criança e o adolescente, que envolve a construção de propostas cidadãs, de inclusão e responsabilização; a capacitação dos profissionais comprometidos com o fenômeno e sensibilizados para cumprirem e entenderem a legislação; o avanço em direção a uma prática que supere ações pontuais, fragmentadas e desarticuladas, produzindo ações incompatíveis com os marcos legais, como o ECA, Portaria 1.968/ GM, entre outros.

Considerações finais Em suma, é preciso sensibilizar e conscientizar os profissionais de saúde sobre a complexidade do fenômeno da violência; fornecer maior conhecimento sobre o tipo de atendimento a ser prestado às vítimas desses agravos; disponibilizar informação e capacitação para o diagnóstico e a intervenção; promover medidas preventivas; e aperfeiçoar o sistema de informação sobre o perfil de morbimortalidade por violência na esfera federal, estadual e municipal. Entretanto, consideramos importante salientar que a prevenção e o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes demanda, para além das questões normativas, a construção de uma rede de proteção com efetiva integração dos setores governamentais e da sociedade civil organizada. A busca de parcerias, a disponibilização de mais informações sobre o fenômeno e seus aspectos legais, a sensibilização da sociedade, a criação e fortalecimento de uma rede de proteção à criança e ao adolescente são estratégias que possibilitarão a instituição de práticas e políticas de amparo, proteção e segurança às nossas crianças e adolescentes.

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Nota 1

A pediatria é a especialidade médica destinada à infância; a hebeatria é especialidade que se ocupa do ciclo de vida da adolescência.

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Ângela imaculada loureiro de freitas dalben José joesso alves pereira Rosemary alves dos santos nascimento

A Educação e o Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil Ângulos de um problema

A educação brasileira, desde os anos de 1980, tem se pautado pela construção da democratização da escola e pelo direito e universalização da escolarização de crianças, jovens e adultos. A crescente abertura de vagas na escola de Educação Básica, acontecida a partir de então, promoveu a conseqüente e progressiva diversificação da população que freqüenta a escola. Associado a esse contexto, a sociedade mundial vive profundas mudanças impulsionadas pelas grandes transformações tecnológicas, sociais e culturais, num ritmo acelerado capaz de alterar, no âmbito das relações sociais, os hábitos, valores, costumes, saberes, atitudes e comportamentos dos sujeitos, impondo-lhes novos modos de viver e solicitando que a informação e o conhecimento tornem-se essenciais para a existência humana. Nesse turbilhão de transformações em diferentes âmbitos e esferas, a educação nacional brasileira enfrenta os novos tempos reconhecendo a tardia ampliação dos direitos sociais e de escolarização,

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numa sociedade profundamente desigual, com índices alarmantes de pobreza e violência em que faltam oportunidades de formação e trabalho para a maioria dos jovens e grande parte de seus pais. Essa realidade conta, ainda, com a grave contradição caracterizada pelo fato de que, quanto mais cedo ocorre a entrada no mundo do trabalho, menor será a escolaridade conseguida pelos sujeitos e menos qualificada e mais precária será a ocupação conseguida. É nesse cenário que iremos discutir um tema tão complexo como o da relação educação, violência e exploração sexual infantojuvenil.

O contexto de abordagem do tema da violência sexual infanto-juvenil O Plano Nacional de Enfretamento da Violência Sexual InfantoJuvenil, criado em 2000, destaca o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes como um fato recorrente e que tem sua expressão política na década de 1990, fruto da desigualdade social de gênero, de raça e etnia. Esse fenômeno foi incluído na agenda da sociedade civil como questão relacionada à luta nacional e internacional pelos direitos humanos de crianças e adolescentes – Lei 8.069/90 e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. O referido plano foi apresentado e deliberado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), na assembléia ordinária de 12 de julho de 2000, e constitui-se em diretrizes nacionais no âmbito das políticas de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, tratando-se de um documento legitimado e de referência para as políticas públicas nos níveis federal, estadual e municipal.

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As condições objetivas para efetivação deste Plano Nacional fundamentam-se na exigibilidade do dever da família, da comunidade, da sociedade civil e do Poder Público (Constituição Federal do Brasil – artigo 227, parágrafo 4º e a Lei 8.069/90), sustentado por um conjunto articulado de forças e atores governamentais, nãogovernamentais e organismos internacionais que, mediante manifesta vontade política, operacionaliza o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, por meio de metodologias e estratégias adequadas, constituídas sobre bases de consenso entre as partes. O Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR) foi criado em agosto de 2002 e vem nos três últimos anos, por parte do governo federal, operacionalizando algumas das ações previstas no Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, em especial no que diz respeito ao atendimento social especializado, por meio do Programa Sentinela; atendimento de saúde, por meio da rede de referência do Sistema Único de Saúde e, na defesa de direitos, com ações implementadas e fortalecidas pelos Conselhos Tutelares, Delegacias de Proteção à Infância e à Juventude e Defensorias Públicas. Desenvolve tais políticas públicas no Brasil, em resposta às orientações contidas na Pesquisa Nacional de Tráfico de Mulheres e Adolescentes para fins de Exploração Sexual, por iniciativa da Secretaria de Estado de Assistência Social do Ministério da Assistência Social - SEAS/MAS, da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça - SEDH/MJ, bem como da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional - USAID (www.caminhos.ufms.br).

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Relação educação e sociedade: repercussões no campo da moral A discussão e compreensão do tema aqui proposto exigem que façamos uma análise em diferentes aspectos, definindo de quem estamos falando, a qual âmbito da educação nos referimos e o que consideramos como enfrentamento à violência sexual. Maakaroun afirma que: A adolescência contém, na sua expressão, a síntese das conquistas e vicissitudes da infância e a reformulação de caráter social, sexual, ideológico e vocacional, impostas por uma completa e radical transformação corporal, que impõe ao indivíduo um status de adulto. (1991: 3)

Esse adolescente é fruto da forma peculiar de sua inserção no ciclo da vida, infância e juventude e estará dependente das relações sociais que serão construídas no decorrer dessa vida. O processo de educar é social e integra práticas sociais e políticas que compõem a dinâmica de funcionamento da sociedade. A sociedade, por sua vez, recria e perpetua as condições de sua própria existência e, à medida que se transforma, a educação reflete novas necessidades inspiradas por ela. Podemos, entretanto, afirmar que essas necessidades são interpretadas de maneira diversa e conforme interesses de grupos que disputam o poder dentro dessa sociedade. São interesses contraditórios, definidos por concepções de vida e de mundo que também se contrapõem desenvolvendo em cada camada social sua própria visão de educação do jovem dependendo de suas necessidades vitais, sociais e culturais. Isso significa que a nossa relação com a vida e a realidade estará carregada de significados que servirão para nos orientar em nossa forma de agir, como adultos no mundo e no trabalho.

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Retornando à definição de adolescência, salienta-se que essa faixa de idade é a mais propícia à exposição de agravos inusitados com problemas relacionados ao crescimento e desenvolvimento físico e emocional, desajustes familiares e escolares, abandono, prostituição, problemas de gravidez precoce, aborto, doenças sexualmente transmissíveis, enfermidades infecciosas e parasitárias, violência social, acidentes de trabalho, drogadição, alcoolismo e outras exposições dependentes do meio sociocultural em que vive o jovem em formação. Durkheim foi o primeiro sociólogo que elaborou um pensamento sistemático sobre o campo da educação. Em seu livro Educação e sociologia, o autor discute dentre as funções da educação o papel de perpetuar e reforçar na criança um conjunto de idéias e crenças, comportamentos e atitudes essenciais reclamados pela vida coletiva. A educação seria, para a sociedade, o meio pelo qual prepararia as condições de sua própria existência, daí, para o autor, a clássica definição de educação: A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social, tem por objeto suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e, pelo meio especial a que a criança se destine. ([s.d.]: 41)

A natureza do processo educacional, em Durkheim, ao contrário do que parece, não se constitui num processo de tirania e dominação, haja vista a concepção de valor positivo que o autor vê na sociedade. Para ele, o homem se torna realmente homem, em sociedade, e a moral coletiva é uma construção dos indivíduos, que os ultrapassa nesse valor coletivo. Segundo alguns autores, a educação é sinônimo de humanização. O homem se faz na medida em que é um produto da sociedade, isto é, o processo de se tornar homem acontece à

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medida que domina seus instintos animais e interioriza a cultura adquirindo novas qualidades físicas, emocionais e cognitivas. Adquire um “ethos, um sistema de hábitos mentais e práticos, uma concepção de realidade, uma forma de vida, uma moral concreta e uma formação profissional”(Ibidem: 88). Nesse contexto, o conteúdo básico da educação é a disciplina que assegura a regularidade do comportamento social e o cumprimento dos papéis sociais, a adesão e a fidelidade aos grupos sociais. Assim, a educação inculca o sentimento e a realidade do poder e da autoridade do meio social ou da cultura. Nesse raciocínio, Durkheim afirma, ainda, que “quer se trate dos fins a que vise, quer se trate dos meios que empregue, é sempre às necessidades sociais que ela tende; são as idéias e sentimentos coletivos o que ela exprime” (Ibidem: 89). Nesta perspectiva o autor nos lembra que é à sociedade que devemos ter por referência e que são as suas necessidades que devemos conhecer e atender. Dessa forma, cada povo e cada grupo considerado possuem uma moral definida que determinará critérios segundo os quais os julgamentos serão referendados. Desta forma podemos falar de uma moral comum, coletiva, e outra infinidade de espécies de moralidades expressas individualmente pelos sujeitos de maneira particular que estão referenciados pelos grupos do qual fazem parte. A primeira apresenta-se de maneira objetiva, impessoal, como referência comum, e a segunda situa-se no campo da diversidade das consciências morais individuais.

A educação e a sociedade brasileira A discussão, desenvolvida por Durkheim, nos leva a pensar sobre o contexto nacional e nessa rede de valores que são as nossas referências na construção da moralidade coletiva e individual.

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Rezende (1998) aborda a questão da desigualdade e da violência como fatores presentes na constituição da sociedade brasileira. Fundamenta-se em Sílvio Romero (1943) e Euclides da Cunha (1966), dentre outros. Em Sílvio Romero, encontramos análises que revelam fundamentos de uma economia que nunca gerou meios de sobrevivência para a maioria da população, com desdobramentos sociais e políticos que transformaram as condições de pobreza, miserabilidade e analfabetismo em benesses para os latifundiários e para o governo (Apud Rezende, 1998: 75). Já Euclides da Cunha, autor de Os sertões, considera que a simbiose da escravidão com o ouro no ciclo da mineração teria feito penetrar na organização social brasileira a mais extrema violência que teve como resultado o processo de potencialização da exclusão e da desigualdade. O autor chama a atenção sobre a “dívida de mais de 400 anos com a população, já que durante todos estes séculos não teria havido qualquer empenho dos setores preponderantes em reverter as condições de desigualdade, de exclusão e de violência” (Rezende, 1998: 79). Nesse contexto, tomando por base as concepções de educação e de adolescência ditas anteriormente, podemos perguntar: quais são os padrões éticos e morais que existem hoje na nossa sociedade capazes de delinear parâmetros de educação e formação dos jovens? Para Rezende, a compreensão da constituição das condições da violência e da exclusão sociais permite um redimensionamento das visões que são passadas no cotidiano das relações sociais em que esses fenômenos são naturalizados, para, a partir daí, construir-se um caminho por onde se pode trilhar novos sentidos com a compreensão crítica da realidade social produtora de condições de violência (1998: 90) e criar-se novos rumos de ações políticas. No momento, os processos de redemocratização da sociedade brasileira vividos desde os anos de 1980, com a Nova República, e

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os movimentos sociais em torno da constituinte, culminando com a Constituição de 1988, retratam as tentativas de construção de políticas renovadas para a Educação Nacional sendo que, em dezembro de 1996, tivemos promulgada uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Art.1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Art. 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB nº 9.394, 20/12/1996, Art.: 1º e 2º)

O termo Educação tem, num sentido abrangente, envolvido a educação formal, não formal, continuada, a distância, ambiental, sexual e outras. Essa educação é responsabilidade da família e do Estado, condição que tem sua origem na Constituição do país de 1988, em seus diferentes artigos, 203, 227, 205, 229. Segundo os ditames da lei, o processo de educação se faz a partir do pleno desenvolvimento do educando, o que significa considerá-la como um processo intencional que prevê uma trajetória harmoniosa e progressiva, com aprendizagens desenvolvidas segundo a evolução do próprio ser humano. Por outro lado, o conceito de cidadania centra-se na condição básica de ser cidadão, titular de direitos e de deveres. Ao mesmo tempo, complementa-se essa condição de ser educado, com o direito à qualificação para o trabalho, relação entendida como a necessidade de fazer do trabalho socialmente produtivo um aspecto fundamental da dinâmica educacional e, também, escolar.

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Novamente perguntamos: até que ponto o meio social, as políticas educacionais, as condições de trabalho dos docentes e as condições socioculturais dos estudantes estão permitindo a realização dessa perspectiva ideal presente na legislação? Nos termos da lei, a política educacional, fundada em ideais humanos e pelo pleno desenvolvimento dos cidadãos, se depara com a problemática da violência, do abuso e exploração sexual infanto-juvenil, cujo fenômeno pode ser considerado um contrasenso dos princípios legais e fundamentais que regem as diretrizes e bases da educação nacional. Na realidade, a violência sexual envolvendo o abuso e a exploração caracteriza uma situação que requer políticas públicas e mobilização da sociedade brasileira, que paulatinamente vêm sendo criadas e desenvolvidas nos âmbitos federal, estadual e municipal, como foi dito anteriormente, exigindo um trabalho em todos os setores destes governos, fundamentalmente, nas áreas do social, saúde e educação.

Em busca de novas políticas e de novas relações sociais A educação nacional encontra no Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil consonância nas suas metas de políticas públicas, educacionais, preventivas da violência, principalmente, no sentido de buscar desenvolver estudos quantitativos e qualitativos, bem como campanhas de sensibilização e mobilização da sociedade, dentro de uma perspectiva de fortalecimento de articulações nacionais, regionais e locais, na tentativa do enfrentamento.

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No contexto, a escola convive, diante de tais políticas, com situações novas que há algum tempo não eram cogitadas em seu cotidiano. Temas como uso de drogas, violência entre estudantes e entre estudantes e docentes, gravidez na adolescência, desorganização familiar, são assuntos que demandam a atenção e trabalho de educadores, pais e educandos. Por outro lado, esses temas têm circulado pela mídia com uma constância cada vez maior, em noticiários, novelas, jornais, sendo crescente a preocupação instalada na sociedade sobre as implicações que essa realidade passa a trazer para o cotidiano das pessoas. Parece-nos, entretanto, que conceituar violência na educação e na escola não seja algo muito simples. Pesquisas têm apontado a dificuldade de demarcação do conceito em razão de ausência de registros sobre fatos de violência no contexto da escola, havendo “transgressões comportamentais e disciplinares” assim consideradas (Peralva, 1997), por vezes perpassadas pelos significados específicos que os atos têm para os sujeitos implicados nas relações. A discussão da democratização das relações pedagógicas na escola tem apontado a tradição escolar como um espaço que naturalizou historicamente a violência simbólica, sendo por isso não considerada como tal. Como afirma Durkheim, se vivêssemos uma sociedade positiva, essa inculcação simbólica estaria calcada num bem comum e individual para os sujeitos em processo de educação. Mas de qual sociedade estamos falando? Os processos de avaliação escolar, por exemplo, são rituais de julgamento, capazes de potencializar a violência em contextos diversos. O sistema de verificação da aprendizagem por meio de notas, que geram fracassos precoces no decorrer do ano letivo, também são fortes indiciadores de sentimentos de impotência diante da realidade escolar e do futuro de uma escolarização capaz de beneficiar a qualificação profissional. Esses contextos são geradores de sentimentos de humilhação, recrudescimento da indisciplina e, potencialmente,

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da agressão, tanto entre os pares quanto entre os estudantes e o professor e a instituição escolar como um todo, representante legal da sociedade. Os anos de 1990 foram profícuos na busca por novas práticas curriculares e novas perspectivas de organização escolar pela construção de novas relações pedagógicas. Propostas construídas por sistemas municipais foram consideradas ousadas e inovadoras, como a Escola Cidadã em Porto Alegre, a Escola Candanga em Brasília e a Escola Plural em Belo Horizonte, porque fundamentaram-se no direito à educação e escolarização pública de qualidade e na inclusão. Essas propostas apontaram os processos de avaliação como os grandes causadores da exclusão escolar e da construção da desigualdade frente às chances de aquisição do conhecimento socialmente disponível. No entanto, muito se tem discutido sobre a eficácia desses programas e sobre as possibilidades de sobrevivência de seus princípios, em razão dos inúmeros desafios que enfrentam. Desafios de uma sociedade desigual que reflete as dificuldades vividas pelo povo brasileiro, desafios dos docentes na tentativa de construírem uma nova realidade pedagógica para o estudante da camada popular.

Perspectivas na educação sexual do jovem Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais produzidos pelo governo federal para a Educação Básica) delineiam um trabalho de orientação sexual na escola, entendido como a possibilidade de problematizar, levantar questionamentos e ampliar o leque de conhecimento e de opções para o aluno na escolha do seu caminho. Acredita, assim, que o trabalho de orientação sexual dentro das escolas contribuirá para a prevenção da violência sexual infantojuvenil, quando informa e discute os diferentes tabus, preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade diante da temática.

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Do ponto de vista dos PCNs, a orientação sexual na escola deve se pautar por diretrizes de trabalho que respeitem o desenvolvimento cognitivo infanto-juvenil dos estudantes, bem como os conteúdos que associam a afetividade, a cidadania e a ética. Nesse contexto pedagógico, faz parte do trabalho da escola não apenas a função de ensinar, mas de formar cidadãos conscientes de seu papel na sociedade, tornando-os capazes de enxergar a realidade e ter discernimento ao agir. Sabe-se que a sexualidade tem grande importância no desenvolvimento e na vida das pessoas, pois, independentemente da potencialidade reprodutiva, relaciona-se com a constituição da própria personalidade, na busca de si e de sua relação com o meio, do prazer social antes mesmo do sexual, necessidade fundamental dos seres humanos. Nesse sentido a sexualidade é entendida como algo inerente, que se manifesta desde o momento do nascimento até a morte, de forma diferente a cada etapa do desenvolvimento humano. Sendo a sexualidade construída ao longo da vida, encontrase necessariamente marcada pela história, cultura e ciência, assim como pelos aspectos e sentimentos, singulares de cada indivíduo, cujas manifestações afloram em todas as faixas etárias do desenvolvimento humano. Entretanto, ignorar, ocultar ou reprimir a orientação sexual infanto-juvenil são as respostas mais habituais de muitos profissionais da educação, pois estes consideram que o tema deve ser tratado exclusivamente pela família. De fato, toda família realiza a educação sexual de suas crianças e jovens, mesmo aquelas que nunca falam abertamente sobre o assunto, pois o comportamento dos pais entre si na relação com os filhos, no tipo de cuidados recomendados, nas expressões, gestos e proibições que estabelecem no cotidiano estão carregados de valores e significados. Existem inúmeras fontes na educação sexual infanto-juvenil: livros, pessoas que não pertencem à família e, principalmente nos

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dias de hoje, a mídia, cuja fonte atua de maneira informal e decisiva na orientação sexual de crianças, jovens e adultos. A TV veicula propaganda, filmes e novelas intensamente sensuais, gerando, em muitos momentos, excitação e incremento na ansiedade relacionada às curiosidades e fantasias sexuais da criança. Tais manifestações da erotização infanto-juvenil são percebidas em formas escritas em portas de banheiros, muros e paredes da cidade e do espaço escolar; ela invade, a todo o momento, a escola, por meio de atitudes dos alunos em sala de aula e da convivência social entre eles. Por vezes a escola realiza o pedido impossível de ser atendido, de que seus alunos deixem sua sexualidade fora dela. A escola a todo instante se depara com situações nas quais precisa intervir seja no cotidiano da sala de aula, quando proíbe ou permite certas manifestações da sexualidade do educando, seja quando opta por informar os pais sobre tais manifestações dos seus filhos, e, nesses momentos, transmite também seus valores. Se assim o faz, torna-se importante que esse trabalho de orientação sexual formal e sistematizado se transforme em meta da escola, por ser este um espaço educacional de formação tanto do educador quanto do educando. Se organizado de maneira institucional, pode contribuir para uma formação saudável, geradora do enfrentamento e prevenção do abuso e exploração sexual infanto-juvenil futuras. A educação para a saúde tem precisamente por objetivo modificar atitudes e condutas equivocadas ou errôneas, comuns às pessoas e, especialmente, ao grupo infanto-juvenil que obtém informações muitas vezes de fontes não qualificadas. Educar significa, antes de tudo, permitir que os adolescentes se tornem “competentes” na condução de suas vidas, isto é, conhecedores de si próprios com conhecimentos bastantes para cuidarem de si em diferentes momentos. Existe uma curiosidade natural sobre a puberdade e as alterações físicas que acontecem no corpo.

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Estudos demonstram que grande parte dos adolescentes não consegue obter informações precisas e corretas sobre as questões que afetam essa fase da vida, sobre a sexualidade e o comportamento sexual humano. Programas de educação sexual regulares nas escolas são fundamentais, mas tornam-se imprescindíveis, também, programas de educação sexual aos educadores para que possam ter noções claras e conhecimentos científicos precisos e para que, nesses processos, possam reviver as suas próprias histórias de vida, constituindo sua sexualidade, sua vida sexual na perspectiva de entenderem vínculos, diferenças e semelhanças com a realidade atual vivida pelos jovens da nossa sociedade.

Considerações finais Uma vez que a educação brasileira vive os novos tempos reconhecendo a necessidade e urgência da adaptação de suas diretrizes e bases, frente a uma realidade nacional, onde o social, o político e o econômico demandam, antes de tudo, um trabalho voltado para a perspectiva de humanização do cidadão brasileiro, é emergente a participação de todos na construção desse conceito de educação que envolve uma ação intensiva e massiva em políticas públicas sociais, econômicas, educacionais e de proteção. Por outro lado, mudar a educação exige também que mudemos o contorno das relações sociais vividas pela população brasileira e a discussão profunda dos valores que estão entremeados nessas relações. Exige, também, que propiciemos a mudança de educadores, pais e professores, envolvendo a discussão de seus modos de vida e projetos de futuro. A sala de aula, por exemplo, tem sido definida por uma dinâmica de papéis e de condutas fixas a serem desempenhadas por alunos e professores, que impossibilitam contatos legítimos entre ambos. Isso acontece no interior das famílias.

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O processo tende a se desenrolar num formato massificador, e o conhecimento de quem são os sujeitos se traduz por representações superficiais, preconcebidas e pouco construtivas. As práticas sociais, que definem o significado do que é cultura legítima, erudita, popular ou universal, perpassam as relações de poder num cenário pedagógico, congelado e fixo, que pouco dialoga sobre as diferenças existentes entre concepções e padrões de referência valorativa, conferindo lugar garantido aos sujeitos e seu contexto social. Essa dinâmica desqualifica, humilha, desumaniza e se traduz em violência de diferentes formas. Qual é a função social da escola inserida numa realidade como a nossa? Se a sociedade não se apresenta de maneira positiva para o cidadão que nela vive, para o jovem que nela se forma, como conceber o sistema escolar institucionalmente constituído, segundo a sociologia clássica, definida tão bem por Durkheim? Como obter a adesão do jovem a essa escola? E a sua adesão aos valores de humanização e disciplina sociais, quando a própria sociedade violenta as referências éticas básicas e submete os cidadãos à violência brutal em busca da sobrevivência diária? O período de formação do ser adulto se concretiza pela conquista da autonomia em relação às escolhas possíveis no decorrer da vida, na escolha da identidade sexual e social, na escolha profissional, na escolha do tipo de atuação no interior do grupo de pares, escolhas que, conseqüentemente, serão responsáveis pela aquisição de uma concepção de vida e de mundo e de formas de ser nesse mundo. Estamos diante de problemas e dilemas educacionais graves. A escola como instituição social está atônita diante daquilo que reflete. Ao mesmo tempo os profissionais da educação estão perplexos frente ao descaso das políticas públicas em relação à sua própria condição de educadores. A sociedade civil não consegue enfrentar o problema, se trancafia em suas moradias e condomínios

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e o transfere aos representantes políticos legais. Estes, por sua vez, fragmentadamente, empunham bandeiras pontuais diante de uma realidade que a todo instante cresce como uma enorme bola de neve rumo a um caos social. O que fazer? É fundamental termos noção clara do problema, do seu tamanho e da sua extensão, mas não podemos perder tempo. Urge uma tomada de posição coletiva frente à vida. A vida de nossas crianças e jovens, cidadãos brasileiros.

Referências BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Plano nacional de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Brasília, 2001. (Mimeo.) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 9. ed. São Paulo: Melhoramentos, [s.d.]. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça. Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990. MAAKAROUN, Marilia de Freitas; SOUZA, Ronaldo Pagnoncelli de; CRUZ, Amadeu Roselli et al. (Org.). Tratado de adolescência: um estudo multidisciplinar. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1991. PERALVA, Angelina. Escola e violência nas periferias urbanas francesas. Contenporaneidade e Educação, II, n. 2, p. 727, set. 1997. REZENDE, Maria José de. A sociologia brasileira e a problematização da desigualdade e da violência: subsídios para professores e alunos do ensino médio. Laboratório de Ensino de Sociologia. Projeto de Extensão do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina-UEL, 1998.

