Enoturismo e periferia: um estudo de caso no Vale dos Vinhedos (RS)

June 5, 2017 | Autor: Joice Lavandoski | Categoria: Tourism Studies, Tourism Management, Wine Tourism
Share Embed


Descrição do Produto

Enoturismo e periferia: um estudo de caso no Vale dos Vinhedos (RS) Hernanda Tonini Mestre em Turismo (UCS) Docente do Instituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai e da Faculdade Anglo-Americano Passo Fundo. Joice Lavandoski Mestre em Turismo (UCS) Docente da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul RESUMO Com base em estudos sobre as conseqüências da atividade turística, o presente artigo visa a analisar os bairros no entorno de um dos principais destinos turísticos do Rio Grande do Sul: o Vale dos Vinhedos. A localidade, um espaço geográfico delimitado inserido em três municípios gaúchos (Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul), desenvolve o enoturismo, cujo motivo principal está centrado no vinho e na região produtora como um todo. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com turistas e com a comunidade periférica, a fim de verificar suas percepções quanto ao modelo de desenvolvimento do Vale dos Vinhedos e a ocupação territorial. Os resultados da pesquisa apontam a formação de periferias, espaços que crescem de forma desordenada e sem a atenção do poder público. Palavras-chave: enoturismo, Vale dos Vinhedos, periferia, território.

1 INTRODUÇÃO A sociedade se transforma a partir da transformação dos indivíduos que nela interagem e desenvolvem novas idéias a respeito dos mais diversos assuntos ou, ainda, criam novos temas que se enquadram na experiência da atualidade. Seja no campo econômico, político, cultural, o processo de mudança é dinâmico e impõe padrões e normas que as pessoas adotam como universais.

Tais transformações geram consequências positivas e também negativas que podem ocorrer simultaneamente: enquanto uma pessoa se beneficia de determinada situação, outra tem prejuízos devido à mesma situação. No turismo isto pode ser percebido de inúmeras formas, pois os interesses são diversos e por vezes antagônicos. Enquanto o turista busca a satisfação de um desejo, o empresário pretende manter seu negócio economicamente, e o residente muitas vezes sofre problemas como, por exemplo, de infraestrutura e elevação de preços devido ao grande número de visitantes. Pelas propriedades e características que o turismo possui, Cruz (2001) afirma que o mesmo consome espaço e possui a capacidade de organizar sociedades e condicionar o (re) ordenamento do território para que o turismo aconteça. Enquanto mais uma forma de consumo que visa satisfazer desejos através de diferentes tipologias, o turismo acaba gerando ou intensificando desigualdades sócioeconômicas. A partir da ótica da transformação do território, o presente artigo analisa o desenvolvimento e a formação de periferias no Vale dos Vinhedos, importante destino enoturístico do Brasil, localizado no estado Rio Grande do Sul.

2 Transformação do território e formação de periferia Toda ocupação humana envolve construções e des-construções, continuidades e descontinuidades, processos complementares – positiva ou negativamente – do entorno natural em que vivemos e que para análise devem ser definidos no tempo e no local. Ao pensar a sociedade atual, é importante uma reflexão a respeito da ação do indivíduo no seu meio e também a relação deste indivíduo com o espaço a sua volta. Relação esta que provoca transformações neste espaço, criando um conjunto de características que confere diferenciais para cada local. Na concepção de Santos (1997), o termo “espaço” refere-se a muito mais que apenas uma localidade. O autor defende que espaço é o conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente, que se manifestam através de processos e funções. O espaço não é um simples produto, mas sim uma série de coisas produzidas, seus significados e o modo como coexistem. Desta forma, não pode ser entendido apenas como uma área geográfica específica, pois nele – o espaço – se concentram aspectos tangíveis e intangíveis, pré-existentes na natureza e transformados pelos seres humanos com o passar do tempo.

