ENSINO DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA E AS DIVERSAS FORMAS DE DIZER “NÃO” PRESENTES NO LIVRO DIDÁTICO

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ROBERTA RODRIGUES DA SILVA

ENSINO DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA E AS DIVERSAS FORMAS DE DIZER “NÃO” PRESENTES NO LIVRO DIDÁTICO

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP Coordenadoria geral de aperfeiçoamento, especialização e extensão – COGEAE São Paulo, dezembro de 2006

ROBERTA RODRIGUES DA SILVA

ENSINO DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA E AS DIVERSAS FORMAS DE DIZER “NÃO” PRESENTES NO LIVRO DIDÁTICO

Monografia apresentada ao curso de Língua Portuguesa (Lato Sensu) com exigência parcial para a obtenção do título de Especialista Língua, sob orientação da Profa. Dra. Aparecida Regina Borges Sellan.

orientação da Profa. Dra. Aparecida Regina Borges Sellan.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP Coordenadoria geral de aperfeiçoamento, especialização e extensão – COGEAE São Paulo, dezembro de 2006

SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................ 1 CAPÍTULO I Fundamentação Teórica.................................................................................................... 4 CAPÍTULO II O material didático na perspectiva interculturalista....................................................... 23 CAPÍTULO III As formas de dizer “não” presentes no livro didático.................................................... 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 48 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 55

INTRODUÇÃO Esta monografia compreende uma investigação que, situada na linha de pesquisa Português Língua Estrangeira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tem por tema a noção de variação lingüística que implica a percepção de uso variado da língua que gera diferenças culturais que se encontram implícitas nas expressões lingüísticas de negação do português brasileiro. A pesquisa realizada está fundamentada em pressupostos teóricos da Sociolingüística por uma abordagem Interculturalista para o ensino de Português Língua Estrangeira. Dessa forma, trata as expressões lingüísticas negativas da língua portuguesa, presentes no dialeto social comum, enfatizando a noção do implícito cultural. A justificativa desse trabalho é ressaltar a necessidade de estudos referentes ao tema tratado, a fim de investigar como se ensina e se aprende uma língua estrangeira, não só por meio de aspectos lingüísticos, mas também

extralingüísticos que devem

merecer maior atenção no processo ensino aprendizagem de uma língua estrangeira . Visto que os livros didáticos não fazem uso desse importante aspecto no ensino de PLE, acreditamos que deva ser fundamental que a cultura faça parte, cada vez mais, dos conteúdos desenvolvidos, já que, tal procedimento possibilita ao falante aprendiz comunicar-se no novo idioma reconhecendo e fazendo uso não só dos elementos lingüísticos, bem como de todo envolto cultural existente num idioma. Para tanto, o presente estudo visa a contribuir para que falantes de outras línguas possam se comunicar em língua portuguesa de modo efetivo e fluente pelo uso de expressões lingüísticas, comuns a falantes brasileiros. Desse modo, acreditamos contribuir para o desempenho lingüístico e social desse aluno. A fim de tornar possível os pressupostos mencionados anteriormente, temos por objetivo geral estudar subsídios teóricos para que novas metodologias possam ser desenvolvidas tendo por critério o processo interculturalista com o intuito de promover uma aprendizagem mais concreta do idioma em questão, e por objetivo específico

conferir a importância que a cultura exerce no ensino aprendizagem de uma nova língua. Justifica-se essa pesquisa, na medida em que, o exame do material disponível para o ensino de Português Língua Estrangeira indica que, geralmente, não há a focalização do ensino das expressões lingüísticas de negação, o que acaba por formar um falante que não compreende os nativos do idioma quando, em vez , de utilizarem um advérbio de negação em suas frases de valor negativo, fazem

uso de outras

expressões. Essas expressões de valor negativo que, de modo geral, são compostas por elementos lingüísticos que carregam consigo grande carga cultural, o que nos faz discutir os valores implícitos de tais composições e verificar se, de fato, os aprendizes são alertados para tais sutilezas da língua, que não são percebidas por nós, falantes nativos .São poucas as investigações voltadas para o ensino de português como língua estrangeira e entende-se que esse estudo se faz necessário, à medida que contribui para que a cultura exerça sua função fundadora do pensamento dos novos falantes do idioma. Segundo Silveira (1998) saber a língua implica, também, a reflexão sobre a História e a cultura que a constituem e de que ela é, ao mesmo tempo, produtora. Assim, o aprendiz passa a tomar conhecimento da memória afetiva que estabelece os vínculos sociais e cria o sentimento de pertença em determinado grupo social; assim mesmo sendo um outro, mas valendo-se de seus filtros afetivos em relação à diferente maneira de ver e de dizer o mundo, tem a oportunidade de participar de uma nova interação social. O português para estrangeiros tem se mostrado uma área de em franco desenvolvimento e tem crescido bastante no Brasil nos últimos anos 25 anos. Entretanto, alguns aspectos do uso lingüístico voltado para as necessidades dos falantes não-nativos carecem de maior atenção. É o caso do uso de expressões de valor negativo. Nossa principal preocupação neste trabalho é o fato de os livros didáticos existentes no mercado ainda não darem conta do aspecto lingüístico citado, uma vez que, por meio de pesquisa recente (Silveira, 2004), notamos que as expressões de valor negativo como um todo e nem as expressões de negação, especificamente, são tratadas ou

sistematizadas de uma maneira prática e de pronto entendimento, fazendo com que os falantes de

outras línguas não percebam todas as

possibilidades de uso de tais

expressões na língua portuguesa

Sabe-se que, de modo geral, as expressões de negação tradicional, em português brasileiro, é o vocábulo “não”. No entanto, há sempre um comportamento de cortesia nas interações sociais brasileiras, que não ‘permite” ao brasileiro “negar” explicitamente. Isto é, o brasileiro nega por expressões do tipo “Se der, eu apareço”, “Não agora”, “Mais tarde”, para por exemplo, respectivamente,

Vá em casa, hoje;

Você quer um chá? Os objetivos específicos deste trabalho são: 1)apresentar os pressupostos teóricos que dão suporte à área de ensino de português língua estrangeira, considerando a Sociolingüística como ponto de partida; 2)entender a necessidade de uma perspectiva Interculturalista para o ensino de PLE; 3)verificar os usos da “negação” implícitos em enunciados típicos do português brasileiro 4)analisar o livro “Bem vindo”, levando em consideração seus aspectos metodológicos, culturais e o modo pelo qual os aspectos culturais presentes no uso da negação no português falado em nosso país é abordado; 5)analisar o aspecto cultural presente neste material e levantar o tratamento dado à negação. Nesse sentido, a fim de atender tais objetivos esta monografia se organiza do seguinte modo: 1)introdução em que relatamos os motivos que nos levaram a estudar tal campo da Sociolingüística; 2)no desenvolvimento temos: 2a)fundamentação teórica em que apresentamos os arcabouço teóricos que norteiam do ensino de PLE sob aspecto cultural, 2b)uma releitura do livro didático sob uma perspectiva interculturalista na qual podemos abordar a importância do aspecto cultural no livro didático , 2c)análise do implícitos presentes nos usos da negação que foram apontados a partir da análise dos diálogos presentes no livro em questão,

seguida pelas considerações finais. Por fim

apresentamos a bibliografia utilizada para a produção desse trabalho.

CAPÍTULO I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Este capítulo apresenta as bases teóricas que orientaram esta pesquisa situada na Sociolingüística e complementada pela abordagem interculturalista para o ensino de português-língua estrangeira com vertente sócio-cultural e pragmática. A Sociolingüística é um campo de pesquisa que alia os estudos da sociologia aos estudos da língua, suas pesquisas tiveram grande desenvolvimento nas décadas de 50 e 60 nos Estados Unidos e, certamente, o seu fator desencadeador foram as pesquisas sobre comunicação, a necessidade de maior integração entre os povos, assim como, a necessidade de haver maior conhecimento da própria comunidade. Para Willian Bright, um dos maiores especialistas americanos, segundo Preti (2003), a sociolingüística tem a função de comparar as estruturas lingüísticas com a estrutura social. No ano de 1963, o autor afirmou que a tarefa da sociolingüística é mostrar a variação sistemática da estrutura lingüística e da estrutura social e, talvez, mesmo, um relacionamento causal, ou seja, a diversidade lingüística é precisamente a matéria tratada pela sociolingüística. Dentre as dimensões identificadas por esse autor, podemos citar três: dimensão do emissor (dialetos de classe), a do receptor (identidade social) e a da situação ou contexto (todos os elementos da comunicação (setting)). No entanto, para esse trabalho, apenas a primeira dimensão será objeto de estudo. O alargamento do enfoque da relação sociedade/língua, considerada profundamente interdependente, conduz ao estudo das estruturas do pensamento de certas comunidades e a forma como estas articulam linguisticamente sua realidade em consonância com sua cultura e sistema de vida. No português brasileiro, podemos citar os implícitos culturais como exemplo disso, visto que, o falante nativo, utiliza, inconscientemente, a cortesia na sua linguagem ao não utilizar o vocábulo “não” em suas enunciações de negação. Os estudos sobre o chamado dialeto social, ou melhor, “habitual subvariedade da fala de uma comunidade, restrita por operações de forças sociais a representantes de

um grupo étnico, religioso, econômico ou educacional específico”, serão o arcabouço teórico desse trabalho. Em se considerando o processo de ensino aprendizagem de uma língua Português- para estrangeiros, deve-se contribuir para que o aluno possa reconhecer como as variantes sociais afetam o modo como as pessoas falam e se comportam. As variações lingüísticas de ordem sociológicas que compreendem as variações provenientes da idade, sexo, profissão, nível de estudos, classe social, localização dentro da mesma região, raça, as quais podem determinar traços originais na linguagem individual, deverão ser o norte desse estudo, apesar de reconhecermos que, de modo geral, a classificação social do indivíduo por meio da linguagem, torna-se precária. O que não podemos esquecer é que, a fala do homem na sociedade é produto do meio e, este, consequentemente, produtor dela, por isso é possível traçar um paralelo entre o trio língua, cultura e sociedade. Tal afirmação pode ser comprovada pelas palavras de Sapir, em Preti (2003), ao considerar que, o meio compreende os estados, isto é, as condições de vida préexistentes no indivíduo. Isto é, a classe social a que ele pertence, sua cultura, a educação que recebeu, as tradições as quais se liga, as idéias religiosas, os princípios morais e as formas habituais de atividade e pensamento, ou seja, ofícios e profissões, e outras formas de atividade, como, por exemplo, os jogos, os esportes, as ocupações científicas, literárias

e artísticas e, até mesmo, a simples ociosidade que, frequentemente,

propiciam a aproximação de indivíduos. Contudo, devemos observar que não é possível afirmarmos que há uma relatividade na identificação entre indivíduo e língua. Não é plausível assegurar que podemos antever as estruturas e formas que um falante utilizaria em dada situação, pelo simples fato de elas pertencem a certo grupo social, o que devemos salientar é que, a fala tem caráter individual e por conta das diversas variantes existentes em um mesmo idioma, o falante nativo tem a capacidade de reconhecê-las e utilizar o que for mais adequada à situação.