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G e o vâ n i a l úc i a d o s s an to s

A Educação na Expansão PAIR/MG Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim Educar/trans-formar Educar para trans-formar Trans-formar para educar Educar para se trans-formar Trans-formar(se) para educar Educar-se trans-formando Trans-formar(se) educando Educar a quem? Trans-formar a quem? Educar o quê? Trans-formar o quê? Educar o homem Trans-formar o mundo do homem

A formação dos agentes/educadores que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias nos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, tomando-se por referência o setor da educação, foi concebida e executada de modo a contemplar a importância deste setor das políticas públicas para o planejamento e execução de ações de caráter protetivo e preventivo e para a articulação da rede de proteção integral à criança e ao adolescente. A compreensão da escola enquanto um espaço/rede prioritário de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil e que, portanto, deve ser orientada e fortalecida para aprimorar o exercício desta dimensão de seu fazer educativo foi uma das premissas sobre as

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quais edificamos o diálogo construído junto aos agentes de cada município em geral, e aos profissionais da educação, de modo mais específico. A consideração das especificidades de cada município, no tocante aos limites e possibilidades que seu serviço de educação tem, foi um importante aspecto enfatizado em nossas discussões. Isto por entendermos que a capacidade de articulação da educação com os demais atores da rede de proteção integral local para enfrentar o fenômeno passa, necessariamente, pelas condições de que o setor dispõe para o planejamento e execução de ações integradas. No que se refere ao papel deste setor nas ações de enfrentamento ao fenômeno, partimos da premissa de que a educação consiste em um dever da família e do Estado e em um direito extensivo a todos os cidadãos, tendo por finalidade o “pleno desenvolvimento do educando” (Lei n. 9.394/96). O atendimento a este princípio básico de nossa legislação, ou seja, a efetivação do direito à educação escolar para todas as crianças e adolescentes consistiu, portanto, no primeiro elemento considerado na reflexão acerca do papel da educação no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. Isto porque a presença efetiva das novas gerações no espaço/ambiente escolar é condição fundamental para que os(as) profissionais do setor possam atuar preventiva e protetivamente junto a este segmento. Assim, as reflexões foram orientadas no sentido de consolidar a concepção da educação básica como um direito e, por conseguinte, de sua universalização como condição essencial para a disseminação do conhecimento socialmente produzido e acumulado para a formação da sociedade numa perspectiva democrática de respeito à diversidade e aos direitos humanos. Esta forma de conceber a educação colocou-nos diante da compreensão da escola como sendo “um espaço social privilegiado onde

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se definem a ação institucional pedagógica e a prática e vivência dos direitos humanos” (brasil, 2007: 23). Assim, a importância da instituição no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil sustentou-se na compreensão de que nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas. (Idem)

Por outro lado, a atual orientação da educação nacional no sentido de contemplar, no interior das instituições públicas de ensino, toda a diversidade socioeconômica, étnica e cultural presente em nossa sociedade, dando a cada segmento o tratamento e a promoção adequados, também foi considerada um elemento de reforço ao enfrentamento. Trata-se de uma estratégia bastante positiva e que deve efetivamente ser incorporada nos fazeres e práticas educativopedagógicas escolares, visto ser largamente reconhecido o fato de as crianças e adolescentes negras, do sexo feminino, de famílias socioeconomicamente empobrecidas, liderarem as estatísticas de vitimização por esta prática. Para além da presença efetiva das crianças e adolescentes nas instituições de ensino, enfatizamos, nas discussões realizadas na capacitação/formação nos três municípios, a necessidade de que a qualidade do atendimento ao público escolar seja constantemente aprimorada, tanto no que se refere às condições e recursos humanos e materiais, quanto em relação à adequação do tempo-espaço da jornada escolar às necessidades preventivas no tocante ao fenômeno ora em foco.1 Ao tratarmos da qualidade da educação escolar, o eixo central das discussões foi a construção do entendimento de que a educação

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deve se pautar pela compreensão das crianças e adolescentes como “cidadãos em condições peculiares de desenvolvimento” (ECA, 1990) e que tem, portanto, que ter garantido, ao longo de seu processo formativo-escolar, “o direito a um desenvolvimento sexual natural e saudável” (Koshima, 1999: 136). Isto, por sua vez, implica o adequado tratamento da sexualidade que, sendo um elemento constitutivo do ser humano, é inerente a todas as fases da vida. Uma vez construído o entendimento da educação enquanto um direito universal, da necessidade de que a prestação deste serviço se dê em conformidade com alguns princípios básicos que têm orientado a reflexão acerca do papel que é socialmente atribuído a esta política pública social, e dos modos de ver e lidar com a infância e adolescência na atualidade, o diálogo seguinte com os educadores dos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, teve, como um de seus objetivos principais, a reflexão em torno dos desafios com que os(as) profissionais da área, notadamente da educação escolar, se deparam, e cujo enfrentamento é tarefa fundamental para que eles(as) possam contribuir efetivamente no sentido da garantia de proteção integral à criança e ao adolescente. Estes diálogos foram realizados nos referidos municípios por meio de uma exposição dialogada, seguida da reflexão, em um GT específico, com profissionais do setor, acerca dos elementos que, estando presentes no fazer cotidiano das escolas e no setor da educação como um todo, são indicativos das fortalezas, oportunidades, fraquezas e ameaças que potencializam o enfrentamento ao fenômeno. Ao propormos esta atividade objetivávamos contribuir para que os(as) participantes fizessem um diagnóstico preliminar do setor da educação por meio de uma análise interna, voltada para identificar

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a capacidade institucional para solução do problema, o potencial e as fragilidades, seja em relação aos aspectos materiais, concretos (condições de infra-estrutura, recursos humanos, recursos financeiros, capacidade de articulação com outras instituições etc.) seja com relação aos aspectos imateriais, subjetivos (qualificação dos recursos humanos, entendimento quanto à importância das ações etc.), dentre outros aspectos que forem considerados importantes... (Cunha, 2007: 9)

Por fim, o material produzido no GT foi apresentado e dialogado junto a todos(as) os(as) participantes da capacitação/formação na plenária de fechamento dos trabalhos. Muitas foram as questões surgidas nestes diálogos e, dentre todas, destacamos três para sistematizar aqui, dada a recorrência de falas a elas referidas, quer consideremos a exposição dialogada, quer consideremos as discussões realizadas no GT. São elas: 1. o contexto sócio-histórico e cultural atual e os desafios que ele coloca à atuação dos profissionais da educação; 2. a capacitação/formação técnico-profissional e humana dos educadores e demais profissionais da área para atuarem protetiva e preventivamente frente à violência sexual infanto-juvenil; 3. os limites e possibilidades de a escola atuar protetiva e preventivamente no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, considerando-se os recursos de que dispõe, bem como aqueles que lhe faltam. A seguir, apresentamos uma síntese dos diálogos construídos pelos agentes entre si e entre eles e a equipe de capacitadores/ formadores, tomando por referência cada um dos três aspectos apontados acima e tentando, na medida do possível, trazer parte da riqueza das discussões realizadas nos três municípios em torno destas questões.

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Contexto sócio-histórico e cultural atual Tendo sido iniciada a partir da discussão do Eixo Marco Conceitual, a compreensão de que vivemos em uma sociedade adultocêntrica e machista, na qual o patriarcalismo ainda vigora – muito embora venha sendo gradativamente superado enquanto modelo privilegiado de organização sociofamiliar –, foi um dos elementos que se destacaram como obstáculo à adequada ação dos profissionais da educação no enfrentamento. A sobrevivência e mesmo forte presença (em alguns casos) destas concepções no imaginário social mantém vigentes, em muitos aspectos, princípios e representações que são antagônicos à cultura da proteção integral à criança e ao adolescente, conforme ressaltado por Rebouças: ...os principais protagonizadores de todos os tipos de violência que incidem sobre essas crianças e adolescentes são os adultos e os homens. (...) são os adultos que determinam de maneira autoritária as diretrizes que as crianças devem seguir sem considerá-las sujeitos de direitos, e que é o patriarcado que legitima as relações de hierarquia, predominando o poder e a dominação dos homens sobre as mulheres. (2003: 14)

Corroborando esta perspectiva, Walter Ude afirma que muito embora “o modelo patriarcal, no qual o homem é concebido como único provedor da família e a mulher como cuidadora da prole...” (Ude, 2003: 71) não seja mais predominante nos lares contemporâneos, o “...imaginário familiar patriarcal ainda prevalece entre a maioria da população do nosso país”, complementa o autor (Ibidem: 71-72). Assim, apesar de nossa organização social já ter avançado no sentido de conceber relações menos verticalizadas no âmbito da organização familiar, segundo a opinião de alguns(mas)

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educadores(as) participantes da capacitação/formação, o fato de vivermos numa sociedade cujos modelos de orientação de condutas se pautam, em grande medida, nos elementos anteriormente apontados – adultocentrismo, patricarcalismo e machismo – segue impondo outros pesados obstáculos à ação preventivo-protetiva no âmbito da educação. No que se refere à sexualidade, nosso antagonismo social ainda se revela na ambigüidade de uma moral social que varia da permissividade extrema que estimula, ao moralismo repressor que condena e culpa, ficando aos(às) educadores(as) a tarefa de encontrar, entre estes dois extremos, o caminho mais adequado para abordar a temática junto ao público e à comunidade escolar, de modo a nem estimular a permissividade e nem reproduzir acriticamente o moralismo repressor. Assim, a compreensão deste contexto e de suas implicações no universo infanto-juvenil torna-se fundamental para que a escola possa contribuir, tanto no sentido da efetivação do princípio da proteção integral, participando ativamente do enfrentamento à violência sexual (como situação já instaurada, ou mesmo como risco de vir a se instaurar), quanto na criação de condições para que, gradativamente, essa nova forma de pensar e agir frente ao fenômeno em especial, e à criança e ao adolescente, de modo mais específico, se dissemine por toda a sociedade. Portanto, a tarefa atribuída à escola no campo do enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil mostra-se ainda mais complexa e estratégica, pois, como instituição formadora que é, “tem um papel fundamental na desconstrução da violência simbólica e da cultura da inferiorização de gênero, de raça, de classe social e de geração” (Faleiros; Faleiros, 2007: 31). Nos diálogos construídos nas ações de capacitação/formação da expansão do PAIR/MG, foi possível perceber que há entre os(as)

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agentes a compreensão de alguns fatores que, estando enraizados no imaginário social, acabam, muitas vezes, sendo tomados como justificativas para esta forma de o adulto ser e estar com e em relação às crianças e adolescentes. A permanência da crença de que crianças e adolescentes são propriedade dos pais, considerados, portanto, como objetos de direito daqueles, constitui um dos obstáculos ao enfrentamento na educação. Isto porque nesta forma de compreender o lugar/papel social das crianças e adolescentes, não lhes cabe direito à fala e/ou à expressão de suas vontades; eles são considerados os infantus – sem fala/voz – (Ariès, 1981) da sociedade. A correspondência deste lugar da criança e do adolescente para os adultos é também o lugar do silêncio: silêncio que revela a surdez de quem insiste, muitas vezes, em não ouvir o que não se cala diante da percepção adulta. A emergência desta questão em nossas discussões corroborou a visão já consolidada no tocante à violência sexual infanto-juvenil de que “é grande o silêncio que cerca essa questão, onde existe a reticência e o medo das crianças em falar, e a surdez e o medo dos adultos e da sociedade em escutá-las” (Koshima, 1999: 133). A afirmação de que quem põe, dispõe, lembrada por uma educadora como um dito popular antigo mas ainda em voga, ilustra a crença social na legitimidade dos pais/responsáveis para agirem como melhor lhes convier no referente àqueles(as) que estão sob sua responsabilidade. Trata-se, nesta concepção, do legítimo direito que os adultos acreditam ter sobre aquilo/aqueles que “põem no mundo”: Autoritarismo, machismo, preconceitos e conflitos em geral articulam-se com as condições de vida das famílias, e as questões de poder se manifestam nas relações afetivas e na sexualidade. É nesse contexto de poder que deve ser analisada e compreendida a violência de adultos contra crianças e adolescentes. A violência

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familiar é, pois, uma forma de relacionamento ancorada na história e na cultura brasileira. (Faleiros; Faleiros, 2007: 47)

Embora nossa sociedade já tenha avançado no sentido de reconhecer que crianças e adolescentes são “cidadãos em condições peculiares de desenvolvimento” (ECA, 1990) a quem cabe proteger e promover (e não propriedade de outrem), sabemos que representações como esta ainda orientam o modo como parte do mundo adulto lida com as novas gerações. Portanto, ao silêncio das vítimas, que compromete as ações de enfrentamento, sobrepõe-se o dos adultos, uma vez que, sendo a criança e o adolescente propriedade dos pais, não cabe a nenhum agente externo interferir nesta relação, mesmo que a integridade física e/ou psicológica da parte mais fragilizada e vulnerável esteja sob risco. Quando relacionada à educação, esta crença revela uma de suas conseqüências mais perversas, pois, infelizmente, conforme relatos não raros de profissionais não só da educação, mas do atendimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, no tocante à violência sexual infanto-juvenil, de um modo geral, o silêncio permanece sendo um grande obstáculo à efetivação da proteção integral. Com relação à vítima, pode-se afirmar que o silenciamento diante de uma situação que lhe viola, oprime, envergonha e, muitas vezes, desumaniza, constitui uma reação natural à situação vivenciada, posto tratar-se de um “cidadão em condições especiais de desenvolvimento” (ECA, 1990), submetido a uma relação assimétrica de poder (física e/ou psicológica) que, muitas vezes, se estende para além do controle e domínio da vítima propriamente dita. Em nossos diálogos com os agentes municipais, buscamos consolidar a compreensão de que a naturalidade desta situação não pode e nem deve ser associada e/ou confundida com a indiferença de quem, tendo a obrigação sócio, humana, profissional e ética de

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contribuir para efetivação da proteção integral das crianças e adolescentes, se cala diante de uma situação de violação dos direitos infanto-juvenis de tal gravidade. Isto porque, conforme já vem sendo largamente apontado, “o silêncio é o que mantém e obriga o sujeito a se submeter às humilhações, ao desamparo e a conseqüente continuidade da situação” (Koshima, 1999: 142). Desta forma, foi possível construir coletivamente a compreensão de que este silêncio, tanto por parte das vítimas quanto por parte dos adultos, tem como resultados mais visíveis a continuidade do ciclo de violência, quando já instaurado, bem como a permanência do fenômeno por meio da vitimização de outras crianças e adolescentes, motivada, entre outros, pela impunidade daí decorrente. Diante desta compreensão, reafirmou-se a centralidade do trabalho educativo-protetivo a ser realizado pela escola uma vez que, dada a natureza das relações que os(as) educandos(as) estabelecem com os profissionais com os quais têm contato diário no interior das instituições de ensino, torna-se possível a eles não só perceber a presença de indicadores de violência sexual (de natureza física e/ou psicológica) nas vítimas e/ou nas crianças e adolescentes expostos a este risco, como também criar uma situação de confiança tal que os levem a quebrar o silêncio revelando as situações de que são vítimas. Tendo sido bastante comentado nos momentos de formação o estabelecimento de um vínculo de confiança entre educando e educador que favoreça a explicitação da vivência de situações de violação de direitos por parte dos primeiros, é uma prática relativamente comum e que tende a ser mais naturalizada na medida em que os(as) educadores(as) se abrirem à observação e ao diálogo com os(as) educandos(as) (Freire, 1998: 85-92). Entretanto, infelizmente, também pudemos perceber que quando a revelação é feita, e/ou em caso de suspeita, muitas vezes,

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este conhecimento acaba servindo apenas para sensibilizar o(a) educador(a) no sentido de dar mais atenção à vítima, dada sua condição, não sendo suficiente para mobilizar a busca dos mecanismos de notificação do caso para a promoção da proteção à vítima e para a interrupção de um ciclo de violência sob o qual pode estar contida “a reprodução de [uma] história de violência em gerações seguidas” (Koshima, 1999: 141). O medo de se expor socialmente denunciando o fato e indo, muitas vezes, contra a própria família da vítima e/ou contra a comunidade na qual ela se insere, assim como a possibilidade de vir a sofrer represálias, tanto por parte do agressor quanto da família e/ou da comunidade, se revelaram fortes motivadores para o silenciamento profissional. Esta ambigüidade constatada na reflexão acerca da relação da escola com a família e com a comunidade e do papel destas instituições sociais no tocante à violência sexual infanto-juvenil foi um elemento muito discutido nos encontros de capacitação/formação, pois, segundo os(as) educadores(as), estas instituições se apresentam como importantes fortalezas no enfrentamento. E esta avaliação ganha mais realce quando referida à família, uma vez que é dela a responsabilidade direta pela guarda e o cuidado das crianças e adolescentes, sendo também o interlocutor privilegiado da escola. Por outro lado, no entanto, a família e a comunidade também se revelaram como elementos de fraqueza e ameaça à rede de proteção. Neste caso, novamente a ênfase recaiu sobre a família por esta instituição ser apontada como o locus privilegiado para a ocorrência do fenômeno (violência sexual intrafamiliar), conforme podemos perceber a partir da leitura do seguinte trecho: A grande maioria das famílias no Brasil são protetoras, milhões delas ao custo de enormes sacrifícios. No entanto, também nessas famílias protetoras encontram-se traços culturais, em diferentes graus, de

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relações familiares adultocêntricas, autoritárias, que se tornam mais ou menos violentas (Faleiros; Faleiros, 2007: 47).

O fato de a sociedade ter “...uma enorme resistência em pensar a família como um espaço destrutivo” (Koshima, 1999: 138), somada ao apego à manutenção do segredo em relação ao fato, sobretudo quando se trata de famílias incestogênicas nas quais a dinâmica da violência está instaurada e há resistências, tanto em admiti-la, quanto em romper com seu ciclo, são alguns dos obstáculos enfrentados pelos(as) educadores(as) para revelarem situações de violência sexual infanto-juvenil das quais têm conhecimento e/ou suspeita. Deste modo, as discussões foram conduzidas no sentido de chamar a atenção para o fato de o silenciamento profissional, neste caso, representar a conivência e o agravamento de uma situação de violação de direitos fundamentais, pois, muitas vezes, crianças e adolescentes violentados e dominados são vitimizados tanto pelo agressor como pela existência de redes e pactos de silêncio, tolerância, conivência, medo, impunidade. Tanto membros da família como vizinhos, colegas, profissionais da educação, saúde, assistência, segurança, ao silenciarem sobre as situações de violência que presenciam, conhecem, ou suspeitam, protegem o violentador. Não é raro o agressor manter outras pessoas, além da vítima, sob sua dominação. (Faleiros; Faleiros, 2007: 48, destaque nosso)

Os diálogos então foram conduzidos no sentido de chamar a atenção para a importância destes profissionais na quebra do ciclo de violência, uma vez que eles podem ser (e em muitos casos efetivamente são) os únicos que terão acesso a essa informação privilegiada e poderão abrir o caminho para que esta vítima tenha garantido seu direito ao desenvolvimento pleno, sob a proteção necessária e devida.

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A existência do instrumento da notificação obrigatória dos casos de violação de direitos da criança e do adolescente2 foi, neste contexto, um dos aspectos cuja compreensão se buscou construir, com foco na perspectiva de que, mais que uma ação profissional obrigatória, a notificação precisa ser adotada como uma atitude tomada por profissionais que têm, também, a obrigação de zelar pela infância e adolescência, contribuindo para que seus(suas) educandos(as) possam ter o pleno desenvolvimento de todas as suas dimensões, para além da formação intelectual — função precípua da escola que não se realiza se os sujeitos da aprendizagem não forem trabalhados em sua totalidade. Por outro lado, a reflexão acerca do silêncio que recobre o fenômeno também ensejou que considerássemos o fato de que à escola cabe contribuir para a disseminação social da compreensão do status contemporaneamente dado à violência sexual infanto-juvenil, como crime de violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, sendo-lhe, portanto, imputada a responsabilidade de atuar junto à comunidade intra e extra-escolar, por meio da formulação e implementação de programas que contribuam para a compreensão do fenômeno e de suas implicações, de modo a favorecer a quebra deste perverso pacto de silêncio que encobre tantos casos e acaba por fomentar tantos outros. O entendimento de que, muitas vezes, a violência sexual infantojuvenil constitui uma herança transmitida de pai para filhos, de geração em geração e de uma sociedade para a seguinte, resultando em um processo histórico de infâncias e adolescências roubadas vivido, sobretudo, entre as famílias empobrecidas, foi também um elemento por meio do qual se buscou construir a compreensão da importância estratégica da escola na quebra do ciclo de violência que vitimiza parte de seu público.

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Capacitação-formação técnico-profissional e humana dos educadores e demais profissionais para atuação frente à violência sexual infanto-juvenil À percepção de que cabe à escola e a seus profissionais promover ações socioeducativas e situações de aprendizagem nas quais os(as) educandos(as) sejam estimulados a desnaturalizar relações de poder assimétricas e violadoras de sua autonomia e especificidades, seguiu-se, entre os(as) participantes da capacitação/formação, a constatação da dificuldade de atuarem nesta perspectiva, devido a pouca experiência na abordagem com a temática da violência sexual infanto-juvenil e/ou sexualidade infanto-juvenil. Tendo uma relação direta com a compreensão da complexidade do fenômeno e de seu enfrentamento, da responsabilidade da escola no fomento, promoção e participação em ações preventivoprotetivas junto aos educandos e à comunidade intra e extra-escolar, a demanda por capacitação para os(as) profissionais do setor foi construída considerando-se: a) o fato de se tratar de temáticas cujo tratamento em ações socioeducativas intra e extra-escolares deve ser assumido por profissionais que manifestem e efetivamente demonstrem desejo e habilidade para construir diálogos nos quais o direito ao desenvolvimento natural e sadio da sexualidade infanto-juvenil seja o foco e esta noção seja promovida e disseminada; b) o fato de as ações de capacitação/formação dos(as) profissionais da educação para o trabalho com estas temáticas precisar contemplar, em seu planejamento, a previsão de se trabalhar diferentes dimensões da formação docente. Isto possibilitará que os(as) profissionais desenvolvam e/ou aprimorem as habilidades e competências técnico-profissionais e humanas necessárias à

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promoção de ações de enfrentamento capazes de mobilizar a comunidade intra e extra-escolar para o trabalho de transformação da realidade das crianças e adolescentes já vitimizados ou sob o risco de sofrerem violência sexual. A demanda por ações de capacitação/formação com tais características, construída coletivamente nos diálogos acerca do setor da educação no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, foi explicitada nos Planos Operativos Locais dos três municípios, sendo este um dos principais indicativos da positividade do trabalho realizado em torno deste item do eixo prevenção.

Limites e possibilidades de atuação preventiva e protetiva da escola no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil Consistindo em um fenômeno largamente estudado e denunciado, a inadequação da estrutura física e dos recursos humanos e materiais de parte significativa das escolas públicas que atendem às crianças e adolescentes empobrecidos e socioeconômica e culturalmente mais vulneráveis também se revelou uma realidade presente nos municípios contemplados nesta fase de expansão do PAIR/MG. Segundo os agentes que atuam na proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias e, mais especificamente, de acordo com os profissionais das redes de educação destes locais, apesar dos muitos esforços que vêm sendo feitos nos últimos anos, as instituições/prédios escolares muitas vezes são marcados pela falta das condições mínimas adequadas ao cumprimento de sua função e finalidade. No contexto da discussão acerca da ação da escola em particular e da educação de modo mais geral no enfrentamento à violência

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sexual infanto-juvenil, e na implementação da proteção integral à criança e ao adolescente, esta inadequação se mostrou um forte obstáculo à ação dos(as) profissionais da educação. Isto porque, segundo muitos relatos, trata-se de promover intervenções/executar ações que demandam a mobilização de recursos humanos, financeiros, materiais e técnicos de que as instituições não dispõem. Desta forma, a compreensão da complexidade do fenômeno e dos cuidados que seu enfrentamento requer, dada a delicadeza da situação, sobretudo quando se considera a vítima, levou muitos(as) educadores(as) a concluírem pela dificuldade de a escola participar ativamente do enfrentamento, visto tratar-se de uma grande responsabilidade. Diante destas constatações, os agentes de proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias participantes da capacitação/ formação adotaram duas posturas: por um lado, assumir a tarefa de empreender ações específicas voltadas à conquista de melhoria nas condições materiais, físicas e humanas das instituições públicas de ensino, de modo a melhor prepará-las não só para o enfrentamento, mas para o cumprimento das funções que lhes são socialmente atribuídas. Por outro, o fato de estarem em diálogo-formação junto a outros agentes e atores que atuam com o mesmo público e que têm, como a educação, a responsabilidade de enfrentar o fenômeno, bem como o (re)conhecimento das ações que estes realizam e do potencial que cada um possui, possibilitou que os(as) profissionais da educação assumissem o reconhecimento de que “nenhum de nós é melhor e mais inteligente que todos nós” (Brandão, 2002: 29), o que reforçou a importância do estabelecimento de parcerias para potencializar o resultado das ações de enfrentamento a serem executadas no âmbito da rede de proteção integral.

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Assim, se a compreensão do fenômeno impactou os(as) profissionais da educação a ponto de eles perceberem o desafio e a responsabilidade de atuar protetiva e preventivamente, dadas as dimensões do fenômeno e os limites de suas capacidades/condições, então o (re)conhecimento da existência, no município em que atuam, de atores e agentes que, tendo a mesma responsabilidade, se mostram parceiros em potencial para o enfrentamento, conduziu o grupo no sentido da compreensão da importância de articulação da rede de proteção integral à criança e ao adolescente, como mecanismo de fortalecimento das ações voltadas à transformação da realidade local no referente ao fenômeno. Para finalizar, resta-nos dizer que o processo de capacitação/ formação dos educadores atuantes nas instituições de ensino e em outros espaços socioeducativos junto às crianças e adolescentes dos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim teve, como resultado principal, a compreensão da capacidade que eles possuem de – aliados a outros profissionais que atuam junto ao mesmo segmento e às famílias, e aos setores sociais sensibilizados e comprometidos com a doutrina de proteção integral – agir articuladamente com vistas a mudar o triste quadro de medo, violência e violação de direitos que vitimiza nossas crianças e adolescentes. Trata-se, tal como defendido por Paulo Freire, de abrir-se ao dever ético e profissional de tentar conduzir os educandos na direção de meus sonhos políticos [orientado pelo] dever ético de, combatendo as injustiças, deixar claro que mudar é difícil mas é possível. O que não posso fazer é “ouvidos de mercador” aos discursos dominantes que defendem a adaptação ao mundo como a maneira certa de nele estar. (2000: 98, grifos do autor)

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Notas 1

Uma questão levantada nas discussões e que foi apontada por educadores(as) dos três municípios como estratégia positiva para a proteção de crianças e adolescentes, sobretudo dos mais vulneráveis em relação à violência sexual infanto-juvenil, é a extensão da jornada escolar por meio da oferta e realização de atividades no contraturno com diversificação dos espaços/ações socioeducativas para este público.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) institui a obrigatoriedade dos profissionais das áreas da educação e da saúde de notificarem (comunicar oficialmente aos órgãos competentes) os casos – suspeitos ou confirmados – de maus-tratos em geral.