De acordo com Barrios (1986, p.19), “o espaço socialmente construído compreende o conjunto de elementos materiais transformados pelas práticas econômicas, apropriados pelas práticas políticas e constituídos em significações pelas práticas cultural-ideológicas.” Assim, o espaço agrupa aspectos concretos, fornecidos pela natureza em si, e características subjetivas, simbólicas, construídas pela ação do indivíduo. Cada local possui um significado próprio a partir de características identitárias específicas de cada povo que habita uma área, fazendo com que o espaço esteja em permanente evolução, sofrendo a ação de fatores internos e externos (SANTOS, 1997). Estas definições propostas para espaço, na visão de Haesbaert (2004) dizem respeito ao termo território, cujo foco do conceito depende da área de interesse. O autor afirma que existem definições relacionadas à política (território enquanto espaço delimitado, onde se exerce um poder, geralmente do Estado), à cultura (quando é produto da apropriação simbólica por um grupo), à economia (como fonte de recursos e parte integrante da discussão das classes sociais) e ao modo natural (baseado na relação entre o comportamento do homem e a natureza). Haesbaert acredita ser o mais correto utilizar um conceito amplo para o território, integrado e articulado, abrangendo os elementos materiais – a terra em si – e os símbolos criados. Para evitar o uso inadequado dos termos, Santos e Silveira (2002) apontam que território é uma extensão de terra apropriada e usada, transformada pela ação do indivíduo – uma das partes que formam o espaço, enquanto este lida com as relações subjetivas derivadas deste uso e apropriação. Para os autores: As configurações territoriais são o conjunto dos sistemas naturais, herdados por uma determinada sociedade, e dos sistemas de engenharia, isto é, objetos técnicos e culturais historicamente estabelecidos. As configurações territoriais são apenas condições. Sua atualidade, isto é, sua significação real, advém das ações realizadas sobre elas (SANTOS; SILVEIRA, 2002, p.348).

Neste sentido, faz-se fundamental analisar a transformação do território a partir de um recorte espacial e temporal, delimitando uma área de estudo e a situação do momento em que é analisado, não desconsiderando os aspectos históricos que contribuíram para a re-construção do espaço. Parte destas transformações podem ser identificadas nas cidades e na forma como a sociedade organiza a ocupação do seu território. Segundo Rossini (1986), como parte da organização do espaço, surge a separação dos trabalhos agrícolas e não-agrícolas; ou seja, o

urbano e o rural. Cada qual com características pecualiares que até pouco tempo atrás possuíam visíveis e marcantes limites. Nos últimos anos estas barreiras estão diminuindo e o modelo urbano expande-se para a área rural. Atualmente rural não pode ser entendido apenas como o local que trabalha exclusivamente com a terra. Existem outras atividades realizadas no campo, transformando o modo de uso da terra, como é o caso do agronegócio, que comercializa o produto agrícola em escala global. Para Silva (2001), o campo é o grande reduto da propriedade privada capitalista, que utiliza a terra e seus trabalhadores de modo exploratório, como é visto na indústria. Sob a ótica de Silva, a terra pode ser comercializada, enquanto o espaço não. No caso da atividade turística, é possível verificar que o próprio espaço é comercializado, através das relações sociais e culturais existentes na localidade e exploradas na forma de atrativos turísticos. Cada município brasileiro possui autonomia para definir sua área urbana e rural, através do Plano Diretor, além de regulamentar a ocupação e uso do solo. As inúmeras transformações no território são provenientes da aplicação da força de trabalho e da reprodução do modo capitalista de geração e acúmulo de riquezas (SILVA, 2001). O capitalismo gera relações entre dominantes e dominados, incluídos e excluídos. Os excluídos, sem condições de adquirir terras e vivendo em piores condições, lutam para viver dignamente, em busca de terra para moradia ou para trabalhar. Neste processo evidente na sociedade atual, a opção que resta aos excluídos é, na maioria das vezes, invadir territórios e construir sua base familiar na ilegalidade, com a formação de zonas periféricas. O processo de modernização e o avanço tecnológico não é capaz de homogeneizar o espaço, pelo contrário, acentua as diferenças e produz uma exclusão cada vez mais crescente. A ocupação do território nas cidades sofre com a desorganização proveniente do uso de locais inadequados, por motivos diversos. As oportunidades dos indivíduos de terem acesso aos bens, por sua vez, é diferente. No caso da habitação, quem não possui renda suficiente não está apto a adquirir casa própria e em muitos casos, sequer pode alugar um imóvel. Como a moradia é uma das necessidades básicas, a opção é invadir terras privadas ou de proteção pública onde os moradores produzem seu próprio espaço, como estratégia de sobrevivência (CÔRREA, 1999). Desta forma, constroem-se o que Haesbaert chama de “aglomerados de exclusão, espécie de amontoados humanos, instáveis, inseguros e geralmente imprevisíveis na sua dinâmica de exclusão” (HAESBAERT, 2004, p.314). Neste processo de exclusão, os moradores instalam-se em terrenos que seriam inadequados para outras pessoas, localizados