Ao relacionarmos conceitos como língua, cultura e sociedade é necessário defini-los, para tanto, escolhemos, dentre as diversas definições existente para língua, aquela que foi exposta em Preti (2003), pela visão da Sociolingüística, para ilustrar esse trabalho. Segundo ele, língua é um sistema de signos convencionais que faculta aos membros de uma comunidade a possibilidade de comunicação, acredita-se hoje, que seu papel seja cada vez mais importante nas relações humanas, razão pela qual, seu estudo está envolvido em diversos processos. Nas grandes civilizações a língua funciona como o suporte da dinâmica social compreendendo todas as atividades do homem desde suas atividades diárias até a vida cultural, científica ou literária. Para Humboldt em Preti (2003), a língua organiza a visão de mundo de cada povo. Essa visão é ratificada pelas palavras de Wilbur Marshall Urban, também em Preti (2003), ao afirmar que a vida meramente vivida não tem sentido. Poder-se-ia pensar que somos capazes de apreender ou intuir diretamente a vida, mas seu sentido não pode captar-se nem expressar-se a não ser numa linguagem, seja ela qual for. Tal expressão ou comunicação é parte do próprio processo vital (...) Num sentido objetivo, os limites da minha linguagem são os limites do meu pensamento e mundo. Sons, gestos, imagens e diversos imprevistos cercam a vida do homem moderno compondo mensagens de toda ordem transmitidas por diferentes canais como a televisão, o cinema, a imprensa, o rádio, o telefone, o e-mail (correio eletrônico), os cartazes de propaganda, os desenhos, a música e tantos outros. Em todos, a língua tem papel preponderante, seja na forma oral ou no código escrito. A língua atualiza o nosso contato com o mundo ao funcionar como elemento de interação entre indivíduos e a sociedade em que eles atuam. É por meio dela que a sociedade se transforma em signos, pela associação de significantes sonoros a significados arbitrários, com os quais se processa a comunicação lingüística. Ao aceitar uma língua como um modo primordial de comunicação, uma sociedade tende a manter uma unidade lingüística cunhada por uma ideologia, que consciente ou inconscientemente, equipara a linguagem e proporciona aos seus indivíduos total integração comunicativa e compartilhamento das experiências culturais que são produto e produtoras da língua. Esse processo de aceitação leva os falantes da

língua a um processo de unificação e uniformidade lingüística que passa a reger a maneira pela qual as pessoas interagem. Preti (2003), ao tratar dessa unificação, a denomina como “norma” e a define como o ponto de chegada no processo de uniformização e equiparação da língua. Para o autor, a própria sociedade preserva o uso, que ela estabeleceu, já que é grande a preocupação de seguir os acordos estabelecidos, havendo a procura de saber o que é certo ou errado dentro dos padrões constituídos. O autor assegura também que, ao acomodar-se a uma norma lingüística o falante tem sua articulação de pensamento condicionada às normas estabelecidas na e pela sociedade, visto que não há muitas maneiras de se dizer uma mesma coisa. Assim, apesar do aspecto social, a fala comum tende a evitar a diversidade porque essa prejudica a comunicação. Ao suprimir a possibilidade de escolha lingüística, unificar as variedades sinonímicas e repudiar a expressão preciosa, os falantes tendem a exprimir cada coisa de uma só maneira. O conceito de norma pode ser subdividido em norma popular, culta e comum, sendo cada subdivisão estritamente ligada ao caráter de classificação social do falante. Os três agentes que corroboram para a unidade lingüística de uma sociedade são: a escola, a literatura e os meios de comunicação em massa. É possível correlacionarmos esses elementos quando pensamos no caráter unificador de cada um. A escola é aquele que padroniza a linguagem de acordo com o padrão culto, sendo ajudada pela literatura à medida que os indivíduos elevam seu grau de instrução e são influenciados pelo padrão culto presentes nos livros. Logo, a norma comum é fortemente difundida pelos meios de comunicação e, portanto, atinge uma parcela maior da população, enquanto que a norma popular é tida como aquela presente entre os falantes das camadas com menor grau de instrução e mais pobres da sociedade. Observamos que o processo de unificação é fruto das normas constituídas pela sociedade, ou seja, é o modo que a sociedade elege para se comunicar.

Não ter

conhecimento dessas normas, enquanto falante aprendiz significa não ser capaz de reconhecer e, conseqüentemente, interagir na língua alvo.

Para tanto, é essencial que o aprendiz possa reconhecer, compartilhar e adequar-se a essas normas vigentes na sociedade falante da língua alvo, pois, só assim, ele será capaz de compreender porque algumas situações de comunicação são correntes em alguns grupos sociais e, em outros, não. Ao partilhar desses diferentes padrões de unificação, o aluno poderá distinguir e situar qual norma deve utilizar em dados contextos e, sobretudo, terá a capacidade de relacionar cultura e língua podendo, assim, assimilar a noção de implícito cultural presente nas expressões de valor negativo. O papel da cultura, nesse caso, caracteriza-se como o responsável por guiar o aluno na tarefa de entender como os falantes nativos brasileiros usam a noção de cortesia e rejeitam o vocábulo “não”, ao receberem convite ou pedido que venham a ser recusados. Essa tendência que temos em não dizer “não” é um processo inconsciente, orientado por uma ideologia que deve ser “ensinada” aos aprendizes para que possam reconhecer nossa cultura e por ela interagir e participar de diferentes contextos. Constituídos a partir da noção de unificação lingüística e, sendo por ela, regidos, os ditos, diletos sociais são a base, pela qual, toda idéia de variedade lingüística pode ser orientada no âmbito sócio-cultural. Para Preti (2003), dialetos sociais constituem um sistema de variedades socioculturais da linguagem não muito distintos entre si, que acabam por reger os conceitos de linguagem culta ou padrão e uma linguagem popular ou subpadrão. Ambos os níveis de linguagem são empregados em situações sociais diferenciadas, tendo o primeiro maior prestígio social que o segundo, que é sempre empregado nas situações coloquiais de menor formalidade. Podemos afirmar que os dialetos sociais têm função diferente de uso como, por exemplo, o dialeto culto que é usado em conferências ou discursos políticos e o popular que é, geralmente, habitual em expressão de estados emocionais e novelas de rádio e televisão. Entretanto, a fronteira entre os dois dialetos é duvidosa, podendo haver a superposição, ou seja, a troca de um pelo outro de acordo com a necessidade do falante,

como, por exemplo, um político num comício poderá empregar a linguagem típica do povo para melhor comunicação. Preti (2003), afirma que o dialeto culto é eleito pela própria comunidade como o de maior prestígio, refletindo um índice de cultura a que todos pretendem chegar. De certa forma “aprender a língua” significa aprender o dialeto culto como pode ser visto nos materiais didáticos usados para o ensino de PLE atualmente. O uso do dialeto social culto torna-se evidente quando nos deparamos com a linguagem escrita, exceto na literatura popular (o cordel, por exemplo) e nos versos musicais etc., em que predominam o dialeto popular ou dialeto social popular. Por linguagem escrita fazemos menção àquela presente em livros e artigos científicos dentre outros. Do ponto de vista da estrutura lingüística esses dois dialetos sociais apresentam algumas diferenças. Dentre essas é plausível citar as seguintes características do dialeto social culto: padrão lingüístico de maior significância, situação mais formais, falantes cultos, literatura e linguagem escrita, sintaxe mais complexa, vocabulário mais amplo, vocabulário técnico, maior ligação com a gramática e com a língua dos escritores. Já no dialeto social popular nota-se: subpadrão lingüístico, menos prestígio, situações menos formais, falantes do povo menos cultos, linguagem escrita popular, simplificação sintática, vocabulário mais restrito, gíria e linguagem obscena e também fora dos padrões da gramática tradicional. Em geral, pode-se dizer que o dialeto social culto, em razão das características apontadas, se prende mais às regras da gramática, tradicionalmente consideradas normativas, veiculada pela escola, aos exemplos da linguagem escrita, literária, muito mais conservadora, ao passo que o dialeto social popular é mais aberto às transformações da linguagem oral do povo. Ao ensinar PLE é importante mostrarmos ao aluno que essas variedades existem e que é fundamental saber que certas variações da língua são aceitas

socialmente, de modo diverso, por diferentes comunidades de falantes nativos do idioma, ou seja, a idéia de prestígio social por meio do uso da língua é diferente para grupos distintos. No entanto, o dialeto social culto é predominantemente aceito como a linguagem ideal nas diversas situações de comunicação. Preti (2003), ainda, apresenta a hipotética questão de haver um dialeto social intermediário ou linguagem comum que funcionaria como resultado da junção de elementos dos dois dialetos sociais anteriormente citados. Também afirma que esse dialeto hipotético teria ampla aceitação nas camadas medianamente escolarizada, nos meios de comunicação e, também, no próprio organismo escolar, pelo menos no ensino dito mais moderno, que levam em conta essas variações socioculturais no processo de ensino-aprendizagem de línguas maternas ou estrangeiras. Contudo, alerta para a possibilidade de estratificações mais significantes dos seus extremos, ou seja, o risco de haver variantes extremadas dentro dos dialetos sociais, culto ou popular, como, por exemplo, a possibilidade do surgimento de um dialeto social popular vulgar ou de um dialeto culto envolto em preciosismo lingüístico. Aliada a essa concepção hipotética, do mesmo modo, poderiam existir as variedades de uso da língua, isto é, dentro do conceito de uso da linguagem, haveria a possibilidade de situarmos os níveis da fala em: registro formal, comum e coloquial. É importante ressaltar que essa conceituação pautada em registros de formalidade seria assumida pelos falantes de acordo com os contextos situacionais nos quais estariam imersos. Assim, ao assumir um ou outro registro, o falante estaria se adequando à dada situação de uso lingüístico. Novamente, a noção dos implícitos culturais poderia vir à tona, uma vez que, o implícito está fixado no consciente e inconsciente coletivo dos falantes nativos sendo fruto de comportamentos lingüísticos, que guardam sua unidade através de gerações e se revelam como ideais para atender às necessidades de comunicação dos grupos sociais em dados contextos. Ao relacionarmos as hipóteses do dialeto social comum e do registro comum vemos como os traços que definem ambos, os conceitos, são afins e representam a

linguagem na qual o implícito aparece. Pois, ao utilizar a noção de implícito, mesmo que inconscientemente, o falante brasileiro, não costuma empregar uma linguagem desprovida de elementos sintáticos, o que tornaria improvável que o outro o compreende-se. Não podemos esquecer as estruturas lingüísticas são o molde da linguagem e, que sua presença muito deturpada, não propicia o entendimento do que é dito ou subtendido. O falante apóia-se nas estruturas a fim de atribuir sentido àquilo que enuncia. Vale lembrar que, não só o implícito é uma força que age inconscientemente, mas também, as estruturas sintáticas da língua. Desse modo, cabe destacar que o implícito é mais corriqueiro na linguagem comum e suas características propiciam ao falante nativo menor preocupação com estruturas lingüísticas e não a total deturpação, fato que acaba por gerar menor grau de elaboração de linguagem e, portanto, menor preocupação com frases completas ativando, assim, em situações comunicativas, o entendimento interiorizado na consciência dos falantes nativos, que conseguem compreender o que não foi dito, mas, sim, o que se quis dizer. É importante dizer que o implícito cultural é de dimensão maior situado na mente do falante, podendo ser considerado uma influência que age sem que seja percebida, mas que produz sentido ao agregar significado para os falantes nativos da língua e não para os estrangeiros, caso esses não sejam “ensinados”, isto é, conscientizados. O ensino geral de língua materna iniciou-se na tradição grego-latina e tinha como objetivo a formação de um falante ideal, universal e elitista, visto que os alunos da época pertenciam às classes sociais dominantes. A variante lingüística, até então ensinada, era a do padrão gramatical normativo. Do ponto de vista metodológico, o aluno deveria ser capaz de reproduzir conteúdos, baseados em textos literários da época, previamente selecionados pelos educadores, sem a preocupação com as necessidades reais dos aprendizes.

A mesma sistematização do ensino foi seguida para o ensino de línguas para estrangeiros, no Brasil, com a abertura das Faculdades de Letras. Desse modo, a aprendizagem de línguas estrangeiras em nosso país foi entendida como a tradução dos bons livros e o conhecimentos de regras gramaticais. Entretanto, os estudos lingüísticos trouxeram a necessidade de uma reformulação no ensino de língua, tanto materna quanto estrangeira. Assim, a partir de diversas vertentes das teorias lingüísticas, passamos a privilegiar o oral e o escrito e buscar desenvolver as habilidades de falante/ouvinte e escritor/leitor. É importante ressaltar que nessa ocasião, essas reformulações foram pautadas em teorias lingüísticas de cunho descritivo. Segundo Silveira (1998), num primeiro momento, a preocupação dos estudiosos para o ensino de língua estrangeira esteve voltada para a reformulação metodológica, mantendo-se a preocupação com o sistema da língua. Logo após, verificou-se a necessidade de reformulações teóricas. As mudanças ocorridas na metodologia passaram a considerar o aluno como sujeito e agente do processo de formação da língua-alvo e priorizar o seu crescimento como pessoa integral. A reformulação teórica objetivou desenvolver no aluno o uso efetivo da língua, numa abordagem comunicativo-interacional, entendo que havia processos inter e multidependentes de aprender e ensinar línguas, que são relacionados com a língua materna do aprendiz. É nesse cenário de mudanças, que o interculturalismo no ensino de PLE, surge. Para Silveira (1998), o enfoque interculturalista é importante porque ressalta como língua e cultura são elementos convergentes num processo de reconhecimento da identidade cultural e idiomática da língua alvo, assim como, a conscientização do aluno sobre de sua própria identidade. Ambos, língua e cultura alvos, são aspectos que devem ser focalizados e considerados durante o processo de ensino-aprendizagem. A fim de nos aprofundarmos na abordagem interculturalista é necessário apresentarmos alguns conceitos sobre cultura e situá-los em nossa sociedade, ou seja,

fazer

notar como a cultura está presente no cotidiano das pessoas e como,

principalmente, molda os falares por meio do que é chamado de implícito cultural. Contudo,