2

Referências ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1981. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002. BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano nacional de educação em direitos humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos/ Ministério da Educação/Ministério da Justiça/UNESCO, 2007. CUNHA, Eleonora Schettini M. Caderno planejando a ação. Belo Horizonte: UFMG - Pró-Reitoria de Extensão, 2007. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). Ministério da Justiça. Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990. FALEIROS, Vicente de Paula; FALEIROS, Eva Silveira. Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007. FREIRE, Paulo. De falar ao educando, a falar a ele e com ele; de ouvir o educando a ser ouvido por ele. In: ____. Professora sim, tia não! - Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’Água, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.

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KOSHIMA, K. Palavra de criança. CEDECA - Bahia, 1999. Disponível em: . Último acesso em: dezembro de 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB nº 9.394/96. Brasília, [s.d.]. REBOUÇAS, Maurício Carlos. A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes na Cidade de Santos/São Paulo. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003. UDE, Walter. Famílias. Presença Pedagógica, v. 9, n. 53, p. 70-73, set./out. 2003. (Dicionário Crítico da Educação)

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G e ra l d a lu i z a d e mi ran da e d i t e d a p e n h a c u n ha

Ações de Enfrentamento à Violação de Direitos da Criança e do Adolescente na Política de Assistência Social1

A política de Assistência Social, dentre as políticas sociais brasileiras, é uma das que mais se tem desenvolvido, em termos de estruturação legal, conceitual e operacional após a promulgação da Constituição Federal em 1988. O objetivo dos avanços é transformar os direitos que foram constitucionalizados em garantias reais, concretas, presentes no cotidiano de crianças e adolescentes, idosos, pessoas portadoras de deficiência, mulheres, migrantes, população com trajetória de vida na rua. Pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social e/ou pessoal e que, por isso, necessitam de forma continuada ou temporária de promoção ou proteção de seus direitos. A redistribuição das competências entre os níveis de governo (federal, estadual e municipal), a redefinição das ações e a construção de novos paradigmas normativos estão entre os principais avanços. Muita coisa, no entanto, ainda precisa ser construída, nos âmbitos legal e normativo, e, na prática, novas ações precisam ser implementadas e muitas das que existem devem

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ser reestruturadas, ampliadas e avaliadas, conforme determina a legislação, de forma a ampliar sua eficácia e efetividade na prevenção e enfrentamento da pobreza e da violência. Neste texto, centra-se a atenção na estruturação das ações de proteção à criança e ao adolescente em situações de violação de direitos, como a violência doméstica, a trajetória de vida nas ruas, a mendicância e o trabalho infanto-juvenil e, mais especificamente, o abuso e a exploração sexuais de crianças e adolescentes. Busca-se discutir a estruturação das ações de enfrentamento à violência a partir das diretrizes instituídas pela seguinte legislação: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004, Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS) de 2005 e, por fim, o Guia de Orientação para a implantação dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS) de 2006. Entre as diretrizes colocadas por essas leis, destaca-se a exigência de que, em situações de violação de direitos, as ações de proteção da criança e do adolescente tenham como foco a família e sejam de natureza psicossocial. De maneira geral, o objetivo dessas ações deve ser o de assegurar às famílias e, de forma mais específica, a suas crianças e adolescentes, condições de terem uma vida digna e cidadã como determina a Constituição. No primeiro tópico, são discutidos os fatores relacionados à pobreza que, ao incidirem sobre as famílias, fornecem um terreno favorável à emergência e à reincidência das situações de violação de direitos, inclusive a violência sexual. Argumenta-se que, embora a pobreza não possa ser vista como causa da violência contra crianças e adolescentes, especialmente a violência sexual, ela tende a ser mais grave e de mais difícil superação nas famílias pobres. Os fatores que explicam essa gravidade e dificuldade são a sua exclusão ou inserção precária no mercado de trabalho; seu acesso restrito, ou

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falta de acesso, às políticas sociais; e, finalmente, em virtude desses dois fatores, sua menor capacidade para superar as conseqüências da violação de direitos de suas crianças e adolescentes. Dadas a complexidade e gravidade das situações de violência, qualquer que seja a sua manifestação, seu enfrentamento requer um tipo específico de intervenção, atualmente denominada “intervenção psicossocial”. Com o objetivo de especificar melhor esse tipo de intervenção e a exigência legal de que ela esteja centrada na família, são tratadas, no segundo tópico, as “dimensões” e situações em que o Estado deve intervir nas relações familiares, os objetivos e os princípios que devem reger essa intervenção e, por fim, a natureza e estrutura das atividades, estratégias, benefícios e recursos (tecnologias) a serem utilizadas. A partir das diretrizes colocadas pela legislação e da experiência acumulada no atendimento às famílias, são sugeridas diversas estratégias de intervenção.2 Esperamos que a discussão sobre as condições que aumentam a exposição de crianças e adolescentes à violência, bem como a apresentação das ações implementadas pela Assistência Social para sua promoção e proteção, contribuam tanto para esclarecer os cidadãos sobre essa política quanto para aumentar a integração entre gestores, profissionais e usuários das políticas sociais. Integração que é indispensável para a promoção e proteção das crianças e dos adolescentes, em situação de violação de direitos, e das suas famílias.

Vulnerabilidade e exclusão social: o caráter multidimensional e multicausado da pobreza A violência sexual contra crianças e adolescentes, assim como as outras formas de violação de direitos, atinge todos os grupos e classes sociais indistintamente. Entretanto, a pobreza e outras condições das famílias tanto podem contribuir para expor, de forma

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mais acentuada, crianças e adolescentes a esse tipo de violência quanto podem dificultar sua superação. O termo vulnerabilidade, de acordo com Carneiro (2005), possui basicamente três sentidos distintos, embora complementares, que foram sendo incorporados ao longo dos anos. Inicialmente, a vulnerabilidade esteve associada à ausência ou escassez de renda das famílias ou indivíduos, dadas por sua inserção precária ou nãoinserção no mercado de trabalho. Posteriormente, acrescentou-se à escassez ou ausência de renda a falta de acesso, ou acesso precário, das famílias e/ou indivíduos a serviços e bens sociais básicos, tais como moradia, saúde, educação, saneamento básico, energia elétrica, em virtude da ausência ou não-efetividade das políticas públicas em prover esses bens e serviços de forma equânime a todos os segmentos da população e em todos os municípios. Por fim, vulnerabilidade passou a ser associada não apenas à renda ou ao usufruto de bens e serviços sociais, mas principalmente às capacidades das famílias e indivíduos. A pobreza, ou a vulnerabilidade, nessa perspectiva, seria “privação de capacidades, sendo pobres aqueles que carecem de capacidades básicas para operarem no meio social, que carecem de oportunidades para alcançar níveis minimamente aceitáveis de realizações, o que pode independer da renda que os indivíduos detêm” (Carneiro, 2005: 71). A polissemia do termo vulnerabilidade é paralela a do termo exclusão, e sua trajetória parece ser a mesma, ou seja, de incorporação de significados ao longo do tempo. Inicialmente, o termo foi utilizado em referência a populações situadas à margem do progresso econômico e do usufruto dos benefícios advindos do desenvolvimento. Na década de 1970, exclusão passa a ser relacionada a “categorias muito distintas de indivíduos e situações”, como a “inserção precária ou não-inserção no mercado”, “situações de dependência, segregação, vulnerabilidade de certos grupos” e “situações de desestruturação familiar, doenças e incapacidades ou

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condições específicas ligadas ao ciclo de vida familiar”. Na década de 1980, utiliza-se o conceito em referência não apenas aos grupos marginais, mas também àqueles que foram excluídos do mercado e à instabilidade dos vínculos que esses grupos estabeleciam com a sociedade mais geral. Nessa perspectiva, o ponto de partida das análises permaneceu sendo a renda, mas o foco deslocou-se para as condições que afetam a coesão social (Carneiro, 2005: 73-74). Na configuração dessas condições, como observa este autor, destacam-se três dimensões: a relacional, a subjetiva e a processual ou dinâmica. A dimensão relacional traduz a idéia de que a exclusão diferencia-se de uma sociedade para outra, na medida em que diz respeito à ausência de acesso, ou acesso precário, a normas e padrões vigentes em cada cultura. Percebe-se, nessa perspectiva, a exclusão não de indivíduos, mas de grupos e comunidades dos padrões culturais dominantes. A dimensão subjetiva chama a atenção para o fato de que a pobreza ou a exclusão envolve fatores como, por exemplo, “a perda de auto-estima e da identidade”, “enfraquecimento dos laços familiares, sociais e comunitários”, que, como aponta o conceito de vulnerabilidade, convergem para a diminuição da coesão, para a degradação das redes de reciprocidade e solidariedade. A questão importante, que essa dimensão coloca em foco, é o fato de que esses fatores, ao mesmo tempo em que resultam da pobreza, contribuem para sua manutenção, pois baixa auto-estima, resignação, apatia, ressentimento, subalternidade, baixa expectativa quanto ao futuro são fatores de natureza não-material que acabam por limitar as possibilidades de as pessoas pobres se apropriarem de sua vida e acharem saídas possíveis para a situação em que se encontram. (Carneiro, 2005: 75)

A terceira dimensão tratada nas análises sobre a exclusão está relacionada estreitamente a esse caráter “processual”, “reprodutivo” ou “dinâmico” da pobreza. Chama-se a atenção, salienta Carneiro,

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para o fato de que a exclusão afeta não apenas as circunstâncias correntes das pessoas, mas também suas expectativas futuras e, por isso, tendem a se reproduzir no tempo e, considerando as outras dimensões, também no espaço. O que a discussão desses conceitos deixa claro é o fato de que a pobreza, seja ela entendida como vulnerabilidade, seja entendida como exclusão, é um fenômeno multidimensional e multicausado, enraizado nas condições concretas, nas interações sociais e na subjetividade das famílias. A amplitude do conceito, bem como a falta de consenso que gira em torno dele, são salientadas, inclusive, pela Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004: Além das privações e diferenciais de acesso a bens e serviços, a pobreza, associada à desigualdade social e à perversa concentração de renda, revela-se numa dimensão mais complexa: a exclusão social. O termo exclusão social confunde-se, comumente, com desigualdade, miséria, indigência, pobreza (relativa ou absoluta), apartação social, dentre outras. Naturalmente, existem diferenças e semelhanças entre alguns desses conceitos, embora não exista consenso entre os diversos autores que se dedicam ao tema. Entretanto, diferentemente da pobreza, miséria, desigualdade e indigência, que são situações, a exclusão social é um processo que pode levar ao acirramento da desigualdade e da pobreza e, enquanto tal, apresenta-se heterogênea no tempo e no espaço. (Brasil, 2005a: 36)

Qualquer que seja o nome que se dê à pobreza, vulnerabilidade ou exclusão, o importante é que ela seja entendida e focalizada como um fenômeno complexo, multidimensional, causado por diversos tipos de privações e pela falta de um conjunto de capacidades culturais, pessoais ou subjetivas. Seu enfrentamento, portanto, deve constituir-se no objetivo de todas as políticas sociais, e os programas, projetos e serviços (ações) de cada uma delas devem ir além do simples repasse de renda. Especialmente quando a pobreza vem

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acompanhada de violência, as ações devem estar estruturadas de forma a permitir uma intervenção personalizada e individual, de maneira que se possa alcançar os fatores psíquicos, subjetivos, que reforçam sua reprodução no tempo e no espaço. De uma maneira sucinta, podemos dizer que esse tipo de intervenção deve enfrentar simultaneamente: a exclusão ou inserção precária no mercado de trabalho; a exclusão do acesso ou acesso precário aos bens e serviços sociais; e a exclusão relacional e cultural, que se manifesta na perda ou precariedade da auto-estima e da identidade social, no enfraquecimento e degradação dos laços familiares, comunitários e institucionais e, por conseqüência, na falta de “capacidades” para romper com o caráter resistente, reprodutivo ou dinâmico da pobreza. Uma intervenção nas redes de relações familiares dessa magnitude, com vistas ao enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, inclusive o abuso e exploração sexuais, está alicerçada na legislação em vigor. Legislação que estabelece as situações em que essa intervenção deve ocorrer e seu formato, temas do próximo tópico.

O formato das ações de intervenção da política de assistência social em situações de violação de direitos de crianças e adolescentes O ECA estabelece uma distinção quanto ao agente que viola os direitos de crianças e adolescentes. Em primeiro lugar, a violação pode ocorrer pela ação de um agressor inserido no próprio âmbito familiar, pelos pais, responsáveis ou um irmão mais velho, que abusam sexualmente, agridem física ou psicologicamente crianças e adolescentes; a violação também pode ocorrer pela omissão dos responsáveis, como ocorre no caso da negligência de atenção e cuidados básicos. Em segundo, a violação de direitos pode

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ocorrer pela ação do próprio vitimado, como nos casos de crianças e adolescentes que se inserem em redes de narcotráfico e de exploração sexual. Por fim, a violação dos direitos de crianças e adolescentes pode ocorrer pela ação de um agressor externo à família, inserido em suas redes sociais, em suas relações de vizinhança ou amizade. Em todos esses casos, coibir, investigar, julgar e aplicar penas às violações, que são comumente crimes, são competências dos órgãos judiciários e da polícia, e não dos profissionais que atuam na política de Assistência Social. Nos dois primeiros casos, no entanto, as violações por ação ou omissão de pais, responsáveis ou outro membro da família, e as violações pela ação dos próprios vitimados, quando estes são crianças e adolescentes, a política de Assistência Social deve implementar ações que previnem a violação, promovam as famílias e protejam crianças e adolescentes. A importância do foco na família, determinado pela Constituição e pelo ECA, foi reconhecido pela PNAS, em 2004. Essa lei estrutura, em torno do núcleo familiar, a proteção social, dividindo-a em proteção social básica e proteção social especial de média e alta complexidade. A distinção está relacionada à situação de risco enfrentada pelas famílias e ao grau de fragilização de seus vínculos. A proteção social básica deve ser oferecida pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e seus objetivos são o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, buscando a superação de vulnerabilidades que decorrem da pobreza, da exclusão e da violência. Os CRAS devem estar localizados na comunidade, promovendo, articulando e executando ações destinadas a inserir as famílias em programas sociais diversos, como programas de transferência de renda, socialização de crianças e adolescentes, grupos de convivência para idosos, saúde e educação. A proteção social especial divide-se em proteção de média e de alta complexidade. As situações de alta complexidade são aquelas

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em que os vínculos familiares encontram-se rompidos, como, por exemplo, crianças vítimas de violência grave ou que foram abandonadas e, portanto, precisam ser abrigadas em casas-lar ou em famílias substitutas. As situações de risco que exigem proteção especial de média complexidade, a serem desenvolvidas nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) municipais e regionais, são aquelas em que os vínculos familiares, apesar de fragilizados, não foram rompidos. A fragilização dos vínculos manifesta-se pela ocorrência de: (1) violência física, psicológica ou sexual contra crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e mulheres; (2) negligência de cuidados básicos à criança e ao adolescente, ao idoso, à pessoa com deficiência; (3) mendicância, trabalho infantil ou exploração sexual de crianças e adolescentes; (4) trajetória de vida nas ruas de crianças e adolescentes, adultos ou famílias (população com trajetória de vida na rua, migrantes); (5) conflito com a lei, no caso de crianças e adolescentes. No que se refere à violência sexual contra crianças e adolescentes – o abuso e a exploração –, os últimos governos, no nível federal, têm formulado diversos programas para sua prevenção e enfrentamento que também se caracterizam como ações de média complexidade e são, por isso, implementados nos CREAS regionais ou municipais. Essa divisão caracteriza a co-responsabilidade dos três entes da federação na oferta das ações de prevenção e proteção, sendo que, na maioria dos casos, o Governo Federal encarrega-se do financiamento e assistência técnica e os Estados e Municípios, da execução. O Serviço Sentinela somou-se a ações já existentes em muitos municípios ou veio cobrir a ausência de ações de média complexidade com esse foco em outros. Esse serviço desenvolve uma metodologia que incorpora a prevenção do abuso e exploração sexuais, a promoção e proteção das crianças e adolescentes, vítimas

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desse tipo de violência, e de suas famílias e, por fim, a responsabilização do agressor. Busca-se, assim, atuar em diversas frentes, com o objetivo de proporcionar às crianças e adolescentes e a suas famílias condições de segurança, fortalecimento da auto-estima e o restabelecimento de seu direito à convivência familiar e comunitária. É importante salientar que, quando governadores e prefeitos não disponibilizam ações de atendimento de média complexidade para o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, ou o fazem de forma insuficiente ou com baixa qualidade, o Ministério Público pode intimá-los para o cumprimento dessa responsabilidade. Certamente, cabe novamente salientar, as situações de violação de direitos não emergem apenas pela existência da pobreza, mas esta lhes propicia um terreno favorável, na medida em que coloca crianças e adolescentes em posição mais vulnerável e afeta as capacidades das famílias para sua superação. Por isso a necessidade de uma intervenção específica, a intervenção psicossocial.

O caráter psicossocial das intervenções da política de assistência social O caráter psicossocial das intervenções nas redes de relações familiares é uma das diretrizes dadas pela PNAS/2004 e pela NOBSUAS/2005, sendo reforçada no Guia de Orientação dos CREAS de 2006. Essa legislação situa esse tipo de intervenção no campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal, articulando a proteção às famílias com as demais políticas voltadas para a garantia dos direitos. A centralidade na família é vista como uma estratégia fundamental para se trabalhar a inclusão social de seus membros. O pressuposto é o de que, se devidamente

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apoiada pelo Estado e pela sociedade, a família poderá desempenhar de forma mais efetiva as suas funções de socializar, cuidar e proteger seus membros. De acordo com Maria Lucia Afonso (2006), a abordagem psicossocial, nas intervenções nas redes de relações familiares, tanto na proteção básica quanto na proteção especial de média complexidade, exige, em primeiro lugar, tentar compreender suas relações internas, comunitárias e institucionais, ou seja, compreender o “emaranhado” de vínculos que ela ou seus membros individualmente estabelecem. Vínculos que possuem, ao mesmo tempo, uma dimensão legal, sociocultural e afetivo-relacional. A dimensão legal implica obrigações e direitos mútuos, regulados por lei. No trabalho de intervenção nas famílias, os profissionais devem buscar esclarecer com as famílias o cumprimento destas obrigações e direitos. É o caso das pensões alimentícias e da divisão de guarda entre casais. Mas os vínculos precisam também existir em uma dimensão sociocultural, através da qual as pessoas possam atribuir sentido aos papéis que desempenham na família, por exemplo, atribuindo sentido ao que é “ser pai” ou “ser mãe”, que obrigações têm, que valores estão associados à paternidade e à maternidade, e assim por diante. Assim, a intervenção também terá como objetivo fortalecer a identidade do grupo familiar, seus valores, regras, ideais e sua relação com o contexto sociocultural. Finalmente, mas não menos importante, lembremos a dimensão afetivo-relacional do vínculo, pela qual são abordadas as relações de cuidado, afeto e comunicação na família. (Afonso, 2006: 4)

Assim sendo, trabalhar com famílias, numa perspectiva psicossocial, é intervir em uma rede de vínculos que se inserem em um contexto legal, afetivo-relacional e sociocultural mais amplo. A intervenção da Assistência Social nessas relações é, em si mesma, o estabelecimento de mais um vínculo. Para que seja eficaz na

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alteração das situações de violência e na promoção da família é imprescindível que essa intervenção e, conseqüentemente, o vínculo nela estabelecido esteja alicerçado na confiança e no respeito mútuos, o que exige que o profissional elimine qualquer traço de autoritarismo, de preconceito, de discriminação em relação à família. Cada uma delas deve ser compreendida em sua especificidade, em sua diferença. Isto porque os arranjos familiares atuais variam muito em sua configuração e não há, a princípio, arranjos melhores ou piores. Dada a natureza multifacetada e multicausada da pobreza e, especialmente, da violação de direitos, a articulação intersetorial e em rede das ações a serem implementadas nos CREAS é uma condição para a efetividade das ações de média complexidade e uma exigência da legislação. O ECA estabelece que as ações de proteção aos direitos da criança e do adolescente são de co-responsabilidade da família, do Estado e da sociedade; a LOAS propõe um conjunto integrado de ações e iniciativas do governo e da sociedade civil para garantir proteção social; o SUAS procura esclarecer a importância da reciprocidade das ações da rede de proteção básica e especial; a PNAS chama a atenção para a necessidade de se integrar ações e recursos, intra e interinstitucionais, sem prejuízo da construção de redes com os diversos órgãos encarregados da defesa e garantia de direitos. A intersetorialidade, como salienta Carneiro, é necessária “[p]ara superar de forma sustentável a situação de exclusão e vulnerabilidade” e significa mais do que a simples, e recorrentemente apregoada, “conexão técnica” entre setores; ela exige, lembra a autora, “a execução conjunta de um plano de inclusão social de grupos em situação de vulnerabilidade social” (2005: 80). A prática tem demonstrado que a intersetorialidade exige

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ainda um empenho adicional das equipes técnicas, coordenadores e gestores das diversas ações, na criação e recriação cotidiana de fluxos, no estabelecimento de pactos, na interlocução sobre os desdobramentos dos encaminhamentos e, por fim, mas também muito necessário, de pressão institucional sobre os diversos setores, no sentido de que procedimentos, serviços e bens sejam realizados e/ou disponibilizados. Além da intersetorialidade, a literatura, a legislação e principalmente a prática das ações socioassistenciais de proteção especial de alta e média complexidade apontam para a exigência de um trabalho em rede. Esse conceito tem por referência não setores das diversas áreas de políticas sociais, mas órgãos e instituições estatais e sociais diversos, como os do Judiciário, as Delegacias Especializadas, as polícias civil e militar. O trabalho em rede é especialmente importante, tendo-se em vista uma outra exigência das ações que visam combater e superar as situações de violação de direitos na área da criança e do adolescente: a responsabilização dos pais e responsáveis. Essa responsabilização possui duas dimensões: uma, subjetiva, relacionada a um entendimento e redirecionamento de valores e práticas; outra, legal. Apesar dessa distinção, ambas se relacionam e se reforçam na intervenção. A dimensão subjetiva da responsabilização exige que as tecnologias a serem utilizadas nas ações de proteção especial de média complexidade sejam diversificadas e dinâmicas, o que permite sua utilização de forma individual e personalizada. É a partir dos atendimentos individuais ou ao grupo familiar, de palestras, reuniões, oficinas e encontros, desenvolvidos de forma respeitosa e livre de preconceitos, que se criam vínculos de confiança entre as famílias e os profissionais que atuam na área da assistência social.

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Vínculos esses necessários para que valores e práticas violadores de direitos sejam transformados em práticas e valores protetivos. Daí a importância de que essas tecnologias sejam flexíveis e dinâmicas o suficiente para permitir também a participação das famílias em sua estruturação e desenvolvimento. Intervir nas relações familiares, como tem sido recorrentemente afirmado, é um processo que se faz com as famílias, e não à revelia delas. A segunda dimensão da responsabilização é a que remete mais fortemente para o trabalho em rede. É porque diversas das situações de violação de direitos configuram ou se aproximam seriamente de crimes, há necessidade de se trabalhar em estreita parceria com os órgãos e instituições encarregados da defesa de direitos, tais como Juizado da Infância e Juventude, Promotoria de Justiça Especializada na Defesa dos Direitos da Infância e Juventude, Conselhos Tutelares, Tribunais, Delegacias Especializadas de Crime contra a Mulher, entre outros. A investigação e aplicação de penas a práticas criminosas, inclusive os crimes sexuais contra crianças e adolescentes – estupro, atentado violento ao pudor, corrupção de menores, pornografia –, escapam ao escopo das competências da política de Assistência Social. No entanto, a prevenção e a superação das situações de violação de direitos dependem e, muitas vezes, exigem que essas competências sejam desempenhadas de forma contínua, responsável e efetiva. Daí a necessidade de interação cotidiana com esses órgãos ao longo do processo de acompanhamento às famílias. A complexidade e multidimensionalidade da pobreza e as dificuldades que ela coloca para a superação das situações de violência contra crianças e adolescentes tornam inviável um modelo padronizado de intervenção nas redes de relações familiares. Cada família demanda estratégias, atividades, encaminhamentos e tempos diferenciados de intervenção; cada uma delas coloca desafios diferentes aos profissionais e a si mesmas, apresentando

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vulnerabilidades, riscos e potencialidades diversas. É justamente por isso que esse tipo de intervenção requer grande responsabilidade e capacidade técnicas. Essas qualidades, como salienta Carneiro, são especialmente necessárias ao “pessoal de ponta”, que são aqueles que de fato implementam o programa, interpretam situações e realizam ajustes, negociações e compromissos específicos (...) Um constrangimento importante para o desenho e, principalmente, a gestão de programas efetivos de enfrentamento das condições de vulnerabilidade e exclusão reside precisamente na atenção à qualidade e ao perfil do corpo profissional encarregado tanto da prestação do serviço na ponta quanto da natureza das relações estabelecidas com os beneficiários dos programas e serviços. Sem que seja possível estabelecer a confiança entre agentes públicos e beneficiários, sem romper com o ceticismo e a descrença da população quanto às intervenções governamentais, tais mudanças de fundo não se processam. (2005: 82)

Resumindo, a intervenção psicossocial exige tecnologias de escopo variado o suficiente para o enfrentamento do caráter multidimensional e multicausado das situações de pobreza e, especialmente, das situações de violência contra crianças e adolescentes. As tecnologias, e a sua utilização, devem também ser flexíveis e dinâmicas o suficiente para permitir e mesmo induzir a participação das famílias no processo de intervenção, de forma a propiciar sua responsabilização e mudança tanto na dimensão cultural e afetiva quanto em seu comportamento cotidiano. Além disso, para que sejam efetivas, as ações de proteção especial de média complexidade demandam estratégias intersetoriais e em rede, posto que a complexidade e gravidade das situações de pobreza e, especialmente, das situações de violação de direitos extrapolam as fronteiras de cada área de política e, de forma mais específica, as fronteiras da política de Assistência Social.