em encostas íngremes e áreas alagadiças, com proximidade da atividade industrial (CÔRREA, 1999). Para Abreu (1986), esse processo ilegal não é espontâneo, mas sim, forçado pela lógica do modo de produção capitalista, fazendo com que a mão-de-obra fique mais próxima, tornando-se de menor custo. Com a alteração da área de produção, migrando do campo – terra – para a cidade – indústria – burgueses e operários também migraram. A evolução das cidades aponta para a existência de espaços diferenciados: o centro povoado pelos mais abastados e a periferia, locais densos, situados nos arredores que servem de moradia para uma população de menores condições econômicas. A formação de periferias pode ser estimulada tanto pelo poder público, com a implantacão de conjuntos residenciais, ou privado através da realização de loteamentos populacionais (SPOSITO, 2004). Na concepção de Grostein (2001), existe um padrão no processo de expansão, que forma um espaço dual: a cidade formal, que concentra os investimentos do poder público, e a cidade informal, que cresce na ilegalidade, sem o acompanhamento do poder público e reforçando as diferenças sócio-ambientais e econômicas. Segundo Paviani, as periferias são: A materialização de mecanismos de exclusão/segregação, tais como: habitações insuficientes e de má qualidade, inexistência de infraestruturas básicas, baixa possibilidade de acesso rápido e confortável aos lugares de trabalho, malha viária e equipamento de transporte coletivo deficientes, etc. (PAVIANI, 2002, p.182).

No entanto, o autor aponta que nas últimas décadas percebe-se um esforço entre proprietários de terras e poder público no intuito de tornar atrativos territórios que seriam invadidos, propiciando novas formas para seu uso. Com relação à construção da periferia, Sposito afirma: O que se observa é a justaposição contraditória de conjuntos habitacionais implantados pelo poder público, loteamentos populares, cuja paisagem urbana resulta da auto-construção, e loteamentos voltados aos de maior poder aquisitivo, alguns fechados e controlados por sistemas de segurança particulares (SPOSITO, 2004, p.116).

Ao analisar a ocupação territorial, não se pode deixar de lado o uso do mesmo enquanto fonte de renda. Na atual era do consumo, a terra é um bem natural que acaba transformando-se em mercadoria, conforme observado anteriormente. Uma das formas de

consumo crescente na atualidade é o turismo, e na visão de Cruz (2001), o espaço é o principal objeto de consumo da atividade, que não pode ser desvinculada de objetos e ações, de fixos e fluxos.

3 Enoturismo: aspectos introdutórios Partindo da segmentação do turismo, que objetiva satisfazer os diferentes desejos dos consumidores, surgiu nas últimas décadas o chamado enoturismo, cujo produto turístico central é o vinho e sua região produtora. Na concepção de Hall e Macionis (1998), o enoturismo é caracterizado pela visitação aos vinhedos, cantinas, festivais vinícolas e exposições de vinhos, por aqueles cujo gosto pelo vinho e pela uva e/ou conhecer as características de uma região vitivinícola são os principais fatores motivacionais dos visitantes. Enquanto o vinho é um importante atrativo motivacional para o turismo, para a indústria vinícola essa é uma forma de construir relações com os clientes que podem experimentar e conhecer os produtos nas diferentes fases da produção. Embora as características do enoturismo estejam relacionadas ao ambiente rural, ligado ao plantio da uva, Falcade (2004) afirma que enoturismo é o deslocamento de pessoas cujas motivações relacionam-se à uva e ao vinho, podendo localizar-se em área urbana ou rural. O ambiente que cerca o enoturismo inclui infraestrutura, área física, paisagem, gastronomia regional, além de componentes sócio-culturais da região, criando o terroir do enoturista, ou seja, as características particulares do local. Os acordos institucionais abrangem não apenas o nível governamental, mas também as questões de legislação, regulamentações e planejamento (HALL et al, 2004). Pelas características da atividade enoturística, é necessário conservar e valorizar o território agrícola e particularmente vitivinícola, propondo novas formas de viagens associadas às visitas em vinhedos e degustações de vinhos e gastronomia típica, compartilhando um pouco da realidade da comunidade ao apropriar-se de suas tradições e de seu patrimônio histórico-cultural (CORIGLIANO, 2000). Na tentativa de minimizar os impactos e garantir o desenvolvimento das rotas enoturísticas, Corigliano (2000) identifica a importância da existência de uma sintonia entre o setor público e o privado, que deve resultar no respeito a três fatores em especial: o produto vitivinícola, mantendo sua qualidade e a imagem local; o ambiente de produção, com as tradições e o conhecimento na produção de vinhos; e por fim, o território, possuindo