o uso efetivo do português brasileiro e, mais precisamente, de

expressões lingüísticas com seus respectivos implícitos culturais pode ser tratado na inter-relação, ideologia, cultura e implícito, visto que, o uso efetivo da linguagem pelo falante é fruto da relação indivíduo-sociedade e vice-versa, guiada por bases culturais, isto é, as formas avaliativas com as quais representamos o que acontece no mundo. Os conceitos de cultura, ideologia em implícitos culturais são definidos sob a perspectiva de van Dijk e serão circunscritos na inter-relação das categorias discurso, sociedade e cognição. Segundo Silveira (2004), o discurso é uma prática sociointeracional cujo sucesso discursivo decorre da relação dialética entre o individual e o social, entre um evento discursivo particular e as situações discursivas institucionalestruturais sociais. Desse modo, pode-se dizer que a interação social molda o discurso, ao mesmo tempo em que o individual transformar o social. Ainda nesse sentido, podemos observar que, se o discurso é uma interação sociocognitiva, ele é expresso pelo uso da língua que representa no texto, oral ou escrito, as situações, os objetos de conhecimento, a identidade cultural das pessoas e as relações ideológicas destas e dos grupos sociais entre si. Nesse enfoque, é possível denominar as expressões lingüísticas como o material da cultura e da ideologia, que se manifestam por elementos lingüísticos que contêm implícitos culturais. Essa afirmação justifica a razão da necessidade de ensinarmos as expressões lingüísticas contextualizadas com a cultura e, não apenas dentro de seus aspectos gramaticais e lexicais. Segundo van Dijk em Silveira (2004), a Sociedade é constituída de grupos sociais distintos nos quais as pessoas reunidas

mantêm relações sociocognitivas

conflitantes em seu intra, inter e extragrupos sociais, na medida em que representam o mundo de formas distintas, dependendo de pontos de vistas diferentes. O termo Cognição, nesse âmbito, faz alusão aos marcos de cognição sociais, relativos aos grupos sociais de uma nação além de conhecimento individuais, sendo

ambos de natureza memorial. Já, Marcos de Cognição Sociais são os conhecimentos construídos em sociedade enquanto conhecimentos remanescentes e persistentes que identificam culturalmente diferentes grupos por suas normas, valores e crenças. Nesse cenário, podemos afirmar que cultura, em Silveira (2006), é entendida como um conjunto de conhecimentos avaliativos sociais, transmitidos de geração a geração, portanto, com raízes históricas a respeito do que é experienciado e representado como forma de conhecimento, intra, inter e extragrupos sociais. É um conjunto de valores reconhecidos historicamente pela sociedade, que guia, na contemporaneidade, a resolução de problemas, embora estes modifiquem aqueles. Nesse sentido, valores culturais são dinâmicos. É importante salientar que a cultura é um fenômeno dinâmico, que sofre mudanças permanentes que são determinadas por ações internas, externas e de outras culturas. É conveniente ressaltar que o conceito de ideologia teve suas origens nas Ciências Sociais, segundo van Dijk em Silveira (2004), e que apenas recentemente, os estudos da ideologia têm se voltado ao gênero e à cultura. Apesar disso, para o autor a mesma atenção para as dimensões cognitiva, discursiva e lingüística, não tem sido dispensada. Ainda, na visão do mesmo autor, um novo conceito e ideologia é apresentado a partir da relação existente entre estrutura social e a cognição social. Assim, ideologia caracteriza-se como, “conjunto de crenças sociais, adquiridas, utilizadas e modificadas não só em situações sociais, mas também a partir de interesse sociais dos grupos e suas relações com as estruturas sociais”. Nesse sentido, podemos considerar as ideologias como uma espécie de auto-esquema do grupo, visto que, representam os interesses essenciais do grupo por meio dos modelos de situação e contexto. A noção de implícito cultural, dentro das práticas discursivas, e suas questões pertinentes são relativas tanto ao uso de expressões lingüísticas quanto aos aspectos culturais e ideológicos. De acordo com Silveira (2004), o implícito cultural é um elemento de suma importância para a aquisição de uma língua estrangeira, visto que,

conhecer, apenas, o sistema da língua não pode dar conta dos pressupostos subtendidos presentes na comunicação. Os conceitos de pressupostos e subentendidos surgiram na segunda metade do século XX, sob um prisma interdisciplinar com Ducrot (1987) conforme Silveira (2004). Seu foco principal era a língua em uso com a diferenciação entre “o que se diz” e “o que se quis dizer”. Para o autor, o dito é o conhecimento que o locutor tem da língua; e o não dito situa-se nas intenções de quem fala, dependendo da situação e do contexto social. Assim, foram apresentadas as noções de posto, pressuposto e subtendido. Entendemos o posto como aquilo que o locutor afirma e apresenta no ato da comunicação. O pressuposto pertence ao componente lingüístico, que abarca o ato da fala sem se preocupar com as condições de ocorrência. Já o subtendido, ao contrário dos pressupostos, leva em conta as condições de enunciação, ocorre após o ato de comunicação e se constitui como fruto da interpretação do interlocutor. Considerando, ainda, essa relação entre o dito e o não dito, Maingueneau (1996), em Silveira (2006), afirma que, um implícito é construído como um jogo entre o dito e o não dito, um jogo que se realiza na fronteira deles e, por essa razão, é normal que se passe sem cessar de um para o outro. Portanto, implícitos nada mais são do que pressupostos e subtendidos, visto que ambos permitem ao locutor antecipar um determinado conteúdo sem, todavia, assumir a responsabilidade do que foi dito, pois um mesmo enunciado assume subtendidos diferentes de acordo com os diferentes contextos. Ferreira (1998), caracterizou a noção do implícito como lacunas que integram um determinado espaço lingüístico e cultural que é capaz de ser preenchido sem determinados problemas por falantes da língua que conhecem pistas lingüísticas e culturais do idioma. Expressões lingüísticas, do ponto de vista da prática social discursiva, são o material lingüístico resultante da cultura e da ideologia, de forma a manifestarem-se por meio de elementos lingüísticos que contêm implícitos culturais. As formas de “não dizer não” do falante do português brasileiro têm suas origens culturais no nosso povo que foi

caracterizado por Silveira (1998), como cordial e cortês, que não se expõe socialmente, usando a língua como artifício para se ocultar, a fim de evitar conflitos. Nesse sentido, é de suma importância pontuar que a decodificação de um implícito não é fácil para um estrangeiro e, muitas vezes, acontece uma decodificação errada por falta do conhecimento das pistas lingüísticas e culturais que permitem nativos chegarem a certos referentes. Ferreira (1998), também traz as citações da professora Geneviève em seu livro Ensinar uma cultura estrangeira, que afirma ser o implícito um signo de uma experiência muda do mundo. Isto quer dizer que, apesar da cultura integrar nossas vidas, não somos conscientes disso e certamente não nos recordamos o nosso processo de aprendizagem dela. A questão do implícito no ensino de PLE é latente, pois é necessário, nas palavras de Ferreira (1998), ter em conta o implícito e detectar as representações dos alunos sobre a cultura materna e sobre a cultura estrangeira, levando-os a um relativismo cultural, o qual supõe uma busca de explicitação dos elementos referenciais de ambas as culturas. A negação em língua portuguesa, quando considerada no nível do sistema da língua, é uma categoria gramatical de negação/afirmação que utiliza dos advérbios não, nunca e jamais, enquanto classes de palavra. Ao fazermos a mesma analogia no nível discursivo notamos que o brasileiro utiliza expressões lingüísticas de valor cultural negativo, uma vez que, usufrui do ocultamento do EU, sem opor-se ao TU. Aprender uma língua estrangeira é buscar acesso à outra cultura; pois o processo de ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira é um processo necessariamente intercultural, que aponta as formas de pensamento e conduta de outra cultura. A perspectiva intercultural para o ensino de PLE, valoriza o conhecimento cultural do aprendente, conduzindo à aquisição da língua e cultura estrangeira tendo como ponto de partida o conhecimento da língua e da cultura materna. Trata-se de um

processo tenso para o aluno à medida que vai redescobrindo e comparando sua língua e cultura com a que está sendo aprendida. Fontão (1995) segundo Ferreira (1998), diz que aprender uma língua estrangeira significa antes de tudo “entrar em contato e conflito com diferentes maneiras de produzir sentido”. Nesse processo de aprendizagem intercultural, o aluno precisa ser levado a mudar sua postura de criticidade perante sua língua materna e ser capaz de rever conceitos e posições que antes pareciam inalteráveis. Contudo, se faz imperativo reconhecer que a capacidade de relativizar os próprios conceitos preestabelecidos, acolher as diferentes formas de pensamento e de revisar a posição dos seus próprios valores culturais não pode ser tidas como habilidades simples e imediatas, o que muitas vezes, acabam por sedimentar estereótipos negativos em relação a nova cultura. Ao processo de apresentação da nova cultura por meio de elementos lingüísticos simples foi estudada por Fontão do Patrocínio (1993), citado por Ferreira (1998), e classificada como uma simplificação da noção de cultura que leva o professor ao imediatismo, ou seja, é ensinada a comunicação por meio dos elementos lingüísticos e relegada para um segundo plano a meta principal do ensino de uma língua estrangeira, levar o aluno a se desenvolver como pessoa, despertando seu senso crítico, ao mesmo tempo em que o capacita para inferir e transformar o mundo a sua volta. Por tudo, o interculturalismo pode ser entendido como a competência de acolher o diferente, aprender a desvendar com o auxílio da língua materna uma nova cultura e contemplar a sua própria cultura com criticidade para que visões distorcidas da outra cultura não sejam motivadas. O implícito cultural presente no interculturalismo proposto por Silveira (1998), tem como ponto de partida que os países lusófonos identificam-se por usarem a língua portuguesa, porém com identidades culturais diferentes, por estarem relacionadas a marcos de cognição social distintos, ainda que, com pontos convergentes decorrentes de seu discurso fundador, instaurados pelos portugueses em suas colônias. Esses países possuem suas próprias culturas.

Ferreira (1998), a partir de um conceito de Strauss afirma que, cultura consiste em uma multiplicidade de aspectos, alguns dos quais são comuns em culturas próximas ou distantes, e outras vezes, esses aspectos se diferenciam de modo muito pronunciado. Esta colocação reafirma a importância do interculturalismo no ensino de língua e assegura o fato de que não existe uma leitura universal do mundo, da mesma forma que, as línguas não podem ser traduções homólogas de uma única realidade, e toda cultura implica uma representação específica do mundo.

Para Amaral Freire (1995) em

Ferreira (1998), uma língua é uma criação coletiva que tem um código dinâmico muito específico que condiciona nossa maneira de ver o mundo. Para o aprendiz a importância da cultura acomoda-se no fato de que os falantes estrangeiros precisam reconhecer os marcos de cognição sociais e as práticas sociais das línguas que estão aprendendo. Uma língua não existe apenas como estrutura, objetivamente transcendente ao sujeito falante, é, pois necessário contextualizar o seu uso. A autora vê a cultura como a porta de entrada, o elemento fundador a partir do qual a experiência de ensinar e aprender se constrói, nesse processo a cultura não toma o papel secundário em detrimento das formas lingüísticas. Nesse sentido, Ferreira (1998), utiliza-se de Cantonet ao dizer que apreender uma cultura implica apropriar-se de determinados conhecimentos como: conhecimento lingüístico, paralingüístico, social e não-verbal, nocional e os valores de uma língua. O conhecimento lingüístico compreende saber o que dizer, como e quando dizer algo adequadamente, um exemplo disso poderia ser a questão do uso de pronomes em situações formais. Já o paralingüístico é necessário na comunicação oral: a mímica, a linguagem corporal, a entoação da voz e a proximidade com quem se fala, visto que em certas culturas, não respeitar uma distância física numa conversa é visto como desrespeitoso. Já o social e não-verbal acontece no âmbito das relações sociais, ou seja, atitudes que são ou não aceitas por certas sociedades. O conhecimento nocional é aquele que nos leva a compreender certas concepções da cultura estrangeira e as diferenças com as nossas culturas. O último dos conhecimentos é tido como aquele que engloba os

demais podendo ser vinculado à aspectos axiológicos que supõem o conhecimento do sistema e dos valores de uma cultura. Analisando os pressupostos teóricos de Cantonet, Strauss e Silveira é possível observar que língua e cultura são convergentes, complementares e indissociáveis. Almeida Filho assegura que o conhecimento cultural não está restrito a ser expresso em linguagem verbalizada, mas pode também, ser realizado com gestos, expressões e ruídos específicos, aproximação física, tom e altura de voz, contornos entoacionais dos enunciados orais e uso do riso ou sorriso. A necessidade do ensino da cultura e seus

implícitos num processo de

aquisição de língua estrangeira deve acontecer para que a curiosidade não revele traços exóticos da cultura e língua alvo, que possam resultar em preconceito afastando os conceitos de aceitação e compreensão cultural por parte do aluno. Ainda, para Almeida Filho (2002), a cultura governa a maior parte das atitudes, dos comportamentos, das representações e dos costumes dos falantes de uma língua. Ela orienta as ações e as perspectivas desses falantes freqüentemente sem que eles estejam conscientes disso. Ao ensinar uma nova língua incluindo por força sua dimensão cultural, será preciso introduzir as representações culturais que já foram explicitadas no comportamento de falantes competentes. O conceito genérico de cultura é a referência ao conhecimento, às idéias e crenças, assim como, a maneira que eles existem na vida social de um grupo ou nação e, referenciam a totalidade de características de uma realidade social. Além disso, é possível encontrarmos outras definições de cultura. Segundo Hell, em Mendes (2002), cultura é um termo da moda que incessantemente gera neologismos, sintagmas insólitos, expressões à primeira vista desconcertantes, quando, em certos casos, realizam associações imprevistas. Para Neiva (1997), em Mendes, a visão antropológica tradicional de cultura seria uma abstração idealizada, um traço essencialmente distintivo que separaria os seres humanos em suas identidades sociais e que discriminaria a sociedade do mundo natural. A cultura, é então, vista como uma