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Tendo em vista os públicos-alvo e as diretrizes estabelecidas no Guia de Orientação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) para os CREAS, sugerem-se alguns parâmetros para as ações de intervenção nas famílias em situação de violação de direitos das crianças e adolescentes, especificando, de forma geral, os objetivos, as formas de inserção na ação, as características da equipe técnica, as tecnologias que podem ser utilizadas e o perfil do público atendido.

Ações de intervenção nas relações familiares em situação de violação dos direitos de crianças e adolescentes Os objetivos das ações de média complexidade da política de Assistência Social devem ser o de fortalecer os vínculos familiares, atuando junto aos pais ou responsáveis, de forma a promover e construir, junto com eles, condições que possibilitem a superação das seguintes situações: (1) violência física e psicológica, abuso sexual e negligência; (2) trabalho infantil, incluindo exploração sexual e mendicância; (3) trajetória de vida nas ruas. O Guia de Orientação do MDS estabelece basicamente três formas de inserção das famílias nas ações socioassistenciais, a serem desenvolvidas nos CREAS. A primeira é a aplicação de Medida de Proteção ou Medida Pertinente aos Pais e Responsáveis pelos Conselhos Tutelares ou pelo Juizado da Infância e Juventude, ou através de uma Determinação ou Requisição de Atendimento, feita pela Promotoria de Justiça Especializada na Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude. Essas medidas podem ser aplicadas, quando são constatadas as violações de direitos acima indicadas, ou quando uma criança ou adolescente são reinseridos em suas famílias ou inseridos em uma família substituta, após abrigamento

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temporário em instituições específicas. A segunda forma de inserção é a procura voluntária das famílias pelo atendimento; a terceira, a busca ativa por parte das equipes de abordagem de rua das famílias, ou crianças e adolescentes em situação de risco social ou pessoal, especialmente em situações de violência. É pertinente que, quando da inserção resultante da busca ativa ou da demanda espontânea das famílias, comunique-se o caso ao Conselho Tutelar ou ao Juizado e solicite-se a emissão da Medida de Proteção ou Medida Pertinente aos Pais e Responsáveis, previstas no ECA. Esse procedimento é obrigatório quando há qualquer manifestação de violência contra crianças e adolescentes. Além de ser uma exigência legal, a comunicação aos órgãos de defesa de direitos indica para a família a obrigatoriedade do acompanhamento e, assim, contribui para sua responsabilização. Normalmente a Medida de Proteção e a Medida Pertinente aos Pais e Responsáveis não têm tempo de duração preestabelecido pelos órgãos de defesa de direitos. A permanência das famílias na ação pode durar um, ou dois anos, variando de acordo com as vulnerabilidades do grupo familiar, a natureza das violações e o comprometimento dos pais ou responsáveis. A definição de um tempo máximo pode ser feita pela equipe do programa/serviço e deve ser previamente pactuada com os órgãos de defesa de direitos. É importante que o desligamento da família do atendimento seja resultado da superação da situação de violação dos direitos. Essa avaliação deve ser feita pelo técnico que acompanha a família, a partir de indicadores previamente construídos, discutida dentro da equipe e informada aos órgãos de defesa de direitos. As situações de violação de direitos que vitimam crianças e adolescentes, como já mencionado anteriormente, podem resultar tanto da ação quanto da omissão de pais ou responsáveis ou outros

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adultos da família, quanto da ação da própria criança ou adolescente. Além disso, uma única violação pode ter diversas causas. Por exemplo, o abuso sexual pode ter origem em doença mental, abuso de álcool ou de outras substâncias psicoativas, perversão ou mesmo no histórico de vida do abusador. A exploração sexual pode ser estimulada pela pobreza, falta de informação de pais ou responsáveis, falta de perspectivas de vida dos adolescentes ou manipulação criminosa de adultos. Em virtude da complexidade e gravidade dos danos que qualquer tipo de violência provoca no desenvolvimento físico e emocional de crianças e adolescentes, é preciso um esforço permanente dos profissionais que atendem as famílias para alcançar uma compreensão mais abrangente de cada fenômeno. Uma formação acadêmica adequada melhora a qualidade do atendimento e diminui a angústia e a ansiedade dos profissionais. Além disso, as equipes estarão lidando, na maior parte do tempo, com situações de violência que configuram crimes. Lidar com a violência, principalmente quando as vítimas são pessoas vulneráveis ou em formação, como a criança e o adolescente, e compreender a complexidade dos mecanismos mentais, emocionais, afetivos e socioeconômicos que a provoca exige, além de considerável capacidade técnica, sensibilidade, flexibilidade, inteligência, bom senso, compaixão, entre outras qualidades que não são facilmente encontradas. A capacitação extracurricular, através de cursos, seminários, fóruns, e o apoio, tanto o institucional quanto o da equipe, devem ser contínuos. A discussão dos casos dentro da própria equipe de atendimento, inclusive com um advogado e um “supervisor” com capacitação na área da psicologia ou psiquiatria, e a reunião periódica com profissionais dos órgãos de defesa de direitos e da rede de serviços (saúde, educação) também contribuem para a efetividade do acompanhamento e o apoio dos profissionais envolvidos.

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Considerando a diversidade de violações e a complexidade de suas causas, as atividades e estratégias de acompanhamento às famílias devem buscar alterar a dinâmica familiar violadora, propiciando a emergência de novos valores e práticas. Em primeiro lugar, deve-se buscar auxiliar a família a criar novas formas de convivência e comprometê-la com essas formas, acionando a lei quando necessário. Para que se alcance esses objetivos, diversas atividades e estratégias podem ser desenvolvidas. As mais comuns são o atendimento individual, o atendimento ao grupo familiar, visitas domiciliares, atividades com grupos de famílias, oficinas de convivência, palestras, grupos de reflexão. Esse é um campo aberto à criatividade. A única diretriz é o respeito, a confiança e a responsabilidade. Em segundo lugar, deve-se estar atento à inserção da família no mercado de trabalho e ao seu acesso às outras políticas sociais. Não é possível transformar práticas de violência contra crianças e adolescentes em práticas protetivas sem promover a capacidade de auto-sustentação material das famílias, inserindo-as, inclusive, na rede de bens e serviços sociais. As atividades e iniciativas que visam fortalecer ou fomentar a capacidade de sustentabilidade econômica da família ou de seus membros individualmente são diversas: transferência direta de renda, por meio da inserção da família ou de seus membros em benefícios (bolsas, auxílios, rendas mínimas) dos governos federal, estadual ou municipal; inserção de adolescentes ou adultos em cursos de profissionalização ou qualificação; inserção de adolescentes em programas de trabalho protegido; criação de grupos de trabalho e geração de renda. As atividades e iniciativas que visam à inclusão da família e de seus membros na rede de bens e serviços sociais também são variadas: encaminhamentos para a rede de educação, de saúde, de trabalho, de esportes e da própria assistência social. Esses serviços e bens podem ser tanto estatais quanto não-estatais, e os encaminhamentos devem ser acompanhados da

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orientação às famílias sobre o funcionamento da rede, buscando esclarecê-las de que o acesso a esses bens constitui um direito delas e um dever para com suas crianças e adolescentes. Cabe novamente salientar que a inclusão das famílias na rede de bens e serviços sociais exige um trabalho adicional, por parte das equipes técnicas e de coordenadores das diversas ações e gestores dos CREAS, de criação e recriação cotidiana de fluxos, de estabelecimento de pactos, de interlocução sobre os desdobramentos dos encaminhamentos realizados e, o que é também muito importante, de pressão institucional para que serviços e bens sejam disponibilizados na quantidade e no formato requeridos pelas famílias. Por fim, são essenciais, dada a gravidade das situações de violação, atividades e iniciativas de interlocução constante com os órgãos encarregados da defesa dos direitos. Atividades que visem à troca de informações, à construção de estratégias conjuntas de intervenção, de estabelecimento de fluxos e construção de pactos, como relatórios periódicos, reuniões, visitas institucionais, contatos telefônicos e audiências com conselheiros tutelares, promotores, juízes e outros profissionais, devem marcar a rotina das equipes que atendem situações de violência. Essa interlocução faz-se necessária pelo fato de que, muitas vezes, a proteção de direitos, inclusive o direito à vida, requer medidas judiciais adicionais, tais como o abrigamento de crianças e adolescentes, destituição do poder familiar e responsabilização dos agressores. A opção por uma ou outra dessas estratégias ou atividades, no processo de atendimento às famílias, irá depender, é claro, da natureza e da gravidade da violação ou das violações existentes em cada uma delas, assim como de seus arranjos internos e de suas vulnerabilidades. Por isso a intervenção deve ser individualizada, personalizada; disso decorre a necessidade de profissionais competentes e responsáveis.

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Em geral, as famílias cujas crianças e adolescentes estão mais expostos à violência ou que encontram mais dificuldades para a sua superação são aquelas que possuem baixa renda, desemprego ou subemprego, ou baixa escolaridade dos pais ou responsáveis. Como salientado, a pobreza não é a causa, mas sim o fator que torna as famílias mais vulneráveis à incidência da violência. Fatores tais como a dependência de álcool ou substâncias psicoativas, o histórico de violência na infância, a doença mental, a perversão são também grandes causas de violência. Esses fatores estão presentes em todas as classes sociais, provocando todas as formas de violação de direitos, inclusive o abuso e a exploração sexuais contra crianças e adolescentes. Em suma, famílias com crianças e adolescentes em situação de violência, qualquer que seja a sua manifestação, inclusive o abuso e a exploração sexuais, requerem e têm direito a um atendimento individualizado, personalizado, realizado por profissionais competentes e responsáveis, que atuem de forma setorial e em rede. Profissionais capacitados para distinguir quais são os problemas que ameaçam a unidade da família e prejudicam o desenvolvimento sadio de suas crianças e de seus adolescentes; para construir, junto com os pais ou os responsáveis, formas de superação de seus problemas e novos padrões de relacionamento; para promover, junto com o Conselho Tutelar, a responsabilização dos agressores e a proteção legal das crianças e dos adolescentes; para inserir a família na rede de bens e serviços sociais, propiciando a seus membros o acesso à educação, à renda, à saúde física e mental, especialmente na área da psicologia, psiquiatria, de tratamento à dependência de substâncias psicoativas ou de álcool. Por tudo isso, esses profissionais também precisam de condições adequadas de trabalho, do apoio das instituições que integram, dos colegas de equipe e dos outros profissionais que constituem a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente.

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Considerações finais Este texto tratou da natureza e do formato das ações de intervenção da política de Assistência Social para a promoção e proteção dos direitos de crianças e adolescentes em situações de violência, a partir do arcabouço legal instituído após a promulgação da Constituição de 1988. Inicialmente, discutiu-se como a pobreza tem sido compreendida na política de Assistência Social. O objetivo foi indicar sua multidimensionalidade, característica que, aliada ao caráter complexo e multicausal da violência contra crianças e adolescentes, exige um tipo bem específico de intervenção nas redes de relações familiares: uma intervenção de natureza psicossocial na família, tratada no segundo tópico. Vimos que a intervenção psicossocial deve estar estruturada de forma a permitir a participação da família na definição, construção e desenvolvimento das estratégias e atividades, recursos e benefícios que são a eles ofertados. Em seguida, que as tecnologias utilizadas em cada ação devem ser variadas, flexíveis e dinâmicas de forma a possibilitar um atendimento individualizado, personalizado. A efetividade dessas ações, por outro lado, depende fortemente de ações de outras áreas de políticas sociais ou de outros órgãos, o que remete para a importância de criação e recriação permanente de estratégias e rotinas intersetoriais ou em rede. A gravidade e a urgência das situações de violência contra crianças e adolescentes exigem que essas ações estejam fortemente regidas pelos princípios da responsabilidade técnica e da busca de responsabilização dos pais, responsáveis ou outros membros da família que violam, por ação ou omissão, seus direitos. Foram apresentadas, por fim, sugestões de estruturação de ações para famílias em situação de violação dos direitos das crianças e adolescentes, destacando seu objetivo, as estratégias que podem ser utilizadas; as características das equipes técnicas; e o perfil das famílias cujas crianças e adolescentes estão mais expostas à violência e que encontram mais dificuldades para sua superação.

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Notas 1

Parte da argumentação aqui desenvolvida constitui o relatório denominado “Concepção dos CREAS: um estudo sobre a natureza e o formato das ações de proteção especial de média complexidade”, um dos resultados do convênio estabelecido, em 2006, entre a Secretaria de Desenvolvimento Social e Desporto do Estado de Minas Gerais (SEDESE), o Núcleo de Apoio à Política de Assistência Social (NUPASS) e o Projeto Democracia Participativa (PRODEP) do Departamento de Ciência Política (DCP) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH/UFMG). Cabe salientar a contribuição fornecida por convênio para as reflexões desenvolvidas no processo de formação dos educadores do PAIR, especialmente quanto às possibilidades de atuação preventiva e protetiva dos CRAS e dos CREAS no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.

2

A grande maioria das sugestões apresentadas foi colhida em entrevistas com gestores e técnicos dos programas e serviços desenvolvidos e/ou executados pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, especialmente o Serviço de Orientação, Apoio e Proteção Sociofamiliar (SOSF), o Serviço Sentinela e os Programas Abordagem, Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. A todos, nossos agradecimentos. A responsabilidade pelos argumentos desenvolvidos é nossa.

Referências AFONSO, Maria Lúcia. O trabalho com famílias: uma abordagem psicossocial. In: SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DESPORTO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – SEDESE. Projeto CAPTAS - Capacitação de Trabalhadores da Assistência Social. Cadernos de Assistência Social: Belo Horizonte, 2006. BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Caderno de Capacitação. Serviço de Orientação, Apoio e Proteção Sociofamiliar - SOSF, v. 3, p. 90-129, 2004. BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Trabalho infantojuvenil em Belo Horizonte: realidade e desafios, [s.d.]. BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Manual do Programa Sentinela. Brasília, 2003.

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BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Brasília, 2005a. BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília, 2005b. BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Guia de Orientação, n. 1, 1. versão. Brasília: SNAS, 2006. CARNEIRO, Carla B. L. Concepções sobre pobreza e alguns desafios para a intervenção social. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 84, p. 66-90, 2005.

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K l e b e r que i ro z

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Para uma melhor compreensão do que se pode fazer para o enfrentamento da violência sexual, dentro da visão jurídica, é necessário entender, inicialmente, como está estruturado o direito da criança e do adolescente no nosso ordenamento. Em um segundo momento faz-se necessário apontar os instrumentos que podem ser usados para a proteção dos vitimizados pela violência sexual, os principais aspectos da responsabilização criminal do agressor e, por fim, os crimes que dizem respeito à violência sexual. Vale salientar que o desconhecimento da legislação apresenta-se como obstáculo para a interrupção da violência sexual praticada contra criança e adolescente, portanto, é indispensável o seu estudo. Convém dizer que este texto está baseado no trabalho de capacitação de formação de multiplicadores para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil realizada nos municípios abrangidos pelo plano de expansão do PAIR - Programa de Ações Integradas e

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Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Ao final do texto tem-se uma reflexão sobre o trabalho realizado nos municípios.

Criança e adolescente no ordenamento jurídico O grande marco legal de defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente no nosso ordenamento jurídico, sem sombra de dúvida, é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990. Na função de regulamentar o artigo 2271 da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, o ECA introduz ao nosso ordenamento jurídico a Doutrina da Proteção Integral. A Doutrina da Proteção Integral, baseada nos princípios do melhor interesse da criança, do reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, da sua condição peculiar de desenvolvimento e da prioridade absoluta, define que é dever de todos – família, comunidade, Poder Público e a sociedade de uma forma geral – a efetivação dos direitos referentes à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, e que se deve assegurar à criança e ao adolescente todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Define, ainda, que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. O ECA não só estabelece os direitos do público infanto-juvenil como também cria mecanismos para sua garantia, como, por exemplo: o Conselho Tutelar – órgão encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente; os conselhos

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de direitos municipais, estaduais e nacional – órgãos deliberativos e controladores das ações da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; os Fundos da Infância e da Adolescência – com recursos destinados à promoção e defesa dos direitos deste público. O ECA, com a finalidade de apresentar mecanismos para resolução das demandas de atendimento ao público infanto-juvenil, preconiza que a política de atendimento tem como linhas de ação: as políticas sociais básicas,2 as políticas e programas de assistência social,3 as políticas de proteção especial4 e as políticas de garantia.5 Ainda dentro da linha da política de atendimento, o ECA apresenta a possibilidade de execução, por entidades governamentais e não-governamentais, de programas de proteção em regime de orientação e apoio sociofamiliar; apoio socioeducativo em meio aberto; colocação familiar, abrigo, e programas socioeducativos em regime de liberdade assistida; semiliberdade e internação. No tocante à ameaça ou à violação dos direitos da criança e do adolescente, o ECA enumera as medidas protetivas que podem ser buscadas para afastar a ameaça ou para interromper a violação, sobretudo a violência sexual, como se verá a seguir.

Medidas protetivas O Estatuto da Criança e do Adolescente sinaliza as medidas que podem ser aplicadas para a proteção da criança e do adolescente, em situação de ameaça ou de violação de seus direitos. Tais medidas não só estão voltadas para interrupção da violência, como também visam à organização do grupo familiar. Antes de adentrar nas medidas de proteção é importante frisar que, quando da abordagem de situações de violência sexual, para

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uma melhor intervenção, faz-se necessário um trabalho com interlocução de profissionais de diferentes áreas, como da Psicologia, do Serviço Social, do Direito, da Pedagogia e de outras afins. Os casos de violência sexual não podem ser expostos a uma intervenção individualizada; por se tratar de uma situação complexa que envolve dimensões jurídicas, psíquicas, sociais, econômicas e culturais, deve-se adotar uma abordagem interdisciplinar. Para o amparo às situações de violência de uma forma geral, nela incluída a sexual, o ECA nos apresenta uma série de medidas que podem ser buscadas para afastá-la, voltadas para a orientação e o apoio ao grupo familiar, com objetivo de reatar os vínculos familiares, de vencer as vulnerabilidades: encaminhamento da criança e do adolescente aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômano; encaminhamento a cursos ou programas de orientação; e medida de advertência. Outras medidas são voltadas para a intervenção no grupo familiar – afastamento do agressor da moradia comum, colocação da criança e do adolescente em família substituta e abrigo. A medida de proteção de encaminhamento da criança e do adolescente aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade, tem sua prática quando a criança e o adolescente estão em local que os exponha a risco, como em local de prostituição ou perambulando pelas ruas. Tal medida consiste em o Conselho Tutelar retornar a criança ou o adolescente aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade em que estes assumam a proteção daqueles. A medida de orientação, apoio e acompanhamento temporários está voltada para o auxílio à família no intuito de fortalecer os responsáveis

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pela criança e adolescente na atenção, na condução da educação, na orientação e de uma forma geral em situações que a organização familiar está fragilizada. A medida de inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente visa minimizar as limitações em que a família se encontra seja por falta de organização do grupo familiar, seja por falta de recursos. Busca-se, no primeiro caso, o resgate dos vínculos familiares e sua organização, no segundo, o acesso às necessidades básicas: alimentação, vestuário, saúde, geração de renda, habitação. A medida de requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, visa ao cumprimento da obrigatoriedade do atendimento, básico ou especializado, sobretudo em situações que demandam cuidados especiais, em serviço público de saúde, de forma adequada e eficiente. A medida de inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômano está voltada para o encaminhamento quer da criança ou do adolescente, quer dos pais ou responsável, para programas oficial ou comunitário que tenha esse tratamento. A medida de encaminhamento a cursos ou programas de orientação tem em vista a qualificação, a habilitação profissional de pais ou responsável para o trabalho, a melhoria da renda ou a sua geração. Trata-se de uma busca por melhores condições de vida para a família. A medida de advertência é uma forma de chamar a atenção dos pais ou responsável para o dever de: proteger, assistir, criar, educar, colocar a salvo a criança e o adolescente de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão, enfim, de garantir os seus direitos fundamentais. A aplicação das medidas acima citadas são de atribuição do Conselho Tutelar. Em caso de ameaça ou violação dos direitos da

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criança e do adolescente, cumpre ao Conselho Tutelar atender, averiguar, encaminhar, requisitar, fiscalizar, aplicar medidas de proteção, enfim, praticar os atos necessários para a manutenção ou ressarcimento do direito. Na compreensão das atribuições do Conselho Tutelar, Geraldo Claret Arantes ensina que o Conselho Tutelar foi instituído para exercer na sociedade, de forma capilar, a defesa e execução dos direitos da criança e do adolescente (...) com a força da lei, pode requisitar serviços públicos como ambulâncias, vagas em hospitais, fornecimento de remédios e tratamentos médicos, vagas em escolas públicas para os fins específicos, escolta policial quando necessário, inclusão de adolescentes e famílias carentes em programas municipais de assistência social etc. (2004: 177)

Neste contexto, o Conselho Tutelar exerce uma função de extrema importância. Entretanto, não faz parte de sua atribuição a execução das medidas de proteção, para isso faz-se necessária uma rede de serviços para absorção dos encaminhamentos para atender às suas requisições. As medidas mencionadas em grande parte são suficientes para afastar a violação. Depara-se, entretanto, com situações de violência sexual que expõem a perigo a vida ou a saúde da criança e do adolescente, provocadas pelos próprios pais ou responsável, ou por pessoas da convivência da criança e do adolescente, as quais demandam providências diretas para a sua interrupção. Para tanto podemos nos ater às medidas de afastamento do agressor da moradia comum, colocação em família substituta e abrigo em entidade. Quando a violência sexual é intrafamiliar em que o agressor se encontra no âmbito da moradia na qual a criança e o adolescente estão expostos, a intervenção deve ser mais direta. Dentro da visão

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da busca de caminhos que não cause a revitimização deve-se, em primeiro lugar, analisar a possibilidade de afastar o agressor da moradia, não sendo possível, busca-se a identificação de alguém que possa assumir a guarda; também não havendo esta possibilidade e a criança e o adolescente estando em situação de risco, resta-se o abrigo. Em relação ao afastamento do agressor da moradia comum, dispõe o artigo 130 do ECA que, verificada a hipótese de maustratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento imediato do agressor da moradia comum. Trata-se de medida aplicada pelo Poder Judiciário. O Conselho Tutelar, na situação de afastamento do agressor, deve fazer uma abordagem junto à família, com apoio de equipe técnica, a fim de apurar sua necessidade e viabilidade e, por conseguinte, encaminhar o caso para alguma entidade de assistência jurídica para que acione a Justiça. Em determinados casos a medida de afastamento do agressor possibilita a reorganização familiar e, com isso, evita a reincidência da violência. Convém reforçar, contudo, que, para lograr êxito na aplicação dessa medida, faz-se necessário um trabalho preliminar junto à família. É importante perceber se dentro desta há alguém que possa assegurar a eficácia da medida, ou seja, que seja capaz de garantir que o agressor não retorne à moradia. Não é raro o agressor ser afastado e voltar em seguida impondo medo e, às vezes, mais violento do que antes. Outro ponto importante a ser abordado é quando o agressor é o mantenedor da casa. Nesta situação reclamam-se políticas públicas de amparo à família, como, por exemplo, de transferência ou geração de renda. Caso se entenda que a medida de afastamento do agressor vai ser ineficaz, a outra possibilidade é a colocação em família substituta através da guarda. Neste caso tenta-se identificar alguém que

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possa assumir a guarda da criança ou do adolescente, seja através dos avós, tios, irmãos, entre vizinhos e amigos, ou terceiros que ofereçam proteção. No que diz respeito à guarda, cuida-se de uma medida que visa colocar a criança e o adolescente em uma família substituta. A guarda é uma espécie do gênero família substituta. Temos três formas de colocação em família substituta: guarda, tutela e adoção. A guarda é o procedimento mais adequado para atender às situações de violência. Pode ser concedida para atender situações peculiares ou para suprir a falta eventual dos pais ou responsável. Tarcísio Costa (2004: 59) ensina que a guarda para atender a situações peculiares está voltada para amparar a criança ou o adolescente com histórico de abandono, maus-tratos, e a guarda que visa suprir a falta eventual dos pais ou responsável está voltada para situações de ausência mais ou menos prolongada dos pais, por motivo de viagem, trabalho ou tratamento de saúde. A guarda, contudo, deve observar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, ela deve ser concedida a quem mostrar melhores condições de proteção, de garantia dos direitos fundamentais: vida, educação, lazer, dignidade, liberdade, convivência familiar e comunitária, enfim, acesso a uma vida saudável, afastada de tudo aquilo que prejudique o desenvolvimento, a formação de um adulto equilibrado apto à convivência social. Na concessão da guarda deve-se levar em conta a melhor colocação da criança ou do adolescente, independentemente de laços familiares. Ao ser concedida, a guarda sugere para o guardião direitos e deveres. Trata-se de um instituto composto. O guardião tem direito de desfrutar da companhia da criança, de direcionar a educação, o direito de reclamar alimentos de quem tem obrigação de prestá-los. No campo dos deveres tem-se de: educar, prestar assistência, colocar a criança a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação,

