ENSAIO - SERÁ A JUSTIFICAÇÃO NATURALIZADA?

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SERÁ A JUSTIFICAÇÃO NATURALIZADA? Maurício Cavalcante Rios A compreensão de que a crença é uma das condições para a possibilidade do conhecimento depende da justificação que pode ser realizada por processos confiavéis. A confiabilidade atribuída a uma crença pode gerar conhecimento desde que a justificação ofereça os processos cognitivos para que um sujeito ou uma comunidade a aceite. Contudo qual é a natureza da justificação? Para isso, devemos saber se é necessário prescrever padrões de justificação dessas crenças para o conhecimento ou se devemos “naturalizar” a justificação epistêmica. Dessa forma, o que significa padronizar ou naturalizar a justificação? Notemos que “naturalizar a justificação” não é o mesmo que “naturalizar a epistemologia” porque a importância, dessa última, ainda está em nos dizer qual é a melhor estrategia cognitiva para validar crenças, mantendo-a, assim, normativa, dizendo-nos o que “deve” ser feito em uma avaliação sobre o ato de conhecer. Contudo, o problema da normatividade, na justificação epistêmica, é central em um dos principais teóricos da Epistemologia Social, Alvin Goldman, porque há uma preocupação em não explicar a justificação em modelos ditos “cartesianos”. Uma crença é justificada pelo conjunto de processos que a tornam justificada, não implicando na existência de um argumento ou razão que um sujeito tem quando crê em algo (GOLDMAN, 1979, pp.89-91). De um modo geral, os modelos clássicos de justificação de crenças apresentam dificuldades quando os termos epistêmicos (por exemplo: “sabe que”, “vê que”, “apreende que”, “determina que”, dentre outros) aparecem em claúsulas de base: a) Se S crê que p no momento t, e p é indubitável para S (em t), então a crença de S em p em t está justificada; b) Se S crê que p em t, e p é auto-evidente, então a crença de S em p em t está justificada. Os termos epistêmicos (indubitável e auto-evidente, bem como, qualquer outro), adotados

amplamente

pelas

epistemologias

tradicionais,

normalmente,

traduzem

um

entendimento de que o sujeito (agente cognitivo de 1ª pessoa) que conhece tem o melhor e o mais confiável meio para acessar o conhecimento, uma capacidade infalível que, entretanto, se

compreendermos que tais termos epistêmicos derivam de processos externos que justificam crenças compartilhadas socialmente, então podemos dizer que a racionalidade epistêmica encontra-se não centrada no sujeito, mas na comunidade que pratica a percepção, memória e testemunho coletivamente. Um outro aspecto importante, para a análise das proposições que envolvem claúsulas de base, é que uma crença verdadeira não é garantia de ser justificada: “A verdade da proposição garante logicamente que a crença existe, mas por que haveria de garantir que a crença é justificada?” (GOLDMAN, 1979, p.93). Isso é explicado com a argumentação de que a justificação não está invulnerável ao erro, pode ocorrer o fato de termos crenças fortuitas e verdadeiras, porém sua justificação pode estar deficiente. Dessa forma, a justificação de uma crença pode não ocorrer por regras lógicas, mas, na maioria das vezes, pela confiabilidade que se dá aos mecanismos externos de produção de crenças que são causais. O confiabilismo histórico sustenta que o processo de formação de crenças seja causal, onde o termo “processo” significa uma “operação”, “processo funcional”1, um mapeamento dos estados que geram crenças, as justificam e gerem conhecimento. Contudo, se notarmos bem, existe uma falta de clareza sobre a natureza desse termo, visto que, apesar de Goldman afirmar que se trata de um “tipo”, mas não de um “exemplar” (1979, p.96), não esclarece se esse processo é um fenômeno físico-químico, mental ou social, embora o autor procure “naturalizar” a justificação. Podemos dizer também que, em Goldman, há uma espécie de concepção naturalista do conhecimento, mas não de uma concepção naturalista da epistemologia? Se a justificação, que é vista como um processo natural, pode garantir alguma confiança sobre crenças e gerar conhecimento, então por que não podemos considerar também o conhecimento como um fenômeno natural? A formulação básica de Goldman, “a crença de S em p é justificada se e somente se ela é causada (ou sustentada causalmente) por um processo cognitivo confiável, ou uma história de processos confiáveis” (1998, p.126), apresenta o confiabilismo, como uma teoria voltada para a justificação e não para uma epistemologia naturalizada ou alguma forma de naturalização do conhecimento, trata-se de um confiabilismo sobre a justificação e não sobre o conhecimento.

1

Cf. em “What is Justified Belief?”, Alvin Goldman, pp.95-98

REFERÊNCIAS GOLDMAN, Alvin. Epistemologia Naturalizada e Confiabilismo In: Cadernos de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. Ed. CLE/UNICAMP, Cad.Hist.Fil.Ci, Campinas, Série 3, v.8, n.2, p.1-206, jul-dez.1998 _______________. “What is Justified Belief?” In: Liaisons: Philosophy Meets the Cognitive and Social Sciences. Cambridge, Mass.; London: MIT Press, 1992, pp. 105-126.

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