regra imanente de integração social, cujo propósito inicial é distinguir o que é nosso em oposição ao que lhe é alheio. Essa definição de cultura pode ser confirmada nas palavras de Bennet (1998) que foram citadas por Rebello (2005), a cultura subjetiva refere-se a características psicológicas de um grupo de indivíduos, ou seja, está relacionado a seu modo de pensar e de se comportar. A cultura subjetiva se caracteriza como “os modelos de crenças, comportamentos e valores apreendidos e compartilhados por grupos de pessoas que interagem entre si”. O principal motivo para o ensino de PLE ter enfoque na cultura como um facilitador do desenvolvimento da competência comunicativa é que a linguagem é um dos principais componentes culturais, pois, é por meio da linguagem, como sistema de símbolos, que os falantes interagem com a realidade na qual se inserem. Portanto, a cultura apresenta-se como um fator determinante para que os alunos possam se interessar pela língua alvo e ambientar-se nela. Pois, quanto maior a interação do aluno com a cultura, maior o interesse pela língua. Conhecer os hábitos, os comportamentos e os sentimentos das pessoas que usam a língua propicia ao aluno a possibilidade de usar a língua estrangeira mais adequadamente e, assim, comunicar-se de forma mais eficiente com os falantes nativos. Após apresentarmos algumas definições sobre cultura, é importante dizer que, cultura pode ser caracterizada como um fenômeno em construção constante, e, portanto, efêmero, que pode assume diversas explicações dependo da área de estudo. Optamos por levantar, também, outros esclarecimentos a cerca do tema. A partir da leitura de Sellan (2001), podemos referenciar outros autores que definiram cultura sob diversos enfoques. A autora retoma o humanista Antonio Houais (1992), que afirmou que o brasileiro tem uma identidade própria ao usar a língua portuguesa que o diferencia dos demais países lusófonos, pois as políticas, a história e as culturas típicas de cada país são responsáveis para formar universos de práticas sociais próprias que são diferentes umas das outras.

O sociólogo Gilberto Freire (1977), também teve sua definição de cultura utilizada por Sellan (2001). Para ele a cultura é definida pela relação dela com a natureza humana. Ainda, segundo ele, a base da cultura é a interação comunicativa: a linguagem, a construção de regras, e normas sociais e de um processo produtivo, a capacidade de modificação do meio ambiente decorrem da capacidade de comunicação com o outro. O modo como somos e fazemos as coisas também foi definida no trabalho de Sellan (2001) como uma característica de cultura. Para Da Matta (1998), a cultura não é só uma tradição mantida no social, mas também um estilo, em relação a outros grupos sociais , que define socialmente o modo de ser e de fazer as coisas. Contudo, as interpretações culturais devem ser baseadas em contextos, ou seja, pautadas pela observação e pela vivência dos fatos. Acredita-se

que a linguagem

autoriza o ato do indivíduo/autor social e, por isso mesmo, só pode ser compreendida em seu significado completo considerando-se a moldura social que a modela/determina: (...) nenhuma análise lingüística consegue revelar o significado completo de um texto sem o conhecimento da sociologia, dos costumes, e das crenças correntes numa determinada sociedade. Novamente, o antropólogo Ortiz (1994), em Sellan(2001),

afirma que é

prudente ressaltar que discussões sobre cultura têm dado mais enfoque a sistemas de valores que sejam responsáveis pelas diferenças culturais entre povos de diferentes línguas, em vez de mostrar aspectos exóticos ou apenas informativos sobre cultura. Podemos destacar que isso é bastante significativo para o ensino de PLE, uma vez que, ao agregarmos valores à cultura alvo e à cultura do aprendiz, estamos valorizando ambas as culturas e, assim, possibilitando que a comparação faça o aluno a entender e aceitar as ideologias que guiam o modo de agir e interagir de um povo. A importância desse fato pode ser confirmada por Meyer (2002), ao alegar que abandonar os estereótipos relativos à América Latina e, em especial aos brasileiros, pode ser dito um das maiores dificuldades do aluno de PLE. Para ela não é suficiente

conhecer apenas fatos sociais como o carnaval, o futebol e os esportes de praia para a integração social, visto que, nem todos os brasileiros apreciam as mesmas coisas. Desse modo, ensinar português torna-se especialmente desafiador: quando o foco volta-se para o comportamento social lingüístico, não para as regras sociais. Visto que, os aspectos sociais que cercam o povo brasileiro são representativos em termos de uso de língua, dentre eles podemos citar a cortesia e os implícitos decorrentes desta, principalmente quando nos referimos aos usos da negação. Essa situação de uso é retomada por Meyer (2002), ao observar que o brasileiro utiliza digressões ao responder negativamente a um convite, mostrando que isso é um traço cultural. Como exemplo, temos a seguinte situação: um brasileiro que não pode aceitar um convite para jantar e prontamente responde “ Que tal jantar lá em casa próximo sábado ?” nunca diria algo como “Sinto muito eu não posso”. No contexto da língua portuguesa do Brasil, essas respostas claramente significam que a pessoa não vai ao jantar, de tal forma que o anfitrião não vai ficar esperando por outro contato, de acordo com a noção do implícito cultural. Adquirir uma nova língua significa a apreender códigos sociais, valores comuns, identidades sociais, então, no Brasil de hoje, com uma estratificação social tão hierarquicamente marcada, o ensino de nossa língua deverá incorporar este aspecto social da diferença e “ensinar” ao aluno-aprendiz como a tríade língua cultura e sociedade são relacionadas e operam de modo interdependente à medida que o falante nativo tem o seu pensamento regido, mesmo que inconscientemente, por esses três aspectos.

CAPÍTULO II O MATERIAL DIDÁTICO NA PERSPECTIVA INTERCULTURALISTA Aprender uma língua estrangeira, no ver de Almeida Filho (2002), constitui-se como um processo inconsciente e consciente, o primeiro acontece quando o aprendiz se envolve em situações reais pra construir significados na interação com outros falantes do idioma e, o segundo, quando o aprender é monitorado por regras e normalizações típicas da escola. É nesse cenário formal que o material didático assume sua função de assegurar ajuda ao professor e ao aluno para realizarem o processo de ensinoaprendizagem. O material didático, no ver de Sternfel (1997), caracteriza-se como uma peça documental que possibilita o resgate de decisões que atuam como o alicerce de uma obra, quer dizer, a perspectiva que sustenta os pressupostos de cada abordagem de ensino. O conceito de abordagem segundo Cunningsworth (1954), citado em Morita (1998), foi apresentado como conjunto de pressupostos teóricos sobre língua, linguagem, ensinar e aprender e aprender uma língua estrangeira. Ainda, de acordo com Almeida Filho (1994), em Sternfel (1997), ao comparar material didático e livro didático, o autor diz: materiais didáticos assumem uma abrangência maior que LD (livro didático), já que se tornam “codificações de experiências potenciais com uma língua-alvo organizadas em unidades de trabalho, acompanhadas, ou não, por notas e planos constantes de manual do professor, fitas, cartazes, cartuchos e caderno de exercícios”. Além disso, Morita (1998), também declara que como materiais didáticos são elaborados a partir da experiência de um determinado professor ou de um grupo de professores, isso faz com que tenham a tendência de serem genéricos, seja do ponto de vista lingüístico seja do cultural. Em geral, vemos que os materiais didáticos atuais, apesar de utilizarem alguns aspectos de língua oral, ainda são tímidos nessa área, conforme Alencar (2005). Essa situação pode ser ilustrada pelo questionamento “O que devemos abordar na construção

do material didático?”. Segundo Celso Pedro Luft em Souza e Silva (2002), “a língua é o que é, e não o que poderia ou deveria ser: ela é como a fizeram e fazem os que a falaram e falam”. Ao relacionarmos essa afirmação com a elaboração de material didático se faz necessário conforme Ernani e Nicola, para a mesma autora, incluir o seguinte questão sobre qual linguagem abordarmos em materiais didáticos “um guia arcaico do comportamento lingüístico” ou “a língua efetivamente cultivada no Brasil de hoje em suas diversas manifestações: textos literários, letras de músicas, artigos jornalísticos, anúncios publicitários historias em quadrinhos ...”? Entretanto, o fato de que nenhum material didático se adaptar totalmente às necessidades e interesses de alunos, pode ser ilustrado por Cunningsworth (1954), referenciado por Morita (1998), ao alegar que material bom é aquele que pode ser usado com a classe toda, com pequenos grupos e também individualmente, pois alunos precisam ser atendidos tanto como indivíduos quanto como membros de um grupo. Para tanto, Morita, ainda, cita Prabhu (1998), quando o autor expõe o fato de que um material pode atingir qualidade não sendo altamente específico em seu conteúdo e organização, mas bastante flexível e ajustável. O autor, também, acrescenta que o material deve ser maleável e não precisa se resguardar de possíveis alterações do professor, mas permitir e encorajar modificações ou substituições de diferentes modos. Outro elemento importante para o material didático de LE é a necessidade de abordar momentos variados de aprendizagem individual ou em grupo. Isso significa que, em momentos distintos, as explicações e atividades podem ser individuais e, em outros, ser desenvolvida em pares e grupos. É importante respeitar os momentos de aprendizagem individual ou em grupo, já que falantes aprendizes podem apresentar estilos de aprendizagem diferenciados, o que requer do professor sensibilidade para adoção de materiais que possuam essas características. A noção de um material de natureza global, centralizado, traz em si indicações de como deve ser norteada a ação do professor, por meio da apresentação de um insumo estruturado, dosado, de acordo com as etapas ou unidades que são ordenadamente

apresentadas. Segundo Ortiz (1994) em Mendes (2002), o material didático deve fornecer as possibilidades de ser ajustado, modificado, adaptado às necessidades de professores e alunos, levando em consideração os esquemas prévios dos alunos e os insumos fornecidos pelo professor. Se as atividades desenvolvidas fornecerem um grau adequado de interação entre esses elementos, acarretarão, conseqüentemente, um avanço/evolução na aprendizagem. Portanto, o material didático deve atender todos esses aspectos sendo variado e possuindo um número diverso de atividades que abarquem as possíveis necessidades dos aprendizes. No mais, sobre as funções do livro didático, podemos notar que, este pode ser usado para uma variedade imensa de grupos, permitir que o aluno reveja o que foi estudado e saiba o conteúdo das próximas lições, além de permitir que o professor adapte e improvise

conteúdos estudados. Podemos notar que o livro deve servir de

apoio ao professor não devendo ser o dono aula, já que outros tipos de materiais devem compor o acervo do professor. Outro fator que deve ser considerado para escolhermos um material didático adequado às nossas necessidades dos alunos , assim como os citados anteriormente, é o seu conteúdo lingüístico.

Para Morita (1998), devemos

examinar os conteúdos

lingüísticos sob quatro prismas diferentes. Para a autora, esses prismas devem ser levados em conta, já que, a grande maioria dos materiais didáticos tende a enfatizar assuntos que, na maioria das vezes, fazem parte do universo das necessidades do autor ou de autores em conjunto. Ao citarmos esses quatro aspectos daremos uma breve explanação a cerca do assunto. O primeiro deles é o tema, a autora assegura que é preciso verificar se os temas focados no livro são relevantes e significativos para os aprendizes e se eles privilegiam o seu crescimento individual. Os temas devem, igualmente, atender às fantasias dos aprendizes e ser relacionadas às suas vidas. O segundo elemento é a função. Essas devem estar de acordo com as necessidades dos alunos, é ainda, importante, verificar qual o critério usado para

representá-las, já que, muitos livros não desvinculam as funções da gradação gramatical. Nota-se que nesses livros são deixadas de lado as necessidades reais do aprendentes. Como exemplo, podemos citar a necessidade de expressões “Eu acho que...” que costumam aparecer em lições posteriores do curso e não nas iniciais. Para tanto é imprescindível ressaltar que expressar opiniões é algo que o aluno deva usar desde os seus primeiros contatos com o novo idioma. Os tópicos gramaticais e vocabulário são tidos como o terceiro prisma. Vocabulário e tópicos gramaticais são importantes para a compreensão de relatos orais e escritos, logo, existe a necessidade de verificarmos se os tópicos e vocabulários trazidos no livro escolhido são apresentados linearmente ou se há uma reciclagem dos itens já visto. Devemos notar que é sempre importante apresentar os itens lingüísticos imersos em contextos de uso e como parte integrante de um modelo social. Portanto, o bom livro didático deve proporcionar atividades funcionais e privilegiar as regras sociais de uso, em outras palavras, a cultura. O quarto e último prisma é definido pelas habilidades lingüísticas. Por habilidades lingüísticas percebemos compreensão da linguagem oral, fala, leitura e escrita. Deve-se analisar se as habilidades presentes no livro selecionado estão de acordo com os objetivos do curso e, posteriormente definir se alguma habilidade deve ser privilegiada em detrimento de outra. No mais, é importante saber que as atividades comunicativas que envolvem mais do que uma habilidade devem receber atenção especial, pois, a comunicação na vida real é feita utilizando-se de várias habilidades simultaneamente. Ao respondermos o questionamento de Ernani e Nicola, citado anteriormente, podemos observar como a necessidade do ensino da cultura no ensino de PLE se faz presente, visto que, a língua falada é sempre acomodada pelos aspectos culturais e sociais de cada comunidade de falantes. Podemos recorrer a Fontes (2002), que afirma haver um grande descontentamento no mercado em relação aos materiais didáticos, colocando que as queixas vão desde o conteúdo até a arte gráfica, entretanto, a maior reclamação é a

