Ensino do Choro: metodologia do Conservatório de Tatuí

June 1, 2017 | Autor: A. Souza | Categoria: Music Education
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES

ANTÔNIO FERNANDO VALERIANO DE SOUZA

ENSINO DO CHORO: METODOLOGIA DO CONSERVATÓRIO DE TATUÍ

São Paulo

2010 1

ANTÔNIO FERNANDO VALERIANO DE SOUZA

ENSINO DO CHORO: METODOLOGIA DO CONSERVATÓRIO DE TATUÍ

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Musical do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Música. Orientador: Prof.Dr. Sérgio Estephan

São Paulo 2010

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ANTÔNIO FERNANDO VALERIANO DE SOUZA

ENSINO DO CHORO: METODOLOGIA DO CONSERVATÓRIO DE TATUÍ

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Musical do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Música. Orientador: Prof.Dr. Sérgio Estephan

_________________________________________________

Prof. Dr. Sérgio Estephan

_________________________________________________

Profª Drª. Valerie Ann Albright

São Paulo 2010

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Agradecimentos:

A Deus em primeiro lugar; À minha família: - Eurides (mãe), Everaldo (pai), Cláudia (irmão) e Evan (irmão) - a qual me deu estrutura e base sólida para trilhar os caminhos percorridos até aqui; A Sérgio Estephan, meu orientador, pelo apoio, dedicação, confiança e paciência; A todos os colegas de classe da faculdade, os quais comigo dividiram as dúvidas, alegrias e tensões vividas nos últimos quatro anos; Ao coordenador do Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, ao professor de bandolim, Altino Toledo, com quem fiz o primeiro contato em minha investida de pesquisa na entidade citada e a todos os professores da Área de Choro da mesma instituição pela colaboração. A todos os amigos e colegas me ajudaram direta ou indiretamente, entre eles, Fábio Kamagian e sua esposa Viviane e também a Elisson Barbosa pelo apoio.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO........................................................................................ 07 CAPITULO I - O Curso de Choro do Conservatório de Tatuí: sua estrutura, metodologia e meios de ensino – uma visão a partir da pesquisa de campo e de depoimentos de professores e alunos............................................................... 11

1.1. O Conservatório...................................................................................... 13 1.2. Os professores do Curso de Choro............................................................ 14 1.3. Primórdios: fase precedente à implementação do curso.............................. 17 1.4. O Curso de Choro................................................................................... 18 1.4.1. Autonomia: o Núcleo de Choro assume área própria........................19 1.5. Formas de ingresso.................................................................................. 22 1.6. As disciplinas.......................................................................................... 25 1.6.1. Violão de Sete Cordas.................................................................. 25 1.6.2. Bandolim....................................................................................27 1.6.3. Cavaquinho.................................................................................29 1.6.4. Flauta Transversal...................................................................... 31 1.6.5. Linguagem do Choro................................................................... 32 1.6.6. Aula de Repertório....................................................................... 36 1.7. Roda de Choro como estratégia de ensino: o ambiente informal como extensão do curso........................................................................................................ 40 1.7.1 Escola e Roda de Choro: ensino sistematizado e ensino informal em compatibilidade.................................................................................... 45 1.8. Pontos em comum entre as disciplinas e didática dos professores ................ 53 1.9. Materiais didáticos.................................................................................. 58 1.10. Avaliação.............................................................................................. 64 1.11. Sobre as entrevistas............................................................................... 65

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1.11.1. Questionário ao coordenador do Curso de Choro de Tatuí............ 65 1.11.2. Questionário aos professores do Curso de Choro de Tatuí............. 71 1.11.3. Questionário ao professor de Linguagem do Choro ...................... 74 1.11.4. Questionário aos alunos do Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí...............................................................................................75

CAPITULO II - Reflexões acerca da Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo” de Brasília, da Escola Portátil de Música do Rio de Janeiro e um levantamento sobre instituições de ensino do Choro......................................... 80

2.1. Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo”........................................... 82 2.2. Escola Portátil de Música........................................................................ 85 2.3. Algumas reflexões acerca do ensino do Choro nas escolas analisadas por este trabalho de pesquisa..................................................................................... 89 2.4. Outras instituições de ensino e divulgação do Choro.................................. 93 2.5. Iniciativas do ensino sistematizado do Choro............................................ 94

Considerações Finais............................................................................... 96 REFEREÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................... 101 ANEXOS Anexo I – Tabela gráfica da grade curricular da Área do Choro do Conservatório de Tatuí...................................................................................................... 105

Anexo II – Fotos: imagens das Aulas de Repertório, aulas de instrumento, aulas de Linguagem do Choro e das Rodas de Choro............................................... 106

Anexo III – Material de áudio: CD com os áudios das entrevistas na íntegra com o coordenador e professores do Curso de Choro de Tatuí................................ 112

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INTRODUÇÃO Existem no Brasil inúmeras instituições de instrução musical, muitas delas têm a qualidade de ensino reconhecida, outras nem tanto. Nesses ambientes, normalmente constatam-se a presença predominante do ensino sistematizado da chamada música erudita de tradição européia (PENNA, 2008, p.32). Por outro lado, desde alguns anos até o presente momento, tem havido uma justificável tendência mundial por parte de educadores em incorporar nas escolas de música e em escolas formais, temas relativos às culturas populares (SANDRONI, 2000). Em consonância com esse pensamento, o enfoque desta pesquisa é a inclusão de um importante gênero da música popular brasileira, que é o Choro, e a análise das metodologias desenvolvidas nas instituições de ensino que têm o referido gênero como matéria curricular, a fim de conferir possíveis proficuidades musicais e de formação geral alcançadas pelos estudantes. A pesquisa realizou-se de maneira mais próxima e atenta no conceituado Conservatório Musical de Tatuí (SP), junto ao coordenador, professores e alunos do Curso de Choro da instituição, através de entrevistas e a pesquisa de campo feita periodicamente nas dependências do conservatório, sendo estes, então, os principais veículos de investigação e observação para obtenção de informações fundamentais ao desenvolvimento do presente trabalho. Foram adotadas também como parâmetro e apoio, informações coligidas através de vários meios, tais como, trabalhos acadêmicos recentes, internet, matérias em revistas, entre outros, a respeito de mais duas escolas de música especializadas no gênero: Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabello”, projeto pertencente ao Clube do Choro de Brasília (DF) e a Escola Portátil de Música, projeto que faz parte de um programa de educação musical voltado à capacitação e profissionalização de músicos através da linguagem do Choro (Rio de Janeiro-RJ). A escrita final desta pesquisa foi estruturada em dois capítulos. O primeiro trata especialmente da descrição do Curso de Choro e da observação e análise do ensino do gênero na instituição que leva o nome do tema da pesquisa, que é o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí. Além da pesquisa de campo e entrevistas realizadas com o coordenador, professores e alunos da escola, o texto é entremeado por intervenções extraídas de documentos diversos relacionados ao assunto, 7

que dialogam com as colocações feitas pelos entrevistados, corroborando, enfatizando ou mesmo contrapondo suas idéias. A elaboração dos questionários foi baseada em dois parâmetros: um estrutural e o outro em relação ao conteúdo. No que concerne à estrutura e organização, a fonte de apoio e orientação está fundamentada em Hartmut Günther (2003), através de seu trabalho denominado Como elaborar um questionário. Planejamento de pesquisa nas ciências sociais, e no texto de Anivaldo Tadeu Roston Chagas (2000), chamado O questionário na pesquisa cinetífica. Os livros consultados referentes à didática, metodologia e prática de ensino, de forma geral, e sobretudo da área musical, foram essenciais como base de conteúdos pertinentes a serem intoduzidos nas formulações das perguntas dos questionários, e entre eles, estão à obra de José de Arruda Penteado (1979), em seu livro: Didática e Pratica de Ensino e o trabalho de Maura Penna (2008), representado no livro Música e seu Ensino. Este último apresenta conceitos e concepções básicas sobre a música vinculada à prática pedagógica, bem como, os livros Musica na Escola e Ensinado Música Musicalmente, de autorias de Hans Günther Bastian (2009) e Keith Swanwick (2003), respectivamente. Outra referência para o trabalho de conteúdo dos questionários foi a pesquisa sobre Choro realizada por Henrique Leal Cazes (1999). Dentre muitos projetos desenvolvidos na área, Cazes é autor do livro: Choro: do quintal ao municipal, material que contém informações que vão desde o nascimento do Choro e as condições que originaram seu aparecimento, passando por todas as características significativas do gênero - considerado também como modo de tocar (TINHORÃO, 1998 p.111) -, biografias importantes, e sobretudo, um capítulo chamado “Oficinas e livros, o Choro vai à escola”, extrato que contém dados muito pertinentes à pesquisa. Serão adotados também como referência os livros de André Diniz (2003 e 2008): “Almanaque do choro: a história do chorinho” e “Joaquim Callado: o pai do choro”, estes, contribuindo, sobretudo, com informações de aspecto histórico-social do Choro. A razão de eleger o referido conservatório para realização da pesquisa deve-se primeiramente ao fato de haver pouquíssimas entidades que se dediquem ao ensino do Choro, e nesse contexto, procurei o Conservatório Musical de Tatuí ao saber que havia um curso relacionado ao gênero, uma vez que essa instituição goza de prestígio e reconhecimento profissional no campo da ação musical. 8