conotação histórica, cultural e paisagística particulares, sendo uma alternativa para o modelo de vida urbano, de consumo massificado e padronizado. Porém, esta “sintonia” citada por Corigliano (2000), na maioria da vezes, não é a realidade de locais turísticos ou com potencial para desenvolver o turismo.

3.1 Enoturismo no Brasil As vinhas foram introduzidas no Brasil pelos portugueses desde seu descobrimento, em 1500. No entanto, a concretização da vitivinicultura veio a ocorrer após o processo migratório, a partir da década de 1970, quando um grande contingente de europeus deslocouse para o país, na tentativa de abandonar a miséria lá caracterizada e encontrar uma nova chance em outros locais. Com a fixação dos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, o cultivo da uva ganhou expressão e saiu da produção para consumo local para ser comercializado para cidades maiores (DE PARIS, 1999) e, mais recentemente, o mundo. Durante o século XX, foram organizadas cooperativas entre os produtores da região da Serra Gaúcha, objetivando melhorar a comercialização de seus vinhos. No entanto, este propósito não foi realmente atingido no decorrer das décadas seguintes e, a partir de 1970, com o descontentamento na margem de lucro sobre o vinho, os associados buscaram novas alternativas. Com isso, utilizaram as uvas para a produção de vinhos próprios, iniciando um processo de formação de pequenas vinícolas. Um dos locais de destaque da produção nacional vitivinícola é o Vale dos Vinhedos – nome devido aos imensos parreirais existentes – inicialmente um distrito pertencente à cidade de Bento Gonçalves (DE PARIS, 1999). Atualmente, a área de 8.122, 95 ha., abrangendo 3 municípios (Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul) possui o selo de Indicação de Procedência de seus produtos, obtido através da Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (APROVALE). Paralelamente, os proprietárioas das vinícolas perceberam no turismo mais uma forma de melhorar a comercialização de seus vinhos, investindo no desenvolvimento da atividade enoturística e divulgando a rota Vale dos Vinhedos, que recebe anualmente em torno de 150 mil visitantes. A APROVALE possui 31 vinícolas associadas e 39 associados não produtores de vinhos (APROVALE, 2009). No último levantamento realizado, a região possuía 10,01% de área urbana (uso urbano em meio rural, solo exposto e sistema viário), 43,03% de mata nativa, 20,82% de área agricultada e 26,14% do território com plantio de vinhedos (FALCADE; MANDELLI, 1999).

Porém, nos últimos anos, a paisagem da região vem sendo modificada através da ocupação territorial, muitas vezes, de forma irregular, sem o devido cuidado por parte do poder público e da iniciativa privada.

4 Procedimentos metodológicos Diferentes instrumentos foram utilizados no intuito de atingir os objetivos da pesquisa. Assim sendo, a busca por recursos bibliográficos mostrou-se fundamental para compreensão do objeto de estudo. Para evitar entendimentos equivocados, foi utilizado o conceito de periferia apontado por Paviani (2002). Partindo das reflexões de diferentes autores em torno de espaço e território, utilizou-se para este artigo a concepção de território apresentada por Santos e Silveira (2002). Para concretização do presente estudo de caso, partiu-se da aplicação de questionários semi-estruturados com 30 turistas presentes no Vale dos Vinhedos e 28 moradores dos bairros periféricos ao Vale: bairro Pomarosa II, Municipal, Conceição e Tancredo Neves, todos localizados na cidade de Bento Gonçalves. Os dados obtidos foram tabulados estatisticamente e analisados quali e quantitativamente. Como suporte, utilizou-se também imagens de fotografias, no interesse de se ter uma melhor visualização quanto à ocupação do território em análise.