ênfase dada aos aspectos formais da língua (gramática) deixando os outros aspectos de aprendizagem da língua em segundo plano. Hoje, existe uma busca por formas de ensinar mais comunicativas que tenham o processo de construção do aluno como apoio e atividades que integrem o ensinoaprendizagem de LE promovendo ações compartilhadas, por meio das quais, professor e alunos construam insumos que promovam a aprendizagem alvo, devendo ser compostas por língua e cultura. Ocorre que diferentes métodos para ensino de língua estrangeira têm sido elaborados e que esses refletem o que acontece em sala de aula. Contudo, os livros didáticos para o ensino de PLE refletem as tendências pessoais de seus autores, tal como todos os outros livros para o ensino de língua estrangeira como já foi citado anteriormente. Sternefeld (1997), citada em Fontes (2002), analisou quatro livros didáticos, muito usados no mercado para o ensino de PLE, e evidenciou que as atividades comunicativas promovem ênfase na interação professor-aluno, aluno-texto ou alunoaluno, sendo controladas e demandando respostas controladas com pouca expansão. A autora afirma que atividades mais interativas propiciam expressão pessoal de fatos, expressão ideacional e imaginativa, maior autonomia na expressão lingüística e negociação de significados relevantes para o aprendiz. Outro aspecto levantado foi a necessidade de que a cultura brasileira seja discutida em novos materiais didáticos valorizando as diferenças culturais e trabalhando as questões culturais contrastivas. Desse modo, conclui-se que é imprescindível promover a interação entre culturas e exigir que temas culturais façam parte de novos materiais didáticos e não apenas termos como acessórios ilustrativos. Logo, a ampliação do uso de componentes culturais e interculturais em materiais poderá ajudar nesse âmbito. Questões como cultura e interculturalidade são importantes na evolução da sociedade e, principalmente, na educação.

O caráter

intercultural tem sido muitíssimo considerado nas práticas de ensino, em contextos de

contato de línguas, ensino de LE em contextos escolares, valorização de línguas e culturas de povos imigrantes, e elaboração de materiais didáticos. Para Sternefeld (1997), transformar cultura em conteúdo é necessário, o que demanda uma reestruturação das atividades gramaticais que devem ser redefinidas quanto ao seu status, a sua apresentação e a sua freqüência. Para Fontes (2002), a cultura deva ser um aspecto central, e nela devam estar incluídos comportamentos, atitudes, regras implícitas e suas interpretações e percepções pelos indivíduos. Há também o espaço para negociação, permitido que os alunos colaborem no estabelecimento de seus próprios objetivos para compreensão e aproximação cultural. O interculturalismo deve ser favorecido por uma abordagem que inclua a cultura brasileira, a cultura nativa de cada aluno e as culturas de seus colegas de aula. Finalmente, destacam-se os aspectos emocionais e sociais da cultura, juntamente com o reconhecimento das diferenças culturais. Sua proposta aponta para alguns objetivos instrucionais associados à comunicação intercultural. O primeiro desses objetivos é provocar no aluno curiosidade sobre cultura alvo e empatia para com seus membros, sendo seguido pela necessidade de ajudá-lo a reconhecer como as variantes sociais afetam o modo como as pessoas falam e se comportam, um exemplo disso, seria pontuar para o aprendiz o modo como o falante brasileiro usa a negação envolta por implícitos. Outra intenção deve ser a de levar o aprendiz a perceber que a comunicação exige o conhecimento de “imagens” culturalmente condicionadas, que são evocadas pelas pessoas quando pensam, falam e reagem ao mundo ao seu redor. Este intuito dever vir acompanhado pela necessidade de ensinar o aluno a reconhecer que variáveis situacionais e convenções influenciam o comportamento dos falantes. Por fim, é indispensável instruir o aluno no sentido de distinguir e compreender que, ao agirem, as pessoas estão usando as opções oferecidas em sua sociedade para a satisfação de suas necessidades básicas, físicas e psicológicas. O último desses objetivos apresenta-se como o mais complexo, sendo aquele que melhor ilustra a perspectiva interculturalista proposta por Silveira (1998). De

acordo com Seelye (1997) em Fontes (2002), se faz imprescindível ensinar o aluno a avaliar generalizações e a partir de informações colhidas poder organizar informações sobre uma cultura. O que se quis dizer é que, é pertinente que o aprendiz possa ter uma noção da cultura alvo como um todo e, que a partir dessa conceituação geral, possa contextualizar as diversas situações de língua e comunicação dentro da sociedade na qual a língua alvo está inserida. Outra sugestão do uso da cultura nas aulas de PLE é usar uma modelo que classifique a cultura em categorias definidas em conteúdo ou tópicos, a cultura que desejamos que nossos alunos aprendam, para que o próximo passo seja definir os objetivos de cada curso. O objetivo dessa sugestão é sistematizar os desafios pedagógicos e as opções para se ensinar cultura. Para Ortiz (1994), em Mendes (2002), os aspectos da cultura que devem ser escolhidos são aqueles que possam dar uma amostra da realidade humana, social e artística da cultura brasileira refletindo a sua diversidade. A proposta de abordar a totalidade de uma cultura é meramente especulativa. O ideal é organizar as atividades por áreas de usos culturais. Esses devem ser os nortes para todo o processo de planejamento de cursos, análise e produção de materiais e rendimento de alunos. O material utilizado na abordagem comunicativa com ênfase na cultural deve apresentar um conjunto de conteúdos (mediado por língua e por imagens) e de processos previstos (codificados), que apóiam a (re)criação de experiências, com e na língua alvo, conforme uma dada abordagem e alinhadas com um planejamento, tendo como objetivo maior desenvolver entre os alunos competência lingüístico comunicativa na língua alvo. Também devem ser temáticos, em parte esquemático, tratando de áreas de uso culturais com foco no sentido, reunindo em torno de projetos e tarefas que dão forte sentido a ação do aprendiz. Assim, concluímos que se faz imperativo que o material em uso seja direcionado por pesquisas relativas às identidades sociais dos falantes da língua alvo, visto que, nem sempre, os professores de PLE são falantes nativos do idioma. Mais do que nunca, a importância do aspecto cultural no material didático se faz presente, pois, o ensino de PLE tem expandido suas fronteiras e, muitas vezes, os professores não são

falantes nativos, ou são falantes com pouca vivência em países lusófonos conforme afirma Koff (2002), ao relatar a experiência que tem com a Língua Portuguesa em seu país, “beneficiando-se de uma aceitação assustadora, a língua portuguesa, passou de 20 alunos em 1979 para 50 em 1984, 700 em 1999 e 983 em 2000 de acordo com a última contagem na Costa do Marfim”. Para Fontes (2002), essa sistematização deve ser pautada como segue: o combate ao desconforto com as diferenças inexplicadas, diminuição do encantamento acrítico com a cultura-alvo e da supervalorização da própria cultura em detrimento da cultura-alvo. Portanto, ao considerarmos o material didático sob o prisma do interculturalismo alguns pontos podem ser levantados. São esses: a supervalorização de certos aspectos da vida social contemporânea e da família, o que pode gerar que apenas uma faceta da sociedade seja idealizada, a não exploração de outras categorias temáticas como indústria cultural, ciência e tecnologia, a história e a formação social, os valores culturais e religiosos e enunciados populares dentre outras e, por fim, a não valoração da cultura e da língua-alvo em detrimento a realidade do aprendiz. Ao observamos as questões acima, propostas por Fontes (2002), temos o mote de nosso objeto de estudo enunciados populares, mais precisamente, expressões lingüísticas, ou seja, as formas de “dizer não” do brasileiro sem o uso de advérbios de negação como o “ não”. Por esse motivo, o material didático utilizado pelo professor deve estar direcionado por pesquisas relativas às identidades dos falantes que fazem uso dessas questões implícitas na língua de forma subconsciente e não são, geralmente, capazes de explicar a um aprendiz por que foi usada uma palavra de valor positivo para uma frase de sentido negativo. Para tanto, Ferreira (1998), assegura que ao nos comunicarmos em nossa língua materna, a cultura tem um aspecto inconsciente e, portanto, não somos conscientes da origem nem da persistência de certas práticas culturais e, também, não somos conscientes, de que nossa língua expressa uma realidade externa, mas sim uma interpretação dessa realidade, mediada pelo cultural.

Não sendo possível separar língua, cultura e história e , portanto, é necessário dizer que qualquer material didático é impregnado dessas características que afetam a língua. Pois, para que haja comunicação, não é suficiente conhecer a língua, o sistema lingüístico; é preciso saber adequá-lo em função do contexto social, que espelha aspectos culturais da língua em uso. Então, quando o ambiente de aprendizagem tiver a marca da experiência sócio-interativa na construção de sentidos de respostas a tarefas e outras atividades envolventes e provocadoras de ação-lingüístico-comunicativa na língua-alvo, o aprendiz estará, não só, aprendendo a língua-alvo, como estará assimilando a cultura. Outrora, foi igualmente argumentado que uma língua não existe apenas como estrutura, objetivamente transcendente ao sujeito falante, sendo, portanto, necessário contextualizar o seu uso e levar o aluno a perceber que língua e cultura são indissociáveis e complementares. Ainda, sobre o material didático, é conveniente dizer que, o material desenvolvido para o ensino de PLE possui discrepâncias decorrentes da língua materna do principiante. Devemos salientar que, o material didático para o ensino de PLE para falantes de outras línguas é diferenciado daquele voltado para falantes de língua de interface com o português, como o espanhol. No primeiro caso há dificuldades relativas ao sistema lingüístico, além de uso efetivo; sendo que as interferências culturais deverão ser prioritárias em uma fase intermediária do aprendizado, ao contrário, do que acontece com falantes de espanhol, onde o aspecto cultural é prioritário, pois, a proximidade entre os dois idiomas causa bastante estranhamento e enganos com seus significados. Contudo, ambos os aspectos, devem ser focalizados e considerados durante o processo de ensino-aprendizagem para que cada aluno possa desenvolver seu olhar próprio sobre a língua portuguesa. Ao inserirmos os aspectos culturais no ensino de LE estamos, de acordo com Almeida Filho (2002), passando pelo processo de desestrangeirização da língua, à medida que o aluno passa a comunicar-se em língua portuguesa com propósitos autênticos e revela índice de identidade atribuindo significações próprias ao sistema dessa língua-alvo. Esse processo de desestrangeirização carrega consigo traços da

abordagem intercuturalista que parte do pressuposto que ensinar línguas não pode estar desvinculado de noções culturais e interculturais. Desse modo, podemos entender a cultura como a porta de entrada, o elemento fundador a partir do qual a experiência de ensinar e aprender se constrói.

Nesse

processo a cultura não toma o papel secundário em detrimento das formas lingüísticas e, sim, um papel de suma importância para que a aprendizagem de PLE seja consolidada. Trata-se, por conseguinte, de abordagem comunicativa culturalmente sensível cujo reflexo em materiais didáticos deva existir.

