Ensaio sobre território: integração de territorialidades para a construção do lugar

June 20, 2017 | Autor: Patricia Pohlmann | Categoria: Autonomy, Territoriality, Territory, Integration, Natural desasters
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Ensaio sobre território: integração de territorialidades para a construção do lugar Patricia Pohlmann (1) Lívia Salomão Piccinini (2) Luiz Carlos Pinto Silva Filho (3) Heleniza Ávila Campos (4) (1) Mestranda em Planejamento Urbano e Regional – PROPUR/UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected] (2) PROPUR/UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected] (3) CEPED/UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected] (4) PROPUR/UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Este trabalho apresenta de forma descritiva o conceito de território a partir da leitura do autor Marcelo Lopes de Souza (1995). O ensaio aborda as principais variáveis que o compõe, tais como, territorialidade, poder e autonomia. Foi adotada a abordagem descritiva pois o objetivo é um aprofundamento do conhecimento sobre o conceito, a fim de possibilitar sua aplicação em um estudo de caso. O estudo de caso utilizado para este ensaio é o trabalho de um grupo envolvido na atuação de proteção e defesa civil, relacionados a desastres naturais de origem hidrológica e geológica de onze municípios localizados no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Na aplicação do conceito, o ensaio discute as principais territorialidades geradas em torno da questão abordada pelo grupo, tendo como objetivo identificar a influência que as mesmas exercem na produção do espaço e do lugar. A metodologia adotada, busca identificar as principais territorialidades que atuam no lugar considerado para o estudo de caso, visando a aplicação dos conceitos e variáveis utilizados no ensaio. As conclusões pretendem encaminhar soluções que auxiliem na integração destas forças buscando uma descentralização territorial através do desenvolvimento de autonomia na construção do lugar. Palavras-chave: território; territorialidade; integração; desastres naturais. Abstract: This paper presents in a descriptive way the concept of territory taking from the author Marcelo Lopes de Souza (1995). This essay focuses on the key variables adopted by the author, such as territoriality, power and autonomy. The descriptive approach was adopted since the goal is to understand the concept in order to allow its application in a case study. The case study is based on a working group involved in the protection and civil defense operations, related to hydrological and geological natural disasters of eleven cities in the state of Rio Grande do Sul, Brasil. In the application of the concept, the essay discusses the main territorialities generated around the issue addressed by the group, aiming to identify the influence they have on the production of space and place. The methodology seeks to identify the main territorialities operating in the case study area, and aimed to applying the concepts and variables used in the assay. The findings are intended to forward solutions to assist in the integration of these forces seeking a territorial decentralization by developing autonomy in the construction of space and place. Key-words: Territory; territoriality; integration; autonomy; natural desasters.

1. INTRODUÇÃO O presente artigo busca abordar o conceito de território, buscando verificar a possibilidade de aplicação de variáveis ao estudo de caso. O caso escolhido apresenta territorialidades que podem ser exploradas através do trabalho chamado Oficina Regional Permanente de Proteção e Defesa Civil do Vale do Paranhana, Região das Hortênsias e Alto Sinos. Os agentes que formam este grupo de trabalho são