5 Resultados Os dados obtidos na pesquisa apontam que os itens segurança, educação e lazer apresentaram os piores índices para os entrevistados nas comunidades, seja por não existirem no bairro pesquisado ou pela qualidade ser ruim. Os entrevistados não sentiam-se à vontade quando questionados sobre segurança, demonstrando receio. Informados que não seriam divulgados os nomes dos entrevistados, a grande maioria respondeu que a polícia chega nos bairros apenas em casos de denúncia, devido ao tráfico – pontos de comercialização de drogas – e na busca de responsáveis por assaltos ou homicídios. Um dos entrevistados ficou comovido ao lembrar do filho, que se envolveu com drogas e foi assassinado, sendo o corpo “desovado” no próprio bairro. Em termos de saúde, apenas um bairro possui posto de saúde, no entanto nos demais, este aspecto foi considerado bom devido à presença de agentes de saúde, responsáveis por

ações de vacinação e prevenção. Também os itens coleta de lixo, iluminação, comunicação, estrutura viária e transporte coletivo foram considerados bons pela maioria dos respondentes. Os bairros Conceição, Tancredo Neves e Pomarosa II possuem infraestrutura adequada de saneamento. No Municipal não existe esgoto encanado nas casas. Como este bairro localiza-se no alto de um morro, o esgoto escoa a céu aberto, em um córrego. Apesar do bairro Pomarosa II possuir esgoto encanado em todas as residências, em frente à comunidade foi instalado o transbordo do lixo (“lixão”) da cidade de Bento Gonçalves, local onde são deixados os materiais descartados pelo restante da população. Também neste ponto, existe um esgoto proveniente de outros bairros da cidade que não possui tubulação, sendo um risco principalmente para as crianças em suas brincadeiras. Além disso, há reclamação com relação ao mau cheiro e excesso de insetos como moscas. Ainda nesta comunidade, a prefeitura realizou um projeto, denominado “Projeto Arcoíris”, cuja ação principal consistia em fornecer material de construção aos moradores para pintura de casas e assim deixar um dos acessos à região turística do Vale dos Vinhedos mais bonito. Segundo o vice-presidente da associação do bairro, tal projeto está parado desde a troca de prefeitos. Embora identificado através das pesquisas, muitas irregularidades nossos bairros pesquisados, para os turistas o item limpeza foi classificado entre ótimo e bom. Enquanto a renda (familiar) da maioria da população no entorno do Vale é de 1 a 3 salários mínimos (53%), a maioria dos turistas entrevistados possui renda (individual) acima de 6 salários mínimos (73%). Além disso, a maioria dos entrevistados nas comunidades não conhece as vinícolas da rota enoturística Vale dos Vinhedos, grande parte não possui benefício direto com o turismo e apenas 7% trabalham no Vale. Para 57% dos entrevistados na comunidade a região turística está em desenvolvimento, frente a 32% que considera já ser uma região desenvolvida. Da mesma forma, a maioria dos turistas (57%) acreditam estar em desenvolvimento. Quando questionados sobre a instalação de indústrias no Vale, 61% consideram isto correto, pois gera mais empregos e com isso, mais oportunidades para os moradores locais. Por outro lado, 67% dos turistas responderam não ser adequada a instalação de indústrias, pois acabará descaracterizando a rota, por vez a paisagem, gerando poluição e podendo afetar os vinhedos. Com relação à área de cultivo de parreirais, esta deveria permanecer com a quantidade que está para 36% dos respondestes na comunidade e para 29% esta área poderia aumentar, pois este é o objetivo e a atração principal do local. Esta mesma pergunta foi feita para os