CAPÍTULO III AS FORMAS DE DIZER “NÃO” PRESENTES NO LIVRO DIDÁTICO Pretendemos enfocar nesse capítulo a análise do livro didático Bem-vindo - a língua portuguesa no mundo da comunicação - direcionado ao ensino de língua portuguesa como língua estrangeira para falantes de outras línguas, residentes ou não no Brasil. O livro Bem-vindo foi elaborado por Ponce, Burim e Florissi conjuntamente e publicado pela editora SBS no ano de 2004. Trata-se de uma edição atualizada composta por livro do aluno, caderno de exercícios 1 (voltado para o público de origem asiática), caderno de exercícios 2 (destinado a alunos de origem anglo-saxônica), caderno de exercícios 3 (direcionado para estudantes de origem latina), livro do professor, caderno de respostas aos exercícios e de transcrições dos textos em áudio e 4 cds. O livro do aluno, que será analisado, é divido em cinco grupos distintos que são desenvolvidos sob o mesmo tema. Cada grupo está constituído por quatro unidades didáticas que desenvolvem o tema proposto em subtemas. São seus temas e subtemas: 1. Grupo 1: Eu e você (Prazer em conhecê-lo, Meu presente/Meu passado (1), Meu presente/Meu passado (2), Meu Futuro); 2. Grupo 2; O Brasil e sua língua (Minhas expectativas, Meus sonhos e desejos, A chegada, O país e o idioma); 3. Grupo 3: A sociedade e sua organização (O lar, O bairro, A educação, A Saúde); 4. Grupo 4: O trabalho e suas características (O local de trabalho, O mercado de trabalho, A cultura brasileira no trabalho, Trabalho, trabalho, trabalho...); 5. Grupo 5: Diversão-cultura (Lazer em casa, Saindo de casa, Esportes, Artemúsica). As unidades didáticas da obra estão arranjadas em dez páginas cada e são formadas pelos seguintes subitens: 1)Aprenda nos grupos 1, 2, 3,4 e Curiosidades no grupo 5; 2)Estudo de... nos grupos 1,2,3,4 e Gente e cultura brasileira no grupo 5;

3)Enfoque para todos os grupos; 4)Psiu nos cinco grupos; 5)Gramática nos grupos 1e 2, História no grupo 3, Amplie seu vocabulário nos grupos 4 e 5. Cada subitem tem por objetivo: 1. Aprenda: apresentar as situações cotidianas da vida brasileira seguida de linguagem pertinente a cada uma delas; 2. Estudo de...: dar ênfase aos aspectos morfológicos da língua; 3. Enfoque: estudar predominantemente os tempos verbais; 4. Psiu: oferecer ao aluno vocabulário referente aos mais diversos campos semânticos; 5. Gramática: proporcionar um panorama geral sobre os aspectos e uso dos tempos verbais da língua portuguesa; 6. História: trazer textos que relatem os períodos históricos mais importantes de nossa história; 7. Amplie seu vocabulário: expandir o vocabulário do aluno; 8. Curiosidades: informações sobre os países lusófonos. Além disso, o livro traz um quadro de referência sobre os tempos verbais mais usados em língua portuguesa, o mapa político do Brasil seguido de tabela de informações e quatro apêndices: um sobre os símbolos utilizados pelo livro para orientar o aluno, um a cerca do alfabeto da língua portuguesa, dois sobre gramática e um sobre vocabulário. Observarmos que o fato dos cadernos de exercícios serem diferentes e de acordo com a origem do aprendiz caracteriza-se como uma prescrição da abordagem interculturalista, que acredita que tanto a cultura do aprendiz quando a cultura-alvo devam ser enfocadas. Pois, sabemos que a orientação cultural a ser desenvolvida no processo ensino-aprendizagem difere de acordo com a origem do aluno, como, por exemplo, citamos a necessidade do aspecto cultural ser trabalhado desde as primeiras aulas com estudantes de origem latina cuja língua tem interface com a língua portuguesa. Ao mesmo tempo, devemos pontuar que alguns dos inúmeros aspectos culturais brasileiros foram abordados, à medida que as autoras propõem que o livro seja

divido em cinco grupos cujos temas foram elaborados com base na vida cotidiana do Sudeste do Brasil. Notamos que os diferentes modos de vida fora do eixo Rio de Janeiro, São Paulo não foram explorados. Isso nos faz dizer que se trata de uma abordagem parcial, ainda que houvesse a tentativa. Em nenhum trecho do livro podemos encontrar variedades lingüísticas e culturais que não, as pertencentes a esses dois grandes pólos econômicos do país. Citações a cerca de outras regiões do nosso país só ocorrem quando inseridas em textos explicativos sobre locais turísticos e elementos do folclore nacional. Temos como principal objetivo verificar a existência ou não das diversas formas de dizer “não” presentes no português falado no Brasil. Posteriormente devemos, caso, esse dado lingüístico seja enfocado, analisá-los sob concepções pertinentes à Sociolingüística e, também sob a abordagem interculturalista para o ensino de língua estrangeira. Nesse cenário apresentamos como finalidade constatar qual o tratamento dado a essas expressões lingüísticas e examinar como o livro do aluno, em questão, os aborda e direciona o processo de ensino-aprendizagem do português como língua estrangeira. O procedimento metodológico adotado foi percorrer o livro, selecionar os diálogos nos quais as formas de dizer “não” sem a utilização de advérbios de negação foram tratadas, analisá-las investigando qual direcionamento e foco são empregados para que o aluno perceba tal ocorrência. Cabe dizer, que os aspectos teóricos, anteriormente discutidos, nesse trabalho deverão servir como a orientação dominante, no sentido de depreendermos qualquer resultado que possa advir dos diálogos, nosso objeto de estudo, presentes nesse livro. Nesse sentido, entendemos a necessidade de definirmos critérios ou procedimentos para identificar tais ocorrências da língua e para verificar que espaço tais formas ocupam na descrição de PLE. Além disso, destacamos a sua importância para a performance lingüística do aprendiz.

Ainda, sob performance lingüística, acreditamos que qualquer fato de uso do falante nativo deva ser criteriosamente apurado e estudado para, posteriormente, dar subsídios para que o ensino da língua, em questão, seja destinado para estrangeiros interessados no idioma. Portanto, essa análise deseja contribuir para que, cada vez mais, possamos conhecer melhor nosso próprio idioma e ajudá-lo a se expandir pelo mundo tendo como suporte aspectos teóricos e metodológicos. Os diálogos selecionados para investigação obedecem à ordem numérica das páginas do livro. O corpus da análise é composto de sete diálogos, dispostos ao longo das unidades do livro, que ocorrem em situações e com objetivos diversos. De modo geral, compreendem exercícios de leitura e compreensão textual, compreensão auditiva, prática oral e criação de diálogos semelhantes. Após delimitarmos o objeto de nossa análise damos início a ela. Notamos que o procedimento para cada análise deverá seguir as seguintes etapas: transcrição integral do diálogo em questão com a indicação de seu posicionamento no livro didático, descrição de seu contexto e, por final, sua análise conforme indicamos anteriormente. Para melhor contextualizarmos nossa análise devemos citar que o livro do aluno possui duzentas páginas com cerca de cinqüenta atividades elaboradas na forma de diálogo para exercícios de leitura, acuidade auditiva ou prática oral, mas apenas sete desses trazem as diversas formas de dizer “não” presentes no português do Brasil. São eles: Diálogo 1 Enunciado: Leia o diálogo abaixo e depois complete o quadro. O que Luís tem? Andréa: O que você tem, Luís? Luís: Ih, Andréa, é dor de cabeça... Tenho tantos problemas... Andréa: Posso te ajudar? Luís: Obrigado, mas são os compromissos, as dívidas com o banco, o negócio vai mal... Andréa: Mas, você tem tios ricos... Luís: Tenho, mas eles não são meus amigos... Alguns são até inimigos!

Andréa: Tenho um pouco de dinheiro no banco... Posso te emprestar. Luís: Obrigado. Tenho um pouco na poupança. Tenho também alguns aparelhos para vender: computador, televisão, vídeo. Tenho um carro, um terreno... Andréa: Você vai vender tudo? Luís: Se precisar... Quadros A. Coisas materiais B. Amigo, parentes C. Problemas Este diálogo encontra-se na unidade 1 página 6 do livro. O objetivo dessa atividade é trabalhar o tempo verbal do presente simples por meio de um exercício de leitura e compreensão textual. Nesse exercício podemos notar a presença desse foco e o tratamento que é dispensado às formas do verbo ter e suas conjugações com os pronomes pessoais. O contexto da situação pode ser caracterizado como uma conversa informal entre duas pessoas amigas, sendo que uma delas tem um problema de ordem financeira e a outra oferece ajuda. Para focar o nosso problema de pesquisa menciono a existência da negação sem os advérbios de negação, e sim o uso de uma palavra de valor positivo para tal expressão. Ao analisarmos a fala de Luís ao responder “Obrigado, mas são os compromissos...” podemos assinalar que não conseguiríamos depreender da resposta o valor do “não”, caso não fossemos falantes nativos do idioma. Num segundo momento o mesmo falante diz “Obrigado. Tenho um pouco...”, nesse segundo caso, só é possível entendermos que “obrigado” equivale a

um “não” quando chegamos ao fim da

conversa. Certamente, a noção do que se quis dizer, ou seja, a intenção do enunciador vem à tona, de modo muito claro, quando precebemos que o “não” fica oculto pelo obrigado. Ainda, ao nos remetermos à noção de implícito como sendo lacunas que integram um determinado espaço lingüístico e cultural que é capaz de ser preenchido

sem determinados problemas, subscrevemos a idéia de que Andréa só entendeu o que Luís quis dizer porque, seguramente, compartilha a mesma cultura e pistas lingüísticas do idioma. Relacionando, esse fato lingüístico ao aprendiz estrangeiro, asseguramos que o questionamento se obrigado “sim” ou “não” faria parte do universo de questionamentos do processo de ensino/aprendizagem de PLE. Alegamos ainda, que essa atividade não está contextualizada com a cultura, apesar de utilizar um traço do falante nativo, porque o livro não dá nenhuma pista que leve o aluno a perceber os diferentes usos do obrigado para aceitação ou negação. Diálogo 2 Enunciado: Vamos praticar os verbos SER, TER e ESTAR. B. – Alô A. – Alô donde fala? B. – Transportadora Alves, bom dia! A. – Bom dia! O Antônio está? B. – Quem gostaria? A. – Aqui é Benedito. B. – Um momento, por favor. Ele está na outra sala. C. – Alô, Benedito, tudo bem? B. – Oi, Antônio, tudo bem! Você tem tempo amanhã à noite?

Tenho duas

entradas para um show. É de um cantor muito famoso. C. – Ah!Que pena! Já tenho um compromisso. Amanhã à noite já estou ocupado. A. – Que pena! Esta atividade encontra-se na unidade 2, página 16 do livro. O objetivo dessa unidade, de modo geral, é desenvolver a noção do eu e você e, mais precisamente, nessa atividade praticar os usos dos verbos: ser, ter e estar por meio da prática da acuidade auditiva seguida de repetição.

Trata-se de uma conversa telefônica entre três

enunciadores. Nessa conversa, Benedito faz uma ligação para Antônio e antes de falar com ele, pede que uma terceira pessoa que o chame. Ao conversar com Antônio, Benedito lhe convida para assistir a um show de um cantor muito famoso. Antônio

recusa o convite de modo bastante redimido, típico do brasileiro, ao evitar dizer “não” e utiliza outras expressões. As expressões empregadas são: “Ah! Que pena! Já tenho um compromisso. Amanhã à noite já estou ocupado”. Ao fazermos uso do termo “redimido”, queremos apontar o modo pelo qual o falante nativo do português brasileiro transfere para suas palavras a noção de amabilidade e o receio de ser ofensivo, mal educado. Essa noção de cortesia foi tratado por Silveira (1998), que avaliou brasileiro como cordial e cortês que sempre evita conflitos. Posto que Benedito afirmasse que não iria por não gosta de shows porque são barulhentos, Antônio se sentiria ofendido e, ainda, acharia seu colega muitíssimo mal agradecido porque não iria pagar nada para assistí-lo. Quando relacionamos a linguagem utilizada nessa conversação a noção de dileto social e níveis de fala, podemos recorrer a Preti (2003), quando citou a necessidade de haver um dileto social comum que abarcasse as características tanto do dialeto culto quanto do comum. Nesse mesmo sentido, podemos, ainda, aplicar o conceito, também hipotético, de um nível de linguagem comum. É plausível assinalarmos que deveriam haver

de traços lingüísticos pertencentes a essas duas

concepções de linguagem ponderadas por Preti (2003). No entanto, podemos perceber que os traços do dialeto social culto são vivos no texto à medida que temos uma situação demonstrada como formal, visto que, comumente, dois amigos utilizariam uma linguagem menos elaborada para um convite de tal sorte. Na fala “Oi, Antônio, tudo bem! Você tem tempo amanhã à noite?...” numa situação mais informal um falante nativo poderia dizer “Você tá livre amanhã de noite?”. Outro fato é o nível da fala que vem determinado como formal pela escolha do dialeto culto. O aspecto cultural da situação não foi abordado pelo livro, pois podemos ver que a conversa não está situada em nenhum contexto, o grau de relação entre os participantes não é citado e, seguradamente, a forma de não dizer “não” foi ocultado do aluno, ou seja, esse ocultamento não foi sistematizado para o aluno.