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violência, crueldade, opressão, bem como o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos próprios pais. Ressalte-se que a guarda é da natureza do poder familiar; desta forma, para que ela venha a produzir efeitos em favor de terceiros, deve ser advinda de decisão judicial. Saliente-se que a colocação em família substituta é uma medida judicial, não é medida aplicada pelo Conselho Tutelar, mas pelo juiz. É aconselhável às pessoas que estão lidando com a proteção da criança e do adolescente buscar a identificação de alguém que possa assumir a guarda, o próprio conselheiro tutelar, o psicólogo, o assistente social, o professor podem ajudar nesse sentido. Facilita a tomada de decisão do juiz, quando da sua concessão, saber de antemão que existe alguém com quem a criança tenha afinidade e que queira assumir a guarda. A possibilidade de concessão da guarda a alguém que possa oferecer proteção, afeto à criança e ao adolescente é fundamental em situações de violência sexual. Neste sentido Eduardo Roberto A. Del-Campo e Thales Cezar de Oliveira prestam ajuda na reflexão acerca da colocação em família substituta, veja-se: A colocação em família substituta pode ocorrer por “guarda”, “tutela”, ou “adoção”. Nesses casos, indo ao encontro da moderna teoria de “desbiologização da paternidade”, o estatuto acolheu a chamada “paternidade social” reconhecendo ao lar alternativo o mesmo patamar da família natural. (2005: 35)

A guarda, entretanto, não é absoluta ou definitiva, posto que o estabelecido poderá ser mudado por situações supervenientes; a própria decisão judicial de guarda pode ser alterada, modificada a qualquer tempo. Assim, ela pode ser conferida hoje a um terceiro e amanhã ser modificada para retorná-la aos pais. Convém repetir que

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tal como a sua concessão, como a modificação, não se pode olvidar de observar o melhor interesse da criança e do adolescente. Após percorrer todas as possibilidades de aplicação das medidas acima expostas, não sendo possível efetuá-las, a outra saída é o abrigo. A medida de abrigo, contudo, deve ser buscada somente em casos extremos e, mesmo assim, deve-se observar que o abrigamento é de caráter eventual e temporário. Registre-se que o abrigo é medida provisória e excepcional, e que deve sempre buscar a manutenção dos vínculos familiares, bem como não se afastar das possibilidades de retorno do abrigado à família de origem ou à sua colocação em família substituta. A medida de abrigo pode ser aplicada diretamente pelo Conselho Tutelar. Importante ressaltar que o afastamento do agressor da moradia comum, a colocação em família substituta ou em abrigo devem ser buscados aos casos de maior gravidade, quando esgotadas as possibilidades de reorganização familiar. Convém reforçar que, para se obter sucesso na proteção da criança e do adolescente vitimizados pela violência sexual, devemos ter frente aos nossos olhos os sujeitos envolvidos, a fim de se apontar a medida mais adequada ao caso concreto. Para isso, faz-se necessário um trabalho preliminar junto à família, com a realização de um trabalho interdisciplinar. Para efeito de ilustração de trabalho interdisciplinar e de aplicação de medida de proteção, imagine-se que um determinado agente do Programa de Saúde da Família, em visita domiciliar, percebeu que uma menina de onze anos apresentava sinais de violência sexual e também notou que a menina tinha grande temor pelo padrasto. Diante da situação comunicou ao Conselho Tutelar o ocorrido. Este, por seu turno, com apoio do Serviço Social, realizou uma visita domiciliar à residência da menina. Após a visita

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o Serviço Social fez um relatório e dentre os fatos descritos neste constava que na casa não havia privacidade entre seus membros. O padrasto, por exemplo, para sair do seu quarto, pela arquitetura da casa, tinha que passar dentro do quarto da enteada, e a mãe da menina apresentava-se apática a tudo. O Conselho Tutelar, dando continuidade ao caso, resolveu também fazer uma visita à escola em que a menina estudava. A professora informou que já havia notado diferença no comportamento da menina, sempre isolada, com sonolência, com baixo rendimento escolar e que sempre tinha resistência em ir embora para a casa no final da aula. Frente aos fatos o Conselho Tutelar encaminhou a menina e a mãe para acompanhamento do Serviço de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – Sentinela. A mãe, no atendimento desse serviço, alegou que toma medicamentos para dormir, por ter depressão, e que não tem capacidade para observar qualquer ato estranho durante a noite. A menina, ao ser atendida pelo Serviço Sentinela, revelou que o padrasto a abusava sexualmente há cerca de três anos, desde quando tinha oito anos. Afirmou que no início ela não sabia muito bem o que estava ocorrendo, que tudo foi acontecendo aos poucos até o momento em que ele a forçou a ter relação sexual. Narrou ainda que atualmente estava sentindo muita dor na região da barriga. Alegou também que sua mãe nunca deu importância para o que estava acontecendo, e que desejava ir morar com sua tia materna. Diante dos fatos a assistente social do Serviço Sentinela entrou em contato com a referida tia, que mostrou interesse em assumir a guarda da sobrinha até que a situação se resolvesse. O Serviço Sentinela, em reunião de sua equipe técnica – assistente social, pedagogo, educador social, psicólogo e advogado –, para estudo do caso, resolveu comunicar ao Conselho Tutelar sobre o

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atendimento e sugerir as seguintes providências: encaminhamento da menina para atendimento ginecológico; encaminhamento do caso à Promotoria ou Defensoria Pública para requerimento de pedido de guarda para a tia; e noticiar o fato à Delegacia de Polícia Civil para a apuração da responsabilidade criminal do agressor. Vale ressaltar que o trabalho interdisciplinar, em rede, é fundamental para as tomadas de decisões no que tange à interrupção da violência sexual. As informações do psicólogo, do médico, do pedagogo, do profissional do programa de saúde da família são importantíssimas. Outro ponto de extrema importância que pode ser mencionado são os aspectos que envolvem a responsabilidade criminal do agressor, como se verá adiante.

Responsabilização criminal do agressor Responsabilidade criminal é a obrigação que o indivíduo tem de, quando confirmado o crime e a sua autoria, prestar contas do seu ato, de arcar com as conseqüências de uma condenação. O caminho da responsabilização criminal depende de uma série de procedimentos, dentre eles está a investigação policial. Os procedimentos relativos à responsabilização criminal encontram amparo no Código de processo penal. Ao falar sobre investigação policial estaremos falando em Delegacia de Polícia Civil. Esta, conhecida como polícia judiciária, tem função investigativa de apurar a prática de infração penal, de buscar elementos que possam evidenciar o cometimento de determinado crime e a elucidação dos autores do fato, com a finalidade de fornecer elementos para a ação penal, para a ação do Judiciário.

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Na Delegacia escuta-se a pessoa vitimizada pela violência sexual, as testemunhas que presenciaram o fato ou que tenham ciência do acontecido, ouve-se o acusado e, se necessário, solicita-se o exame de corpo de delito. O que se busca com a investigação criminal é a produção de provas. As provas nos crimes sexuais, entretanto, não são de fácil apuração, em sua maioria não deixam vestígios ou estes não são perceptíveis, quando não são praticados no âmbito da residência e, portanto, não se tem testemunha dos fatos. Não é raro, também, a criança e o adolescente ficarem em silêncio diante da violência sexual, por temor, por segredo imposto pelo agressor ou por chantagens emocionais do tipo: “se você falar alguma coisa eu corto a sua língua, eu mato todo mundo”; “se eu for preso você será o responsável, vocês vão passar fome” ou “você é o culpado por tudo o que está acontecendo”. Tudo isso ocorre principalmente quando os agressores são os pais, padrasto, irmão, tio. E o rompimento do segredo, em grande parte dos casos, só acontece depois de vários anos de abuso. Deve-se dizer que a nossa legislação penal atribui grande importância para as provas materiais, dentre estas está o exame de corpo de delito. Quando esse exame é solicitado, normalmente pelo delegado de polícia, é necessário dar suporte ao vitimizado. É indispensável uma orientação da Psicologia, do Serviço Social, do Direito acerca dos procedimentos a serem realizados. Não é tarefa fácil para uma criança ou adolescente abusada sexualmente passar por esse exame. O exame de corpo de delito tem por finalidade a apuração dos vestígios encontrados no cometimento de determinado crime. Trata-se de um procedimento destinado a apurar as alterações materiais deixadas por uma infração penal.

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A orientação que é dada pelo Instituto Médico Legal é que na ocorrência de crime que envolve abuso sexual, para preservar os vestígios deixados (pêlo, pele, esperma), a criança ou adolescente não deve tomar banho e, dependendo da situação, não deve lavar a boca ou comer algo e, se possível ainda, levar as roupas que usava. Importante salientar que o exame de corpo de delito é um meio de se provar determinado crime, entretanto, as provas não se restringem apenas às fornecidas por este exame. Na falta de vestígios do crime, buscam-se outros meios, tais como testemunhas, laudo médico realizado pelo profissional que examinou a pessoa: é o chamado “corpo de delito indireto”. O Código de processo penal disciplina em seu artigo 157 que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”; isso significa dizer que o juiz terá liberdade na apreciação das provas, sejam as produzidas por exame de corpo de delito, ou pelas provas testemunhais e laudos médicos. A regra é que a prova do crime deve ser formada por qualquer elemento probatório não vedado em lei, como as cartas escritas pelo agressor, fotografias, filmagens. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG tem avançado no sentido de dar maior relevância ao depoimento de testemunhas e às palavras da vítima. A respeito destacam-se as seguintes decisões: EMENTA: ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PROVA SEGURA RELEVÂNCIA DAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA - ALEGAÇÕES DE DEFESA SEM LASTRO PROBATÓRIO. Em crimes que geralmente

são praticados na clandestinidade, a palavra da vítima, mesmo sendo menor de idade e estando comprometida emocionalmente com o acusado, é de valor relevante se lançada com segurança, sem contradições, e ainda encontra respaldo em outros dados dos autos. (...) (AC nº 1.0024.00.117021-6/001 - TJMG Rel.: Des. Sérgio Braga, publ. 10/02/04)

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EMENTA: ESTUPRO AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - VALOR PROBANTE - Nos delitos contra

os costumes, notadamente no que se refere ao estupro, a palavra da vítima, quando coerente e harmoniosa com os demais elementos dos autos, tem maior relevância, pois nem sempre há testemunhas visuais do fato. Se suas declarações (dela, vítima) são seguras e compatíveis com os demais elementos dos autos, deve-se-lhe atribuir a devida força probatória (...) (AC nº 1.0460.04.014453-3/001 – TJMG Rel:. Des. Hyparco Immesi - 20/07/06)

Não obstante o teor das decisões acima transcritas, ainda há uma preocupação excessiva com a veracidade dos fatos narrados pela criança e pelo adolescente. Por vezes tenta-se inverter os papéis, culpar a vítima pelo ocorrido, como questionar qual a roupa que estava usando, se estava sedutor, ou seja, no lugar de vítima passase a réu. Luiza Eluf, em estudo do crime de estupro, faz o seguinte comentário: É herança dos tempos de opressão o fato de que, em todo delito de caráter sexual, ocorre um duplo julgamento: o do réu e o da vítima. Não raro os acusados de transgressão se defendem destruindo a integridade moral e psicológica da mulher, imputando-lhe fatos ou atos que a tornem culpada pela agressão que sofreu. Fazendo-se um paralelo com os crimes contra o patrimônio, seria o mesmo que justificar a conduta do ladrão alegando que ele não pôde resistir à beleza do automóvel que subtraiu. Da mesma forma, procura-se explicar a violência sexual com base nos atributos físicos da mulher (ou mesmo da menina), sua maneira de ser, de vestir. O agente, então, deixa de ser réu e passa a ser vítima dos seus próprios e incontroláveis instintos, perversamente estimulados por pessoa de comportamento desregrado. (1999: 5)

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Convém resaltar que se torna necessária uma mudança de valores. Ainda há por parte dos operadores do direito uma preocupação excessiva com a verossimilhança do depoimento do vitimizado pela violência sexual. Isso faz crer que deveriam buscar trabalhos interdisciplinares, executados por equipes compostas por profissionais de outras áreas do conhecimento. Não representa tarefa difícil imaginar que um estudo desenvolvido pela psiquiatria, psicologia, dentre outros campos do saber, poderia trazer indícios do cometimento do crime. Seria uma socialização de experiências profissionais que facilitaria as tomadas de decisões dos operadores do direito. O que não pode ocorrer é uma ênfase determinatória nas provas materiais, sem levar em consideração outros aspectos que corroborariam na apuração do crime. Por fim, no que pese a importância de se buscar a responsabilidade do agressor pela prática da violência sexual, não se pode olvidar da proteção dos vitimizados, do acompanhamento, ou seja, da aplicação das medidas protetivas. Quando da violência sexual contra a criança e o adolescente é necessária a construção de dois caminhos. Um é o da proteção, que está na ordem do direito civil, e o outro é o da responsabilidade criminal, que está no direito penal. Trata-se de caminhos distintos que devem ser buscados. Na proteção investiga-se a interrupção da violência e o acompanhamento dos vitimizados através da ação do Conselho Tutelar, da rede de atendimento, da Promotoria da Infância e da Juventude, da Vara da Infância e da Juventude, da Defensoria Pública, dentre outros. Na responsabilidade criminal busca-se a apuração do crime, de quem o cometeu, de quais são as provas que o evidenciam e ao final visa-se a uma condenação. Os procedimentos relativos à responsabilidade criminal podem se iniciar a partir da ação da Polícia Militar, através do Boletim de Ocorrência, da notícia da ocorrência do crime à Delegacia, à Promotoria Criminal ou por

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ação judicial do representante legal da criança e do adolescente. É necessário, contudo, que se busquem essas duas ações. Outro ponto importante é a atuação em rede, as entidades têm que interagir. Para exemplificar pode-se apontar a atuação entre a Delegacia de Polícia e o Conselho Tutelar e vice-versa. Quando a notícia de um crime de violência sexual chega à Delegacia, o delegado inicia a investigação criminal e comunica o ocorrido ao Conselho Tutelar para que se providencie a proteção. Noutro giro, chega ao Conselho Tutelar uma situação de violência sexual, o conselheiro tutelar encarrega-se da proteção e comunica à Delegacia para que se apure o crime. Como já foi dito, o papel da Delegacia de Polícia Civil é o da investigação do crime, da sua identificação. Assim, para que se tenha uma visão geral dessa investigação, torna-se importante uma abordagem geral sobre os tipos de crimes de violência sexual; é o que se verá a seguir.

Crimes sexuais contra a criança e o adolescente O conhecimento prévio de alguns crimes sexuais contribui para a compreensão geral da violência sexual praticada contra a criança e o adolescente. Tanto o Código penal como o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentam os crimes sexuais. São vários os crimes que podem estar inseridos na prática de violência sexual. No Código penal pode-se enumerar os seguintes: Estupro, Atentado Violento ao Pudor, Posse Sexual Mediante Fraude, Atentado ao Pudor Mediante Fraude, Assédio Sexual, Corrupção de Menores, Mediação para Servir a Lascívia de Outrem, Favorecimento a Prostituição, Casa de Prostituição, Rufianismo, Tráfico Internacional de Pessoas, Tráfico Interno de Pessoas e Seqüestro e Cárcere Privado.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente enumera outros crimes que não estão no elenco do Código penal. São os crimes disciplinados nos artigos 240, 241 e 244-A, os quais têm por finalidade coibir a pedofilia e a exploração sexual: Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente. § 2º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos: I - se o agente comete o crime no exercício de cargo ou função; II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial. Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem: I - agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia a participação de criança ou adolescente em produção referida neste artigo; II - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo; III - assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo. § 2º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos: I - se o agente comete o crime prevalecendo-se do exercício de cargo ou função;

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II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial. Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou exploração sexual: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. § 1º - Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo. § 2º - Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e funcionamento do estabelecimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aponta, também, em seu artigo 250, a infração administrativa relacionada à hospedagem irregular de criança e adolescente em hotel, pensão ou estabelecimento congênere. Visa-se coibir as situações em que esses estabelecimentos são utilizados para fins de abuso e exploração sexual: Art. 250. Hospedar criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável ou sem autorização escrita destes, ou da autoridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere: Pena - multa de dez a cinqüenta salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias.

Quanto ao Código penal tem-se os seguintes crimes: Estupro Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

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Atentado violento ao pudor Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Posse sexual mediante fraud e Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude: Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) anos: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Atentado ao pudor mediante fraude Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Se a ofendida é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Assédio sexual Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena - detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Corrupção de menores Art. 218 - Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo: Pena - reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

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Mediação para servir a lascívia 6 de outrem Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos. § 1º Se a vítima é maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda: Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. § 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena - reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Favorecimento da prostituição Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone: Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. § 1º Se ocorre qualquer das hipótese do § 1º do artigo anterior: Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 2º Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, além da pena correspondente à violência. § 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Casa de prostituição Art 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

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Rufianismo Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227: Pena - reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, além da multa. § 2º Se há emprego de violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da multa e sem prejuízo da pena correspondente à violência.

Tráfico internacional de pessoas Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro: Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227: Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. § 2º Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Tráfico interno de pessoas Art. 231-A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição: Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 231 deste Decreto-Lei.

Seqüestro e cárcere privado Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: (...)

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IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; V - se o crime é praticado com fins libidinosos. § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Dentre os crimes enumerados é importante pontuar que, nos de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos contra menores de quatorze anos, há presunção de violência. Nesses casos não há necessidade de provar o uso da violência ou da grave ameaça, basta a comprovação do ato sexual. Considera-se que o menor de quatorze anos não tem capacidade de dar o seu consentimento, pois se trata de pessoa em estado peculiar de desenvolvimento, que não tem discernimento suficiente para decidir sobre as conseqüências de seus atos, bem como não apresenta desenvolvimento físico adequado para experiências relativas ao mundo adulto.

Considerações finais O Estatuto da Criança e do Adolescente fundamentado na doutrina da proteção integral inova na proteção dos direitos do público infanto-juvenil. Não só traz o rol de direitos a serem observados, como também exige a implantação de políticas públicas para a efetivação desses direitos. O Estatuto também disciplina a participação das entidades governamentais e não-governamentais, cria os Conselhos Tutelares, os Conselhos de Direitos, renova as atribuições do Judiciário, do Ministério Púbico, enfim, cria um verdadeiro sistema de garantia de direitos. O ECA apresenta todos os instrumentos necessários para a proteção, para a garantia dos direitos do público infanto-juvenil, enumera os direitos fundamentais e convoca a todos para resguardá-los.

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Deve-se pontuar que, para o sistema de garantia tornar-se operante, é necessária uma ação positiva do Estado. É necessário também que o público infanto-juvenil seja identificado como sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento que precisam de atenção especial e que gozam de prioridade absoluta. Somente com uma rede de atendimento estruturada é possível interromper a violência sexual e dar um tratamento adequado às crianças, aos adolescentes e suas famílias. Quanto à aplicação das medidas protetivas é indispensável uma abordagem ampla e cuidadosa junto à família. A realidade da violência sexual, principalmente a incestuosa, pela violência que a caracteriza, demanda uma avaliação e acompanhamento de todos os membros da família. Em relação à responsabilidade criminal do agressor, trata-se de um procedimento policial voltado para a investigação do crime. O caminho da responsabilidade criminal do agressor é longo, composto de várias fases: interrogatórios, depoimentos, audiências, seja na Delegacia, seja na Justiça. Não raro acontece de os vitimizados pela violência ficarem completamente sozinhos, tendo que enfrentar todos esses procedimentos sem apoio técnico. A rede de proteção à criança e ao adolescente tem que se atentar para isso. É preciso acompanhar os vitimizados pela violência até a resolução do caso seja na esfera judicial, seja nos aspectos que envolvem a Saúde, Assistência Social, dentre outros. Ao concluir este texto faz-se necessária uma breve reflexão sobre a experiência vivenciada na capacitação/formação de educadores para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil realizada nos municípios abrangidos pela expansão do PAIR, em Minas Gerais.

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A capacitação/formação sobre a Contribuição do Direito para o Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil dividiu-se em quatro partes: estrutura do direito da criança e do adolescente no nosso ordenamento jurídico, medidas de proteção, responsabilização criminal do agressor e os crimes relacionados à violência sexual. No que diz respeito à estrutura do direito da criança e do adolescente no nosso ordenamento jurídico, pôde-se perceber certo desconhecimento sobre o tema, sobretudo do Estatuto da Criança e do Adolescente. É essencial uma maior compreensão, um estudo mais aprofundado sobre os mecanismos de garantia dos direitos da criança e do adolescente: atribuições do Conselho Tutelar; do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; da importância do Fundo para a Infância e a Adolescência para a política de proteção; da competência do Ministério Público, da Justiça, da participação das entidades governamentais e não-governamentais no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. Em relação às medidas de proteção percebeu-se que há compreensão sobre quais são e do modo como são aplicadas, sobre as formas de organização do grupo familiar com histórico de violência sexual. A dificuldade parece estar em se ter uma rede de atendimento que possa amparar a demanda. É importantíssimo o aprimoramento da rede de atendimento, das ações dos órgãos de garantia dos direitos da criança e do adolescente, sobretudo dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Através de um Conselho atuante é possível formular e controlar a política de atendimento, para tanto os Conselhos têm um importante instrumento que é o Fundo Municipal para a Infância e a Adolescência.

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Quanto à responsabilização criminal do agressor, os questionamentos voltaram-se para a dificuldade de se apurar o crime e a demora da Justiça. No que diz respeito à parte da capacitação/formação relacionada aos crimes sexuais, a abordagem realizada foi voltada para informações gerais, para a compreensão das condutas que são proibidas, que representam uma infração penal. Dentre todos os aspectos abordados denota-se que há pouco envolvimento dos profissionais do Direito, que são raros os advogados que se propõem a estudar e atuar na área dos Direitos da Criança e do Adolescente. Percebe-se a atuação mais acentuada do Serviço Social, da Psicologia, da Pedagogia, mas na área do Direito é visível a carência. Por fim, cumpre registrar que uma questão com tantos agravos requer a estreita cooperação de profissionais de diferentes áreas do conhecimento, a necessidade do trabalho interdisciplinar. Durante o processo de capacitação/formação isso ficou claro, mas de uma forma geral demonstrou-se o empenho dos participantes em construir e aprimorar a metodologia de trabalho, bem como suas intervenções.

Notas 1

“Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

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Política de caráter universal, estrutural, destinada à garantia dos direitos fundamentais da pessoa, de suas necessidades básicas (saúde, alimentação, educação, convivência familiar, cultura, recreação).

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3

Política de caráter supletivo, emancipador, transitório, destinada àqueles que estão em estado de necessidade, seja por situação econômica ou por alguma vulnerabilidade.

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Política voltada para aqueles que se encontram em situação de risco social e pessoal (vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade, opressão).

Política direcionada para a defesa jurídico-social dos direitos da criança e do adolescente.

Segundo o Dicionário Houaiss, o termo significa: propensão para a luxúria, sensualidade exagerada; lubricidade caráter do que está marcado pela sensualidade ou do que produz a propensão para a sensualidade (HOUAISS, A. Disponível em: . Último acesso em: 27de dezembro de 2007.)

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Referências ARANTES, Geraldo Claret. Manual de prática jurídica - Estatuto da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 2004. BITTENCOURT, Edgar de Moura. Guarda de filhos. 2. ed. São Paulo: Livraria Editora Universitária de Direito, 1981. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. BRASIL. Código penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. BRASIL. Código de processo penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. COSTA, Tarcísio José Martins da. Estatuto da Criança e do Adolescente - Comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. Estatuto da Criança e do Adolescente. Atlas, 2005. ELUF, Luiza Nagib. Crimes contra os costumes e assédio sexual. São Paulo: Mandamentos, 1999. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça. Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990.

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FELIPE, Jorge Franklin Alves. Adoção, guarda, investigação de paternidade e concubinato. Rio de Janeiro: Forense, 1992. JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 1 v. Parte geral. JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 14. ed. São Paulo, Saraiva, 1999. 3 v. Parte especial: Dos crimes contra a propriedade material e dos crimes contra a paz pública. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1997. STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: LTr, 1998. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

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E l e o n ora sc h e t t i n i m. Cunha

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Introdução Ao final da década de 1980 e, principalmente, durante a década de 1990, a avaliação de inúmeras ações desenvolvidas tanto por órgãos dos governos, quanto por organizações da sociedade civil já apontava que uma das causas da sua pouca efetividade decorria de um planejamento malfeito ou mesmo da total falta dele. Esta constatação tem estimulado, desde então, a formação de recursos humanos nesta área, assim como também tem servido de parâmetro para que governos e organizações aperfeiçoem seu processo de planejamento. Foi também neste período que a maior parte das políticas sociais brasileiras criou e implementou seus sistemas de funcionamento, em que a formulação de planos, programas e projetos passou a orientar a ação pública não só dos governos, mas também das organizações da sociedade civil que estabelecem parcerias com eles para a execução dessas ações. As diversas áreas de políticas públicas, e em especial as políticas sociais, têm procurado organizar-se de modo que sejam alcançados resultados que alterem efetivamente a qualidade de vida da população brasileira. Assim tem sido com a área da criança e do adolescente que, após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem passado por profundas transformações,

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de modo a adequar os espaços de atendimento a este segmento da população e a construir ações que venham a efetivar os direitos e deveres assegurados na norma legal. Para isto, a União, os Estados e os Municípios têm envidado esforços conjuntos que buscam articular e potencializar suas capacidades, bem como desenvolver novas habilidades e competências para o enfrentamento de problemas e necessidades presentes na sociedade brasileira. O Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Território Brasileiro (PAIR) é um desses esforços. O Programa tem como referência metodológica o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, que visa articular e integrar políticas públicas, bem como formar e fortalecer redes de proteção integral a crianças e adolescentes nos municípios brasileiros. A estratégia do Programa é fortalecer os municípios por meio da criação de Comissões Operativas Locais, responsáveis pela mobilização de todos os setores da sociedade para a execução de um Plano Operativo Local, bem como pelo monitoramento e avaliação do mesmo. Este texto foi reelaborado com a intenção de contribuir com esses esforços, no sentido de servir como estímulo e apoio ao processo de construção e acompanhamento dos Planos Operativos Locais.