No segundo capítulo é exposto resumidamente o funcionamento das aulas de Choro em outras duas escolas atualmente referenciais nessa área e já mencionadas neste texto, baseado em informações referidas em documentos de pesquisa sobre as instituições e de sites oficiais destas, disponíveis na internet: a Escola Portátil de Música e a Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo”. O propósito após a observação das informações descritas acerca dos meios de ensino de cada escola é estabelecer relações, pontos em comum e elos com o trabalho didático do Curso de Choro de Tatuí. Há também a descrição sintetizada de outras organizações e eventos ligados ao ensino do Choro e sua divulgação em alguns pontos do país. Complementando o assunto, ao final do capítulo há uma breve citação de algumas iniciativas de projetos que marcaram o início das ações que gradativamente estão conduzindo o Choro ao terreno do ensino didático. O Choro é um gênero musical reconhecido no âmbito internacional, havendo muitos interpretes e compositores estrangeiros que se dedicam a ele em vários lugares do mundo, como no Japão, Estados Unidos e Venezuela, além de músicos “chorões” brasileiros que garantem espaço para tocar fora do país em festivais e em outros eventos (CAZES, 1999, p.193), favorecendo dessa forma a disseminação de nossa cultura musical às outras esferas. Não obstante, é nitidamente perceptível a ausência ou apenas uma aparição discreta do Choro nos eventos culturais (apesar de ter aumentado razoavelmente) e especialmente nas instituições de ensino de música no Brasil, principalmente quando nestas últimas, se trate de um ensino “organizado” e sistematizado do assunto. Ciente das informações descritas anteriormente e também levando em conta outros fatores, como por exemplo, a revisão dos últimos anais da ABEM e ANPPOM, além da busca de informações por outros meios, referentes aos interesses deste trabalho, percebe-se que são escassos, tanto os trabalhos de pesquisa que envolvam especificamente essas questões, como também ambientes de instrução musical que desenvolvam um trabalho relevante com o Choro, salvo àqueles já mencionados neste texto. O interesse desta pesquisa está em sintonia com as colocações expostas no site oficial do Conservatório de Tatuí, especificamente, na Área de Choro, disposta pelos organizadores do curso:

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Não é possível ignorar ou deixar de atentar aos sistemas e formas característicos de ensinamento destas culturas populares. A Área de Choro do Conservatório de Tatuí procura estar atenta a este fato e busca conciliar aprendizado formal e aprendizado não formal.1

A escolha do tema se dá, em primeiro lugar, por conta da relevância do Choro dentro do contexto histórico musical brasileiro, pois, trata-se de um tipo de música que se originou a partir da fusão de gêneros musicais europeus (principalmente a dança polca) com as influências musicais vindas da África (principalmente a dança lundu), através dos escravos (DINIZ, 2008, p.37). No entanto, a maneira peculiar de tocar e interpretar tais tipos de música procedeu-se com indivíduos com características que poderíamos chamar de brasileiras, pois, à época do nascimento do Choro, em meados do século XIX, apesar de haver um hibridismo étnico no Brasil, resultante do percurso histórico do país, habitavam por aqui pessoas que formavam uma sociedade que pode-se considerar com identidade própria, com hábitos e costumes peculiares, ou seja, uma população brasileira. Em termos de importância histórica, o Choro possui aproximadamente 150 anos de existência, sendo um dos primeiros tipos de música brasileira, que começou como uma maneira de tocar e nos meados da década de 1920 foi se firmando como gênero musical (DINIZ, 2003, p.29). Foi através do Choro – ou também por meio dele – que se destacaram nomes importantes, os quais trouxeram uma vasta colaboração para a qualidade e identidade da música nacional, tais como: Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, Altamiro Carrilho e até mesmo Heitor Villa Lobos. Este chegou a declarar ser o Choro “a alma musical do povo brasileiro” (DINIZ, 2003, p.11). Sendo um gênero da mesma maneira influente na formação de outros músicos referenciais das gerações posteriores, ligados diretamente ou não ao Choro, podemos destacar: Tom Jobim, Baden Powell, Sivuca, Hermeto Pascoal, entre outros. Pela relevância histórica do Choro dentro do contexto histórico-musical no Brasil, e paradoxalmente, por haver pouquíssimas entidades de ensino que se dedicam ao gênero, além de um quadro de escassez de materiais de investigações referente às metodologias de ensino do Choro, é que justifico o presente trabalho de pesquisa. 1

Disponível em:< www. conservatoriodetatui.org.br/cursos > Acesso: julho de 2010.

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CAPÍTULO I O Curso de Choro do Conservatório de Tatuí: sua estrutura, metodologia e meios de ensino – uma visão a partir da pesquisa de campo e de depoimentos de professores e alunos.

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Neste capítulo serão apresentados dados, levantamentos e análises essenciais da pesquisa de campo realizada no Conservatório Musical de Tatuí junto a professores e alunos do estabelecimento. São informações que vão desde aspectos gerais do conservatório, formação e características dos professores, condições precedentes à implantação do Curso de Choro na entidade, as disciplinas constituintes do curso e seus conteúdos, materiais didáticos utilizados, processos de avaliação dos alunos até a análise e comentários dos mesmos. No último tópico são expostas as perguntas formuladas para os questionários dirigidos ao coordenador, professores e alunos da instituição ora analisada neste capítulo.

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1.1. O Conservatório Iniciando este trabalho, exponho abaixo algumas informações básicas relacionadas ao local em que são ministradas as aulas de Choro, eixo central da minha pesquisa de campo. Localizado a 130 km da cidade de São Paulo, o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí (CDMCC) é considerado o maior da América Latina e referência no ensino musical, além de oferecer cursos de luteria e artes cênicas, todos esses com longa duração. O Conservatório é mantido pelo Governo do Estado de São Paulo e incorporado à Secretaria de Estado da Cultura, sob administração da Associação de Amigos do Conservatório de Tatuí. Além de ser “a principal fonte de ensino musical para as demais cidades interioranas” (SOARES, 2009, p. 08), O CDMCC de Tatuí recebe inúmeros estudantes da capital paulista, além de mais vinte estados do Brasil e de países latino americanos. Segundo o site oficial da instituição, o CDMCC recebe ocasionalmente também estudantes da América no Norte, Europa e até da Ásia, para aperfeiçoamento em música brasileira.2 Durante a pesquisa de campo no Conservatório, tive a oportunidade de ter contato direto e breve convívio com dois estudantes estrangeiros: um chileno (trombonista) e um francês (percussionista – instrumento: pandeiro), alunos do Curso de Choro da entidade. Além do referido curso (objeto central da pesquisa) o Conservatório ainda disponibiliza outros distintos cursos nas áreas de canto-coral, educação musical, cordas, música de câmara, teoria, percussão, piano, MPB & Jazz, sopros, regência, violão, luteria, artes cênicas, entre outros. O ambiente do Conservatório de Tatuí é altamente intenso, pois, além do fluxo de estudantes devido à freqüência nas aulas, há constantemente eventos de grande visibilidade, tais como: concertos, exposições, recitais, workshops, apresentações teatrais e palestras. Há também outros acontecimentos de grande notoriedade promovidos pelo CDMCC, como o Festival Estudantil de Teatro do Estado de São Paulo e o Festival de Música Popular Brasileira e Música Instrumental, no qual tive a oportunidade de participar como instrumentista na edição do ano de 2004. Espaço 2

Informação disponível em http://www.conservatoriodetatui.org.br/historico.php. Acesso em: 11/11/2010.

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também garantido na programação do Conservatório são os Encontros Internacionais em diferentes domínios artísticos. A forte tradição e relevância do CDMCC no panorama nacional musical, além do reconhecimento internacional nesta área, fizeram com que a cidade de Tatuí em 2007 oficializasse sua fama através de uma lei estadual (nº 12.544) que torna a cidade em “Capital da Música” do estado de São Paulo.3

1.2. Os professores do Curso de Choro Serão abordados neste tópico dados referentes ao corpo docente da chamada Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí. Há algo em comum entre todos os que hoje são professores do Curso de Choro em Tatuí: todos são ex-alunos do CDMCC. Nem todos fizeram aulas dentro do Conservatório dos instrumentos em que atualmente lecionam. Altino Correa de Toledo Neto, professor de bandolim, por exemplo, afirma que, além de não haver ainda o Curso de Choro na época em que veio procurar informações no Conservatório, não havia ao menos curso de bandolim também, fato que o motivou, então, a ingressar no curso de violino (por este possuir a mesma afinação que o bandolim – sol, ré, lá, mi – embora de natureza e funcionamento técnico diferentes) para posteriormente poder criar adaptações de digitação para o bandolim, pois, Altino já havia começado um pouco antes seus estudos no instrumento de maneira informal, ou como diz ele mesmo, “na raça",4 por não haver professores por perto disponíveis na ocasião. Altino iniciou suas atividades musicais aprendendo a tocar violão, também de modo informal, a princípio, através de revistas com cifras.

Em pouco tempo de contato com o instrumento,

começou a freqüentar a casa de um amigo, professor de música, e nesse local aproximou-se mais do universo do Choro, pois, havia no ambiente citado “Rodas de Choro”.

