Ensaio - Tolos somos nós: Uma análise mitológica do tarô na modernidade

June 1, 2017 | Autor: G. Magalhães Madeira | Categoria: Tarot, Semiotica
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Trabalho realizado para a disciplina "Comunicação e Cultura" do curso de jornalismo da Faculdade 7 de Setembro durante o semestre 2016.1
Romancista nascido em Cuba e cidadão italiano, foi um importante escritor do século XX.
Segundo o dicionário Aurélio, significa: 1- Modelo dos seres criados. 2- O que serve de modelo ou exemplo, em estudos comparativos; protótipo.
Tolos somos nós: Uma análise mitológica do tarô na modernidade

Guilherme Magalhães Madeira

Renata Monastirscy Gauche

Resumo
O presente ensaio procura demonstrar a presença e a importância da redescoberta dos mitos arcaicos na modernidade, tomando como base a "viagem do tolo", mito encontrado nos arcanos maiores do tarô medieval, cruzando a simbologia de outros mitos.

Palavras-chave: Esoterismo, Símbolos, Cultura

Introdução
A (pós) modernidade vive os prazeres e as dores do individualismo. A rotina de compromissos é estrategicamente elaborada para que não haja tempo para reflexão e autoconhecimento. Tomada como distração anti produtiva, a comunicação eu > eu torna-se supérflua, e cada ser humano se sente uma ilha envolta de um mar de desilusões afetivas. Uma forma de subversão à essa estrutura se dá pela transcendência do momento histórico vivido: o desejo de reviver livremente os arquétipos como um ser integral, universal. Segundo Mircea Eliade (1991)

"À medida que se opõe à história, o homem moderno redescobre as posições arquetípicas. Mesmo seu sono, mesmo suas tendências orgiásticas, são carregados de um significado espiritual. Pelo simples fato de reencontrar no fundo do seu ser os ritmos cósmicos [...] ele alcança um conhecimento mais absoluto do seu destino e da sua significação"

A necessidade de produzir símbolos e referências aos arquétipos primitivos é comum na sociedade moderna ocidental. Estudiosos como Carl Jung e Joseph Campbell perceberam a carga simbólica contida nas produções da indústria cultural de massa e suas atualizações de arquétipos e mitos antigos. Filmes, jogos, seriados, peças, canções… Basicamente todas as formas de arte e produção audiovisual podem transmitir ideias que, segundo alguns autores, são universais e intrínsecas da natureza humana. Assim, diversos enredos nos parecem familiares: um jovem é convocado para uma aventura, sendo auxiliado por uma figura mais sábia, enfrenta desafios e privações, entra em crise sobre si e sobre o mundo, derrota o inimigo e adquire algum tipo de recompensa ou fama… E enfim volta para a sua zona de conforto, agora mudado, maturado pela experiência. Esta fórmula foi entendida por Campbell (1949) como um "monomito", um mito que se atualiza ao longo das épocas e que guarda sentidos universais sobre as dificuldades e conquistas da vida humana. A este mito comum que se repete em diversas sociedades damos o nome de "Jornada do Herói".

Similar a este mito, temos "a jornada do tolo" (ou louco). Encontrado nas cartas referentes aos arcanos maiores do baralho de tarô de Marselha, a jornada do tolo é uma fonte de símbolos para autoconhecimento. As páginas seguintes se tratarão de explicar essa viagem e referenciá-la à modernidade.

O baralho
O tarot (em francês), ou tarô (português) é um jogo composto de 78 cartas originado na França medieval e conhecido no mundo todo. Sua evidência documentada mais antiga é creditada a uma proibição de jogá-lo na cidade de Berna, Suíça, no ano de 1367. As cartas também são utilizadas para contar histórias, práticas esotéricas e oraculares, possuindo variações de diversos artistas e regiões do mundo. O baralho é dividido entre duas categorias: Arcanos Maiores e Menores, sendo o primeiro referente às questões relacionadas ao divino e ao destino, e o segundo referente ao cotidiano e a capacidade de deliberação de cada um.

Ítalo Calvino representou a qualidade do tarô em contar histórias em seu livro "Castelo dos destinos cruzados". No livro, as personagens são misteriosamente afanadas de sua capacidade de fala, tendo como única forma de comunicação um baralho de tarô. Narrada em primeira pessoa, a história se dá com o narrador-personagem interpretando os destinos das outras pessoas no salão a partir das cartas que são colocadas. Mesclando misticismo e personagens clássicos da literatura como Hamlet e Édipo, as histórias são contadas e as imagens das cartas aparecem para o leitor, que pode então fazer as devidas associações.

Juntamente com a astrologia, a Cabala e outras práticas místicas, o cerne do esoterismo moderno se fortalece devido às curiosidades pessoais e acadêmicas que o atualizam na modernidade. Estudos sérios sobre a história das religiões, símbolos e a psique humana permitem a discussão da influência que as práticas esotéricas têm nas pessoas, mesmo após séculos de cientificismo. A humanidade parece querer reincorporar modelos antigos de vivência e convivência, buscando referências na antiguidade e no medievo para sobrepujar as dores de uma estrutura produtivista, individualista e mercantilista que se consolidou no mundo, com mais intensidade no Ocidente.