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técnicos do setor público e membros voluntários da Defesa Civil1 de onze municípios2 que integram a Bacia do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Dentre as diversas atividades desenvolvidas pelo grupo, são realizados encontros periódicos3 com os integrantes para discussão de questões relacionadas a desastres4 naturais de origem hidrológica e geológica, que ocorrem com frequência na região afetando comunidades e infraestruturas. Para embasar teoricamente a discussão, toma-se de forma descritiva, o conceito de território a partir da leitura de Marcelo Lopes de Souza (1995). O autor representa uma visão abrangente e completa sobre território no planejamento urbano. O objetivo do ensaio é entender de uma forma aprofundada o conceito para que suas variáveis possam ser utilizadas, posteriormente, com segurança. Além disso, pelo esforço de sua aplicação como ensaio teórico torna-se relevante compreender o conceito e sua relação com as territorialidades na construção do lugar. Desta forma, a partir da discussão dos conceitos e sua aplicação no estudo de caso, acredita-se que será possível compreender que “tipo de territorialidade” esta Oficina Permanente tem gerado e que importância ela tem para os municípios que a integram, assim como tentar identificar outras territorialidades que exercem influência, negativa ou positiva, na produção do espaço e do lugar, em questões relacionadas a desastres naturais de origem hidrológica e geológica. A metodologia foi desenvolvida através da descrição conceitual de território baseado no autor já citado onde se tentará extrair as principais variáveis. Posteriormente o estudo buscará descrever o objeto de análise a partir do documento Políticas Regionais de Proteção e Defesa Civil - instrumento elaborado para organizar e orientar a atuação dos agentes nas questões relacionadas a desastres, das observações empíricas adquiridas através da participação em atividades desenvolvidas pelo grupo de trabalho e do conhecimento empírico sobre a região. A descrição do objeto busca identificar os principais agentes envolvidos assim como as relações existentes entre estes e outros, no território, na tentativa de aplicação dos conceitos tratados. A parte conclusiva buscará estabelecer uma integração entre as territorialidades identificadas na produção do espaço social, direcionando a discussão para a possibilidade de criação de processos de participação direta, onde os envolvidos sintam-se pertencentes e responsáveis pelo “lugar”. O artigo está estruturado em 3 partes. A primeira parte abordará a descrição conceitual identificando as principais variáveis. A segunda descreverá o objeto de análise e os agentes envolvidos, buscando a aplicação das variáveis. A terceira parte aponta alternativas para a integração das diversas territorialidades. As considerações finais mostram as principais dificuldades encontradas no desenvolvimento do estudo assim como possibilidades futuras para a pesquisa.

2. TERRITÓRIO E LUGAR, TERRITORIALIDADE E AUTONOMIA Na tentativa de descrever o conceito território conforme desenvolvido por Souza (1995) o objetivo aqui é analisar suas variáveis e a possibilidade de aplicação, ou seja, busca-se a identificação dos sujeitos e das suas relações, seus principais interesses e como atuam para alcançá-los. O autor, partindo da Geografia Política, e das diversas formulações sobre território como variável política e social, expande a noção de território, relacionando-a com o desenvolvimento e a autonomia: assinala, assim, a importância estratégica do território na busca da justiça social. A ideia de território é associada à dominação ou à apropriação do espaço pelo homem e, por consequência, ao exercício do poder sobre os outros homens. Este domínio e apropriação do espaço são instrumentos estratégicos, tanto na guerra - como um elemento de manutenção, conquista e exercício de poder através da violência, autoridade, competência, etc.; quanto relacionado à ideia de Estado-Nação representando o território nacional. Para o autor, a palavra território é utilizada usualmente de uma forma 1

Defesa Civil: entendida como conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas destinadas a evitar desastres e minimizar seus impactos para a população e restabelecer a normalidade social (Brasil, 2010). 2 Municípios que integram a Oficina Regional Permanente: Caraá, Santo Antônio da Patrulha, Riozinho, Rolante, Taquara, Parobé, Igrejinha, Três Coroas, Gramado, Canela e São Francisco de Paula (ROCHA, 2012). 3 Encontros periódicos realizados com frequência quinzenal. 4 Desastres: resultados de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais (BRASIL, 2010). 2|