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História do Conservatório de Tatuí. Matéria disponível em http://diariodetatui.blogspot.com/2010/11/historia-do-conservatorio-detatui-4.html Acesso em: 11/11/2010). 4 Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório de Tatuí, Altino Toledo, em 20/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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Atualmente, Altino Toledo é graduando em Educação Musical na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Além de lecionar bandolim no Curso de Choro em Tatuí, como professor, ministrou aulas em festivais como o 25º Festival de Londrina (aulas de bandolim e prática de choro); em três edições do Festival de Ourinhos (aulas de prática de choro); e em workshops e concertos didáticos nas cidades de Jaú, Bauru, Ribeirão Preto, Santos e em Tatuí.5 Altino tem conhecimento também em cavaquinho. Alexandre Bauab Junior, além de professor de violão 7 cordas é também coordenador do Curso e da atual Área de Choro do CDMCC. Por esta instituição, é formado em violão erudito, porém, sem nunca perder o contato com música popular, embora seu envolvimento não tenha sido antes exclusivamente com o Choro. Bauab tocou por muito tempo em bigbands. A sua formação em música popular sempre ocorreu de maneira paralela em relação à erudita, mas, em seu instrumento, sempre de maneira informal nessa área (popular). É o próprio Bauab quem diz: “Eu não tive aulas de instrumento na área popular, mas tive aulas teóricas sobre essa área... aulas de arranjo, aulas de harmonia, com vários professores”.6 Na área erudita já fez concerto com banda sinfônica, tocando violão. Também participou de concertos com orquestra sinfônica. Um dos professores do Curso de Choro que tem contato há mais tempo com o CDMCC é Benedito Alberto de Paula, também conhecido pelos colegas e alunos como “Ditinho”. Ingressou no Conservatório em 1981, aos 19 anos e é formado em flauta erudita e saxofone. Apesar de já ter contato com o Conservatório há um bom tempo, em princípio, como aluno e posteriormente como professor de saxofone (inicialmente na área chamada de “MPB & Jazz”), Ditinho é o mais recente integrante entre os docentes da área específica de Choro, pois, está nela há dois anos, a convite do coordenador do curso. Ditinho atribui tal convite ao fato de que, mesmo levando em consideração que tenha estudado e explorado outras esferas do mundo musical, nunca se desligou do Choro, gênero o qual afirma tocar desde criança. Atualmente é professor de flauta transversal e da disciplina Linguagem do Choro na Área de Choro do CDMCC.

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Disponível em http://www.conservatoriodetatui.org.br/cursos.php?id=16 Acesso em: 13/11/2010. Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas do Conservatório de Tatuí, Alexandre Bauab, em 27/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 6

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O músico e professor de cavaquinho, Marcelo Cândido Gonçalves, tem contato com instrumento musical desde criança. Este contato inicial se deu de maneira informal, motivado pelo ambiente familiar, pois, seu pai toca violão e cavaquinho, mas, sem pretensões profissionais. Sua família sempre gostou de se reunir e participar de “rodas de samba”. Outra grande influência na família para o músico foi sua irmã, que estudou em um conservatório musical em São Paulo e posteriormente seguiu para Tatuí para aprimorar seus conhecimentos e buscar uma sólida formação musical. Marcelo afirma que viu nela um grande incentivo para começar a “levar a música mais a sério”, e após uma breve passagem pela antiga ULM (atual EMESP, onde Marcelo também leciona cavaquinho) estudando violão, partiu também para Tatuí no anseio de estudar no famoso conservatório musical da cidade. Ingressou no CDMCC e estudou violão erudito, violão popular com Alexandre Bauab e cavaquinho com Altino Toledo, estes últimos, hoje, colegas de trabalho no Curso de Choro. 7 Marcelo é graduado em Educação Artística e também realiza workshops e aulas técnicas em encontros e festivais, destacando-se as participações no VI Festival de Inverno de Jaú, Oficina Grande Otelo de Sorocaba, 25º Festival de Música de Londrina, Escola Studio Instituto Musical na cidade de Ourinhos, Universidade Sagrado Coração (USC) na cidade de Bauru e aulas espetáculos dentro das atividades do projeto Guri.8 Além dos professores mencionados acima, todos da Área de Choro (a qual abordaremos melhor mais adiante neste trabalho), há o professor de percussão (e percussão “complementar”) Rodrigo Moura, que, embora tenha um vínculo mais notório com a área de “MPB e Jazz” (tanto que, no site oficial da instituição ele está incluído na citada área e mencionado como professor de percussão da mesma), ministra aulas também para alunos da área de Choro. Desse modo, o professor Rodrigo acaba por “transitar” entre as duas áreas. Outro fator comum entre os professores da Área de Choro é que, além das aulas de seus respectivos instrumentos, todos coordenam a “Prática em Conjunto”, também

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Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 8 Disponível em http://www.conservatoriodetatui.org.br/cursos.php?id=16 Acesso em: 12/11/2010.

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chamada, no caso, de “Prática de Choro” ou ainda, “Aula de Repertório” [de Choro, evidentemente]. Analisaremos tal disciplina ou tal prática com maiores detalhes um pouco mais adiante neste texto.

1.3. Primórdios: fase precedente à implementação do curso Antes de se transformar em uma estrutura nos moldes em que se encontra desde o ano de 1999 (ano de sua implantação) até hoje, o Curso de Choro do CDMCC foi precedido por etapas que suscitaram a criação do mesmo. O gênero em questão já começara a ser difundindo na Escola em 1992. Segundo Alexandre Bauab, neste ano começou a se esboçar a formação de um grupo de Choro dentro da instituição, formado inicialmente por ele (que nesta época já era professor de violão no Conservatório pela chamada área de “MPB & Jazz”) e por Altino Toledo no bandolim (que a princípio havia estudado violino no Conservatório por não haver ainda aulas de bandolim no local e, então, se deu uma aproximação com Bauab no intuito de tocar e divulgar o Choro). Eles, que já tinham contato e vivência com o Choro, resolveram ampliar ainda mais seus conhecimentos através de uma profunda dedicação em estudos e pesquisas que resultaram em posterior trabalho e divulgação do gênero. O grupo veio a se denominar “Quebrando o Galho” e começou a fazer diversas apresentações representando o CDMCC. A primeira formação contou ainda com Márcia Licatti na flauta transversal, Sérgio Leone no violão de 6 cordas e Sérgio e Sérgio Ornelas como pandeirista. Além da performance, o grupo começou a apresentar um caráter didático em suas exibições, propagando informações peculiares do gênero musical Choro ao público. A idéia seguinte dentro do Conservatório (que a essa altura já tinha o grupo como “oficial” da Escola) era criar novos de grupos de Choro. Desse modo, Altino foi também convidado a fazer parte do corpo docente do CDMCC e lecionar bandolim e cavaquinho. Foram, então, se formando novos violonistas (enfocados em trabalhar com Choro) e também os primeiros bandolinistas e cavaquinistas do Conservatório. Nessa nova formação, as aulas (que ainda não eram dentro de um “Curso de Choro”, pois, ainda não havia essa denominação) foram incluídas inicialmente à área “MPB e Jazz”. Marcelo Cândido foi o primeiro aluno a se formar em cavaquinho com Altino, sendo convidado logo em seguida para ministrar aulas desse instrumento, 17

assumindo ele então às aulas de cavaquinho e Altino prosseguiu às de bandolim. Por fim, mais um elemento instrumental foi incorporado ao plano de trabalho com o Choro: a percussão, mais especificamente, o pandeiro. As aulas de percussão já existiam na área de “MPB e Jazz” sob a condução do professor Rodrigo Moura (que junto com Marcelo, veio também a compor o grupo “Quebrando o Galho” em sua reformulação). Desse modo, alguns alunos de percussão ligaram-se às atividades junto aos outros alunos e professores daquele que se tornou o “Núcleo de Choro”. Nesse contexto, os professores continuaram a formar músicos instrumentistas, propiciando e incentivando, então, o surgimento e a conseqüente proliferação de novos grupos de Choro, originados a partir da vivência dentro do núcleo.

1.4. O Curso de Choro A partir do ano de 1999, o Choro é incluído como matéria pedagógica na grade curricular do CDMCC de Tatuí, dentro do então chamado Núcleo de Choro, originado a partir das condições mencionadas anteriormente neste texto. Ao consultar alguns artigos em revistas ou capítulos de livros que abordam o tema “Choro”, como por exemplo, o capítulo intitulado “Oficinas e Livros, o Choro vai à Escola” do livro “Choro: do Quintal ao Municipal”, de Henrique Cazes (1999), percebe-se que, desde meados dos anos 1980 houve algumas iniciativas (algumas bem sucedidas), mesmo que ainda muito tímidas em termos de impacto no âmbito nacional, de difundir o Choro de uma maneira didática, com a criação de oficinas, seminários, cursos de verão, festivais de inverno, entre outros. Contudo, o professor de violão 7 cordas do CDMCC, Alexandre Bauab, afirma que, com exceção da Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo” de Brasília, fundada em 1998, nenhuma outra Escola do Brasil – pública ou particular – teve a iniciativa de abrir um espaço tal como foi a partir de 1999 com a criação do Curso de Choro dentro do Conservatório Musical de Tatuí, dedicado a esse “tão importante gênero da música popular brasileira”.9

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BAUAB, Alexandre. 23 de abril: dia nacional do choro. Ensaio Magazine. Tatuí-SP. Ano IV, nº48, p. 02, abril de 2009.

