Enquanto as Panelas Batem

July 6, 2017 | Autor: Lucas Rezende | Categoria: Political Science, Brasil
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SEGUNDA-FEIRA, 08.06.201

LUCAS PEREIRA REZENDE* Enquanto as panelas batem

E

ra uma vez um país chamado Eldorado, uma república de bananas latino-americana. A história a seguir acontece nele. É um relato de uma magistral orquestração para a derrubada de sua presidenta, conduzido pelo maior partido do país e suas forças conservadoras. Enquanto a sociedade de Eldorado se divide entre os pró e os contra da presidenta Nilma, em um prolongamento da campanha de 2014, um jogo político para a tomada do poder se dá na capital, Variant, pelas mãos do maior partido do país, o PMDE. A genial orquestração certamente entrará para a história política de Eldorado mas não por sua ética ou contribuição ao país. Os grandes articuladores do jogo: Don Temor, vice-presidente da República; Edward Punha, presidente da Câmara dos Deputados; e Ronan Bandarrilheiros, presidente do Senado. A trama é simples, e vem sendo jogada genialmente: provocar derrotas à presidenta, em diversos tabuleiros, que levem a um engessamento do governo e, por fim, à sua renúncia.

De um lado, Punha pauta a agenda do Congresso em temas de desagrado da presidenta. Por exemplo: a reforma política fora dos padrões defendidos pelo partido do governo, a PL da terceirização, o fator previdenciário, além da dificuldade para aprovar o ajuste fiscal. Ao mesmo tempo em que o governo tenta barrar os gastos, Punha propõe um shopping center para o parlamento, desviando a atenção e a agenda política da figura presidencial. Se o diálogo com Punha é difícil desde sua conturbada eleição, Ronan Bandarrilheiros, no Senado, fica com a função de fiel da balança: age como aliado quando Punha se exalta e provoca derrotas à presidenta quando a pauta é governista. Exemplo é a recusa da indicação do embaixador William Nacionalista para a Organização dos Estados Americanos, algo inédito na história de Eldorado. A articulação é bem feita: se algo pró-presidenta passa na Câmara, barra-se no Senado - e vice-versa. Assim, ninguém se compromete. A ideia é que se leve à presidência projetos mal estruturados ou distantes da pauta governista, para que sejam vetados integral ou parcialmente, causando mais desgaste pessoal à presidenta Nilma. Ao invés de um jogo em que há a possibilidade de vitória para um dos lados, os jogos levam apenas opções de derrota para o governo. No caso da PL da terceirização, por exemplo: se a presidenta a aprova, perde por completo a pouca conexão que ainda tem com os movimentos sociais. Se não a aprova,

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perde mais contato com um Congresso já bastante hostil, dificultando pautas futuras. Enquanto isso, Don Temor, na posição de articulador do governo, apresenta-se como interlocutor viável e racional em uma administração desgastada. Seu reconhecimento “em confessar os equívocos” cometidos no primeiro mandato é uma forma genial de queimar o já desgastado cacife da presidenta, como comandante das políticas de então, e apresentar-se como aquele que é capaz de gerir a partir de agora, em tom conciliador. A articulação das mesas das duas casas do Congresso em se alternarem nas derrotas à presidenta, somadas a um vice que já não demonstra querer salvar a reputação da titular do governo, fecha-se de forma perfeita: o PMDE surge como capaz de levar ordem ao caos deixado pelo partido da mandatária. Há o líder qualificado e conciliador em Don Temor, há o jogador propositivo em Edward Punha, e há o testa de ferro em Ronan Bandalheiros. Nessa genial articulação, até mesmo a oposição favorece o jogo. Ao insistir nas denúncias de corrupção que envolvem o partido da presidenta, em paralelo à Operação Lava Rápido, blinda-se a possibilidade de uma recuperação da imagem presidencial. Os escândalos que vêm da PetroEldorado, empresa onde Nilma se destacou na gestão do ex-presidente Pula da Silva, são mais uma forma de desgastar diretamente a presidenta, poupando seu articulador político, Don Temor.

Aliados também ajudam no jogo. A queda breve de ministros, a difícil relação com o ministro da Fazenda e o distanciamento que o próprio partido vem tendo de Nilma a deixam, cada vez mais, isolada. A própria movimentação para uma suposta nova candidatura do ex-presidente Pula serve para enfraquecer a presidenta, pois passa uma imagem de retorno necessário para reparar erros de sua sucessora. No Congresso, o partido luta mais para salvar sua própria legenda de escândalos do que o mandato presidencial. Todas as peças estão colocadas, e em forte avanço, para travar ganhos pessoais a Nilma, deixá-la isolada politicamente e engessada administrativamente. Até o momento em que, sem mais conseguir levar nada adiante, não haverá alternativa senão a renúncia, chegando ao ponto alto da trama. A aliados a opositores, o jogo mostrará que um novo líder, conciliador, legítimo, que entende o Congresso e é ciente das falhas do governo, então emergirá. A estratégia do PMDE não apenas é genial em sua concepção como magistralmente conduzida. Ao direcionar as derrotas pessoalmente para a presidenta Nilma, mina-se a mandatária por dentro. Cair por impeachment é arriscado, pois pode comprometer o vice, Don Temor. Mas pela renúncia, coroa-se nova liderança em tom de reconciliação e renovação. Chega-se, então, ao grande objetivo final do jogo. Para que Netflix se o Frank Underwood de Eldorado vem do Palácio do Uruburu?

SEGUNDA-FEIRA, 08.06.201

OBS.: Essa parábola é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou países reais é mera coincidência.

LUCAS PEREIRA REZENDE É CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UFSC E AUTOR DE “O ENGAJAMENTO DO BRASIL NAS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU” (ED. APPRIS, 2012)

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