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empobrecida frente a seus significados reais, e, muitas vezes confundida com espaço e relacionada à violência (que seria utilizada quando o poder está a ponto de ser perdido). Esta utilização esconde conflitos e contradições sociais relacionadas principalmente à questão de “quem domina, ou influencia quem, nesse espaço, e como.” O verdadeiro objetivo, portanto, é entender como um homem domina outro homem, e como isto é refletido no espaço material. Sendo o território, essencialmente um instrumento de exercício de poder, e sendo o poder uma característica presente nas relações sociais, os principais interesses dos sujeitos que estão gerando este campo de forças devem ser considerados. Território seria, então, uma realidade social que se materializa em um determinado espaço social. Por realidade social entende-se as relações de interação entre os homens e deles com o espaço, marcadas por diversas formas de atuação dos agentes que as promovem e influenciadas por relações de poder. Por espaço social será considerada a construção realizada por homens em um espaço, ou seja, a transformação do espaço natural, não significando necessariamente a apropriação do espaço. A principal diferença entre o espaço social e o território está no fato de que todo território pressupõe um espaço social, mas nem todo espaço social pressupõe um território, ou seja, quando um homem se apropria de um espaço ele o “territorializa” e cria valor modificando e retrabalhando o espaço social. Na apropriação de um espaço, físico ou abstrato, seja por identificação ou por dominação está sendo gerado um território delimitado pelas relações de poder que nele acontecem. Território é, portanto, “todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p.78, grifo do autor) - assim, como “o poder é onipresente nas relações sociais, o território está, outrossim, presente em toda espacialidade social – ao menos enquanto o homem também estiver presente” (SOUZA, 1995, p.96, grifo do autor). Além disso, e pode-se dizer que esta seria uma das contribuições de Souza, estas relações de poder acontecem em diversas escalas e dinâmicas e podem estar associadas a diversos agentes, atores ou sujeitos. Desta forma, o território pode apresentar diversas territorialidades (interpretadas como a interação entre o homem e o espaço e que será abordado mais adiante), concomitantemente acontecendo em um mesmo espaço geográfico. Ressalta-se que, com este esclarecimento, as territorialidades podem ser analisadas mais de perto para serem consideradas geradoras de territórios e, desta forma, identificadas e passíveis de transformação. Com este entendimento é possível aproximar o homem da compreensão dos reais impactos que sua interação com outros homens, e com o meio, podem ter, ou produzir. Assim, busca-se entender a importância que o desenvolvimento de territórios, “territorializados” pelo princípio da autonomia, representa para se alcançar justiça social. É importante ressaltar que território pode ter tanto uma relação simbólica (mais abstrata) quanto material (mais concreta). A relação simbólica está ligada à questão de apropriação, inspirando a identificação e a efetiva apropriação. Já a relação concreta diz respeito à questão de domínio de terra, de poder – o que pode muitas vezes relacionar-se à violência. Aborda-se a seguir, alguns aspectos a respeito do Poder e da Autonomia, ainda de acordo com Souza (1995).

2.1.

Sobre poder e autonomia

É preciso esclarecer algumas questões a respeito do poder e, por consequência, a importância que as relações sociais exercem no espaço urbano e, mais especificamente, no território. A ideia de poder é colocada a partir de uma conceituação de Hannah Arendt, que esclarece sobre o entendimento de poder, nos seguintes termos: O ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’ estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo, de onde originara-se o poder (potestas in populo, sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, ‘o seu poder’ também desaparece. (ARENDT, 1985, p.24 apud SOUZA, 1995, p.80).

Esta citação é pertinente na discussão sobre autonomia pois traz à tona a importância dos indivíduos na formação de uma sociedade mais justa e responsável. Para tentar esclarecer: o desenvolvimento de 3|

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responsabilidades individuais e, em decorrência, coletivas, a respeito da qualificação de espaços sociais mais justos, depende muito de relações pessoais e, em decorrência, sociais, mais conscientes e mais reais. Conscientes tanto pelo reconhecimento do homem como um elemento do sistema (econômico, político, ambiental e cultural) capaz de participar da construção do espaço social (aqui se abre um leque de questões sobre a participação direta das pessoas nos processos de tomada de decisões, o que será abordado mais adiante) quanto pela capacidade de desenvolver uma coletividade autônoma. E real, pela necessidade de se esclarecer a racionalidade dos verdadeiros interesses pessoais e coletivos, para que se desenvolva a consciência de que grupos de diferentes classes sociais devem ter qualidade de vida5 assegurada. A ideia de autonomia está relacionada à capacidade que uma coletividade possui para se reger por si própria, por suas próprias leis, constituindo a base do desenvolvimento para uma sociedade com mais liberdade e menos desigualdade. Assim, a importância da autonomia na apropriação de um determinado espaço por um determinado grupo cria a possibilidade de este grupo desenvolver um sentido de responsabilização sobre as formas de utilização e transformação do ambiente natural. Conforme Souza (2013), “ao sentir-se mais responsável, a população irá cuidar mais e fiscalizar mais (SOUZA, 2013, p.334)”. O trecho abaixo traz a principal relação entre o poder e o espaço, e em consequência, o território na construção de autonomia: O território encerra a materialidade que constitui o fundamento mais imediato de sustento econômico e de identificação cultural de um grupo, descontadas as trocas com o exterior. O espaço social, delimitado e apropriado politicamente enquanto território de um grupo, é suporte material da existência e, mais ou menos fortemente, catalizador cultural-simbólico – e, nessa qualidade, indispensável fator de autonomia. (SOUZA, 1995, p.108)

Assim, a autonomia apresenta-se como uma característica que aproxima um grupo da apropriação de um espaço. E, por consequência, da defesa desse território, o que coloca a coletividade/comunidade, em um caminho mais consciente para produzir um espaço mais justo. Esta autonomia está relacionada com a participação direta nos processos de tomada de decisão.