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1.4.1. Autonomia: o Núcleo de Choro assume área própria O Núcleo de Choro era uma espécie de subárea dentro de uma área “maior”, a área de “MPB & Jazz” e a ela permaneceu vinculada até o ano de 2009, quando recebeu a designação de área própria, a “Área do Choro”. Em 2008 houve uma mudança na direção do CDMCC de Tatuí, assumindo, então, Henrique Autran Dourado o cargo de diretor executivo da entidade. Este, passou a liderar uma nova equipe, que teve a “missão”10 de coordenar uma reestruturação completa da Escola e instituir novas diretrizes à mesma. Entre muitas questões, uma das que causou mais impacto foi a regularização do regime de trabalho dos professores, que, migrou do vínculo do sistema de cooperativas às contratações em regime de C.L.T., o que melhorou sensivelmente as condições de trabalho desses profissionais. No entanto, para a efetivação de tais contratações, houve um processo seletivo no qual todos os professores interessados em continuar trabalhando na instituição, tiveram que se passar. Passa a vigorar então, um novo sistema de regime de trabalho no CDMCC a partir de 2009. Todos os professores que estavam atrelados, até então, ao Núcleo de Choro, são selecionados após o processo e seguem trabalhando nas dependências do Conservatório, mas, agora, na já referida área, que, doravante, será chamada definitivamente de Área de Choro. Ela concentra suas atividades em um prédio separado da sede principal da Escola, no chamado Anexo IV. O advento desta área e o conseqüente desmembramento com a área de “MPB e Jazz” foi considerado muito positivo e há tempos era almejado. O coordenador do Curso de Choro e da nova área expõe alguns argumentos que fundamentam as vantagens de se trabalhar em uma área própria: A área de MPB cresceu muito, e eu acho que, dentre outras coisas, houve uma necessidade de dividir e com isso nós ganhamos uma área própria [...] eu acho que [a criação de uma área própria] é graças à nova direção, que enxergou que nós, tendo uma área separada, é mais fácil crescer. Agora a gente tem como, dentro da grade curricular, optar o que o aluno deve fazer, até onde o aluno deve fazer ou não [...]

10

História do Conservatório de Tatuí. Matéria disponível em http://diariodetatui.blogspot.com/2010/11/historia-do-conservatorio-detatui-4.html Acesso em: 11/11/2010.

19

então, acho que [a separação da área] melhorou muito a área de Choro para os alunos [...] Hoje, essa área tem autonomia, a área de Choro.11

Levando em consideração os fatores positivos apontados por Bauab, provenientes da disjunção de áreas, pode se acrescentar ainda outras vantagens, como a questão da visibilidade do gênero ter aumentado, ou seja, hoje, o Choro está mais em evidência dentro da instituição, conforme diz o professor Marcelo Cândido: “Hoje [o curso] está mais forte, a pessoa já vem mais consciente a respeito do curso específico de Choro [...] o público está mudando, está crescendo”.12 Embora tenha havido uma separação de áreas, a mesma se deu de forma parcial, pois, ainda existe uma articulação entre elas, uma vez que, os alunos da Área de Choro têm a cumprir uma freqüência em disciplinas obrigatórias pertencentes à área de “MPB e Jazz”, tais como, harmonia e percepção musical. Estas duas especialmente são obrigatórias a todos os alunos do Curso de Choro, porém, cada uma delas tem um determinado período total distribuído em vários semestres, por níveis, como por exemplo: harmonia I no primeiro semestre, harmonia II no segundo semestre, etc. Para alguns alunos, como os de percussão, por exemplo, é obrigatório cumprir apenas uma determinada etapa (ou seja, até um determinado nível da disciplina), sendo que as seguintes são optativas. Todos os alunos também têm o direito de estudar outras disciplinas de outras áreas como optativas (desde que haja vaga), tais como: arranjo, maracatu, ritmos brasileiros, improvisação, etc. Com exceção das aulas de instrumento, para poder ingressar e freqüentar as demais disciplinas (inclusive algumas obrigatórias) é necessário ter o pré- requisito exigido em cada uma delas, inclusive, considerando o nível da aula de instrumento que o aluno se encontra (se é “básico”, “intermediário” ou “avançado”, nesse sentido, não é possível ainda o aluno do nível “básico” no instrumento assistir aulas de

harmonia, mesmo que esta

seja

obrigatória

posteriormente).13

11

Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 06/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 12 Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 13 Ver em “Anexo I” ao fim do trabalho uma tabela completa da grade curricular e pré-requisitos necessários para cada disciplina (obrigatória ou não), fornecida pelo coordenador do Curso de Choro.

20

Com a nova etapa vivida no Conservatório e em especial no ambiente do Choro, mais um professor foi convidado a integrar a área em 2009, é Benedito Alberto de Paula, o “Ditinho”. Este, que afirma ter contato com o gênero em questão desde criança, aceitou assumir o comando de uma nova disciplina dentro do curso, que é a Linguagem do Choro, a qual será abordada novamente no próximo item deste primeiro capítulo. Mais uma mudança ocorreu nesse período de inovações na estrutura do Conservatório e conseqüentemente do próprio setor do Choro: os componentes do grupo “Quebrando o Galho” continuam seus trabalhos de ensaios, arranjos e apresentações normalmente, porém, agora eles carregam o nome do grupo para trabalhos autônomos, sem o vínculo com o Conservatório, ao mesmo tempo em que, continuam ainda prestando trabalhos performático-didáticos pela entidade, mas com o nome de Grupo de Choro do Conservatório de Tatuí. Em outras palavras, os mesmos componentes tocam representando o Conservatório e têm paralelamente um trabalho independente, usando nomes diferentes para cada situação. Essa nova conjuntura acabou por beneficiar alguns alunos, pois, o Grupo de Choro do Conservatório de Tatuí, além de ser composto por quatro professores (Bauab, Altino, Marcelo e Rodrigo), abriu espaço também para estudantes e atualmente agrega ao quarteto mais três bolsistas: dois instrumentistas de sopro e um de percussão. São alunos do Conservatório que passam por um teste e os que são selecionados ganham uma bolsa e acompanham o grupo por pelo menos um ano. Para ilustrar resumidamente o conteúdo abordado do ponto de vista estritamente musical, da então recém criada Área de Choro, o coordenador Alexandre Bauab explicou: Trata-se de uma área específica para este gênero, abrangendo um grande número de ritmos formadores (as músicas-danças européias: polca, mazurca, valsa, schottisch, quadrilha e habanera) e também ritmos não formadores que com o tempo foram agregados ao seu extenso repertório pelos muitos compositores chorões como o Baião, o Frevo, o Samba, o Arrasta-Pé e outros ritmos urbanos e também rurais.14

14

BAUAB, Alexandre. 23 de abril: dia nacional do choro. Ensaio Magazine. Tatuí-SP. Ano IV, nº48, p. 02, abril de 2009.

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1.5. Formas de ingresso A idade mínima para ingressar nas aulas de violão 7 cordas e bandolim é de 14 anos, no caso das aulas de cavaquinho e flauta, é 12 anos. Todas as aulas do curso são individuais (exceto a Aula de Repertório, sobre a qual trataremos adiante) com duração de 50 minutos cada. O número de vagas é considerado ainda muito pequeno, sendo uma média de onze candidatos por instrumento. Tal número se deve, talvez, ao fato da quantidade de professores que atendem os alunos de modo individual, prezando desse modo a qualidade das aulas, porém, essa quantidade pode ser ainda um pouco limitada considerando a possibilidade de atender um número maior de interessados pelo curso. Alexandre Bauab declara que no começo no próximo ano, por exemplo, será muito difícil algum candidato ingressar no curso, pois, as vagas estão todas preenchidas e o critério para que haja novas vagas é que, ou algum aluno se forme ou desista de freqüentar as aulas, e Bauab não acredita que isso venha acontecer, visto que, não está previsto que nenhum dos alunos venha a se formar até o período referido e é provável que se tenha a permanência deles no curso, devido ao nível de evasão na Escola que é muito baixo. O coordenador acredita que a permanência é por conta das condições e motivações que os alunos encontram dentro do curso. Há um teste para os interessados em ingressar no Curso de Choro e para participar dele é necessário tocar uma peça de livre escolha do repertório “chorístico” e uma leitura a primeira vista. Mas, os critérios e pré-requisitos para entrar no curso variam conforme o instrumento. Por exemplo, no caso do violão de sete cordas é exigido sempre um prévio conhecimento teórico e técnico, pois, a procura deste instrumento no curso é muito grande e há poucas vagas, portanto, quem possui esses conhecimentos têm mais chance, até porque, segundo Bauab, para se tocar Choro com esse instrumento é fundamental tais conhecimentos, visto que, a idéia é de o aluno entrar e já poder vivenciar praticamente as atividades propostas em conjunto o mais breve possível. Bauab diz ainda que, normalmente quem procura por vagas para as aulas de violão são alunos que já estão no mínimo no nível técnico equivalente ao 6º ano de violão erudito (referência das aulas de violão erudito do CDMCC). Para flauta também

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é exigido conhecimentos semelhantes. Já no caso do cavaquinho e do bandolim, há uma flexibilidade maior, conforme aponta o professor Altino ... na verdade é o seguinte, eu tenho como padrão trabalhar: ingresso de alunos com conhecimento e ingresso de aluno sem conhecimento, por quê? Porque não há escola de bandolim por ai. Como é que eu vou querer só os que já sabem? Os candidatos às vagas aprenderam com quem? Então, no meu instrumento as vagas são meio a meio. No caso do cavaquinho o esquema é o mesmo.15

E Alexandre Bauab complementa: Por exemplo, o [candidato ao instrumento] bandolim, a gente aceita aluno com conhecimento musical e também aluno sem conhecimento musical, porque existe uma procura menor, porque é um instrumento menos conhecido. Violão a gente exige um pouquinho mais, e “pegamos” alunos com conhecimento musical, porque a procura é muito grande. [...] geralmente é o pessoal do cavaco e bandolim que entra sem saber quase nada [de teoria musical], então, ele terá aulas de teoria no outro andar do prédio, e aqui, geralmente, a gente dá principal foco ao instrumento. Desse modo, se ele não sabe ainda nada de teoria, isso não o impede de ter um desenvolvimento no instrumento. Deixamos a questão da leitura, do papel, para depois. Primeiro, ele e o instrumento. [...] algumas pessoas que entram não sabem nada de teoria musical, principalmente os [alunos] de cavaquinho, eles não sabem nada, mas toca cavaquinho. Não podemos retroceder eles em função de não terem leitura musical. Temos que partir daquele momento técnico que eles estão, porque eles tocam.16