A importância do planejamento Toda ação humana acontece em uma realidade social específica, a qual determina necessidades que precisam ser satisfeitas e/ou problemas que demandam soluções, na perspectiva de uma nova realidade que se almeja construir. A ação humana propositiva se dá na medida em que são estabelecidos novos patamares desejáveis a serem alcançados, tanto no âmbito concreto quanto no subjetivo, tendo como referência uma determinada situação inicial.

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Uma ação propositiva, que busca a mudança da realidade para níveis melhores daqueles que se apresentam, representa um compromisso ético dos responsáveis pela ação. Para ser efetiva deve ser cuidadosamente planejada, ou seja, previsível, reunindo condições e elementos que permitam que se chegue a um fim, calculando a ação em si e a seqüência de passos ordenados. Daí a importância do planejamento, enquanto possibilidade de se antever o que se pretende e, assim, calcular antecipadamente as condições necessárias para se chegar ao objetivo que se pretende. Planejar é um recurso que aumenta a compreensão sobre o trabalho a ser realizado, diminui incertezas, seleciona alternativas, identifica melhor a ação, dimensiona necessidades e disponibilidades, evita erros e desperdícios, prepara para enfrentar necessidades e problemas, define papéis e responsabilidades. Planejar, portanto, pode ser muito mais do que uma atividade burocrática, pois organiza as idéias, expõe o pensamento e as intenções, orienta a ação, sustenta o acompanhamento e a avaliação. Um bom planejamento pressupõe conhecer bem a situação que se quer mudar, saber o que se quer alcançar e como se pode chegar lá, de quanto tempo e recursos se precisa. Para ter resultados duradouros, as ações devem ser planejadas com a participação de todos que estarão envolvidos (coordenação, equipe de elaboração, parceiros, executores, usuários, outros), estimulando-se esta participação o mais amplamente possível, desde o início do planejamento até a avaliação final. Também deve-se ter a preocupação de prever como será acompanhado o desenvolvimento das ações, como elas serão avaliadas e quem participará desses processos. O planejamento, portanto, deve ser entendido como um processo contínuo de decisões, um instrumento que nos permite calcular antecipadamente as ações a serem realizadas em um determinado período de tempo, com vistas à obtenção de resultados almejados.

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Fases do planejamento O processo de planejamento tem um ciclo de vida próprio, expresso em fases específicas, que se entrelaçam continuamente. Neste sentido, as fases estão descritas a seguir separadamente, para uma melhor compreensão de suas características, mas elas estão intimamente relacionadas e muitas vezes acontecem concomitantemente. Na fase da reflexão são reconhecidas as necessidades e/ou problemas que se quer alterar, busca-se as causas e os efeitos a eles relacionados, pensa-se em alternativas possíveis para a superação das condições atuais. Na fase da decisão, definem-se quais são as causas mais significativas e que merecem uma intervenção planejada e sistemática, da qual resulta o documento que expressa as decisões. A fase da ação é aquela em que se executam as ações planejadas, adequando-as conforme determinar o seu acompanhamento. À fase da revisão correspondem os momentos em que se verifica se as ações desenvolvidas conseguiram atingir os objetivos propostos e em que medida isso ocorreu, possibilitando a correção dos erros numa nova intervenção. É, portanto, a fase da avaliação. Mais uma vez, é bom que se diga que, embora apresentadas de forma seqüencial, estas fases não são lineares, distanciadas entre si. Pelo contrário, elas se entrelaçam permanentemente.

Níveis de planejamento e seus instrumentos Há vários níveis de planejamento, que se relacionam à amplitude do problema que se pretende resolver, ao alcance das soluções possíveis, ao conjunto de atores que se mobilizam para as ações, dentre outros aspectos. O nível mais amplo de planejamento expressa-se nas políticas públicas, que, dentre outras coisas, estabelecem os princípios e as diretrizes gerais para a ação pública numa certa área.

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O planejamento estratégico tem uma amplitude mais restrita que o das políticas, ainda que trate de ações de longo prazo, sustentadas em cenários futuros desejados. O planejamento operacional é aquele que diz respeito a um âmbito de ação mais restrito, em que são tratadas questões mais específicas. A literatura nesta área é bastante ampla e aponta diversas possibilidades quanto ao âmbito do próprio planejamento. Aos diferentes níveis de planejamento correspondem diferentes instrumentos que comunicam as idéias e intenções construídas no processo. Os mais usuais são os planos, os programas e os projetos. Os planos são documentos que apresentam as grandes linhas ou eixos estratégicos relacionados a certa área de atuação, que indicam não só os principais objetivos, mas também as diretrizes e estratégias que orientarão a ação. Os planos se desdobram em programas e projetos que serão desenvolvidos num determinado período de tempo, devendo indicar a seqüência das ações, as prioridades, os responsáveis e parceiros, dentre outros aspectos que se julgar relevantes. É bom lembrar que há planos de âmbito mais amplo, que tratam de grandes temas, com objetivos também mais amplos e destinados a grandes áreas de abrangência, como é o caso do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil. No entanto, há outros planos com objetivos e alcance mais delimitados, seja por que tratam de algum tema específico, seja porque são de menor abrangência, como serão os Planos Municipais de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. O programa é um documento que expressa decisões de amplitude mais restrita, geralmente relacionadas a uma área temática, organizando o conjunto de projetos, processos, atividades ou serviços voltados para a consecução de um objetivo mais amplo. O projeto é o documento de planejamento mais operacional e detalhado, que

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vincula recursos, atividades e componentes durante um período de tempo determinado, propiciando a resolução de um problema ou necessidade da população. A figura a seguir demonstra a relação entre esses instrumentos. Plano Programa

Programa

Programa

Projeto

Projeto

Projeto

Projeto

Projeto

Projeto

Projeto

Há diversas possibilidades de se redigir os documentos que vão apresentar os resultados do processo de planejamento, conforme o método e a linha de planejamento, que têm características próprias. Uma questão determinante para a escolha do método e das ferramentas que se utilizará para planejar está relacionada à sua forma, ou seja, se será um processo do qual só participarão técnicos e equipe de profissionais (planejamento de cima para baixo) ou se envolverá outros sujeitos sociais e políticos (planejamento de baixo para cima). De todo modo, é importante que se apreenda a lógica do planejamento, buscando compreender todas as formas que possam vir a assumir um documento final.

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Elementos do planejamento Há elementos que são comuns aos diferentes instrumentos de planejamento e outros que são mais específicos de um ou de outro instrumento. Esses elementos possibilitam organizar de forma lógica a apresentação das decisões tomadas. Alguns elementos são consensuais em diversos métodos, outros não; alguns são específicos de determinado método e há, ainda, aqueles que só mudam a terminologia, mas o significado é o mesmo. Para que se possa fazer a aproximação com esta terminologia, há algumas perguntas básicas que induzem à lógica do planejamento e que se relacionam com os termos próprios do planejamento de forma geral. Esta relação pode ser visualizada no quadro a seguir. Perguntas

Elementos

Quem pretende enfrentar o problema?

Apresentação

Qual o problema que se apresenta e em que circunstâncias?

Diagnóstico

Por que enfrentá-lo e qual alternativa é a melhor possível para se alterar a situação atual?

Justificativa

Para que mudanças mais amplas esta solução pode contribuir?

Finalidade

O que quero alcançar no âmbito mais abrangente e no mais específico?

Objetivos – Geral e Específicos

Para quem se destinam as ações?

Público-alvo

Quanto quero fazer e para quantos?

Metas

Como fazer para alcançar o que quero?/Quais atividades/ações a serem desenvolvidas?

Metodologia

Quando acontecerão as ações?

Cronograma

Que efeitos espero obter com o desenvolvimento das atividades?

Produtos

Com o que fazer as ações e de quanto preciso para realizá-las?

Recursos

Como saber se as ações estão dando certo ou não?

Monitoramento

Como saber se o que era pretendido foi alcançado?

Avaliação

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Há, ainda, outros elementos que podem integrar a lógica do planejamento conforme a amplitude do processo, como os princípios, a finalidade e as diretrizes que orientarão as ações. Considerando que uma das estratégias do PAIR é a construção dos Planos Operativos Locais, um documento de maior amplitude do que os projetos, alguns dos elementos apresentados anteriormente não necessitam estar explícitos. Assim, os principais elementos que devem integrar um plano serão mais bem trabalhados a seguir, indicando-se a variedade da nomenclatura, alguns conceitos básicos e, quando possível, alguns exemplos. Vale lembrar que não existe uma regra única para que se definam os elementos de um plano, variando conforme o método de planejamento, o que reforça a importância de se compreender a lógica de sua formulação.

Apresentação A apresentação ou introdução deve oferecer as principais informações sobre o plano, destacando seu objetivo geral, o público-alvo, a área de abrangência, o histórico que levou à sua elaboração, as instituições parceiras e os compromissos que sustentaram a elaboração e vão orientar sua execução.

Diagnóstico Esta é a parte do plano que apresenta a realidade que se pretende alterar, ou seja, os problemas sociais que são percebidos ou as demandas que são apresentadas pela sociedade. Também conhecido como avaliação ex-ante, o diagnóstico faz uma análise do fenômeno que será objeto da intervenção, assim como dos ambientes externo e interno das instituições que têm alguma ação relacionada ao fenômeno. Na análise externa deve-se descrever e analisar o problema que determinou a elaboração do plano a partir de dados (estatísticas, documentos, entrevistas, observações registradas, pesquisas, outros).

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Pode-se iniciar relatando a “história do problema”, ou seja, descrevendo as condições que deram origem e sustentam o problema. Deve-se destacar os fatos, as causas, os efeitos, a gravidade, a dimensão, onde ocorre, quem é atingido (quantidade, características, quantos já são atendidos), as dificuldades de se enfrentar o problema, as possibilidades de prevenção, os sujeitos sociais e políticos envolvidos, seus interesses, suas relações e sua influência, as ações que já vêm sendo desenvolvidas na área – públicas e privadas – e os resultados percebidos (positivos e negativos), as tendências nas mudanças. Na análise do problema deve-se dar atenção especial às suas causas, diferenciando-as dos efeitos, pois a efetividade da solução buscada depende da identificação correta daquelas causas que, quando “atacadas”, realmente alterarão a realidade. Neste caso, deve-se estabelecer uma hierarquia entre as causas e os efeitos, as chamadas “relações causais”, sendo que as causas devem se constituir no foco de ação. Uma técnica que contribui nesta análise é conhecida como “árvore de problemas”, apresentada na figura a seguir como exemplo. CAUSAS

PROBLEMA

Rede de atendimento fragmentada Recursos humanos pouco preparados Pouca integração institucional Precariedade da infra-estrutura

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EFEITOS Redução do potencial de intervenção da rede

Atendimento precário às crianças e adolescentes em situação de violência sexual

Denúncias de maustratos no atendimento dos profissionais Sobreposição de algumas ações e/ou inexistência de outras Atendimento inadequado

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A análise interna diz respeito à capacidade institucional para a solução do problema, o potencial e as fragilidades, seja com relação aos aspectos materiais, concretos (condições de infra-estrutura, recursos humanos, recursos financeiros, capacidade de articulação com outras instituições etc.), seja com relação aos aspectos materiais, subjetivos (qualificação dos recursos humanos, entendimento quanto à importância das ações etc.), dentre outros aspectos que forem considerados importantes pelos planejadores.

Justificativa A justificativa articula o problema apresentado no diagnóstico com a proposta de solução que os planejadores entendem ser a melhor ou a possível no contexto analisado. Assim, deve ser descrita a solução considerada mais plausível e explicado o porquê de ela ter sido escolhida. Neste momento são apontadas as diretrizes, ou seja, a direção que se quer dar às ações que serão executadas. Considerando os ambientes externo e interno, deve-se fazer uma análise dos fatores que podem afetar (positiva e negativamente) o desenvolvimento do plano. Na justificativa também são apresentados os atores sociais e políticos que são considerados relevantes para o desenvolvimento do plano e o papel que eles terão, principalmente no caso de parcerias. A escolha de alternativas de solução para o problema não é fácil. No processo de decisão, pode-se definir por aquela que terá maior impacto, pelas mais convenientes e realistas, por aquelas de melhor resultado com menor custo, enfim, esses e muitos outros determinantes que devem ser negociados e pactuados entre aqueles que participam da elaboração do plano. É importante apontar que alguns métodos de planejamento determinam que o diagnóstico e a justificativa não devem ser apresentados em separado, mas sim seqüencialmente, uma vez que são

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interdependentes. Neste caso, usualmente apresenta-se o conteúdo dos dois elementos na justificativa.

Princípios Princípios (ou fundamentos) são o conjunto de referências ou parâmetros que expressam os principais valores que vão sustentar todas as decisões relacionadas com o plano, seja na sua elaboração, seja na sua execução e avaliação. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, por exemplo, sustenta-se nos princípios da proteção integral, da condição de sujeitos de direitos, da prioridade absoluta, da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, da participação/solidariedade, da mobilização/articulação, da gestão paritária, da descentralização, da regionalização, da sustentabilidade e da responsabilização (Brasil, 2001: 14).

Finalidade É o efeito ou transformação social que justifica o desenvolvimento do plano e com o qual ele pode contribuir, mas que sozinho não poderá alcançar. Por exemplo, um plano municipal de enfrentamento da violência sexual pode contribuir para reduzir a violência de modo geral praticada contra crianças e adolescentes num determinado município. No entanto, é muito pouco provável que reduza todos os tipos de violência.

Objetivos São os resultados a serem obtidos com a implantação do plano. Eles definem aonde se quer chegar, isto é, estabelecem o futuro desejado e, a partir deles, se determina o que se espera do plano (suas metas). Um cuidado importante na formulação dos objetivos

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é que eles possam ser aferidos, ou seja, que eles possam ser verificados, medidos futuramente, o que significa que eles não devem ser abstratos e devem ser enunciados de forma clara, precisa e realista. Um outro cuidado é expressá-los no tempo verbal infinitivo. Há dois níveis de expressão dos objetivos: geral e específicos.

a) Geral Também chamado central ou superior, é o enunciado que orienta de maneira geral o desempenho de um plano e deve ser formulado em termos de mudanças esperadas na situação geral da população ou grupo a quem se destinam as ações. Ele tem relação direta com o problema identificado e que é o foco central do plano. O Plano Nacional tem como objetivo geral “estabelecer um conjunto de ações articuladas que permita a intervenção técnico-política e financeira para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes” (Brasil, 2001: 14).

b) específicos Também denominados intermediários ou inferiores, são desagregações do objetivo geral, e, portanto, menos abrangentes, mas complementares entre si, pois o seu alcance deve possibilitar a realização do objetivo geral. Os objetivos específicos são estabelecidos observando-se as causas do problema, ou seja, eles expressam o que se pretende alcançar para solucioná-las. Parte-se do pressuposto de que, ao se resolverem as causas que sustentam o problema, ele também deverá ser solucionado. A partir dos objetivos específicos é que se organizarão as ações e se determinarão os resultados esperados. No caso do plano, os objetivos indicam os eixos estratégicos que orientarão as ações propostas. O Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual InfantoJuvenil, por exemplo, apresenta os seguintes objetivos específicos:

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• realizar investigação científica, visando compreender, analisar, subsidiar e monitorar o planejamento e a execução das ações de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes; • garantir o atendimento especializado às crianças e aos adolescentes em situação de violência sexual consumada; • promover ações de prevenção, articulação e mobilização, visando ao fim da violência sexual; • fortalecer o sistema de defesa e de responsabilização; • fortalecer o protagonismo infanto-juvenil.

É importante perceber que há uma relação direta entre a finalidade, o objetivo geral e os objetivos específicos. O alcance destes últimos leva à efetivação do objetivo geral e este último, quando alcançado, possibilita a efetivação da finalidade, como mostra a figura a seguir. Finalidade

Contribuir para assegurar a proteção integral à criança e ao adolescente em situação ou risco de violência sexual.

 Objetivo geral

Estabelecer um conjunto de ações articuladas que permita a intervenção técnico-política e financeira para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.

 Objetivos específicos

• Realizar investigação científica. • Garantir o atendimento especializado. • Promover ações de prevenção, articulação e mobilização. • Fortalecer o sistema de defesa e de responsabilização. • Fortalecer o protagonismo infanto-juvenil.

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Outro aspecto que deve ser observado é a relação entre os objetivos dos instrumentos que serão construídos como meio de operacionalizar o plano, como mostram as figuras a e b a seguir. Os objetivos específicos do plano serão transformados nos objetivos gerais de cada programa que o integra, assim como os objetivos específicos dos programas serão considerados como os objetivos gerais de cada projeto. Com isto pode-se verificar a inter-relação entre os instrumentos de planejamento e como eles se complementam a fim de assegurar o cumprimento do objetivo geral do plano. (Ver Proposta de Matriz de Planejamento, em anexo.) Objetivo geral

(Plano)

Objetivo específico

Objetivo geral

(Programa)

Objetivo geral

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

(Projeto)

Objetivo específico

Figura a

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Exemplo: Objetivo geral Objetivo geral

(Plano)

(Programa)

Fortalecer o protagonismo infanto-juvenil

Objetivo geral

(Projeto)

Envolver crianças e adolescentes no monitoramento e avaliação do POL

Fortalecer o protagonismo infanto-juvenil

Envolver crianças e adolescentes no monitoramento e avaliação do POL

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Objetivo específico

Figura b

Metas Indicam a cobertura do plano e estão diretamente relacionadas aos objetivos, apontando o nível de transformação esperado. Para isto, devem ser realistas, precisas, verificáveis, ou seja, devem ser detalhadas com relação à quantidade, qualidade e tempo (quantos da população que sofre com o problema serão beneficiados, qual a mudança esperada e em que período de tempo). As metas contribuem para que futuramente se possa medir o êxito do plano. As metas darão, também, as dimensões dos recursos humanos, materiais e financeiros necessários à execução das ações, bem como

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determinarão o cronograma de atividades a serem realizadas. Devem ser expressas por uma unidade de medida (exemplos: número, porcentagem, taxa, índice etc.) e alguns autores consideram que elas devem ser expressas no tempo verbal particípio passado. Exemplo de meta: 100% do sistema de defesa e responsabilização fortalecido em 12 meses.

Atividades/ações Este é o elemento do plano em que se relacionam e se descrevem as ações e os procedimentos necessários para que sejam gerados os produtos. Seu detalhamento dá origem à metodologia, ou seja, à explicação de como se pretende executar as ações visando alcançar os objetivos propostos, o modo como se pretende desenvolver cada eixo de ação, dimensionando o escopo do plano, os prazos necessários, a seqüência das ações, seus responsáveis, inclusive evidenciando as parcerias. A disposição dessas atividades num quadro temporal – o cronograma – contribui não só para melhor organizá-las, mas também realizar o acompanhamento da sua execução. O cronograma de atividades, portanto, é um quadro que apresenta as atividades localizadas no tempo e pode ser detalhado em semanas, quinzenas, meses ou anos, de acordo com as especificidades do plano. Um exemplo de atividade é a realização de cursos ou de oficinas para capacitação de recursos humanos.

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Exemplo de cronograma:

Atividade

Período (meses) 1°

Preparação do curso

X

Preparação de material didático

X

Divulgação e inscrição

X

Realização do curso













X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

8° 9° 10º 11º 12º

X

... ... Monitoramento do plano Avaliação do plano

X

X

X

X

X

X

X X

Produtos São os resultados concretos das atividades/ações. Eles são estabelecidos, portanto, a partir de cada atividade programada e devem ser quantificáveis, realistas e alcançáveis. Exemplo de produto: um curso realizado ao final de seis meses.

O planejamento da avaliação A avaliação é uma ação tão importante que deve ser prevista durante o processo de planejamento, integrando o documento que o expressa (seja um plano, um programa ou um projeto). Um primeiro aspecto a ser tratado quanto à avaliação é seu próprio

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conceito: avaliar é emitir juízo de valor sobre os resultados, e o mérito do que foi planejado é a verificação qualitativa do alcance dos objetivos propostos. Para isto utilizam-se métodos e técnicas que permitem determinar e avaliar o que se alcançou, em que quantidade, que outros efeitos se obteve e o porquê, sendo essa análise posteriormente sistematizada por meio de relatórios ou outros documentos que comunicam as reflexões despertadas pela avaliação. Esta sistematização produz conhecimentos sobre o problema que foi objeto da ação planejada e as alternativas encontradas para sua solução, permitindo replicar a experiência exitosa ou evitar que se cometam falhas semelhantes, quando elas acontecerem. Pode-se identificar algumas funções relacionadas à avaliação, dentre elas: • função gerencial, que visa facilitar o processo de tomada de decisões; • função política, que objetiva estabelecer os resultados e impactos da ação; • função de prospecção, que intenciona definir se os objetivos continuam válidos ou não; • função de adequação, que visa aperfeiçoar a ação e a capacidade de execução; • função de controle público, que propicia a transparência no uso dos recursos e na execução das diversas atividades. A avaliação, por emitir juízo de valor sobre algo, realiza-se a partir de um referencial, de um parâmetro, um marco que possibilita comparar a situação de onde se partiu e aonde se conseguiu chegar, estabelecido quando da definição dos princípios ou fundamentos, da linha pedagógica e/ou do referencial teórico que sustentará a ação, bem como dos indicadores que mostrarão a situação inicial,

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que a antecede. Por meio da avaliação se verifica a efetividade dos resultados, isto é, se alcançou o objetivo a que se propôs e produziu mudanças na realidade social. Também se verifica a eficácia quanto ao alcance dos objetivos e a eficiência no uso dos recursos, como mostra a figura a seguir. Recursos

Objetivos



Resultados

 Eficiência



Eficácia



 Efetividade



Resultados ou efeitos

 Impacto

 Mudanças na realidade social

Avaliar permite aperfeiçoar o planejamento e as próprias ações, introduzir modificações necessárias e melhorar a programação futura, ou seja, possibilita a formulação de ações corretivas ao se replicar a experiência. A avaliação deve considerar os indicadores definidos no processo de planejamento, assim como quem fornecerá os dados, como eles serão obtidos, quem os tratará, como serão divulgados etc. Há vários métodos de coleta de dados a serem considerados, devendo-se levar em conta os tipos de abordagem que se pretende: quantitativa, qualitativa ou pluralista. Isto determinará os instrumentos de coleta de dados (questionários, entrevistas, outros). A literatura mostra que há diversos tipos de avaliação, conforme o enfoque que se dá ao processo. Um primeiro tipo relaciona-se aos atores que a realizam e, neste sentido, a avaliação pode ser interna

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ou externa. A avaliação interna é realizada pela própria equipe responsável pelo planejamento e execução das ações. Tem como uma de suas vantagens a capacitação de pessoal na área de avaliação e a criação de atitudes críticas e reflexivas por parte daqueles que estão diretamente envolvidos nas ações e com elas comprometidos. Pode ser negativo o fato de que, muitas vezes, o próprio envolvimento das pessoas as impede de perceberem falhas a tempo de corrigi-las ou mesmo encontrarem-se facilmente justificativas para elas. A avaliação externa é aquela realizada por pessoas que não estão diretamente envolvidas nas ações, mas que têm uma reconhecida experiência e/ou conhecimento na área de ação ou na metodologia utilizada ou, ainda, outro aspecto considerado relevante. Uma de suas vantagens é a possível imparcialidade de quem a realiza e as contribuições no sentido de aperfeiçoamento do trabalho. Mas, por outro lado, corre-se o risco de não haver um correto entendimento do contexto que envolve o desenvolvimento das ações, o que pode prejudicar o processo avaliativo. O ideal é que haja uma combinação entre os dois tipos, isto é, que haja avaliação interna e externa, complementando-se as informações e julgamentos. Um segundo tipo de avaliação relaciona-se ao momento em que esta acontece. Pode ser prospectiva, longitudinal ou retrospectiva. A avaliação prospectiva realiza uma reflexão crítica antes da ação e analisa as condições para implementação e possíveis impactos futuros (também conhecida como avaliação ex-ante). Esta avaliação acontece durante o planejamento, e seu resultado deve ser apresentado no diagnóstico e na justificativa. A avaliação longitudinal é realizada durante o processo de implementação ou execução das ações (aqui se situam o monitoramento e a avaliação de processo). A avaliação retrospectiva ocorre após a conclusão do conjunto das ações (também conhecida como avaliação ex-post).

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Monitoramento Entende-se por monitoramento a análise e verificação contínuas da implementação das ações previstas no documento de planejamento e seus efeitos ou produtos. O monitoramento confronta as atividades realizadas com o que foi programado, por meio da coleta e sistematização de informações que compõem o conjunto de indicadores construídos. Relaciona-se, portanto, com os aspectos operacionais do plano, ou seja, registra as atividades desenvolvidas, controla o cumprimento das ações, o uso eficaz dos recursos, o tempo das realizações (tempo, qualidade, custos), verifica se os beneficiários são os previstos e se a cobertura proposta está sendo atingida, dentre outros. O monitoramento é um componente importante do plano e, portanto, deve ser planejado concomitantemente a ele. Sua execução se dá a partir da implementação do plano e é um importante instrumento para o fornecimento de informações e sugestões para a tomada de decisão gerencial, permitindo ajustar o que foi programado, uma vez que constata o que acontece durante a execução. As fontes de informação para o monitoramento devem ser definidas antecipadamente (exemplo: atas de reuniões, listas de presença, documentos distribuídos, síntese de opiniões, informes, relatórios, outras), em conformidade com os indicadores estabelecidos e que serão acompanhados. O planejamento do monitoramento é um processo que se inicia com a definição dos aspectos que são estratégicos para o desempenho do plano e que podem comprometer seus resultados. A partir daí, define-se o que se quer com este acompanhamento. Para realizar o monitoramento é necessário elaborar indicadores que serão acompanhados, definir os responsáveis pela coleta das informações, quais as fontes dessas informações, qual a periodicidade com que serão coletadas, que instrumentos e técnicas serão

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utilizados para coletá-las, como e para quem serão divulgadas as informações colhidas e os custos deste sistema. O monitoramento deve estar incluído no cronograma de atividades e no plano de trabalho das equipes, tendo sempre em vista que os responsáveis pela implementação das ações são também os responsáveis pelo seu acompanhamento, isto é, devem controlar todo o processo.