2.2.

A(s) territorialidade(s) e o lugar

É possível considerar, de uma forma bastante abstrata, que a territorialidade é o que faz um território ser um território. Nesta perspectiva a territorialidade seria “um certo tipo de interação entre homem e espaço” (SOUZA, 1995, p.99, grifo do autor) que sempre será mediatizada pelo espaço e influenciada por características específicas de cada lugar. Como colocado por Raffestin (1993), a territorialidade “pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade – espaço – tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, comparável com os recursos do sistema” (RAFFESTIN, 1993, p.160, grifo nosso). Abrindo um pouco este sistema tridimensional, temos que a sociedade é constituída por indivíduos (pertencentes a uma coletividade) que se relacionam entre si através de formas, conteúdos e interesses, particulares. Cada relação particular, que se cria entre os sujeitos, precisa ser mediada por um espaço. Esta mediação será espacializada conforme combinações específicas das variáveis ambientais, sociais econômicas, etc, que agem sobre cada lugar específico. Este espaço pode ser tanto um lugar, quanto um espaço abstrato (sistema institucional, cultural, político). Conforme Santos (1999), Lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade (SANTOS, 1999, p.258).

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Por qualidade de vida entende-se, conforme Souza (2013), a crescente satisfação das necessidades (tanto básicas quanto não básicas, tanto materiais quanto imateriais), de uma parcela cada vez maior da população (SOUZA, 2013, p.62). Necessidades materiais básicas dizem respeito ao acesso à água, luz, saneamento, transporte público, etc. 4|

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Como as relações entre os indivíduos são dinâmicas, elas são suscetíveis a variações no tempo. Estas variações podem afetar cada um dos elementos que a constituem de formas distintas, resultando em escalas de tempo diferenciadas. Estas ações e relações se superpõe dialeticamente no lugar, “onde tudo se funde, enlaçando, definitivamente, as noções e as realidades de espaço e tempo” (SANTOS, 1999, p.258). Deste sistema tridimensional, dinâmico e variável, os elementos podem se transformar ou permanecer estáveis, sendo que quanto mais autônomos se tornarem os sujeitos menos dependentes estarão dos outros sujeitos e, por consequência, mais livres. Esta autonomia levaria as relações em direção a um sistema equilibrado. Este equilíbrio depende de relações concebidas como processo de troca e/ou de comunicação que permitam aos atores satisfazerem suas necessidades. Um processo que proporciona aos atores a noção de que para se alcançar um determinado objetivo (ganho), também será necessário um determinado custo. Assim, a territorialidade, conforme Raffestin (1993), “se inscreve no quadro de produção, troca e consumo das coisas” (RAFFESTIN, 1993, p.161). Produção a partir da energia e informações trocadas nas relações entre os atores com o meio: troca dos ganhos e custos, tanto materiais quanto abstratos, que se obtiveram, e consumo dos resultados gerados pelas relações entre os atores com o espaço no lugar. A partir disso e sendo a territorialidade um certo tipo de integração entre homem e espaço e o que faz de qualquer território um território, as territorialidades são os diversos tipos em que os territórios podem ser classificados, conforme suas propriedades, dinâmica, força, etc. A territorialidade abordada de uma forma mais abrangente e crítica “pressupõe não propriamente um deslocamento entre as dimensões política e cultural da sociedade, mas uma flexibilização da visão do que seja o território” (SOUZA, 1995, p.86). Ou seja, uma maneira de separar as forças que compõe o campo de forças que é o território para que o mesmo possa ser compreendido e possivelmente transformado. Nesta perspectiva, “territórios, que são no fundo antes relações sociais projetadas no espaço que espaços concretos (os quais são apenas os substratos materiais das territorialidades)” (SOUZA, 1995, p.87), podem formar-se e dissolver-se (em variadas escalas temporais), ser estáveis, instáveis ou ter existência regular, ou apenas periódica, acontecendo concomitantemente sem que o substrato espacial se altere. Portanto, admitindo com o autor que o território é formado por e a partir de territorialidades, a importância da territorialidade na presente discussão encontra, nos objetivos de desenvolvimento sócioespacial, tomado como mudança social positiva, uma contribuição significativa considerando a busca por autonomia como foco de justiça social. Desta forma, identificar as diversas territorialidades que existem no universo do estudo de caso, pode ajudar a esclarecer antes de tudo como as questões que já vem sendo abordadas na Oficina Regional Permanente se relacionam com outras territorialidades e como seria possível criar espaços físicos ou abstratos (tais como canais de comunicação virtuais para o intercâmbio de informações, por exemplo) para proporcionar uma integração das territorialidades a partir do cruzamento entre os diversos atores que atuam no território, em cada lugar. O objetivo desta integração seria possibilitar, ou mesmo influenciar a formação de territorialidades autônomas relativamente às problemáticas associadas ao risco hidrológico e geológico, nas áreas estudadas.