Diálogo 3 Aprenda - Na recepção de um hotel A: Por favor, eu fiz uma reserva ontem, pelo telefone... B: Seu nome, por gentileza? A: Miguel Sanchez. B: Um momento! Sr. Miguel Sanchez. Sim, uma reserva para o senhor, com estadia prevista até dia dezessete, certo? A: É isso mesmo. B: Então, preencha esta ficha, por favor? A: Pois não. Só o nome, o endereço e o número de telefone? B: Poderia mostrar-me também algum documento de identidade, por favor? A: Aqui está o meu passaporte. B: Obrigado. Aqui está a chave. O carregador irá acompanhá-lo. A: Obrigado. A que horas é o café da manhã? B: Das 7h ás 10h. O senhor pode escolher entre o restaurante do primeiro e do segundo andar. Este diálogo encontra-se na unidade 6, página 51 do livro. O objetivo dessa unidade, de modo geral, é tratar das características do Brasil e de sua língua e, mais exatamente, nessa atividade mostrar aluno que linguagem utilizar numa recepção de hotel ao dar entrada no mesmo. Assim sendo, o diálogo ocorre dentro de um contexto no qual a cortesia e os bons modos moldam todos os usos lingüísticos dos participantes. Essa situação retrata, bastante nitidamente, a linguagem usada numa situação real do no cotidiano brasileiro e o maneira pela qual um falante nativo se comunicaria utilizando o dialeto social culto e nível de fala formal. No entanto, cabe ao professor demonstrar ao aluno que seria de “bom tom” evitar o uso do “não” na seguinte fala: “Poderia mostrar-me também algum documento de identidade, por favor?” como resposta a questão: “Pois não. Só o nome, o endereço e o número de telefone?”. Podemos reparar que ao dizer: “Poderia mostrar-me...” o recepcionista do hotel quis dizer “não”, mas optou por responder de outro modo para mostrar cordialidade com o hóspede. Sabemos que no Brasil idéias como “o cliente tem

sempre razão” tem a carga cultural de impor cortesia às empresas prestadoras de serviços como hotéis. Nesse caso, cabe valer-se das concepções de ideologia e grupo social que têm como papel reger as crenças sociais, adquiridas, utilizadas e modificadas não só em situações sociais, mas também a partir de interesse de grupos e suas relações com estruturas sociais. Portanto, na situação em discussão, a crença de que o cliente tem sempre razão pode ser considerada um auto-esquema de grupo que representa os interesses grupais, nesse caso dos hoteleiros, que é tratar bem o cliente. Diálogo 4 Aprenda - No correio A: Bom dia! Posso ajudá-la? B: Gostaria de enviar essa carta para o México e esse pacote para o Japão. A: Preencha esse formulário com nome e endereço do destinatário, por favor. Escreva aqui o conteúdo do pacote e aqui, o valor aproximado do conteúdo. B: Assim, está bem? A: Só falta assinar aqui embaixo. Vai enviar via aérea ou via marítima? B: Quanto tempo demora de navio? A: Uns três meses. B: E de avião? A : Uma semana, mais ou menos. B: E o preço? A diferença é grande? A: Com certeza. Se não tiver pressa é vantajoso enviar por via marítima. B: Então via marítima, por favor. A: Algo mais? B: Ah, sim! Quero cinco selos nacionais e cinco internacionais. A: Cinco nacionais e cinco internacionais. B: Quanto fica? A: Ao todo são 32 reais. Este diálogo encontra-se na unidade 7, página 61 do livro. O objetivo dessa unidade, de modo geral, é tratar das características do Brasil e de sua língua e, mais

exatamente, nessa atividade mostrar aluno que linguagem utilizar numa agência de correios ao postar cartas e enviar pacotes para outros países. Do mesmo modo, o diálogo ocorre num cenário no qual a cordialidade e as boas maneiras prevalecem e acomodam os hábitos lingüísticos dos integrantes. Assim como no diálogo analisado anteriormente, essa circunstância mostra, claramente, a linguagem que deve ser utilizada nessa real situação do dia-a-dia do brasileiro. Traduz, fielmente, o modo pelo qual os brasileiros de maior escolaridade, comunicam-se fazendo uso do dialeto social culto e do nível de fala formal. Ao analisarmos as falas do diálogo, notamos que o “não” foi evitado pelo funcionário dos correios.

A passagem aconteceu ao responder o seguinte

questionamento do cliente: “Assim, está bem?” com a resposta: “Só falta assinar aqui embaixo”. Podemos averiguar que o “não” foi ocultado por uma oração afirmativa, o que retoma a questão da cordialidade do brasileiro. Ressaltamos que os elementos utilizados para a análise do diálogo 3 devem compor o mesmo cenário para a investigação em questão.

Portanto, citaremos,

novamente, a concepção de ideologia, e grupo social, visto que, ambos regem as relações sociais a partir do interesse de grupos. Logo, essa situação pauta-se no fato de que é necessário tratar bem e agradar o cliente, mas nem tanto assim, devido ao monopólio essa empresa no Brasil. Cabe dizer que a polidez dispensada pelo funcionário dos Correios ocorreu em virtude uma cliente exigente com demanda internacional, um tipo bastante seleto entre o povo brasileiro. Arrisco dizer que, se o cliente fosse uma pessoa mais humilde, certamente, o tratamento seria diferenciado do dispensado. Diálogo 5 Leia o diálogo abaixo. Em pares, monte diálogos semelhantes para desculparse por não aceitar os convites. Cuidado, seu amigo tentará convencê-lo a acompanhá-lo. R: Oi, Antônio. A: Roberto, que bom que você telefonou. R: Queria agradecer-lhe o convite... A: Você vai, não vai?

R: Desculpe, mas, infelizmente, não vai dar. A: Mas por quê? R: Tenho um trabalho para entregar na 2ª - feira. A: Você não poderia levar o trabalho pra fazer lá? R: Senão não me divirto, nem faço um bom trabalho. A: Acho que tem razão. R: Numa próxima oportunidade talvez. A: Está bem. R: Tchau. A: Tchau. 1. Seu amigo brasileiro o convida para o tradicional “chopinho”, mas você já tinha marcado para levar sua esposa ao teatro. 2. Seus novos vizinhos têm um apartamento na praia. Eles convidam sua família para passar o carnaval por lá. Você não sabe bem como proceder nessa situação e prefere não aceitar o convite. 3. A mãe de uma colega da escola de sua filha gostaria de levá-la para passar as férias na fazenda. Sua filha é muito tímida e você acha que ela não aproveitará as férias. 4. Haverá um torneio de futebol no clube de seu colega de trabalho. Você acaba de iniciar suas aulas e preferiria esperar um pouco antes de participar de uma competição. 5. A esposa de seu diretor está organizando uma reunião para apresentar sua esposa às amigas. Sua esposa já tem uma viagem planejada para o mesmo dia. Este diálogo encontra-se na unidade 8, página 78 do livro. O objetivo dessa unidade, de modo geral, é tratar das características do Brasil e de sua língua e, mais exatamente, nessa atividade indicar ao aluno que linguagem empregar para recusar convites distintos sem utilizar as formas do “não”. Nesse exercício os alunos devem trabalhar com o princípio da repetição, isto é, devem re(elaborar) o diálogo com situações diferenciadas que foram sugeridas. Assim, a cada repetição elaborada com uma nova situação, os alunos devem recusar o convite e utilizar as expressões para negação ou aceitação propostas na atividade.

O foco de nossa análise serão as sugestões para a recusa dos convites. Mas, primeiramente observaremos a linguagem utilizada, que é a do dialeto social culto, já que, orações como “Queria agradecer-lhe o convite...”, “ Senão nem me divirto, nem faço um bom trabalho”, o falante usa estruturas lingüísticas bem elaboradas e faz uso de um vocabulário mais refinado ao dizer “agradecer-lhe” e “senão nem”. Comumente os falantes nativos brasileiros diriam “te agradecer e senão não me ...”, Portanto, notamos que numa conversa de caráter informal, uma conversa entre dois amigos, o livro propõe que se utilize o dialeto social culto que torna-se descontextualizado pela situação. Assim como, o nível da fala. Ainda, nessa direção, ao analisarmos as sugestões de recusa “Queria agradecer-lhe o convite...”, “Desculpe, mas, infelizmente, não vai dar” e “Numa próxima oportunidade talvez” temos acertadamente uma situação de adequação da linguagem ao tema proposto. Certamente, os falantes nativos do português do Brasil fariam uso das mesmas estruturas para recusar convites como os propostos. Contudo, o implícito cultural que acomoda essas formas de se dizer “não” não foram sistematizadas pelo livro, o que não faz com que o aluno perceba como identificar e agir numa situação como essa. Essa tarefa fica a cargo de professor. Entretanto, o livro não mostrou que outros dialetos sociais poderiam ser empregados, caso os enunciadores pertencessem a um universo diferente do selecionado. Seria muito importante mostrar ao aluno que falantes de outros grupos da comunidade, inseridos em contextos diversificados, se expressariam utilizando linguagem diversa. Vale lembrar que o livro também não deu essa opção de registro e variedade lingüística ao aluno. Diálogo 6 Aprenda – O bairro A: Alô! B: Supermercado Souza, bom dia! A: Bom dia! Gostaria de falar com o gerente, por favor! B: Ele está em reunião. Seria só com ele ou eu poderia ajudar? A: Obrigada, mas gostaria de falar com ele mesmo.

B: Gostaria de deixar algum recado? A: Diga-lhe, por favor, que Elza, da Castro e Companhia, telefonou e que se ele puder dar um retorno ainda hoje eu ficarei agradecida. Gostaria de conversar com ele sobre um produto novo que estamos lançando no mercado e gostaria de saber se ele estaria interessado em conhecer e comercializar mais esse novo produto. B: Pois não. O recado será dado assim que a reunião terminar. Pedirei ao gerente para que dê um retorno ainda hoje. Posso ajudá-la em mais alguma coisa? A: Não, por enquanto é só isso. Obrigada pela atenção. Este diálogo encontra-se na unidade 10, página 91 do livro. O objetivo dessa unidade, de modo geral, é abordar a sociedade e sua organização no Brasil e, mais precisamente, nessa atividade mostrar ao aluno como proceder e qual linguagem utilizar, quando numa ligação telefônica comercial , não conseguir falar com a pessoa desejada e haver a deixar um recado. Cordialidade e auxílio são duas características muito fortemente presentes no diálogo acima, visto que, nas relações comerciais brasileiras esses dois fatores são altamente valorizados. Então, podemos afirmar que o nível de fala escolhido para a situação está de acordo com as práticas sociais brasileiras. Também, o dialeto social culto empregado confere adequação à situação proposta. Porém, o livro não sistematizou a questão dos dialetos e níveis de fala que ocorrem nos demais diálogos telefônicos

que compõem essa página do livro.

Encontramos nessa página dois diálogos formais que retratam relações comerciais e um informal que mostra a conversa entre dois amigos. Essa falta de sistematização encobre a necessidade de ensinarmos ao aprendiz estrangeiro qual o tipo de linguagem usar situações sociais diferentes. Diálogo 7 Use as sugestões abaixo para convidar um colega para sair no fim de semana. Comece o diálogo assim: A: Está passando um filme muito bom no Cinearte. Você gostaria de assistir? B: Qual é o nome do filme?

A: “O homem que fazia chover”. B: Que tipo de filme é esse? A: Acho que é um drama. Dizem que é muito bom! B: Então vamos. Qual é o horário? A: Tem às 18h, 20h, 22h. Que tal às 20h? B: Tudo bem. Espero você em casa por volta das 19h15. A: Combinado. Até lá, então. Outras perguntas 1. Em que dias está passando? 2. Onde (mais) está passando? 3. Quem são os atores principais? 4. Onde fica o cinema? É longe/perto daqui? Aceitando o convite 1. Parece uma ótima idéia! 2. Eu adoraria! 3. Jóia!Legal! Recusando o convite 1. Que pena! Vou estar muito ocupado esse final de semana. Talvez a semana que vem. 2. Talvez uma próxima vez. Obrigado mesmo assim. 3. Infelizmente não vai dar. Estou cheio de coisas pra fazer neste fim de semana. Quem sabe num outro dia? Este diálogo encontra-se na unidade 18, página 175 do livro. O objetivo dessa unidade, de modo geral, é abordar a diversão e a cultura no Brasil e, mais exatamente, nessa atividade mostrar ao aluno como fazer, aceitar e recusar convites informais entre amigos. O tipo de situação, pautada pela informalidade, e o tipo linguagem proposta são afins e levam o aluno a reconhecer, praticar e desenvolver sua desenvoltura em situações de informalidade.