Indicadores Indicadores são “instrumentos de medição válidos, destinados a estabelecer as alterações, o resultado e o impacto de uma atividade, projeto ou programa” (CIENES/OEA, em Filgueiras, 1997). São fatores ou conjunto de fatores ou variáveis que expressam determinadas condições que possam ser objetivamente identificadas e verificáveis, usados na fixação dos objetivos e na avaliação; sua evolução e desenvolvimento permitem planejar, acompanhar e avaliar a execução das ações. Há diversos indicadores já utilizados na medição de determinados aspectos da realidade, como taxa de mortalidade infantil, índice de desenvolvimento humano, mas a definição dos indicadores que serão utilizados para monitorar e avaliar o plano deve ser realizada por aqueles que elaboram e atuarão no plano, com base na análise das mudanças desejadas. A partir daí definem-se os parâmetros e padrões (que se expressarão quantitativa e qualitativamente) que permitem a comparação entre níveis, situações, momentos, condições etc. Pode-se dizer que os indicadores são os critérios que permitirão mostrar o sucesso de um plano, programa ou projeto. Para isto, eles devem ser medidos antes da sua implantação, servindo como um dos parâmetros de análise, de modo que se possa posteriormente saber se as alterações ocorridas são decorrentes das ações realizadas

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ou não. A situação inicial dos indicadores é chamada de “linha de base”. É esta posição inicial que possibilita verificar futuramente se os objetivos (geral e específicos) foram atingidos com êxito total ou parcial, bem como se as atividades previstas foram plenamente desenvolvidas. Isto significa que se pode estabelecer indicadores tanto relacionados aos objetivos e às metas do plano, quanto aos produtos esperados. Há diversas classificações para indicadores, conforme linhas metodológicas e autores. Considerando que a maioria dos planos, programas e projetos sociais envolve prestação de serviços à população, existe uma classificação, proposta por Donabedian (Peixoto, 1990) que pode contribuir na formulação de indicadores para os Planos Operativos Locais. O primeiro grupo refere-se aos indicadores de infra-estrutura, ou melhor, aqueles que medem as condições objetivas em que se realizam as ações (espaço físico, recursos humanos, recursos materiais, equipamentos, outros). O segundo grupo refere-se aos indicadores de processo que dizem respeito às relações internas do plano e seu desenvolvimento: organização e disposição dos recursos, grau de participação e envolvimento dos atores, forma de atuação, análise dos processos. Eles medem produtividade, eficiência, acesso, cobertura e/ou atendimento. O terceiro diz respeito aos indicadores de resultado, que estão diretamente relacionados às atividades propostas, e medem a eficácia, o desempenho, a satisfação do beneficiário, a efetividade, dentre outros aspectos. Há, ainda, os indicadores de impacto, que devem medir o impacto das ações na realidade social. Estes são mais complexos e mais difíceis de serem aferidos, pois algumas mudanças mais amplas podem resultar de uma combinação de fatores que independem do plano.

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A definição e a elaboração dos indicadores devem ser um trabalho coletivo, envolvendo todos os atores que participam do planejamento, pois cada um tem suas expectativas com relação ao que pretende acompanhar e avaliar, sendo que elas devem ser consideradas. Ao se definir quais indicadores serão utilizados, deve-se apontar onde serão encontradas as informações que irão alimentá-los. Podem ser fontes primárias, produzidas durante a execução do plano, ou secundárias, colhidas em registros de órgãos públicos e estatísticas. Também é importante estabelecer quais serão os instrumentos ou meios de verificação (registros das ações, questionários, entrevistas, outros). Se um plano tem como meta “100% dos profissionais da rede de atendimento capacitados/formados em 12 meses”, o indicador é o número ou o percentual de profissionais capacitados/formados. Quanto ao indicador de produto, se o plano tem como uma atividade a “realização de dois cursos para os profissionais da rede”, o indicador deste produto é o número de cursos realizados.

Algumas considerações sobre monitoramento e avaliação Ressalta-se que a avaliação e o monitoramento são elementos distintos do documento de planejamento, mas complementares no processo de análise reflexiva acerca das ações realizadas para o enfrentamento das necessidades ou problemas identificados. A avaliação julga o que é realizado e seus resultados, ou seja, o alcance dos objetivos. O monitoramento acompanha a realização das atividades e possibilita que se corrijam falhas durante a execução das ações. Há vários métodos que podem ser utilizados no processo de avaliação, como a revisão de dados secundários, pesquisas,

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entrevistas individuais e grupais, debates, oficinas, grupos focais, estudos de caso, observação etc. A escolha dependerá da finalidade, do enfoque, do contexto, das capacidades, das habilidades e dos recursos disponíveis. Na avaliação de impacto, a checagem deve ser com referência cruzada ou triangulação, devendo-se utilizar diferentes métodos, diferentes informantes ou fontes de informação; e diferentes pesquisadores executam o mesmo método e comparam seus dados e informações.

O documento do plano Sugere-se que a elaboração do Plano Operativo Local de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (POL) considere os diagnósticos sobre o fenômeno e a rede de enfrentamento, realizados recentemente; planos de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes, anteriormente formulados; deliberações do conselho de direitos e das conferências da criança e do adolescente, dentre outros documentos que expressem as demandas e potencialidades da área. O POL deverá conter alguns dos elementos já apontados, apresentados seqüencialmente, numa redação clara e concisa, capaz de comunicar as idéias dos planejadores, conforme sugestão apresentada a seguir: 1. 2. 3. 4. 5. 6.

Apresentação Princípios Finalidade Objetivos Eixos estratégicos Diagnóstico/justificativa

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7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.

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Objetivos Metas Atividades/ações Prazos e responsáveis Monitoramento e avaliação Referências bibliográficas Anexos

Cuidados na redação Alguns cuidados precisam ser observados na redação do POL. Cury (1998: 75) oferece as seguintes “dicas”: • os comentários gerais e opinativos não devem constar nos objetivos; • aquilo que parece óbvio para quem redige o documento em geral não o é para os que vão lê-lo. Deve-se apresentar todas as informações relevantes que possam esclarecer a proposta de ação, tais como parcerias ou articulações; • deve-se dar atenção especial à lógica da argumentação; • deve-se evitar o uso de jargões. Eles confundem e diminuem a capacidade de compreensão do que se quer dizer, já que não expressam exatamente sobre o que se refere. As palavras devem ser escolhidas pelo seu significado objetivo; • o número de páginas não torna um plano melhor. Ao contrário, deve-se procurar elaborar um documento claro, preciso e conciso; • observar se há repetições desnecessárias de conceitos e idéias.

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Considerações finais Este texto foi utilizado como apoio para a Oficina de Planejamento, realizada em junho de 2007, na Universidade Federal de Minas Gerais, com o objetivo de contribuir na formação dos Formadores, responsáveis pelas oficinas de formulação dos Planos Operativos Locais (POL) em cada município. O pressuposto é de que os formadores trazem consigo conhecimentos e saberes que podem e devem ser compartilhados, bem como aperfeiçoados, e que suas vivências são elementos relevantes para o processo de aprendizagem e de troca essenciais ao planejamento de ações estratégicas. A oficina possibilitou o nivelamento de informações básicas, por meio da introdução e/ou revisão de conteúdos relacionados ao processo de planejamento, concomitante à aplicação do conjunto de conhecimentos adquiridos/revistos. A metodologia utilizada propiciou aos participantes se colocarem em situação concreta de planejamento, nos quais se articularam teoria e prática, dando sentido ao conhecimento e à ação. Esta articulação foi possível pela interseção entre conteúdos teóricoconceituais e exercícios para sua aplicação em situações concretas, no caso o planejamento das ações para formulação das ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil de forma integrada e participativa. A oficina, portanto, possibilitou aos participantes a construção de um esboço do planejamento das atividades que se realizariam posteriormente, na etapa de elaboração do Plano Operativo Local. Além do próprio processo de aprendizado e de planejamento, houve a intenção de que, a partir daquela vivência, os participantes pudessem aplicar a técnica, realizando e coordenando, eles próprios, as oficinas locais para elaboração dos Planos Operativos, conforme

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descrição contida no texto “Organização do trabalho pedagógico – os desafios inerentes ao processo de planejar”, de Tânia Aretuza e Geovânia Lúcia dos Santos, no tópico oficinas de planejamento. Nossa expectativa é de que essa oficina seja um instrumento didático eficaz na formulação de ações efetivas de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que tem se revelado, em outros projetos de extensão da UFMG, como uma importante ferramenta de planejamento de ações de atores sociais em suas atividades cotidianas.

Nota 1

A versão original deste texto, com o título “Elaboração de projetos sociais”, tem sido utilizada como apoio às Oficinas de Elaboração de Projetos Sociais, realizadas pelo NUPASS/UFMG desde 2000. Seu aprimoramento tem se dado a partir de contribuições valiosas de Edite da Penha Cunha, Maria Elisa Neves Pena e Marilia Barcellos Guimarães. Nesta versão, a ênfase foi dada ao processo de elaboração de planos, de modo a apoiar a elaboração dos Planos Municipais de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Referências ADRIANO, Jaime Rabelo et al. Manual de planejamento – NESCON/UFMG. Belo Horizonte, 1998. (Mimeo.) AGUILLAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas sociais. Petrópolis: Vozes, 1994. ALEIXO, José Lucas M. Planejamento participativo. Escola de Saúde: Belo Horizonte, 1997. (Mimeo). ALVES, Daniel; STELL, Carlos Alberto. Bibliografia sobre elaboração e gestão de projetos sociais. Humanas - Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, UFRS/IFCH, v. 24, n. 1 / 2, 2001.

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ARMANI, Domingos. PMA: conceitos, origens e desafios – o planejamento, monitoramento e a avaliação de programas sociais. Humanas: Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, UFRS/IFCH, v. 24, n. 1 / 2, 2001. BARBOSA, Mário da C. Planejamento e serviço social. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1991. BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. Brasília, 2001. BRASIL. Ministério do Trabalho/SEFOR. Capacitação Solidária: Projetos Gestores Sociais. Textos de apoio. [s.n.t.]. BUVINICH, Manuel Rojas. Ferramentas para o monitoramento e avaliação de programas e projetos sociais. Cadernos de Políticas Sociais, n. 10, 1999. Série Documentos para Discussão. (Mimeo.) COHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos sociais. Petrópolis: Vozes, 1993. COODENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇOS. Caminhos: Planejamento, Monitoramento, Avaliação – PMA. Salvador: CESE, 1999. (Encontro de Agentes de Projetos do PEP) CORREA, E.; SENA, R. R. Planejamento e elaboração de projetos para grupos comunitários. (Trad. e adapt.). Belo Horizonte: UFMG/PÓLO-PSF/PRODEN, 2000. CURY, Thereza Christina H. Elaboração de projetos sociais. In: Projeto Gestores Sociais. Textos de apoio. São Paulo: Capacitação Solidária, 1998. FILGUEIRAS, Cristina A. C. Manual de projetos sociais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1997. LUSTOSA, Paulo Henrique. A importância dos indicadores para a avaliação: para abrir uma discussão. [s.n.t.]. (Mimeo.) MARCO DE DESENVOLVIMENTO DE BASE. Fundação Interamericana. [s.n.t.]. (Mimeo.) MONÇÃO, Geraldo Nobre. Monitoramento de Projetos Sociais: alguns elementos conceituais. [s.n.t.]. (Mimeo.) PEIXOTO, Marisa R. B. Tecnologia no setor saúde: critério de avaliação de qualidade dos serviços hospitalares. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, 1990. RAPOSO, Rebeca. Avaliação de ações sociais: uma abordagem estratégica. In: Gestão de Projetos Sociais. [s.n.t.]. (Mimeo.)

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Anexo Proposta de matriz de planejamento – PAIR

Eixo: ___________________________________________________________ Objetivo Geral: __________________________________________________ Objetivos Metas específicos

1

2

3

1

2

3

Indicadores de objetivos

1

2

3

Atividades/ Ações

Prazos/ Responsáveis

Indicadores de atividades/ ações

1.1

1.1

1.1

1.2

1.2

1.2

...

...

...

2.1

2.1

2.1

2.2

2.2

2.2

...

...

...

3.1

3.1

3.1

3.2

3.2

3.2

...

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...

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Ed u a rd o m o re i ra da silva E d i t e d a pe n h a cu n ha He l e n a he m i ko i wam o to S y b e l l e d e so u z a ca s t ro miranzi

Assessoria Técnica e Expansão do PAIR/MG Uma relação dialógica

Introdução Uma universidade deve ser capaz de cumprir, de forma harmônica e indissociável, suas funções de Ensino, Pesquisa e Extensão. A Extensão é a “dimensão processual, uma ação vinculada, uma estratégia democratizante, parte do pensar e do fazer acadêmico, marcado pelo compromisso de transformação da sociedade – na qual a universidade se inclui – em direção à justiça, à solidariedade e à democracia” (Universidade Federal de Minas Gerais, 2006). Nesta perspectiva, constitui-se como desafio da Extensão a realização de interações diversas e múltiplas com os diferentes setores da sociedade. As universidades públicas brasileiras têm adotado o conceito de Extensão e as diretrizes políticas e operacionais definidas no Plano Nacional de Extensão Universitária (2001),1 para concepção e implementação das ações de extensão. O referido plano elenca, entre outras diretrizes para a gestão da extensão, o reconhecimento dessa função universitária como uma ação geradora de conhecimento com compromisso de atuação social deliberada de impacto e promotora

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de desenvolvimento local, regional e nacional, articulada às políticas públicas; viabilizadora da construção de relação dialógica com a comunidade externa buscando a sua emancipação; promotora da interdisciplinaridade e da integração com o ensino e a pesquisa de forma institucionalizada e com ampla participação dos alunos; e indutora do processo de avaliação contínuo e progressivo de suas ações. Orientadas por esses princípios, as Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG), do Triângulo Mineiro (UFTM) e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) compreendem que a extensão compõe com o ensino e a pesquisa o caráter social do seu compromisso, em gerar conhecimento, transmiti-lo, e contribuir com as transformações sociais. Tal compromisso evidencia-se no apoio ao desenvolvimento de políticas públicas, sendo o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, em Minas Gerais (PAIR/MG), da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, uma de suas ações prioritárias. O PAIR, fundamentado nos eixos do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, prevê o desenvolvimento de diagnósticos do fenômeno e da rede de proteção das crianças e dos adolescentes, mobilização e articulação, capacitação/formação, planejamento e assessoria técnica. Esta última, em função da complexidade e da diversidade da problemática, exige a disposição de equipes multiprofissionais e multidisciplinares para propiciar aos operadores da rede, suporte e assistência técnica, tanto para o processo de formação (capacitação) como para o aprimoramento das práticas de enfrentamento à violência sexual (assistência permanente). Desse modo, busca-se, no tópico seguinte, o resgate dos fundamentos da prática da assessoria a partir de sua emergência na agenda brasileira.

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A emergência da assessoria no Brasil A reflexão e a sistematização da metodologia e dos resultados do processo de assessoria na expansão do PAIR nos remete, inicialmente, ao resgate dos fundamentos dessa prática, a partir de sua emergência na agenda brasileira. A assessoria técnica passou a ser muito discutida e utilizada no Brasil, principalmente a partir das décadas de 1960 e 1970, período no qual houve a emergência e o fortalecimento político das entidades da sociedade civil. Estas, até então caracterizadas pelo amorfismo e pela falta de capacidade organizativa, não eram vistas como um pólo político significativo o bastante para pressionar e até mesmo se opor ao Estado. Foi exatamente durante o período em que o Estado estava controlado pelas mãos de ferro da ditadura militar, que uma série de transformações de toda sociedade brasileira se combinaram e possibilitaram o fortalecimento (alguns autores consideram como a própria constituição [Avritzer apud Dagnino, 2004: 95-110]) da sociedade civil brasileira. No momento em que os movimentos sociais passaram a ter mais clareza e capacidade de se organizar para formular suas reivindicações e apresentá-las ao Estado, surgiram diversos núcleos de pesquisa e assessoria a estes movimentos. Nesse sentido, os mesmos princípios que norteavam a ação dos grupos que trabalhavam com a educação popular passam a fundamentar a ação dos novos núcleos de assessoria aos movimentos sociais. As entidades de Cooperação Internacional financiavam a ação destes núcleos como uma forma de apoiar a luta a favor dos direitos humanos. Os recursos que vinham, no entanto, precisavam ser requisitados por meio de processos específicos, que envolviam toda a lógica de planejamento das ações propostas, desde a formulação de um projeto, com objetivos, metodologia, cronograma de execução

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das ações, planilha de custos, e outros elementos. Após a realização das ações havia uma série de procedimentos necessários à prestação de contas, ou seja, um detalhamento que demonstra com o que, e como o dinheiro foi aplicado, indicando os resultados alcançados com todo o processo. Foram os núcleos de pesquisa e assessoria que auxiliavam os movimentos sociais em todo este processo. Colares sugere uma distinção histórica da emergência da assessoria, no Brasil, em dois períodos distintos: o primeiro iria de 1964 a 1974, considerado de resistência, e o segundo de 1974 a 1984, de rearticulação e reconstrução das organizações populares. Para o autor a “assessoria popular difere das demais pelo caráter participativo que ela encerra (...)” (1990: 55). Embora seja uma prática existente e muito presente na realidade política brasileira e sobre a qual muito se discute em eventos e encontros de assessores populares, ainda é escassa a produção bibliográfica sobre a assessoria técnica. Neste sentido, cabe mencionar o desafio posto à academia e aos intelectuais de produzir conhecimento sobre o tema, visando auxiliar na construção de práticas profissionais mais substantivas e tecnicamente orientadas. As entidades de assessoria já mencionadas estavam ligadas aos mais diversos órgãos, como as universidades, o sindicato, a Igreja Católica, os partidos políticos, as associações assistenciais e associações comunitárias (Gohn, 1991). Foi nesse contexto que surgiram as primeiras organizações não-governamentais (ONGs). A primeira geração de ONGs na América Latina surgiu, via de regra, como uma solução ad hoc para uma falta de opções, que se imaginava ser conjuntural no sistema institucional existente – centros de pesquisa que se formavam à margem de universidades submetidas a pressões do Estado autoritário, núcleos de educação popular paralelos ao sistema escolar oficial, grupos de apoio a movimentos sociais emergentes sem conexões com os organismos políticos legais etc. (Fernandes, 1994: 66)

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O estudo, realizado em 32 diretórios de ONGs de 24 países do continente latino-americano, indica que as ONGs se tornaram um fenômeno massivo no continente a partir da década de 1970, uma vez que 68% delas surgiram depois de 1975, 17% entre 1950 e 1960 e 15% em décadas anteriores. O interessante é que as entidades foram agrupadas em 17 categorias, sendo a mais numerosa, com a marca de 40,6%, aquelas que se qualificaram pela realização de atividades de formação qualificada/assessoria. A segunda categoria mais expressiva foi a de educação popular com 36% dos casos (Fernandes, 1994: 69). “Considerando as categorias mais mencionadas, poderíamos resumir assim o sentido principal do trabalho das ONGs na América Latina: educação para o desenvolvimento com ênfase na promoção social” (Ibidem: 72). Imaginava-se que seriam experiências passageiras, mas não foi bem assim. Atualmente as ONGs participam diretamente da execução de diversas políticas públicas, por dois motivos. O primeiro deles é que a fonte internacional de recursos, inicialmente estruturante de todo o setor, tem migrado para outras regiões economicamente pobres do mundo, tais como a África e a Ásia. O segundo é o fato de que a configuração atual do sistema político brasileiro abriu espaço para a participação destas entidades na prestação de serviços diversos à comunidade, por meio da transferência de recursos públicos. Mas o primeiro fator é condicionante do segundo, na medida em que o sistema se estruturou, de fato, com os recursos da cooperação internacional. Mais do que o dinheiro, portanto, foram o conceito e a forma institucional que passaram pelos caminhos inusitados dos financiamentos não-governamentais. É desta relação, inclusive, que surgiram as ONGs. As agências de cooperação internacional necessitavam de parceiros locais que fossem capazes de formular projetos, acompanhar a sua execução e prestar contas. (Ibidem: 80)

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Não podiam fazê-lo por meio dos movimentos sociais, que careciam de estabilidade institucional. Desse modo as ONGs foram a solução. Foi exatamente a estabilidade conquistada pelas diversas ONGs que tornou possível o desenvolvimento da assessoria técnica, atividades que realizam até os dias de hoje. Mesmo tendo mudado a fonte de financiamento, com a formulação de muitas parcerias com o Estado, a assessoria continua sendo fundamental na medida em que os movimentos sociais não dispõem de pessoal qualificado como as ONGs para realizar o auxílio que prestam aos diversos grupos sociais que se mobilizam politicamente. A mesma lógica de planejamento, que inclui a formulação de projetos e a prestação de contas do dinheiro público recebido, deve ser realizada nas parcerias com o Estado. Este é um ponto em que precisamos avançar, na medida em que têm surgido indícios, que estão sendo investigados por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada no Congresso para apurar irregularidades no repasse e aplicação de recursos públicos para as ONGs.2 É preciso mencionar que o novo marco legal do terceiro setor no Brasil, formulado a partir da reunião de um conjunto de atores da sociedade civil e governamentais no Conselho da Comunidade Solidária, em junho de 1997, propõe a criação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que estabelece mecanismos mais transparentes de prestação de contas (Ferrarezi, 2001). No entanto, a realidade continua apontando a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de controle dos recursos públicos repassados às ONGs. As atividades de assessoria são realizadas por diversos atores, dentre os quais destacam-se ainda aquelas realizadas por equipes técnicas governamentais que implementam programas e projetos das políticas públicas. Embora haja especificidades que diferem um pouco da atividade de assessoria realizada pelos técnicos

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governamentais e pelos atores sociais, percebe-se que a principal característica do processo está presente nos dois setores, que é o apoio de um grupo técnico especializado em determinado assunto para o desenvolvimento de uma ação.3 No caso brasileiro descrevemos inicialmente que [a]s assessorias constituem-se em grupos de indivíduos, não pertencentes à base demandatária do movimento, que se articulam com o objetivo de subsidiar os grupos populares em sua organização interna e no encaminhamento de suas ações externas. Estes grupos atuam diretamente junto aos movimentos populares. (Gohn, 1991: 65)

Caracterização da assessoria técnica A articulação é uma característica primordial, na medida em que “[a]s assessorias não são isoladas. Elas constituem-se em redes. São redes locais, regionais, nacionais e internacionais”. Por apresentar tais características, as assessorias têm a capacidade de realizar um trabalho de mediação entre o movimento e o partido, o movimento e a igreja etc. (Gohn, 1991: 65). Na conjuntura atual, em que as diversas ONGs participam diretamente da execução de diversas políticas públicas, as “assessorias passaram a ser os grandes agentes de intermediação entre os movimentos e as novas políticas sociais, entre o povo e o governo” (Ibidem: 67). Por esta razão tem buscado constantemente impulsionar os diversos movimentos a “entrar em contato ou penetrar nos aparelhos estatais” (Ibidem: 73). No campo do serviço social, a assessoria técnica é vista por Vasconcelos como uma possibilidade real de romper com a fragmentação estrutural entre a teoria e a prática profissional. Segundo a autora, “[d]entre as estratégias possíveis para enfrentar a fratura

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entre pensar e agir no Serviço Social indicamos os processos de assessoria/consultoria” (Vasconcelos, 1998: 123). Assessoria é definida pela autora como “um acompanhamento sistemático, organizado e a longo prazo, objetivando a elaboração de projetos de prática e/ou acompanhamento e avaliação de sua operacionalização” (Ibidem: 124). Cabe aos assessores/consultores ter o conhecimento do estágio da equipe quanto à projeção do espaço profissional, dos registros da prática, do tipo de relação, das expectativas da equipe em relação ao processo, do tempo disponível para a atividade que envolve projetar as diferentes linhas de ação, do número de profissionais envolvidos em cada atividade, do número de projetos desenvolvidos por cada equipe, da inserção qualitativa e quantitativa de cada um dos projetos, dos recursos institucionais disponíveis para consecução dos objetivos propostos. Diante do estudo e da análise destas informações, o “assessor/ consultor terá condições de, a partir da delimitação das necessidades e possibilidades da equipe ou profissional, trabalhar as expectativas e explicitar um projeto de assessoria/consultoria diante das condições institucionais e profissionais” (Ibidem: 127). A função primordial do assessor/consultor será a de disponibilizar aos profissionais que assessora os instrumentos que tornem possível desvelar o movimento e a estrutura da realidade social, geralmente um elemento oculto pelo dinamismo e movimento cotidianos das relações sociais, que fazem parecer inexistentes ou impossíveis as diversas alternativas e possibilidades de ação profissional (Idem). Embora Vasconcelos trate de forma indiferenciada os processos de assessoria e consultoria, até certo momento de sua argumentação, a autora indica as diferenças entre as duas atividades. Nos processos de consultoria, um assistente social ou uma equipe geralmente procura um expert para que dê o parecer sobre os

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caminhos que a equipe escolheu e/ou encaminhamentos que está realizando. Por exemplo: indicar bibliografia sobre temas específicos; dar o parecer sobre projetos de pesquisa e/ou avaliar o encaminhamento de levantamento e pesquisa em andamento; indicar ou realizar cursos sobre temas específicos da área de atuação profissional etc. (Ibidem: 128, destaque nosso) As assessorias são solicitadas ou indicadas, na maioria das vezes, com o objetivo de possibilitar a articulação e a preparação de uma equipe para construção do seu projeto de prática por meio de um expert que venha assisti-la teórica e tecnicamente. (Ibidem: 129, destaque nosso)

Uma frente de trabalho muito freqüente de assessoria é realizada no ambiente educacional. Neste universo pode-se distinguir dois campos bem delimitados de atuação. De um lado estão os movimentos mais próximos ao que descrevemos acima como assessoria aos movimentos sociais e populares, que é o processo de assessoria aos grupos de educação popular. De outro, uma prática também muito freqüente é a assessoria pedagógica nas diferentes unidades educacionais, desde a educação infantil até a superior (Fávero, 2006; Gohn, 1991; Machado, 2000; Sousa, 2001). Outro exemplo de assessoria aos grupos de educação popular é o Movimento pela Educação de Base (MEB). O trabalho de assessoria pedagógica do MEB é um instrumento que o mesmo usa para inserir sua própria ação no movimento popular mais amplo, isto é, uma forma de influenciar as diversas organizações populares assessoradas ou que se relacionam com as mesmas a partir de sua proposta político-pedagógica (Sousa, 2001: 33).