3. O ESTUDO DE CASO E OS AGENTES ENVOLVIDOS O objeto de análise foi escolhido a partir do conhecimento empírico adquirido pela participação em algumas atividades desenvolvidas pela Oficina Regional Permanente de Proteção e Defesa Civil de Vale do Paranhana, Região das Hortências e Alto Sinos. A partir desta experiência foi possível identificar que existiria alguma relação relevante entre os agentes (de diferentes municípios) e o espaço social, relacionado especificamente à gestão das áreas de risco hidrológico e geológico em que os mesmos atuam. Além disso, o documento – Política Regional de Proteção e Defesa Civil (ROCHA, 2012), pode ser considerado um instrumento estratégico para a atuação do referido grupo por organizar suas ações e também reforçar a necessidade de desenvolver um trabalho, considerando as escalas locais, em escala regional para diminuição de desastres naturais.

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Primeiramente torna-se importante esboçar uma ideia sobre o espaço social em que acontecem estas relações, não apenas de poder, mas também de troca. Os onze municípios que integram a Oficina Regional Permanente, de acordo com ROCHA (2012), são municípios limítrofes, localizados no entorno do Vale do Paranhana e possuem cursos d’água comuns que apresentam grande suscetibilidade para inundações e enxurradas. A região do Vale apresenta altitudes elevadas (até 1000m de altitude), tendo seus núcleos urbanos localizados nas áreas mais baixas (de 40m a 250m de altitude), Figura 2. Os municípios estão localizados nas sub-bacias mais altas da Bacia do Rio dos Sinos (Sub-bacia Alto Sinos e Médio Sinos), áreas de nascentes dos rios que contribuem com a vazão do Rio dos Sinos. As regiões Paranhana, Hortênsias e Alto Sinos, que dão nome à oficina, representam os COREDES6 a que pertencem os municípios, mas não entraremos em detalhe nesta questão: tem-se apenas o intuito de identificar as relações institucionais que os agentes estabeleceram para futuros encaminhamentos. Na Figura 1 é possível observar os municípios que integram a Oficina (em amarelo) assim como os principais cursos d’água e a relação de interligação que se estabelecem entre os municípios.

FIGURA 1 – Mapa da Bacia do Rio dos Sinos com delimitações municipais e Coredes. Fonte: PROSINOS (2009), modificado pela autora em 2014.

É importante abrir um parêntesis para a relação de suscetibilidade das áreas que se localizam nas regiões mais baixas. A contribuição de água da chuva em regiões de altitudes elevadas acarreta em um rápido aumento do nível do rio, com velocidades elevadas, pois a água não é absorvida pelo solo (devido à declividade), escorrendo diretamente para o leito do rio. Na Figura 2 pode ser observada a elevação do terreno e a localização dos municípios.

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COREDES: Conselhos Regionais de Desenvolvimento. Fonte: FEE, 2011. 6|

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Figura 2 – Mapa das elevações do terreno da Bacia do Rio dos Sinos. Fonte: PROSINOS (2009).