Fica claro dessa maneira, que a leitura musical, apesar de ter certo peso em alguns casos, não é um pré-requisito absolutamente necessário para o acesso ao curso. Sobre isso, Bauab também afirma o seguinte: A gente não prioriza a leitura como fator fundamental do ensino. Ele vai aprender a ler porque ele vai ter essa necessidade, ele vai ter que trabalhar em grupo. E é algo a mais para um emprego lá fora, para trabalhar em gravações de estúdio, por exemplo, precisa saber ler para facilitar. Mesmo dentro das nossas Aulas de Repertório [ou

15

Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 16 Entrevistas concedidas pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, nas datas 6/10/2010 e 27/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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“prática de Choro”], ele vê que é interessante... ele vê o aluno do lado lendo, sabe? E acaba partindo do próprio aluno essa... essa curiosidade, essa necessidade de aprender a leitura musical [...] pela convivência com os outros alunos que já lêem, posteriormente ele acaba se interessando e aprende a ler, o que é mais fácil né? Ler é fácil, o difícil é tocar, não é? [...] Nós nunca priorizamos a teoria na frente do instrumento, nunca. Nunca vamos parar o aluno para que ele “ande” [na prática do instrumento] junto com a teoria, não faz sentido. 17

O professor Altino Toledo ajuda a fundamentar o critério do “por que” de não preconizar tanto a teoria musical ... eu estou interessado que o aluno toque, essa é primeira coisa, assim como dizem os grandes educadores,eles ensinam: primeiro tocar depois explicar o que que ele está fazendo, por exemplo, se o assunto é uma escala maior, então, eu não vou explicar para ele o que é uma escala maior, mas, ele vai ficar tocando uma escala maior. Aí, um dia ele vai questionar e querer saber ou eu mesmo posso ver o momento adequado e dizer “olha, isso que você está fazendo é uma escala maior” e aí explico teoricamente sobre o assunto, mas depois que ele sabe praticamente. É assim que eu trabalho. Eu vou integrar [teoria e prática], mas depois que ele já fez [a prática]

Marcelo Cândido tem a mesma linha de pensamento em relação à condição de ter conhecimento prévio de teoria, ele diz: “Eu não posso colocar esse requisito como obrigatório, senão, eu não vou ter público. E no caso do bandolim é a mesma coisa. O violão é diferente, é outro público”.18 Quando perguntado se havia ou não alternativa para o ingresso em suas aulas sem o prévio conhecimento teórico musical, o professor Ditinho respondeu: Há alternativa sim. [...] Mas acho importante estudar para [que o aluno possa] enriquecer seu conhecimento musical. Mas ele pode ingressar e desenvolver um estudo teórico durante o curso. Ele tem que saber tocar um pouco, e quando a pessoa toca um mínimo que seja, é impossível ele não saber nada, porque ele toca, tem alguma relação.19 17

Entrevistas concedidas pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, nas datas 6/10/2010 e 27/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 18 Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 19 Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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1.6. As disciplinas Neste tópico serão discorridas informações acerca de cada uma das práticas disciplinares que compõem o Curso de Choro do CDMCC. 1.6.1. Violão de Sete Cordas: O professor do instrumento, Alexandre Bauab, diz que os professores, de maneira geral no trabalho com o instrumento, priorizam os fundamentos de música, que vão desde a divisão musical até o entendimento de como o aluno deve extrair o som do instrumento. Como o Choro é um tipo de música que exige muita habilidade técnica (e com o uso do violão não é diferente), são aplicados em suas aulas conteúdos de acordo com a necessidade para atingir uma desenvoltura desejável, como “um bom estudo de escalas”, por exemplo. Toda essa aplicação é feita pensando sempre no contexto do gênero Choro, conforme explica Bauab: “Então, você pode passar uma escala e pode passar um Choro relacionado a ela, onde a escala é o elemento principal ali”. Os alunos de violão também têm um trabalho muito intensivo com arpejo, elemento usado como uma das fontes para a criação de melodias de Choro (ALMADA, 2006, p.29) e acrescentados a este, também os ornamentos melódicos, tais como “bordaduras, retardo, notas de passagem, cromatismo, duplo cromatismo, triplo cromatismo, etc.”, todos estes considerados por Bauab como elementos “transformadores da linguagem” [“chorística”]. A inversão de acordes é sem dúvida também um elemento muito explorado no Choro e especialmente inerente à prática do violão 7 cordas. Bauab fala que o hábito de seu exercício proporciona um entendimento, o qual, possivelmente dará margem no futuro ao aluno poder criar encadeamentos na linha do baixo do violão, tendo uma maior consciência de condução dentro de uma determinada harmonia. São dele as palavras: “Ele [o aluno] acaba criando, baseado em exemplos demonstrados anteriormente de como funciona”. O professor de violão 7 cordas informa que, devido à falta de materiais didáticos relacionados ao Choro, alguns foram criados pelos próprios professores do Curso de Choro. Ele afirma: “Eu uso coisas específicas para o violão [...] Criei materiais

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baseados na minha vivência”. Como exemplo de material criado pelos professores do curso, podemos citar um álbum de transcrições denominado “Prática de Choro, volume I”, em que, na segunda seção há as partes de cifras e linha do baixo para violão de sete cordas. Bauab relata que há também exercícios isolados, não compilados ou agrupados em uma apostila (mas que, segundo ele, é um plano futuro), mas, criados e trabalhados com os alunos conforme a necessidade específica em determinada ocasião. Apesar de ter planos de organizar tais exercícios em um único caderno ou apostila, Bauab tem certo receio de tal medida e por enquanto prefere conduzir os exercícios como tem feito. É ele quem esclarece: Mas, eu tenho um certo receio do material todo “apostilado” na mão do aluno, porque, muita gente acha que... na verdade, vem pra cá para buscar material. Então, ele acha que tendo um monte de papel, aquilo vai resolver a vida dele, mesmo que fique trancado dentro de um armário. Então, eu prefiro sempre passar a coisa “ponto a ponto”, não gosto de adiantar nada não. No começo do semestre, eu converso sobre o que vai ser trabalhado [apenas] naquele semestre, quais as peças que ele vai tocar, por semestre ou por bimestre também.

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As colocações feitas pelo professor Bauab, poderiam a princípio, soar como uma linha de pensamento “fechada” no momento em que pré-determina as peças que irão trabalhar no semestre, porém, além de estar tentando justificar (conforme a citação acima) o motivo pelo qual adota tal postura, fica claro em sua fala que não se trata de uma limitação: “Na verdade, esse curso é um elemento vivo, porque, ele está sempre mudando. A gente está sempre aprendendo com esse curso [...] E dessa forma, estamos sempre acrescentando alguma coisa ou eliminando também”. Ainda que muito escassos os materiais publicados de Choro (e mais ainda os específicos para violão de sete cordas), é também citado o método chamado “O violão de 7 cordas”, de Luiz Otávio Braga, o qual apresenta fundamentos da linguagem e da técnica do violão de sete cordas, além de transcrições de linhas do baixo criadas pelo autor ou gravadas pelos grandes mestres do instrumento, entre outros aspectos.

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Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas do Conservatório de Tatuí, Alexandre Bauab, em 27/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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1.6.2. Bandolim O conteúdo abordado nas aulas de bandolim ministradas por Altino Toledo no CDMCC, desde o início de sua implantação, é resultado de um longo percurso empírico deste professor. Na época em que tentava descobrir como e o que funcionaria para as aulas, ele cita que não havia métodos como, por exemplo, o do músico bandolinista Afonso Machado (método este que é uma das referências hoje para aprendizado do bandolim, sobretudo, voltado ao “bandolim brasileiro”), apenas alguns curtos de Jacob Thomas e outros antigos, de bandolim napolitano. Antes de aplicá-los em aulas, Altino usou-os por um bom tempo para seu próprio desenvolvimento. Leu e usou também muitos métodos de violino (uma vez que, o bandolim possui a mesma afinação deste), tentando fazer as adaptações e acomodações cabíveis para o bandolim. Altino recorda que: No decorrer dos anos eu fui descobrindo de cada método o que é que funciona. Não é uma coisa que eu comecei o curso já pronto, não. Eu comecei descobrindo o que é que funciona, fui descobrindo. Quer dizer, foi por experiência, porque, como já se sabe, não tinha nenhum curso de Choro no país. [...] Não tinha parâmetro, não tinha nada. 21

Em cada um dos materiais, como esses de violino, Altino verificava o que estava funcionando. Usou e analisou os métodos e estudos de Hans Sitt, os quais, em sua visão, funcionavam muito bem para a compreensão da “primeira posição”. Os exercícios de Sevcik eram muito bons em sua opinião, para troca de posições. Entre outros, há ainda como referência os estudos de escalas de Johann Hrimaly. Após as experiências, Altino começou a aplicar os conteúdos aos alunos de bandolim que surgiram no CDMCC e passa desde então, a observar e desenvolver uma pesquisa com estes, na expectativa de enxergar os aspectos dos métodos utilizados que fluíam ou não conforme o esperado. “E eu fui testando e olhando os que davam certo eu fui guardando. Então, eu tenho