A partir da perspectiva apresentada, na qual fica evidente que a principal função dos assessores é a de trocar idéias, propor uma reflexão conjunta, compartilhar experiências e sugerir novas perspectivas de ação (Fávero, 2006) e, considerando as diretrizes da

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extensão de promover o fortalecimento de parcerias pautadas por uma relação dialógica da universidade com diversos setores da sociedade, acreditamos que a assessoria traz possibilidades reais de apoiar o fortalecimento e a consolidação das ações do PAIR/MG. Desde a implantação do PAIR, a UFMG, a UFTM e a UFVJM priorizaram o apoio institucional a sua realização, a participação dos seus professores, técnicos e alunos e o estabelecimento e fortalecimento de parcerias junto aos municípios. Dessa forma, abordaremos, no tópico seguinte, a ação de assessoria da expansão do PAIR/MG.

A assessoria técnica da universidade na expansão do PAIR/MG O curso de formação de educadores e as oficinas temáticas e de planejamento da Expansão do PAIR/MG, realizadas nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, tiveram como principal produto os Planos Operativos Locais (POL). Cada município, evidentemente, tem uma realidade específica que demanda ações dirigidas para avanço das ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. É isto o que diferencia o POL elaborado por cada um dos municípios. No entanto, por se tratar de um mesmo problema, a violência sexual infanto-juvenil, algumas situações apresentam constrangimentos comuns ao funcionamento da rede de proteção à criança e ao adolescente. Ao pensarmos a melhor maneira de fazer com que a assessoria técnica fosse um instrumento para efetivar a implementação das ações propostas no POL, centramos nossas atenções em dois aspectos que se apresentavam comuns entre os municípios e que se configuravam como um problema estrutural.

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Dessa forma, elegemos como ações prioritárias da assessoria a implantação do protocolo de atendimento dos casos de violência sexual infanto-juvenil, que sugere um fluxo de encaminhamento dos casos e o monitoramento da implementação do POL.

Implantação do Protocolo de Notificação Considerando que a implantação do Protocolo de Notificação possibilita a construção e definição do caminho a ser trilhado pelos casos que chegam até a rede de proteção, buscamos assegurar que os profissionais da saúde, da educação, da assistência social e das instituições da sociedade civil, ao realizarem o primeiro atendimento, tenham condições de visualizar as primeiras providências a serem tomadas. Destaca-se nesse esforço garantir que a notificação ao Conselho Tutelar seja feita sempre que um novo caso seja detectado, independentemente de ter sido ele oriundo do posto de saúde, do hospital ou um caso identificado nas escolas, nas unidades de assistência social, no serviço de disque denúncia, dentre outros. Dessa maneira, nos certificamos de que as primeiras medidas protetivas sejam efetivadas, conforme preconizado em portaria da presidência da República, que institui uma ficha de notificação obrigatória aos conselhos tutelares (Portaria n. 1.968, de 28 de outubro de 2001). Um outro caminho, destacado como de grande importância para ser trilhado, é o da responsabilização dos agressores que pode se iniciar também por qualquer um dos lugares em que o caso seja identificado, precisando, para tanto, que uma delegacia seja notificada da ocorrência da violência praticada. A área da saúde publicou, no ano de 2001, uma portaria que instituiu a obrigatoriedade da notificação dos casos de violência que tenham chegado à rede pública de saúde (Portaria n. 1.968, de 28 de outubro de 2001). No ano de 2003, foi publicada a Lei Federal

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10.778 que institui a obrigatoriedade da notificação também nas unidades de saúde da rede privada. Foi criada também uma norma técnica para auxiliar a implementação da lei, que possui uma ficha de notificação dos casos e sugere as primeiras medidas de profilaxia às doenças sexualmente transmissíveis que devem ser tomadas. Dessa forma, nosso trabalho exigiu uma permanente articulação com a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, que está desenvolvendo um curso de capacitação destinado aos municípios com mais de cem mil habitantes, para implantar o protocolo de notificação dos casos de violência em todas as cidades que possuem os centros especializados na violência contra a mulher e os adolescentes. Diante desse fato, reiteramos a convicção de que a assessoria deveria ter como prioridade a implantação do protocolo, principalmente porque a ação do Estado de Minas trata de vítimas de violência de uma maneira geral. Além disso, foi importante assessorar os municípios para a construção e adoção de um instrumento semelhante para as outras políticas setoriais, especialmente as áreas de educação e a assistência social. Ao promovermos a apresentação e discussão dos instrumentos já construídos na área da saúde com a Comissão Operativa Local (COL) de cada um dos municípios, tivemos um feedback sobre o modo como as ações sugeridas pelo protocolo estavam ou não sendo implementadas pelos profissionais da saúde nos municípios. Isso possibilitou uma construção conjunta das ações que precisam ser realizadas pelos profissionais da área para que o protocolo seja efetivamente implementado. Apesar de o trabalho ser facilitado pela experiência já em processo de implementação pela saúde, as áreas da educação e assistência social apresentam especificidades que deverão ser consideradas para a adaptação dos instrumentos formulados pela saúde. Idealmente, foi proposto um único instrumento que seria utilizado pelas

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três áreas, de modo a possibilitar, de fato, a ação em rede das três políticas. A grande contribuição da assessoria do PAIR está sendo o pensar ações interventivas coletivas para viabilizar o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil em rede. Isso tem sido promovido na medida em que discute e busca articular e integrar os diversos serviços existentes, com a clareza do papel que cada um tem a cumprir tanto na identificação, quanto no atendimento, no encaminhamento e acompanhamento dos casos. A grande importância da articulação dos serviços foi constatada por uma pesquisa nacional de avaliação do Programa Sentinela, solicitada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) ao Departamento de Ciência Política da UFMG. Verificou-se que as vítimas de violência passam por diversos serviços da rede de proteção à criança e ao adolescente sem que os problemas fossem de fato solucionados (Matos, 2005). É evidente que casos de violência dessa natureza deixam marcas significativas para toda a vida das vítimas, mas se a rede de proteção atua de forma articulada e eficiente, certamente os danos causados podem ser minorados, na medida em que um encaminhamento adequado pode acionar com rapidez as medidas protetivas cabíveis, o que certamente é um elemento crucial para que a vítima comece a elaborar a violência sofrida de forma assistida pela equipe técnica competente. Em outras palavras, se as marcas e os vestígios da violência não podem ser completamente apagados, trata-se de assegurar que a vítima tenha acesso o mais rápido possível aos serviços necessários. Isto só será possível se os diversos serviços de proteção fizerem eficientemente o seu trabalho em rede. A ação articulada só é possível se todos os setores da rede de proteção tiverem acesso ao maior número de informações possíveis do caso, sem ter que revitimizar a criança ou o adolescente, ou seja, fazer com que eles tenham que contar e reviver reiteradas

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vezes a violência sofrida. Nesse sentido, o protocolo cumpre uma função primordial, se utilizado de forma adequada e por todos os integrantes da rede, na medida em que as informações do primeiro atendimento possam circular para os diversos serviços que a vítima será encaminhada, sem que ela tenha que ficar recontando a mesma história. Serão apenas acrescentados elementos a uma ficha inicial do caso. Apesar das dificuldades já conhecidas, como a falta de infraestrutura adequada, outra proposta para a implementação de um protocolo realmente acessível a todos os setores da rede de proteção seria a inclusão no próprio Sistema de Informação para Infância e Adolescência (SIPIA)4 de um espaço destinado a alimentação de informações sobre a violência sexual infanto-juvenil. A criação de uma senha de acesso ampliada, uma vez que a restrita já existe, poderia possibilitar aos serviços da rede, responsáveis pelo atendimento dos casos, ter acesso às informações de violência sexual para que as crianças e adolescentes não fossem revitimizados a cada novo atendimento. Com isto, além de se evitar maiores danos à criança ou adolescente, fortaleceríamos os próprios mecanismos de notificação ao Conselho Tutelar que, alimentando mais freqüentemente o banco de dados do SIPIA, contribuiria, inclusive, para aperfeiçoar os instrumentos de formulação das políticas para o setor. Como mencionamos, já existe uma portaria que obriga a notificação do Conselho Tutelar em todos os casos de violação dos direitos. O trabalho mais substancial seria o de sensibilizar a todos da rede para que utilizem o instrumento e ao Conselho Tutelar para que faça os encaminhamentos necessários, incluindo a alimentação no novo espaço proposto a ser criado no SIPIA.

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Monitoramento do Plano Operativo Local O monitoramento do POL é um processo de acompanhamento da implementação/execução das suas ações com o objetivo de facilitar o controle efetivo do cumprimento das metas estabelecidas no plano, para que a COL e a rede possam aperfeiçoar as atividades que vêm sendo desenvolvidas. Visa, portanto, subsidiar decisões da rede de proteção para promover ajustes necessários ao alcance dos objetivos estabelecidos no plano. A implementação de um sistema básico de verificação contínua ao alcance das metas do POL em comparação com o planejado foi foco da segunda etapa da assessoria técnica aos municípios, realizada para o mesmo grupo de profissionais que participou da etapa anterior, ou seja, os membros da COL e os representantes da rede de proteção. Foi priorizado a criação de um sistema de monitoramento das ações propostas no POL de cada município. Durante a realização das oficinas de planejamento, ocasião em que o POL foi elaborado, foram definidos os indicadores para o monitoramento das ações sugeridas no plano. Dessa maneira, o trabalho constituiu-se na construção de ferramentas para que a COL pudesse monitorar o desenvolvimento das ações. Essa foi uma tarefa cumprida com a participação da equipe de coordenação em parceria com as universidades federais do Triângulo Mineiro e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A assessoria contribuiu para configurar o planejamento do monitoramento do POL, subsidiando a COL e a rede para tomar decisões, no sentido do fortalecimento das ações de enfrentamento. Com a criação de um sistema de monitoramento do POL, pretendeu-se fortalecer a implementação de suas ações, buscando a construção de entendimentos em torno dos requisitos necessários para a sua realização, bem como dos dados a serem coletados; a formulação de

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instrumentos e processos através dos quais as informações serão obtidas; e, por fim, a estruturação final do Sistema de Monitoramento do POL compatível com a quantidade, qualidade e complexidade das informações disponíveis e necessárias e com a capacidade e localização dos atores que irão fornecê-las e/ou utilizá-las. Com isso, buscamos obter um Sistema de Monitoramento, tendo por base os indicadores definidos nas oficinas de Planejamento, padronizando procedimentos na coleta e sistematização das informações. Este irá considerar a produção de relatórios sobre as ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba. Devemos obter, ainda, diversos atores capacitados, de acordo com as competências de cada um, para a utilização do Sistema e discussão sobre a implementação das ações do POL, bem como informações sistematizadas e socializadas até dezembro de 2008.

Considerações finais A assessoria técnica da expansão do PAIR/MG esteve atenta à tensão presente entre a autonomia dos assessorados que se pretendia cultivar e o direcionamento da ação que a equipe de assessores pretendeu imprimir em cada município; buscou potencializar ao máximo as ações já realizadas e que poderiam ser aperfeiçoadas. Desta forma, a ação da assessoria da expansão do PAIR/MG possibilitou trocar idéias, compartilhar experiências, sugerir novas perspectivas de ação, viabilizar a ampliação e o aprofundamento das relações interinstitucionais, bem como o conhecimento sobre o fenômeno e as ações desenvolvidas. Dessa forma, contribuiu significativamente para socializar informações, rever e redimensionar ações previstas. Em relação à capacidade de a assessoria criar condições de sustentabilidade da metodologia do PAIR, nos municípios, e inovar

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procedimentos e rotinas, pode-se destacar o aprofundamento da relação das comunidades com as universidades locais e o fortalecimento das interações entre elas. No entanto, o processo de assessoria tem colocado alguns desafios como a criação de estratégias de maior valorização da avaliação das ações do POL por parte dos membros da COL; a articulação da avaliação do POL junto às políticas setoriais; o avanço na construção de estratégias que viabilizem a implementação de mudanças de procedimentos a partir do acompanhamento sistemático das ações; o estabelecimento de uma dinâmica institucional que possibilite um conhecimento mais amplo do POL, e a divulgação da qualidade e quantidade das ações de enfrentamento realizadas. A consolidação desse processo é um propósito a ser cumprido em médio e longo prazos e só pode tornar-se realidade a partir do fortalecimento da articulação entre as ações das políticas públicas, co-responsáveis pela proteção integral às crianças e adolescentes, o que se encontra em curso, à medida que governo, sociedade e atores diversos se envolverem em um grande pacto pela proteção da população infanto-juvenil. O desafio é tornar as ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil uma política planejada, implementada e avaliada nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Notas 1

O Plano Nacional de Extensão Universitária, publicado pelo MEC/SESu, em 1999, foi formulado pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX). Este é composto exclusivamente de representantes de instituições públicas de ensino superior e vem definindo diretrizes conceituais e políticas para a extensão universitária pública brasileira.

2

A CPI das ONGs foi criada em outubro de 2006 “destinada a investigar a transferência de recursos do Orçamento da União, entre 2003 e 2006, para organizações não-governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs) (...)” (INFORME SERGIPE, disponível em: . Último acesso em: 20 de fevereiro de 2008).

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3

Sobre a emergência da assessoria governamental nos Estados Unidos da América, ver DALE; URWICK, 1971.

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“O SIPIA é um sistema nacional de registro e tratamento de informação criado para subsidiar a adoção de decisões governamentais sobre políticas para crianças e adolescentes, garantindo-lhes acesso à cidadania.” (Site do Ministério da Justiça. Disponível em: . Último acesso em: 20 de fevereiro de 2008)

Referências BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Brasília, 2006. CAMPILONGO, Celso Fernandes; PRESSBURGER, Miguel. Discutindo a assessoria popular. Rio de Janeiro: AJUP, 1991. COLARES, Marcos Antonio P. Aspectos da relação Igrejas-Centros de Assessoria Popular. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 10, n. 33, p. 47-66, ago. 1990. DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil, participação e cidadania: de que estamos falando? In: MATO, Daniel (Org.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES/Universidad Central de Venezuela, 2004. p. 95-110. DALE, Ernest; URWICK, Lyndall F. A presidência dos Estados Unidos e o sistema de assessoria. In: DALE, Ernest; URWICK, Lyndall F. (Org.). Organização e assessoria. São Paulo: Atlas, 1971. cap. 7. DRAIBE, Sônia. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de políticas públicas. In: BARREIRA, M. C. R. N.; CARVALHO, M. C. B. (Org.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001. p. 13-42. FÁVERO, Osmar. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática pedagógica do MEB-Movimento de Educação de Base (1961-1966). Campinas: Autores Associados, 2006. FERNANDES, Rubem Cesar. Privado porém público: o terceiro setor na América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

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EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte III

FERRAREZI, Elisabete. O novo marco legal do Terceiro Setor no Brasil. In: III ENCUENTRO DE LA RED LATINOAMERICANA Y DEL CARIBE DE LA SOCIEDAD INTERNACIONAL DE INVESTIGACIÓN DEL TERCER SECTOR (ISTR). Perspectivas Latinoamericanas sobre el Tercer Sector. Buenos Aires, Argentina, 12-14 de setembro de 2001. Disponível em: . Último acesso em: 26 de maio de 2007. FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE GRADUAÇÃO DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS. Resgatando espaços e construindo idéias: ForGRAD, 1997 a 2002. Niterói: EdUFF, 2002. FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS. Plano Nacional de Extensão Universitária. Ilhéus: Editus, 2001. (Coleção Extensão Universitária; v. 1) GOHN, Maria da Glória M. Assessoria aos movimentos populares: história, avaliação e significado político. Educação e Realidade, v. 16, n. 1, p. 65-77, jan./ jun. 1991. MACHADO, Anna Rachel. Uma experiência de assessoria docente e de elaboração de material didático para o ensino de produção de textos na universidade. Delta, v. 16, n. 1, p. 1-26, jan. 2000. MATOS, Marlise et al. Avaliação do programa Sentinela. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM/UFMG)/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Brasília, 2005. ROCHE, Chris. Avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs: aprendendo a valorizar as mudanças. São Paulo: Cortez/ABONG; Oxford, Inglaterra: OXFAM, 2000. SENNA FILHO, Arthur Ribeiro de. Organizações não-governamentais de assessoria popular, novos movimentos sociais, Estado e democracia. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 14, n. 45, p. 42-65, ago. 1994. SILVA, Maria das Graças Martins da. Extensão: a face social da universidade? Campo Grande: UFMS, 2000. SOUSA, Ana Luiza Lima. A história da extensão universitária. Campinas: Alínea, 2000. SOUSA, Carlos Ângelo de Meneses. Discurso e prática de assessoria como relações de poder. Cadernos do CEAS, Salvador, n. 193 , p. 33-51, maio/jun. 2001.

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Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG

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TUTTMAN, Malvina Tania. Extensão universitária: a construção de novos caminhos. In: DURHAM, Eunice R.; SAMPAIO, Helena (Org.). O ensino superior em transformação. São Paulo: USP/Núcleo de Pesquisa sobre o Ensino Superior, 2001. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Extensão. Relatório de atividades 2005-2006. Belo Horizonte: PROEX/UFMG, 2006. VASCONCELOS, Ana Maria de. Relação teoria/prática: o processo de assessoria/ consultoria e o Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 56, p. 114-134, mar. 1998.

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Palavras Finais

Reconhecendo a complexidade presente no fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, este livro não se trata de um trabalho fechado, mas uma etapa concluída no incessante processo de aproximação de um fenômeno que suscita e continuará a suscitar leituras, estudos, indagações, discussões e pesquisas. Trabalho de caráter teórico-prático, esta obra expressa o empenho de um grupo extenso de pessoas envolvidas, mobilizadas e comprometidas com a compreensão e o enfrentamento do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil. Agradecemos aos autores, formadores e educadores, responsáveis por tornar realidade uma vivência tão rica e positiva. A todos os colaboradores e parceiros; promotores de justiça; juízes e técnicos das varas criminais e do juizado da infância e juventude; conselheiros tutelares e de políticas públicas; polícias; equipes técnicas de diversos programas; gerentes, coordenadores e secretários da Assistência Social, da Educação, da Saúde, da Cultura e Esportes; representantes da sociedade civil; dirigentes e funcionários de organizações da sociedade civil, dos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, nossos sinceros agradecimentos.

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Palavras finais

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Ficamos também com a esperança que cada leitor encontre aqui elementos instigadores para aceitarem o desafio de continuarem buscando novas leituras a respeito do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e de permanecerem abertos para o seu enfrentamento. Desejamos que futuros projetos possam ser somados à expansão PAIR/MG, visando à continuidade do processo de fortalecimento à Rede de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil nos municípios mineiros.

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Sobre os Autores

Edite da Penha Cunha (Org.) É assistente social pela PUC/Minas, mestre em Ciência Política pela FAFICH-UFMG, membro do Núcleo de Apoio à Política de Assistência Social (NUPASS) e assessora técnica da Pró-Reitoria de Extensão da UFMG.

Eduardo Moreira da Silva (Org.) É graduado em Psicologia pela PUC/MG e Ciências Sociais pela UFMG, mestre e doutorando em Ciência Política (UFMG) e membro da equipe de coordenação da Expansão do PAIR/MG.

Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti (Org.) É assistente social pela PUC/Minas, doutora em Sociologia pela Universidade Católica de Louvain – Bélgica, professora aposentada da Faculdade de Educação (UFMG). A partir de 2005 é assessora de Programas e Projetos de Formação de Educadores Populares e Educadores de Jovens e Adultos (EJA).

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben É doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais GAME, da FaE/UFMG, e professora da Linha de Pesquisa Políticas Públicas e Avaliação do Programa de Pós-graduação em Educação da FaE-UFMG/Pró-Reitora de Extensão da UFMG – gestão 2006-2010.

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Sobre os autores

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Eleonora Schettini M. Cunha É assistente social da UFRJ, especialista em Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela UFPA, especialista em Política Social e Serviço Social pela UNB, mestre e doutoranda em Ciência Política pela UFMG. É assistente social da UFMG e membro do Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento da Política de Assistência Social – NUPASS (UFMG).

Geovânia Lúcia dos Santos É bacharel e licenciada em História e mestre em Educação pela UFMG, com ênfase em Educação de Jovens e Adultos. Atua no campo da pesquisa acadêmico-científica, tendo trabalhado como pesquisadora iniciante e assistente em pesquisa no campo de História, da Histporia demográfica, da Educação e das tradições culturais e religiosas de matriz afro-brasisleira. Atualmente é professora na Fundação Cultural de Pedro Leopoldo.

Geralda Luiza de Miranda É mestre e doutoranda em Ciência Política pela FAFICH/UFMG, analista de Políticas Públicas, licenciada da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte e bolsista da CAPES.

Helena Hemiko Iwamoto É enfermeira, mestre e doutora em Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, professora adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e membro do Núcleo de Pesquisa em Saúde Coletiva.

Janete Ricas É médica pediátrica, mestre e doutora em Pediatria e professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.

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Joana Domingues Vargas É doutora em Sociologia pelo Instituto de Pesquisas Universitárias do Rio de Janeiro (IUPERJ), com pós-doutorado pela Universidade do Texas, em Austin (UT). Professora adjunta da UFMG e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP. É coordenadora da equipe de pesquisadores que realizou o diagnóstico do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e da rede de proteção à criança e ao adolescente.

José Joesso Alves Pereira É pedagogo graduado na Universidade FUMEC, em Belo Horizonte-MG, pós-graduado em Educação Inclusiva pela Universidade Castelo Branco-RJ, pedagogo da Rede Municipal de Ensino de Itaobim-MG, professor de Educação Artística da Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais e coordenador do PAIR, em Itaobim-MG.

Klarissa Almeida Silva É cientista social, com mestrado em Sociologia pela UFMG, e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP.

Kleber Queiroz É bacharel em Direito pela PUC/Minas e pós-graduando em Direito Público. É servidor público do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Mara Vasconcelos É cirurgiã-dentista, mestre em Educação e doutora em Odontologia Social. É professora do Departamento de Odontologia Social e Preventiva da Faculdade de Odontologia da UFMG.

Miguir Teresinha V. Donoso É enfermeira especialista em Enfermagem do Trabalho, mestre em Enfermagem e doutora em Ciências da Saúde – área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente. É professora do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da UFMG.

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Sobre os autores

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Paula Cambraia de Mendonça Vianna É enfermeira, mestre em Enfermagem e doutora em Enfermagem – área de concentração: Políticas Públicas e Saúde Mental. Atualmente é professora da Escola de Enfermagem da UFMG.

Rennan Mafra É relações públicas, consultor e mestre em Comunicação Social pela UFMG. Atualmente é professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG, doutorando em Comunicação Social pela mesma Universidade e coordenador de Comunicação do Programa Pólos de Cidadania, da Faculdade de Direito da UFMG. É co-autor de Comunicação e estratégias de mobilização social, e autor do volume Entre o espetáculo, a festa e a argumentação: mídia, comunicação estratégica e mobilização social.

Ricardo Silvestre da Silva É assistente social, mestre em Serviço Social pela UFRJ e professor assistente de Serviço Social na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. É coordenador da pesquisa: Diagnóstico da Exploração Sexual Infanto-Juvenil na Microrregião de Teófilo Otoni.

Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira É membro integrante do Eixo Protagonismo Juvenil do PAIR/MG.

Rosemary Alves dos Santos Nascimento É psicóloga graduada e pós-graduada em Psicopedagogia na Universidade Braz Cubas-SP, e em Educação Inclusiva pela Universidade Castelo Branco-RJ. Atua como psicóloga da Rede Municipal de Ensino de Itaobim-MG e da Casa da Juventude – ONG, desde 2005. É membro da COL (Comissão Operativa Local) do PAIR, em Itaobim-MG.

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Sybelle de Souza Castro Miranzi É enfermeira, mestre em Epidemiologia pela Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ, doutora em Enfermagem em Saúde Coletiva pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e professora adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

Vanessa Henriques Pinto É psicóloga e consultora técnica em Saúde Pública e Saúde do Adolescente, e formadora do Programa Escola que Protege e da expansão do PAIR/MG.

Walter Ude É professor adjunto da Faculdade de Educação – FAE/UFMG e membro do Núcleo de Estudos do Pensamento Complexo – NEPPCOM.

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A presente edição foi composta pela Editora UFMG e impressa pela Gráfica e Editora O Lutador em sistema offset, papel offset 90g (miolo) e cartão supremo 300g (capa), em novembro de 2008.

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