Estes mapas objetivam trazer breves informações sobre os condicionantes físicos da área e explicitar um pouco a interligação entre os municípios tentando demonstrar aspectos ambientais que influenciam as questões de proteção e defesa civil na região. A partir destes condicionantes, e claro, da iniciativa de alguns atores que viram a necessidade de se organizar para diminuir os impactos recorrentes produzidos por situações de inundações e/ou deslizamentos, foram criados os vínculos municipais que serão abordados a seguir.

3.1.

As territorialidades geradas

Colocada uma breve descrição sobre as características da área onde a Oficina de trabalho atua e da relação que os mesmos estabeleceram com o ambiente físico, serão abordados agora algumas questões sobre as relações sociedade – espaço – tempo. O que interessa ressaltar são as relações que os agentes estabelecem a partir do grupo de trabalho (coletividade) com o espaço social, para resgatar o que é produzido a partir disto. Esta territorialidade exercida pelos agentes que integram a Oficina Regional é influenciada: 1) pelas condições físicas representadas pela hidrografia, e pode-se dizer, isto se torna o motivo condutor da comunicação e também das trocas; 2) pelas relações dos agentes com o poder público de cada município; 3) pelas relações dos agentes do grupo com a Defesa Civil Estadual e, em consequência, a Defesa Civil Nacional. A isto, neste trabalho, a partir da conceituação de Marcelo L. de Souza (1995), chamamos “territorialidade”. Esta territorialidade acontece então em diversas escalas. A primeira pode ser considerada a geradora das demais por representar antes de tudo a relação dos atores com o espaço. Os agentes de Defesa Civil têm um grande conhecimento da geografia natural da região do Vale e das influências que um fator exerce sobre os demais (por exemplo, o aumento do nível do rio em um ponto específico, pode acarretar efeitos inesperados ou indesejados para os demais municípios que receberão a contribuição destas chuvas). A relação que estes atores estabeleceram através de comunicação via telefone (os agentes do município entre si e dos agentes locais com os agentes dos municípios vizinhos), estabelece um monitoramento do ambiente natural, que tem como objetivo proteger a população de desastres naturais de origem hidrológica e geológica, em curto prazo (com antecedência de dias ou horas). Este tipo de territorialidade está, então, diretamente relacionada com as áreas consideradas de risco (de origem hidrológica – inundações ou enxurradas, ou geológica – movimentos de massa) dos municípios. A segunda escala de territorialidade identificada ocorreria entre os agentes de Defesa Civil de cada município com o poder público. Ela representa a legitimidade de ação dos mesmos, pois os agentes são funcionários públicos e, desta forma, recebem o respaldo institucional. E a terceira seria formada a partir 7|

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da territorialidade 1 e 2, representando o contato com territorialidades em outros níveis, como a Defesa Civil Estadual, a Defesa Civil Nacional e o Ministério da Integração, fortalecendo as ações e as diretrizes apontadas na Política Regional criada. Além destas territorialidades, existem outras que atuam no espaço social e que determinam a configuração do espaço e podem ser identificadas: a) pelo mercado imobiliário produzindo habitações muitas vezes em áreas suscetíveis e alterando o ambiente natural de uma forma inadequada (como a partir da criação de aterros, por exemplo); b) pelo poder público aprovando loteamentos em áreas suscetíveis desde que sejam tomadas as medidas estruturais (drenagem ou contenção de encosta); c) pela população adquirindo os imóveis via financiamento e convivendo com as situações periódicas de inundações; e ainda d) pelas agencias financiadoras viabilizando o crédito para a construção nessas áreas inapropriadas. De uma maneira geral, as territorialidades se sobrepõem e dificultam a transformação do espaço urbano em direção a um ambiente mais sustentável e resiliente, e por consequência mais seguro e mais justo para todos. Estas outras territorialidades foram apontadas aqui para que posteriormente se identifique a necessidade de integração das mesmas, objetivando influenciar a formação de territorialidades autônomas para uma descentralização da gestão territorial e para a construção de um lugar mais saudável.

3.2.