turistas apresentando resultados similares: a maioria deles (43%) acha que a área com parreirais deveria pemanecer como está e para 40% poderia aumentar. A maioria dos turistas entrevistados respondeu que itens como precariedade de infraestrutura básica, ocupação irregular do território, locais públicos de lazer, falta de envolvimento do poder público e tráfico de entorpecentes, contribuem para formação de periferias. No entanto, quando questionados sobre a existência de pobreza no Vale, a maioria (70%) não a identifica e considera organizado o crescimento (60%) e a ocupação do território local (57%). Além da existência de uma zona periférica com características de pobreza, identificase um loteamento privado – e fechado com muros – no entorno do Vale, cujos terrenos são comercializados para fins residenciais, para pessoas com maior poder aquisitivo, o que exemplifica a colocação de Sposito (2004) em relação aos conjuntos habitacionais. Os resultados das pesquisas apontam para a ocupação irregular – ilegal – do solo no entorno do Vale, pois de acordo com o Plano Diretor, os terrenos periféricos são parte de Área de Preservação Permanente (APP) e lotes rurais. Com a construção das casas sem infraestrutura inicial, foi necessário que o poder público regularizasse a situação com o passar dos anos, disponibilizando saneamento, iluminação, estrutura viária, entre outros itens básicos. Na comunidade do Municipal este trabalho de regularização ainda não foi feito e os moradores não possuem escritura dos terrenos. No caso do bairro Pomarosa I, o local é parte de doação de uma indústria próxima, e alguns terrenos do bairro Conceição – conhecido por Vila Operária – foram doados há anos atrás pela prefeitura, ambos os casos caracterizando a influência da lógica do modo de produção capitalista, conforme afirma Abreu (1986). Outra pergunta feita aos moradores foi em relação ao seu bairro pertencer a região turística Vale dos Vinhedos. Uma metade (46%) afirmou seu bairro pertencer ao Vale dos Vinhedos e, o mesmo percentual de respondentes (46%) apontou que seu bairro não pertence a região turística. Na visão de 71% dos moradores entrevistados, o poder público deveria investir, antes de mais nada, nos serviços públicos dos bairros periféricos. Cada bairro que contemplou a pesquisa possui seu líder comunitário. Estes líderes representam os objetivos e interesses de cada bairro junto aos órgãos do governo municipal, no entanto, suas necessidades não são de todo atendidas.

6 Considerações finais Ferramentas para planejar e organizar o território são fundamentais para o melhor uso do mesmo, mas nem todo o espaço de uma cidade ou seu entorno é planejado. O planejamento urbano, embora denote forte relação exclusiva do espaço considerado urbanizado, deve vincular-se também ao meio rural. Para que este planejamento efetivamente aconteça é fundamental a participação da comunidade em conjunto com os órgãos competentes e os empreendedores locais, a fim de estudarem políticas adequadas e eficazes a serem tomadas, no intuito de uma vivência mais digna a todos. Durante a realização da pesquisa, em diferentes momentos tornou-se possível enfatizar a atividade turística como um hábito de consumo de elites, que pouco ou nada conhecem acerca das dificuldades e necessidades da comunidade visitada. Será que existe uma “mascaração” da realidade, se referindo, po exemplo, na intenção do “Projeto Arco-íris”, em pintar as casas e deixá-las mais belas, enquanto seus moradores convivem lado a lado com o lixo e a violência? Ou será a enganação que o próprio turista faz consigo mesmo, evitando olhar a realidade que ele mesmo acredita? Se para o turista entrevistado, questões como falta de infra-estrutura básica, ocupação irregular do território e tráfico de entorpecentes são responsáveis por tornar locais de pobreza, por que este mesmo visitante não percebe a periferia necessitada que se forma no Vale dos Vinhedos? Será pura e simplesmente por que seu âmbito geográfico é menor que a Favela da Rocinha, por exemplo? Quem ganha com isso? O turista? A comunidade local? A iniciativa privada? A literatura é farta quando o assunto é a participação da comunidade nos benefícios do turismo, no entanto essa não é a realidade da atividade turística na região pesquisada, onde os residentes próximos sequer conhecem in loco os motivos que trazem os visitantes. Identificou-se, perante a aplicação dos questionários nas periferias do Vale dos Vinhedos, a existência de líderes comunitários que seriam responsáveis por intermediar os interesses da comunidade com as ações do poder público local. Porém, a representação das necessidades locais não vem obtendo retorno por parte dos governantes. Outro fator de destaque é o desenvolvimento desordenado da região em estudo, cujo crescimento vem acontecendo sem o devido planejamento e cuidado por parte dos órgãos municipais. Com o crescente número de visitantes na região, novas situações surgiram, como o enoturismo, o amadurecimento dos empreendimentos comerciais existentes, o investimento de