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Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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basicamente uma coletânea de tudo isso aí, de vários métodos, só para o que funcionou”, revela Altino. Todo esse processo se mostra importante, afinal, como dizia o educador Paulo Freire (1996, p. 29): “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”. O professor Altino ainda complementa seu relato: “Eu não faço uma seqüência, eu tenho mais de 150 exercícios coletados, com estudos de troca de posição, digitação, que eu peguei de cada método. Tem uns também que eu peguei que alguns alunos montaram”. Nota-se nesta fala que o aluno também tem espaço para poder expor seu potencial criativo, não tendo por parte do professor uma postura impositiva e fechada. Neste caso, alguns dos exercícios propostos e elaborados por determinados alunos, foram também adotados pelo professor e utilizados posteriormente por outros alunos. Perguntado a respeito da elaboração e conteúdo dos exercícios dos alunos, Altino comenta que “... são, por exemplo, alguns exercícios legais de arpejo, um pouco diferente dos estudos de arpejos de violino que eu utilizei. É uma forma usada na Música Popular Brasileira, umas coisas diferentes que não se usam nos métodos de violino”. Essa abertura para a troca de experiência entre docente e discente do prisma do ensino é validada por muitos educadores: “Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa [...] Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se dilui na experiência realmente de aprender” (FREIRE, 1996, p.24). Outro fator que Altino defende veementemente em suas aulas é a questão de estar sempre “ensinando musica musicalmente”, como diria o educador musical inglês Keith Swanwick (2003) em seu livro homônimo. O professor bandolinista explica que desde as primeiras orientações aos alunos, sejam de aspectos técnicos ou teóricos, tenta relacionar com o fato musical. Muitas vezes, na mesma aula em que está trabalhando algum exercício técnico com o aluno, Altino tenta fazer com que ele pratique aquilo em um trecho musical, mesmo que pequeno. Evidentemente que, com as pessoas que nunca tocaram nada ou quase nada, esse processo é mais lento, mas, Altino afirma que tenta mesmo assim: Muitas vezes aparece uma pessoa que já toca cavaquinho e quer tocar bandolim, então, ele já tem uma coordenação motora, ta certo? Mas acontece de ter pessoas que nunca tocaram nada, então aí demora mais para eu passar uma música, mas mesmo assim eu tento umas valsas e já passo essas valsas com poucas notas. Então,

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na verdade eu trabalho vivenciando a música e vou dando a técnica suficiente para ele vivenciar essa música 22 (grifo

meu).

O professor de bandolim ainda complementa suas aulas trabalhando com assuntos (e às vezes com métodos) de teoria musical quando julga necessário, a fim de relacionar tal conteúdo teórico de acordo com a respectiva necessidade prática vivenciada em um determinado momento: Se eu preciso que ele entenda tal figura ou célula rítmica eu pego o BONNA ou o POZZOLI e já aplico, porque essa figura muitas vezes na aula de teoria musical ele só vai aprender no ano seguinte, mas, em uma determinada música só faltam dois compassos para ele terminar a música, então eu ensino o que preciso para aqueles dois compassos ali, de acordo com a necessidade do aluno. Eu uso a teoria quando o aluno precisa para tal música. Eu não faço ao contrário, que é ficar passando a teoria e depois vamos ver como a utiliza, não! Nós fazemos a música. 23 (grifo meu)

No comentário supracitado, o professor Altino aponta que a idéia é tentar fazer com que o aluno se desenvolva de modo geral, contudo, nas aulas de instrumento o interessante, claro, é que o aluno toque, mas, sempre respeitando seus limites (teóricos ou práticos): ... eu tive uns alunos mais velhos que não conseguiam compreender a divisão musical, então, ao invés de eu ficar insistindo nisso, eu passei a música pra eles como se fosse numa "Roda de Choro”. “Olha, a frase é assim” então, eu tocava a frase e ele repetia. [...] Então, eu não vou deixar de trabalhar com o aluno interessado, se ele é capaz de tocar música.24

Em todo o processo que envolve as aulas do professor Altino, seja qual o caminho permeado que tenha adotado (pois, as ações durante o curso podem ir se alterando, como nos disse Bauab “o curso é um elemento vivo”) o importante, musicalmente falando é que, como ele mesmo diz “desejo que o aluno compreenda as possibilidades do bandolim e toque Choro”. 1.6.3. Cavaquinho

22

Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 23 Idem 24 Idem

29

Quando começou a dar aulas no CDMCC, Marcelo Cândido utilizava o método Escola Moderna do Cavaquinho, de autoria de Henrique Cazes, livro que, apesar de ser referência até hoje a diversos músicos cavaquinistas, (mesmo porque o autor tem um vasto conhecimento na linguagem do Choro e grande desenvoltura no trato com o instrumento), foi, com o tempo, sendo substituído por outros meios, pois, Marcelo enxergou outras necessidades para o propósito de trabalho com seus alunos. Ele diz respeitar muito o trabalho do referido autor e que na realidade acontecia outra situação: ao invés de trabalhar diretamente com os acordes alterados nas harmonizações que propõe o método, Marcelo foi optando, dentre muitos outros exemplos e fatores, em uma análise de uma partitura que seria executada no cavaquinho: Quais elementos técnicos estão presentes ali dentro [da partitura]? É isso que eu vou prezar e vou trabalhar com ele. Por exemplo, eu estou analisando uma melodia e de repente tem há nota de passagem ali, então eu vou trabalhar isso tecnicamente com ele. [...] Eu vou criar situações para ele usar aquilo. 25

Marcelo cita que os exercícios propostos quase sempre são baseados na análise de músicas dos chorões consagrados, como Pixinguinha ou Waldir Azevedo e em cima disso vêm as indagações: O que que ele usou de elementos técnicos naquela composição? “Ah, ele usou „tal‟ recurso nesse trecho, nesse outro trecho ele usou outra técnica”, etc. E da mesma forma que nós analisamos, vamos também tentar fazer. [...] eu posso até fazer uma variação em cima ou um improviso meu, mas, sempre pensando no elemento técnico que o Pixinguinha usou, ou que o Jonas [cavaquinista que acompanhou Jacob do Bandolim] usou.26

Como citado anteriormente, o professor de violão 7 cordas, Alexandre Bauab nos disse que os professores, de modo geral, priorizam, dentre outros aspectos, o entendimento que o aluno deve obter em extrair o som adequado do instrumento, e isso é algo que de certa forma deixa Marcelo intrigado, pois, há uma certa dificuldade em conseguir um som no mínimo razoável com o cavaquinho. Ele dá exemplos, como o bandolim, que ao ser tocado, suas cordas vibram soando forte e de modo “brilhante”. No caso do trombone ou clarinete o som é muito expressivo, a gaita, a mesma coisa, já 25

Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 26 Idem.

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com o cavaquinho, o sistema é diferente: “Você tem que trabalhar muito para deixar ele expressivo, tem que „ralar‟ muito, tem que ouvir e tem que buscar essa sonoridade. E isso é trabalhado na aula”, é o que alega Marcelo. Como ele mesmo diz, é feito um trabalho em busca de uma sonoridade expressiva do instrumento, e os meios que Marcelo emprega para tal finalidade são muitos, entre eles o estudo de ornamentos e técnicas peculiares do cavaquinho, um instrumento que é também muito tenso, tendo o estudante que ter uma boa disposição para se acostumar com a pressão das cordas. Portanto, o professor acredita que, “por natureza”, o cavaquinho não possui um som tão rico como muitos outros instrumentos e que precisa haver muito empenho e vontade para se atingir um som regular: “Vamos trabalhar essas questões, porque, ele por natureza não é tão expressivo, não tem o som assim tão „pronto‟ como o acordeom, por exemplo. Você abre ele [o fole] e está lindo”. Apesar de tudo, Marcelo garante que essa qualidade de “lindo” pode e sempre pôde ser alcançado no cavaquinho e quando isso acontece “é muito prazeroso”. E isso é o que ele procura propagar aos seus alunos. Assim como Altino, quando Marcelo percebe alguma necessidade, aborda teoria musical em suas aulas e por motivos também semelhantes aos do professor de bandolim: “quando vejo necessidade, trabalho com o aluno até a 5ª série do „Pozzoli‟, para adiantar, prevendo que a seqüência de aulas de teoria vai amarrar ele um pouco nesse sentido [...] Eu acabo fazendo um paralelo [entre as aulas] para somar pra ele”.

1.6.4. Flauta Transversal O Professor Alberto Benedito, conhecido como “Ditinho”, embora tenha envolvimento com a linguagem do Choro há muito tempo, sempre partiu da audição e apreciação para poder tocar este gênero, já que afirma não ter conhecimentos de materiais próprios de Choro ou mesmo de flauta voltada à música brasileira em períodos anteriores. Enxerga que apenas recentemente é que começaram a ser publicados alguns trabalhos na área, e mesmo assim, a passos lentos. Ditinho aponta que desenvolve um curso de flauta direcionado ao Choro com o Método Ilustrado de Flauta de Celso Woltzenlogel. O interessante é que esse livro está de certa forma ligado à música brasileira, pois, contém alguns estudos e exercícios originais do compositor “GuerraPeixe”, além de um capítulo dedicado às sincopas, elemento quase sempre presente na 31

música popular e por conseqüência, muito recorrente no Choro. O método inclui ainda, desde itens básicos, como exercícios de respiração, embocadura, afinação, cuidados e manutenção até trêmulos com intervalos diversos, dedilhados e efeitos especiais, entre outros. O professor atesta que, além de detalhes técnicos, Woltzenlogel abarca em seu trabalho aspectos relacionados aos chamados “métodos clínicos”. São assim chamados porque são direcionados à postura, ao equilíbrio, ao fator psicológico que você tem quando você pega um instrumento, sendo ele pesado ou não. Ele [instrumento] influencia no corpo da gente. Então, todo esse processo de integridade [do corpo] com o instrumento chama-se “métodos clínicos”.27

E essa integridade, o professor de flauta considera tão importante que acabou adotando o método para o instrumento não só para o trabalho com o Choro, mas, independente do estilo musical que for trabalhar com alunos. De modo semelhante ao de alguns colegas, Ditinho, além do referido método, trabalha diretamente com as músicas de Choro, analisando e explicando aos alunos aspectos técnicos contidos nas peças e relacionando-os com as peculiaridades e mecanismo da flauta transversal.