As principais diretrizes da Política Regional de Proteção e Defesa Civil

Identificadas as principais territorialidades geradas pela Oficina Regional Permanente e os tipos de territorialidades que influenciam na produção do espaço, serão apontadas as principais diretrizes da Política Regional criada, conforme Rocha (2012, p.57), para direcionar a ação de cada governo e fortalecer o sistema local e regional de Proteção e Defesa Civil. A primeira diretriz visa a integração dos órgãos de Proteção e Defesa Civil dos municípios que integram a Oficina Regional Permanente; a segunda diretriz objetiva a interação com a comunidade e os demais órgãos de governo municipal, estadual e federal, através dos órgãos municipais. As demais diretrizes visam desde o fomento de projetos de captação de recursos financeiros; o incentivo à criação de um sistema municipal de Defesa Civil; a capacitação dos agentes e da comunidade; a melhoria da ocupação urbana e rural objetivando a diminuição da ocupação das áreas de risco até a criação de equipes multidisciplinares para o trabalho de Defesa Civil, entre outras. O principal esforço que o grupo estabelece, no entanto, é para realizar o monitoramento de chuvas através de estações meteorológicas, nas regiões mais altas para que seus municípios se preparem para diminuir os danos em períodos de chuvas fortes (como alertando a população sobre as possibilidades de inundações, organizando abrigos para as famílias que vivem nas áreas afetadas), e para criar espaços para a capacitação de técnicos que atuarão em situações de resposta a desastres. Além disso, e para aproximar esta problemática da comunidade, a Oficina organiza Conferências Municipais de Defesa Civil (foram realizadas duas, até o momento) onde recebem técnicos dos municípios da região interessados em debater as questões sobre ações preventivas, privilegiando a criação de órgãos municipais, capacitação de técnicos e envolvimento da comunidade (ROCHA, 2012). O envolvimento com a comunidade tem como principal objetivo influenciar a percepção sobre os efeitos da ocupação urbana na alteração ambiental quanto ao agravamento das inundações e/ou deslizamentos e aproximar a população da temática trabalhada pelo grupo com o objetivo de criar uma co-responsabilização da gestão destes espaços. As críticas que se colocam a respeito dos resultados desta política estão relacionadas à (1) centralização da tomada de decisões em relação às questões de risco abordada pela Oficina e, (2) em decorrência, as questões de ocupação e apropriação deste território. A formação deste grupo e as principais ações desenvolvidas são decididas pelos agentes integrantes e, desta forma, tornam-se limitadas. Limitadas principalmente porque não criam a possibilidade de transformação, tanto por não incluir a participação da população na tomada de decisões relacionadas ao ordenamento territorial, quanto por não contemplar de maneira ampla as demandas do planejamento urbano e de gestão financeira do risco. Isto gera um conjunto de procedimentos que tende a permanecer estável, ou seja, a não se desenvolver, pois o objetivo maior é proteger, e não prevenir ou planejar. Para tanto, tornar-se-ia necessário a formação de ações, tanto dos agentes da Oficina quanto da comunidade, menos dependentes. A partir disso, a possibilidade de 8|

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integrar as diferentes territorialidades que influenciam na produção do espaço com uma descentralização territorial seria uma alternativa possível. A próxima parte tem o objetivo de trazer esta discussão e busca levantar algumas possíveis soluções.