novos empreendimentos, um crescente interesse de empresas multinacionais, a melhoria no acesso ao local com a pavimentação das principais vias de acesso ao Vale, a especulação imobiliária através da construção de condomínios residenciais de luxo, como também de novas instalações comerciais. Tais fatores promovem a supervalorização de terras e uma rápida e constante modificação do território do Vale dos Vinhedos. A periferia, que cresce na ilegalidade e com precariedade de infra-estrutura é uma realidade crescente no entorno do Vale e é fundamental analisar os problemas da região no intuito de solucioná-los, buscando princípios mínimos para uma sobrevivência digna, ao invés de mascará-los. Antecipar ocupações irregulares é possível através de ações que envolvam planejamento integrado, propiciando alternativas mais adequadas em termos de moradia à população carente. Do contrário, todos ficam no prejuízo: o morador local, que não tem suas necessidades sanadas; o turista, que vive uma enganação turística e não uma atração; o empresário, que vê seu cliente afastando-se devido a transformações negativas; e, por fim, o poder público, que cresce no descrédito quanto a ser uma instituição imparcial que busca o bem-estar coletivo. 7 Referências bibliográficas ABREU, Maurício de Almeida. O crescimento das periferias urbanas nos países do Terceiro Mundo: uma apresentação do tema. In: SOUZA, Maria Adélia A de. & SANTOS, Milton (Org.). A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986, p. 61-70. APROVALE. Disponível em http://valedosvinhedos.com.br. Acesso em 10 de agosto de 2009. BARRIOS, Sonia. A produção do espaço. In: SOUZA, M. E SANTOS, M (org). A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986. CORIGLIANO, Magda Antonioli. Strade del vino ed enoturismo: distretti turistici e vie di comunicazione. Milano, Itália: Franco Angeli, 2000. CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. Rio de Janeiro: Ática, 1999. CRUZ, Rita de Cássia. Política de turismo e território. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2001. DE PARIS, Assunta (coord.). Memórias: Bento Gonçalves – 109 anos. Bento Gonçalves: Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves, Arquivo Histórico Municipal, 1999. FALCADE, Ivanira. Enoturismo nas regiões vitivinícolas Serra Gaúcha e Vale dos Vinhedos (Brasil). In: XVII Encontro Nacional de Geografia Agrária. Gramado, 2004.

FALCADE, Ivanira; MANDELLI, Francisco. (Orgs.) Vale dos Vinhedos: caracterização geográfica da região. Caxias do Sul: EDUCS, 1999. GROSTEIN, Marta Dora. Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”. São Paulo em Perspectiva. Vol.15. n.1. São Paulo, Jan/Mar, 2001. HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. HALL, C. Michael et al. (Org.). Wine tourism around the world: development, management and markets. Oxford: Elsevier Butterworth-Heinemann, 2004. HALL, C. Michael. MACIONIS, Niki. Wine tourism in Australia and New Zealand. In: BUTLER, R. HALL, C. Michael. JENKINS, J. Tourism and recreation in rural áreas. New York: John Wiley & Sons, 1998. PAVIANI, Aldo. A lógica da periferização em áreas metropolitanas. In: SANTOS, Milton; SOUZA Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura. Território – Globalização e Fragmentação. São Paulo: Editora Hucitec, 2002, p. 182-190. Plano Diretor de Bento Gonçalves. IPURB. 2006. ROSSINI, Rosa Ester. A produção do novo espaço rural: pressupostos gerais para a compreensão dos conflitos sociais no campo. In: SOUZA, Maria Adélia A. De; SANTOS, Milton (Orgs). A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986. SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1997. SANTOS, Milton. SILVEIRA, M.L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2002. SILVA, Lenyra Rique da. A natureza contraditória do espaço geográfico. São Paulo: Editora Contexto, 2001. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Novos conteúdos nas periferias urbanas das cidades médias do estado de São Paulo, Brasil. Investigaciones Geograficas, agosto, n.54. Universidad Nacional Autónoma de México. México. P. 114-139.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.