1.6.5. Linguagem do Choro Esta disciplina também é ministrada por Alberto Benedito, que além de flauta, toca ou já teve contato com outros diversos instrumentos, inclusive os usados na área em que atua no momento, facilitando assim o seu trabalho, pois, ele exige o conhecimento do funcionamento dos diferentes instrumentos que venham a ser trabalhados com o Choro. A princípio, essa matéria seria direcionada principalmente a músicos de sopro (trombone, trompete, clarinete, etc.), estudantes de outras áreas (que podem freqüentar as aulas desta disciplina na medida em que abram vagas), mas, o professor Ditinho também recebe violinistas, violoncelistas, violistas, etc. O perfil de 27

Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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alunos que ingressam às aulas de Linguagem do Choro é aquele que possui um certo domínio de seus instrumentos, eles, portanto, normalmente procuram a disciplina a fim de conhecer as características musicais do gênero e aplicá-las aos respectivos instrumentos. Nesse sentido, o professor analisa previamente se o aluno interessado tem condições técnicas para acompanhar o conteúdo das aulas. Estas, são individuais, independente do instrumento do aluno, com duração de 50 minutos cada. Ditinho define a Linguagem do Choro como sendo “a interpretação do estilo musical”. Apesar de considerar o improviso como elemento importantíssimo dentro da linguagem “chorística”, afirma que para o estudante de música trabalhar com Choro é preciso antes apreciar, entendê-lo para poder interpretar de modo coerente em seu instrumento, pois as notas estão escritas[na partitura], a grafia está “ali”, mas, “aquilo” precisa de uma interpretação. Tem que entender a estrutura do gênero musical, porque a gente falou o tempo inteiro da linguagem e não faz sentido se não entender. Se você nunca ouviu Choro, se você nunca tocou Choro, não tem como tocar Choro, não é?28

O professor relata que é comum aparecerem alunos na disciplina que já lidam com outras linguagens musicais e que têm uma técnica considerável, e quando partem para a prática musical do Choro deparam-se com alguns “choques”, visto que, é preciso o estudante conscientizar-se e ficar atento, pois, no caso de um estudante de jazz, por exemplo, “o músico tem que ter uma técnica ´x‟, mas, ele tem que tomar cuidado no estilo, de se „pronunciar‟ uma frase no Choro e se „pronunciar‟ uma frase no jazz, são coisas diferentes”, afirma categoricamente Ditinho. O músico Paulo Moura também descreve algo semelhante: “... muitos dos estudantes que eu encontro em oficinas de música têm a preocupação em saber o que é a improvisação no Choro, como fazê-la sem cair no jazz” (MOURA, 2005 apud ALMADA, 2006, prefácio). Há ainda outro aspecto a ser considerado tratando-se em Linguagem do Choro, que é a questão da [não] fidelidade ao tempo das notas impressas em uma partitura de Choro, fato que desencadeia em variações das células rítmicas. Nesse sentido, Ditinho 28

Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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esclarece que um dos maiores objetivos da disciplina é fazer com que os estudantes percebam essas peculiaridades do gênero. Que um músico chamado “erudito”, por exemplo, interessado em aprender a linguagem, possa tocar o repertório “chorístico” de acordo com seu contexto, ou, como ele mesmo diz, “de um jeito popular”. É o próprio Ditinho quem explica: “As notas quase nunca são tocadas no tempo [exatamente em que estão escritas]. O Abel Ferreira [um „chorão‟ clarinetista] é um exemplo disso. Abel costumava a tocar as músicas dele com as notas às vezes antecipadas, às vezes atrasadas”. A esse público (estudante de música erudita que procura o curso) Ditinho procura dar dicas para que possam executar ritmos característicos de música brasileira, acentuações que geralmente o “músico de orquestra não está acostumado a fazer”. O professor cita que em suas aulas, invariavelmente também há um enfoque eclético. Talvez, pelo fato de Ditinho já ter explorado outros “universos musicais” em sua trajetória, ele tenha essa característica de incentivar os alunos a ouvirem e apreciarem outras linguagens também, porque, isso pode somar positivamente a eles. Que eles relacionem o Choro com o jazz, por exemplo, uma vez que, na idéia particular do professor Ditinho “muitos músicos foram influenciados pelo jazz. Muita gente também não sabe, mas, o Ernesto Nazareth era influenciado por Chopin. Ele o adorava. Além de Nazareth, Ditinho afirma que também: O Jacob do Bandolim tinha uma tendência e influência pelos grandes musicais americanos. Pode ser que alguém até tente provar o contrário, mas, pelo que eu percebi, melodicamente, eu já ouvi varias melodias [de Choro] que tem relação com a música americana. O Waldir Azevedo, que é outro expoente do Choro, ele tem uma ligação muito grande com a música comercial, mas você percebe nele também algumas influências, ele considerava muito importante o Chopin e outros músicos do período Clássico também. [...] o Altamiro Carrilho, pode ser qualquer um deles, que foram grandes mestres para mim, tiveram alguma influência. O K–Ximbinho [outro músico “chorão”] era clarinetista, então por conseqüência, ele tinha uma influência do Benny Goodman, do Woody Herman. A “big band” do Severiano Araújo, a Orquestra Tabajara também teve influência clara de orquestras americanas, então, essa influência existe. 29

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Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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O assunto em questão levantado por Ditinho é passível de polêmica, uma vez que algumas pessoas fortemente ligadas ao Choro vão refutar esta posição, como é o caso do músico Maurício Carrilho, que em certa ocasião de entrevista, afirmou que “o jazz é que é o „american choro‟ porque o choro é anterior ao jazz!”

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O compositor e

professor de música Carlos Almada explica que “o choro difere do jazz tanto na realização e técnicas empregadas, quanto ao próprio sentido de sua existência”. (ALMADA, 2006, p. 55). Mas, o professor Ditinho também está em sintonia com a afirmação de Almada e, embora possua e tente propagar esse “espírito eclético”, ao mesmo tempo, tem a preocupação em não transmitir a “mensagem” de forma equivocada aos alunos, correndo o risco de confundirem a apreciação ou até mesmo influências musicais advindas de outro estilo, com a aplicação destas a rigor na interpretação de um Choro. Por conseguinte, e no caso da comparação do Choro com o jazz por exemplo, conforme já mencionado anteriormente, é viável ficar atento às diferenças de conceito, pois, uma coisa é apreciar, outra é interpretar, cada qual em seu estilo e seguindo seus códigos, e nesse caso (de apreciar para posteriormente criar uma interpretação), o professor Ditinho prefere usar majoritariamente referências do próprio Choro e seus interpretes e/ou de referências próximas a ele: Eu prefiro usar somente o Choro... uso algumas influências da música erudita européia, do jazz, mas, muito pouco. E procuro usar mais o Choro mesmo como referência para interpretação [...] Muitas vezes eu trago até mais elementos de uma coisa mais próxima, como o samba, mas, usar por exemplo, o jazz como escola para o Choro [talvez pensando no caráter de improvisação], aí não.31

Dentro da Linguagem do Choro, o professor diz que também orienta seus alunos a terem contato com outros instrumentos, o que ajuda muito a ter uma melhor compreensão da mesma. Indica a alunos que tocam flauta ou trombone, por exemplo, a ter contato com instrumentos harmônicos, como o cavaquinho ou o violão, ou ainda, que um violonista procure conhecer o funcionamento de um instrumento percussivo dentro do Choro. Complementando o raciocínio do professor Ditinho, suponho ser 30

Entrevista concedida por Maurício Carrilho, incluída na matéria “Cultura: Choro – continuidade e renovação”. Disponível em . Acesso em 01/12/2010. 31 Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III” – CD de áudio de entrevistas)

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interessante também, dentro deste contexto, que um aluno de cavaquinho, por exemplo, possa se interessar em manipular um violão de sete cordas, a fim de entender outro elemento sempre presente no Choro e imortalizado pelo violonista Dino 7 Cordas, que é a “baixaria”,32 designação oriunda do músico popular que tem como característica a linha do baixo do violão, pois, ela dialoga com a melodia principal de um Choro.

1.6.6. Aula de Repertório A chamada Aula de Repertório, por vezes enunciada como “Prática de Choro” ou ainda “Prática de conjunto” é uma disciplina ministrada por todos os professores da Área de Choro, cada um com suas turmas. Além dos alunos da área específica (essa disciplina é obrigatória para todos os alunos do Curso de Choro a partir do momento em quem atinjam o nível intermediário no instrumento33) essa prática é também acessível a qualquer aluno do CDMCC, desde haja vaga e que o estudante tenha condições (tanto no sentido técnico como de compreensão e conhecimento mínimo razoável do gênero) de participar. Podemos citar como exemplo, os alunos de outras áreas dentro do Conservatório que passam a freqüentar as aulas de Linguagem do Choro, eles normalmente já entram na disciplina citada com um nível técnico suficiente para tocar Choro, porém, em busca também de assimilar a sua linguagem, para que, conseqüentemente, estejam aptos após um determinado tempo a ingressar nas Aulas de Repertório da Área de Choro. Essas aulas são de extrema relevância dentro do curso. É o espaço onde há maior integração, unindo professores e alunos de cordas, sopros e percussão, no sentido da realização do acontecimento musical em grupo. A disciplina propicia a oportunidade dos alunos, em grupo, captarem com maior profundidade o sentido musical e segundo o professor Altino “essa é a parte em que nós vamos fazer com que os alunos vivenciem música”. O professor ainda explica: “Então [nas „práticas‟], o aluno vai ter a sensação da melodia que ele está solando junto com o grupo e como isso tem que soar”. Por 32

Baixarias – é como se denominam as linhas de baixo criadas pelo violão sete cordas [...] Elas têm a função não apenas harmônica, mas, também rítmica e, principalmente melódica, pois realizam um diálogo permanente com a linha principal (ALMADA, 2006, p. 70) 33 Ver em “Anexo I” ao fim do trabalho uma tabela completa da grade curricular e pré-requisitos necessários para cada disciplina (obrigatória ou não), fornecida pelo coordenador do Curso de Choro.