A linguagem sugerida é guiada pelo dialeto social e nível de fala comum, ambos, ainda, hipotéticos segundo Preti (2003), apesar de bem aceitos nos meios sociais. É importante ressaltar que os pressupostos adotados para a elaboração dessa atividade, numa abordagem interculturalista, foram corretos e espelham uma linguagem comum ao nativo brasileiro. No entanto, o livro não abordou a noção do implícito cultural que norteia o uso das diversas formas do “não”. Novamente, o aprendiz está usando uma linguagem que apenas reconhece, pratica e desenvolve, mas não compreende porque é utilizada dessa maneira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise concluída podemos levantar algumas constatações sobre como as formas de dizer “não” em PLE são trabalhadas no livro Bem-vindo. Podemos notar que, embora, esses fatos lingüísticos estejam presentes no nosso cotidiano, sendo utilizados em diferentes situações de comunicação e possuam um valor de cultural muito forte e marcante para os falantes brasileiros nativos que os utilizam inconscientemente, essas formas da língua não são ainda suficientemente abordadas pelos autores de materiais didáticos. Num primeiro momento, constamos que a abordagem insuficiente que o livro apresenta para o caso dos implícitos culturais, acaba provocando problemas de ordem interacional para o aluno, que não consegue entender o que o falante nativo quis dizer e assume o valor literal das palavras mencionadas numa situação de comunicação. Assim, ao se depararem em situações diárias, os alunos, não são capazes de reconhecer, entender e utilizar as diversas formas que o “não” pode assumir no português do Brasil. Em nenhuma das conversas analisadas os alunos foram advertidos sobre a ocorrência de orações de valor negativo expressas por vocábulos de valor positivo. Podemos, deste modo, deduzir que esse uso tão constante do falante nativo da língua portuguesa no Brasil não foi observado e, portanto, nenhuma orientação foi dada ao aluno nesse sentido. Salvo, quando o livro propôs uma atividade na qual o aluno deveria usar algumas expressões para recusar o convite de um conhecido, sem dizer a palavras “não” exatamente e, sim utilizar expressões que foram denominadas como formas de se recusar convites. Contudo, observa-se, ainda, que essa referência do “não” deixou de ser demonstrada ao aluno, de modo claro, pelo livro didático, o que deverá ficar a cargo do professor. Nesse sentido, a abordagem interculturalista acredita que esses traços de nosso falar devam ser evidenciados para o aluno estrangeiro a partir de um prisma cultural, ou seja, deve-se, nessa vertente, empregar a cultura como o molde para tudo aquilo que é produzido linguisticamente. Ao termos como base nosso comportamento na sociedade

e as ideologias que guiam os diversos grupos sociais aliadas aos marcos de pertencentes a cada grupo distintos, devemos conduzir o aprendiz a reconhecer que todas as línguas são influenciadas pela cultura. Para tanto, é de suma importância dizer que, os implícitos culturais inseridos nas formas de dizer “não” do brasileiro tem como função dar à língua os mais diversos tons possíveis, que muitas vezes, são obscuros para o estrangeiro e causam estranhamento. Não podemos afirmar que o brasileiro não nunca diz “não”, mas sim, devemos nos ater ao fato de que o falante nativo da língua portuguesa no Brasil possui outras formas de negar um pergunta ou colocação quando numa situação de interação. Como resultado desse comportamento cultural e lingüístico, possivelmente, a forma com que os estrangeiros vêm o Brasil e o brasileiro fica condicionada à de um povo cordial, amável e, dentre outras caracterizações, um povo que recepciona muito bem os de fora e adora ser prestativo. No entanto, não podemos descartar que essa idéia possa ser equivocada, visto que, de modo geral, os estrangeiros visitantes no país assumem que os brasileiros evitam usar o “não” em suas respostas, porque não reconhecem na linguagem os traços de recusa que são trazidos pelos implícitos. Portanto, apesar de sermos um povo cordial, é possível nos depararmos com situações, um tanto, ríspidas no nosso cotidiano, vale dizer, que não só a linguagem verbal, mas também a corporal e os recursos paralingüístícos do idioma contribuem para que possamos depreender os subentendidos

em certas situações. Por recursos

paralingüístícos assumimos a definição de Almeida Filho (2002) ao denominá-los como os elementos da mímica, da linguagem corporal, da entoação de voz e a proximidade com que se fala. Em muitas situações de comunicação entre os falantes do português brasileiro esses recursos acabam por dar o tom da conversa. Referimos-nos a tom como o elemento que, realmente, dá o direcionamento da intenção do falante. Temos, novamente, a noção do implícito cultural. Pois, é possível utilizarmos palavras positivas num tom de ironia e sermos totalmente rudes, ou, até mesmo, utilizarmos palavras “ásperas” num tom delicado e transmitirmos nossa mensagem sem que o ouvinte se sinta ofendido.

Surge daí a necessidade crescente de que os estrangeiros sejam orientados a decodificar esses outros recursos da língua e, associá-los ao que foi dito como um meio para que mal entendidos sejam evitados e situações embaraçosas não ocorram com tanta freqüência. Nesse sentido, advertimos que apenas uma noção sobre a cultura brasileira e sua intervenção na nossa língua, assim como, o reconhecimento de como a cultura do aprendiz influencia sua língua materna podem

ajudá-los

a distinguir as diversas

nuances que a língua portuguesa assume no Brasil. Assim sendo, como sugestão apontamos a necessidade de se incluir no livro didático situações de uso lingüístico reais que tragam as variáveis formas de dizer “não” existentes na língua portuguesa do Brasil. Em seguida, sugerimos atividades que proponham situações reais de uso que levem o aluno a reconhecer, praticar, enfim interagir com nativos do idioma por meio de dados lingüísticos utilizados por nativos. Nesse sentido, o professor deve ter noção da questão dos implícitos culturais e orientar os aprendizes sobre a necessidade partilhar a cultura e suas diversas variantes que direcionam a língua. Devemos, igualmente, fazer notar que os traços distintivos da cultura brasileira foram trazidos para o livro em questão, mas não foram explicitados, isto é, não foi dada a devida atenção a essa característica tão marcante do falar de nosso povo. Isso nos levar a refletir que é real a necessidade de haver maior enfoque cultural nos livros didáticos de PLE, conforme foi mencionado por inúmeros estudiosos citados no corpo desse trabalho. Torna-se imperativo que novos contornos sejam dados ao ensino de PLE, contudo, avaliamos que tais contornos sejam delineados a partir de estudos descritivos da língua associados a aspectos sociais e pragmáticos. Pois, a idéia de língua fora das situações de uso não constitui o melhor corpus para ensino de estrangeiros que desejem partilhar de nossa língua e cultura. Também, é importante dizer que a noção de dialetos sociais e níveis de fala devam ser retratadas nessa sugestão para livros didáticos, visto que, ao trabalharmos com esse livro, nos deparamos com diálogos desprovidos, na maioria das vezes, de adequação às práticas sociais do povo brasileiro. Mesmo que essa adequação esteja

presente em algumas das situações investigadas, ainda sim, não foi possível encontrarmos nenhuma orientação diversa que pudesse orientar o aprendiz sobre a ocorrência de diversidade lingüísticas para uma mesma situação. Nesse caso, orientação diversa significa não termos localizamos nessas conversas “enunciados” cuja estrutura, vocabulário e nível e formalidade pudessem ser diversificados, caso, os enunciadores das situações propostas assumissem papéis sociais diferentes. Com apoio na Sociolingüística e suas concepções sobre os níveis da linguagem, é necessário ressaltar que, o livro estudado, em nenhum momento traz a linguagem revestida pela noção dos dialetos sociais: popular e comum, apesar de o último ser de cunho hipotético. Isto é, o aluno não é alertado para o fato de que registros distintos podem ser adotados para as situações propostas. O tratamento dispensado as situações sugeridas é a de uma linguagem embasada no dialeto social culto, cabe dizer, conforme a análise de Preti (2003), esse tipo de dialeto deve ser empregado em situações formais e, não em

situações

cotidianas, como as aquelas que são presentes nesse livro didático cujos autores tentam dar idéia de informalidade. Percebemos a inexistência da linguagem, mais freqüentemente, usada nas relações sociais cotidianas do falante nativo brasileiro. A idéia de uma linguagem ideal que possa ser aceita nos mais diversos meios de convívio social, deveria ser a escolhida pelos autores de livros didáticos, pois sabemos que, muitas vezes, estrangeiros utilizam a linguagem aprendidas nos livros didáticos, e não se ajustam às situações vividas no dia-a-dia. Daí é possível, mais uma vez, corroborarmos o papel da cultura no ensino de línguas estrangeiras. Acreditamos que o material lingüístico dos diversos grupos sociais é guiado por uma unidade ideológica que mantém os grupos unidos, e que consequentemente, é responsável por acomodar as crenças sociais adquirindo, utilizando e modificando-as. Portanto, não devemos desassociar produção lingüística e ideologia quando optamos por entender a língua como produto e produtora da cultura que só existe enquanto o ser humano em grupos. Dentre as diversas definições de cultura apresentadas nesse trabalho, apontamos um elemento comum a todas, o fato de que, a cultura é um traço

de distinção que diferencia os povos e suas maneira de ser, fazer, ler e representar o mundo a sua volta. Juntamente, não podemos deixar de enfatizar que a cultura não pode ser mais um fator secundário no ensino de línguas estrangeiras, ela deve ser um elemento recebedor atenção especial de autores e educadores. Na língua portuguesa falada no Brasil, se faz importante relacionar o nosso produto lingüístico atual às diversas influências estrangeiras que marcaram historicamente nossa língua. Novamente, é imprescindível resgatar que a cultura tem a função de atribuir aos falantes de uma comunidade traços lingüísticos, que os diferenciem dos demais. Esses são determinados pelas variedades socioculturais que influenciam diretamente o comportamento lingüístico dos membros dos grupos sociais. Essas variações são determinadas pela condição social e cultural de cada falante e, acabam por direcionar as suas escolhas lingüísticas. Nesse caso, o falante tem livre arbítrio para escolher um ou outro dialeto social ou nível de fala, mas sempre é guiado, mesmo que inconscientemente, pelo chamado condicionamento social da linguagem que aliado às ideologias condicionam as opções dos falantes. Sobre a noção do condicionamento social da linguagem, vale ressaltar que, os meios de comunicação de massa atualmente tentam empregar uma aproximação entre a linguagem falada e a escrita e, por isso, imprensa, rádio, a tevê e o cinema, quase sempre, fazem uso da hipotética norma comum, intermediária que satisfaz o receptor, aproximando-o de sua linguagem falada e que não choca as tradições escritas, com obediência à ortografia oficial etc. Desse modo, uma nova estrutura se instala entre a fala e escrita, contendo estruturas e vocabulário de ambas servindo, indiferentemente aos diversos tipos de comunicação. Colocamos, assim que, a linguagem presente nos livros didáticos deveria ser condicionada pela linguagem comum, entre o dialeto culto e popular, que é recebido e aceito por todas as esferas da sociedade brasileira. Desse modo, os alunos estrangeiros teriam maior contato com a linguagem coloquial utilizada pelo nativo brasileiro no seu cotidiano, e possivelmente, sua interação em nosso meio teria mais sucesso.

Assim, é pertinente que façamos alguns recortes na herança lingüísticocultural do povo brasileiro. Primeiramente, os índios nativos de nossa terra deixaram alguns vocábulos que até hoje são empregados na nossa linguagem. Num segundo momento, os negros contrabandeados da África trouxeram suas raízes lingüísticas fazendo com que a língua portuguesa, até então falada no país, fosse adquirindo novas acepções. Por conseguinte, os imigrantes europeus oriundos de diversos países se instalaram em nossas terras e, mais uma vez, ocasionaram modificações ao nosso idioma. Nos dias de hoje, podemos afirmar que a tecnologia e o fenômeno da globalização são responsáveis por importar ou criar termos que inovam nossa língua e a mantém em sintonia com o mundo contemporâneo. Deste modo, é indispensável que os fatos lingüísticos, que foram e são marcados por grandes mudanças sociais que continuam modificando nossa língua, mereçam atenção de autores e professores de PLE, para que façam o aluno perceber o universo

da língua portuguesa na sua totalidade. Por universo queremos dizer as

variações da língua, os aspectos culturais, os níveis de fala, suas estruturas, vocabulário e, mais precisamente, seus implícitos culturais. O livro didático, em questão, não disponibiliza de informações suficientes para que o aprendiz possa deduzir, reconhecer, entender e utilizar as os implícitos culturais do português brasileiro e suas formas de dizer”não”. O máximo que faz é trazer alguns exemplos de uso em diálogos para o aluno desenvolver em pares. Não é dado tratamento especial a esse uso nativo do idioma. Nem, ao menos, chega a listar ou ter uma seção para a ocorrência desse evento lingüístico usado no Brasil. Por conseguinte, não faz nenhuma menção ao aspecto cultural que norteia essa situação de uso. Assim, podemos notar que as formas de dizer “não”, como um todo, estão implícitas em exercícios sugeridos, mas não são tratadas nem sistematizadas como deveriam ser. Isso pode abrir a discussão sobre o fato de que os implícitos culturais e as formas de dizer “não” do português brasileiro, por não pertencerem ao âmbito da linguagem culta, não são pensadas e apresentadas de uma maneira adequadas, o que dificulta seu conhecimento, entendimento e posterior, uso.

Numa visão crítica, podemos conceber que essa situação acontece por conta da falta de estudos lingüísticos que direcionem os autores nesse sentido. Ressaltamos que a carência de pesquisas nesse campo da língua leva professores e aprendizes a concepções enganosas sobre a língua e julgamentos incorretos sobre o modo de comunicação dos falantes brasileiros e suas visões de mundo. Portanto, é vital que mais estudos sobre a cultura e o seu modo de atuação na linguagem sejam conduzidos para o desenvolvimento de materiais futuros. Entendemos, assim, que o uso das diferentes formas de se dizer “não” no português brasileiro e seus respectivos implícitos culturais devam receber tratamento especial para a produção de livros futuros, juntamente com a formação específica de professores para o ensino de PLE. Pois, apenas com essas ações conjuntas é que poderemos contribuir para que o processo de ensino/aprendizagem de nossa língua seja mais bem elaborado e que nossos alunos estrangeiros possam partilhar nossa língua e cultura de modo consciente e real.

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