4. TERRITORIALIDADES INTEGRADAS PELA AUTONOMIA: A CRIAÇÃO DE LUGARES A ideia de propor a integração das diferentes territorialidades identificadas no estudo de caso tem como objetivo possibilitar a participação dos envolvidos, nos processos de tomada de decisões bottom-up, em relação ao planejamento e gestão de áreas consideradas de risco, idealmente, ampliando a escala de análise para contemplar a cidade como um todo. Esta integração poderia acontecer através de formas organizativas criadas para a troca de informações e de conhecimentos sobre as áreas e a respeito da gestão e do planejamento de tais espaços urbanos. Como resultado seria esperado a formação de atores, tanto técnicos quanto da população, mais conscientes e, em consequência, mais autônomos. Esta integração teria como ideal uma descentralização das decisões e ações territoriais baseadas nos princípios da autonomia. A descentralização territorial, conforme Souza (2013) está relacionada a processos de participação direta da população, decompostos em diferentes níveis, mas ainda articulados entre si. A ideia de descentralização territorial associada a esquemas alternativos de participação “em combinação com a utilização de recursos tecnológicos, podem minimizar ou mesmo eliminar as barreiras à incorporação ativa de uma grande quantidade de indivíduos aos processos de tomada de decisão” (SOUZA, 2013, p.331). No estudo de caso, poderia ser considerada a possibilidade de elaboração de uma ferramenta de controle e monitoramento de áreas de risco que utilize georreferenciamento combinado com tecnologias via internet, para interação entre técnicos do setor público, agentes de defesa civil, atores do mercado imobiliário e indivíduos da comunidade. Isto poderia proporcionar maior poder de decisão aos atores envolvidos como consequência da conscientização a respeito das formas de alteração do ambiente natural e das condições sócio espaciais, resultando em mudanças a respeito das formas de viver em sociedade. O que acontece na prática, na maioria dos municípios que integram a Oficina, é uma desarticulação entre o Poder Público, os agentes de Defesa Civil e a população. Esta desarticulação é potencializada pela responsabilidade colocada nos agentes da DC, tanto pela população quanto pelo poder público, de que estes devem responder pela gestão de tais áreas, pois eles prestam socorro em situações críticas e acabam se tornando os maiores interessados em controlar a ocupação inadequada, mesmo sem grande poder de decisão sobre as razões/motivos/ações que levam ao risco. Isto, somado ao despreparo técnico dos agentes em relação às alternativas legais e técnicas para controlar a ocupação em áreas ambientalmente frágeis, que acabam trabalhando para “apagar incêndios”, agrava o quadro, pois não são tomadas medidas adequadas e efetivas para minimizar o problema (como sistemas de drenagem eficientes e/ou obras de contenção de encostas). A necessidade de inversão deste sistema de gestão para um de planejamento urbano adequado envolvendo todos os atores que influenciam a ocupação do solo precisa ser retomada e trabalhada para que se possa falar em justiça social. A autonomia pode ser um caminho legítimo, embora longo e complexo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos estudos para produzir este ensaio foi possível entender a complexidade do conceito de território. A possibilidade de decompor o conceito, identificando os principais elementos que o compõe é uma contribuição pelo fato de aproximar a análise das questões sociais que estão encobertas na relação entre a sociedade e o espaço. Assim, a tentativa de aplicação do conceito no estudo de caso pode ser considerada como um exercício relevante ao mostrar os principais atores que influenciam na produção do espaço e o poder de transformação que podem exercer sobre o mesmo. As infraestruturas físicas são as mais básicas e importantes dos requerimentos que fazem a vida e as estruturas sociais modernas possíveis. Com esse entendimento, aponta-se a importância de que a comunidade possa agir para proteger seus interesses, em um processo “bottom-up” pois essas avaliações são processos e procedimentos 9 | 10

políticos onde a avaliação técnica envolve muitas incertezas. Da mesma forma, a possibilidade de integração entre as diversas territorialidades visando a descentralização territorial pode ser apontada como uma alternativa possível para a diminuição de territórios fragmentados e desiguais. Esta descentralização territorial associada a utilização de instrumentos mais autônomos de participação da população apontam uma possibilidade de mudança. Dessa forma, a partir deste ensaio abre-se uma alternativa para explorarse a criação de espaços (virtuais) de participação e de interação dos atores nas situações de risco. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Decreto nº 7.257, de 4 de agosto de 2010. Brasília, 2010. Disponível em: Acesso em: Agosto de 2014. GRID, Gestão de Riscos de Desastres. Mapeamento de vulnerabilidade de áreas suscetíveis a inundações e deslizamentos em 8 municípios do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2013-atual. Disponível em: < http://www.ufrgs.br/grid/pesquisas/pesquisas-em-andamento/mapeamento-de-vulnerabilidade-de-areassuscetiveis-a-deslizamentos-e-inundacoes-em-8-municipios-do-rio-grande-do-sul > Acesso em Agosto de 2014. FEE – Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Perfil Socioeconômico – Coredes. Porto Alegre, 2011. Disponível em: Acesso em Agosto de 2014. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: razão e emoção, espaço e tempo. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1999. SOUZA, Marcelo J. Lopes de. O território. Sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias et al. (orgs.): Geografia: conceitos e temas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ROCHA, C. S. (Coord.). Política Regional de Proteção e Defesa Civil. Taquara: Evergráfica, 2012.

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