A Jornada
Cada carta (ou lâmina) possui um símbolo referente a uma personalidade, entidade, objeto ou condição. Há também a possibilidade encadeá-las afim de criar um sentido novo, seja combinando cartas ou interpretando a ordem em que aparecem. "Le Fol"(O louco, ou tolo), segundo a tradição medieval, é uma carta não enumerada (ou enumerada com o algarismo "0") que diz respeito a uma figura distraída, costumeiramente representada como um bobo da corte. Doravante utilizarei a tradução de "tolo", por considerar "louco" como uma figura insana, incapaz de convivência e de interação, enquanto a carta do Tolo é uma figura que interage com todos os outros Arcanos Maiores.

No livro Imagens e Símbolos, Eliade afirma que ""Nem sempre é preciso conhecer a mitologia para viver os grandes temas míticos" (ELIADE, 1991). Assim, é possível se identificar com histórias e figuras mitológicas sem necessariamente sem um profundo conhecedor das mitologias, e até mesmo viver situações parecidas. A carta do tolo representa uma pessoa imatura, a quem ainda receberá a maturação do tempo. Por ser a carta de número 0, representa a potencialidade do ser humano diante do destino: crescerá ao longo das dificuldades e das provações, tornando-se um ser cada vez menos potente mas cheio de essência. É a carta que representa o começo da jornada, aquele que tem a mente vazia, pronta para aprender. O tolo é aquele que está em sua zona de conforto, prestes a receber o chamado para a aventura, um conflito, aquilo que nos mudará permanentemente.

("O Tolo", segundo o baralho de Jean Dodal)

O primeiro arcano é O Mago. O Mago representa todo e qualquer tutor que auxilia um protagonista ou herói. Sua imagem lembra do mago Merlim, mas também tem versões atualizadas na cultura pop, como os heróis de cinema: Gandalf, o mago que ajuda Frodo em Senhor dos Anéis, Yoda, o jedi que auxilia Luke Skywalker em sua jornada, entre outros. Também representa o poder da comunicação, o verbo. O poder de ditar e classificar o mundo é o primeiro passo para entendê-lo: O Mago dá as ferramentas para essa compreensão. Acima de sua cabeça há o símbolo do infinito, representando as infinitas possibilidades de iniciar a jornada. Há variações em outros sistemas esotéricos: no tarô cigano a primeira carta é o "cavaleiro", aquele que trás uma notícia, que começa uma jornada. Na astrologia, "Áries" representa aquele que inicia de forma impulsiva e faz valer sua vontade. Sua data demarca o início da primavera no hemisfério norte e outono no hemisfério sul.

Como na infância, quando nos questionam o que "queremos ser quando crescer", somos uma mente fresca que ainda provará o mundo e não sabemos o que vida fará de nós. Não sabemos que profissão exercer, como cortar o cabelo, qual estilo adotar. Não sabemos como viver. A vida em sociedade depende da educação, alguém que nos instrua e delimite o que devemos ou não fazer na vida em sociedade. O Mago representa esse legado de aprendizagem da cultura ao longo das eras e as inúmeras possibilidades que temos em nossas vidas.

A partir daí, cada carta representará uma ocasião da vida e um desafio a ser vencido. A carta do Imperador, por exemplo, representa o poder e a autoridade, preparando o Tolo para ter responsabilidades. Segundo Nichols (2000), o Imperador pode representar uma figura paterna, autoritária. Mais importante que a autoridade perante aos outros, é ter autoridade sobre si mesmo, tomando as rédeas da própria vida, não mais dependendo dos outros para tomar decisões e traçar planos.

Ao final do ciclo, encontramos a carta O Mundo. Depois de todas as provações, esse é o auge a jornada, o momento em que o Tolo adquire a totalidade da compreensão de sua jornada. Como a carta da Cruz para os ciganos e o signo de peixes para a astrologia, representa o fim da vida, a sabedoria. Ao fim do ciclo, a morte representa dar lugar para um novo nascimento. Mesmo que não seja a morte literal do sujeito, sua jornada está no fim e ele está pronto para voltar à sua zona de conforto, agora mais maduro.

Conclusão
Historia magistra vitae é uma expressão latina que significa "História mestra da vida". Essa era a forma que os historiadores da antiguidade viam a vida: um grande ciclo que se renova com o passar das eras. Aquele que dominasse a história, dominaria a vida. Com o advento do cientificismo do século XIX, a História ganha um caráter científico e menos artístico. A ideia de que podemos compreender a vida através da História continua, apesar de permeada com o método científico, percebemos que muitos símbolos se repetem ao longo do tempo: Artistas passam a representar arquétipos de masculinidade e feminilidade, ter uma casa própria passa a representar a emancipação individual e o modelo do carro é o status perante a sociedade.

Apesar das mudanças, atento às permanências: buscar a si e a um propósito maior continua sendo comum, seja filosófica ou espiritualmente. É nessa busca que traçamos a importância de nossa jornada. A vida por si só não tem e nunca terá finalidade, pois vale por si mesma. Sendo assim, cabe a cada um de nós buscar o que há de melhor em vida e nos aperfeiçoarmos.


Bibliografia

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 10. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2005.

CÍCERO, Marco Túlio. Brutus e a Perfeição Oratória (Do Melhor Gênero de Oradores). ed. bilíngue. 1. ed. Brasil: Nova Acrópole, 2013.

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. SÃO PAULO: MARTINS FONTES, 1996.

JUNG, Carl G. O Homem e seus símbolos. RIO DE JANEIRO: NOVA FRONTEIRA, 2008.

NICHOLS, Sallie. Jung e o tarô. (9ª edição, São Paulo, Editora Cultrix, 2000)


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