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meio de observações realizadas, foi possível perceber o quanto as aulas são favoráveis os alunos, tanto na questão da integração dos indivíduos, como na questão propriamente musical, visto que, eles têm a oportunidade de fazer música coletivamente e ter contato com vários instrumentos, o que lhes proporciona a diversidade da audição de timbres (simultaneamente ou de modo alternado) e acaba por despertar a curiosidade em conhecer melhor o funcionamento dos outros instrumentos. Marcelo Cândido informa que junto às turmas com as quais trabalha, vem em primeiro lugar a questão da escolha do repertório. Este tem que ser em um nível adequado aos alunos. O professor garante que é flexível em ouvir sugestões de músicas que eles desejam tocar, não lhes fazendo imposição, porque “às vezes tem o instrumentista que quer tocar uma música confortável para o instrumento dele e se eu somente impor outra coisa, estarei tirando a motivação dele”, afirma Marcelo. Ele também acredita que “O importante dentro de uma aula em grupo é você poder criar situações que motivem os alunos e ajudá-los no que for preciso. [...] Você tem que estar atento para criar situações ali no momento, porque cada aula é uma aula”.

O

professor Ditinho segue um caminho semelhante, pois, também conduz a aula de acordo com as condições técnicas dos alunos. Mas, o professor tem um foco maior de atenção ao solista (ou solistas) do grupo: “No caso dos „grupos de Choro‟ [da Aula de Repertório] a gente vai conforme o solista [...] Seguimos as normas da coordenação, os grupos têm que tocar, independente do nível técnico de cada um deles”. Contudo, o professor sempre orienta aos alunos que ainda não tem muita fluência com o gênero a trabalharem com temas mais simples (principalmente em termos técnicos) e de andamento moderado, pois, é mais viável no começo para poder ter uma execução com maiores possibilidades de expressividade. Quando os alunos já têm mais experiência, Ditinho os incentiva a elaborar arranjos, porque na verdade eles estão acostumados a copiar do disco. Sempre, a maior influência do músico de Choro é o disco. Então, muitas vezes eles começam a achar aquilo como uma, vamos dizer assim, uma “sinfonia”, eles seriam simples interpretes daquela música, só que aquela música, é popular, nela, se tem todo o direito de improvisar. Na música erudita, a interpretação é o que mais vale. Então, no Choro, pode se criar coisas dentro desse contexto. Eu não preciso tocar necessariamente igual à gravação

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sempre, sempre, sempre, porque senão, isso não vai ser uma música improvisada [elemento sempre presente no Choro] 34

O fato de incluir os alunos o mais breve possível nas Aulas de Repertório para a execução das peças, não parece ser uma imposição forçosa, tendo em vista que muitos podem ter um comportamento inicial tímido, mas, uma estratégia de motivação aos alunos, a qual lhes conferem o ensejo de experimentar, conforme atesta Altino Toledo: Aqui, nós fazemos com que os alunos vivenciem as coisas. Se ele consegue tocar uma música, ele já pode executá-la nas nossas “Práticas de Choro” que existem dentro do curso. Se ele “tirar” uma primeira música no instrumento, ele já entra num grupo e já começa a tocar essa única música. Pode ser uma música muito simples. Dessa forma, ele já começa a vivenciar isso, tendo então uma motivação e incentivo. Ele vai para cidade dele e vai sentar junto aos amigos ou pais ou com tios ou com quem quer que seja e vai conseguir já tocar uma música. [...] a motivação então é incluir os alunos logo nas “Práticas de Conjunto” desde o momento em que eles estiverem aptos para isso. Porque, já que o Choro foi fundido desta forma, quer dizer, por esse fato de tocar junto, coletivamente. Então, a gente pensa que quanto mais rápido nós fizermos isso, mais rápido eles ficam com vontade de fazer mais.35

Para ilustrar melhor uma situação vivida em uma Aula de Repertório de Choro, segue um exemplo relatado na entrevista concedida por Alexandre Bauab: Você assistiu conosco hoje a Aula de Repertório, então, na maioria delas a gente trabalha de todas as maneiras possíveis, por exemplo, em uma situação eu dou a coisa pronta para o aluno, eu digo: “olha, a música está pronta aqui, a harmonia está pronta, a melodia está pronta, vamos tocar isso aqui. Você lê a cifra e você [outro aluno] toca a melodia e está tudo certo!”. E em outras [aulas], como hoje, por exemplo, a parte da base [de acompanhamento] não tinha harmonia. Então a gente faz isso conforme o acontecimento, na hora. O solista toca, e eu, o professor, pego o instrumento [de acompanhamento, como o violão], “tiro” a harmonia naquele momento e os alunos [que também vão fazer a função de acompanhamento] seguem o professor, como uma forma de tradição, vamos dizer que, visual né? (risos)... o cara olha o que o professor está fazendo, você conversa com o aluno: “olha, aqui é esse acorde, aqui não é esse que você está fazendo, está vendo que na melodia tem

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Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 35 Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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um fá sustenido que não faz parte, portanto, desse acorde?”... e eles vão acompanhando, e dessa forma, o aluno não esquece, na verdade. Porque, quando eu deixo o aluno somente lendo e acompanhando pela cifra, então a gente toca uma, duas, três vezes... e o aluno não consegue decorar, porque ele se acomoda na “coisa” de ler a cifra e não entende aquilo que está acontecendo. E como a gente também faz esse processo de dizer que: “não, hoje não tem cifra”. “Eu vou fazer, vocês aprendem aí” [ou seja], eles decoram na aula. A memorização é muito mais rápida [...] é lógico que dessa maneira envolve mais repetições, mas ela funciona muito mais rápido. Ele não tem como levar aquilo [anotado] para a casa, ele tem que absorver aquilo naquela hora. Então, ele tem que dar valor àquela explicação.36

É possível detectar na fala de Bauab, que, além da audição, as situações vividas nessas aulas, que poderiam ocorrer também em uma Roda de Choro, solicitam outros aspectos, como, o do olhar, ou como ele mesmo disse, os alunos seguem o professor também pelo que considerou de “tradição visual”. Embora por muito tempo a aprendizagem de músicos que tinham contato com a vertente popular fosse transmitida pela oralidade, não é de se ignorar a presença de outros órgãos do sentido, caracterizando o que Yara Caznók (2008) em seu livro “Entre o audível e o visível” classificou como um aprendizado através de uma audição multissensorial, em que, na aprendizagem e percepção da música, a visão é um elemento a se considerar. Nota-se por meio da mesma descrição, que as aulas têm um cunho dinâmico e os alunos podem ser surpreendidos com as harmonias (cifras de acompanhamento) prontas para o “ensaio” ou não. Neste caso, o aluno é induzido a forçar uma pouco a mente e fazer repetições a fim de trabalhar a memorização. Esse aspecto é muito peculiar no Choro, o “tocar de memória”, sempre presente nas “Rodas de Choro”, por exemplo. Inclusive, o coordenador do Curso de Choro nos informou que, apesar da maior parte do tempo trabalharem nas aulas com a leitura de cifras e partituras (exceto ocasiões propositais em que o professor veta o uso dos mesmos) é solicitado a todos os alunos que nas avaliações que ocorrem ao final de cada semestre, toquem de cor, com o objetivo de trabalhar a memória e também as mesmas características de um típico músico de Choro:

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Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 06/10/2010 (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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Geralmente o que a gente pede nessas provas de prática de grupo é que, seja sempre de cor. Na prova de prática de grupo o repertório [é] sempre tocado de cor [...] é que também é a aquela questão da tradição né? É como eu falei pra você, vamos preparar músicos para a “Roda de Choro” também né? [...] Então, é mais por uma questão de tradição e respeito ao gênero também.37

1.7. Roda de Choro como estratégia de ensino: o ambiente informal como extensão do curso Ainda que, envolvidos com o ambiente de ensino sistematizado dentro de uma instituição de formação artística (principalmente a musical), os professores do Curso de Choro do Conservatório de Tatuí são unânimes em não abrir mão de um meio informal que foi (e continua sendo) a maior referência na formação do músico ligado ao gênero em questão neste trabalho: são as Rodas de Choro. É possível constatar evidências deste fato desde os primórdios do Choro. Alexandre Gonçalves Pinto, conhecido como “Animal”, foi o primeiro a escrever um livro dedicado ao gênero, o qual foi intitulado de “Choro: reminiscências dos chorões antigos”, escrito em 1936 e relançado em 1978 em uma edição fac-similar através da FUNERTE com organização de Ary Vasconcelos. O livro “era a principal fonte de pesquisa sobre o Choro no final do século XIX e das primeiras décadas do século XX” (DINIZ, 2008, p. 64). Nele, confirmamos algumas informações sobre os encontros e costumes coletivos dos cidadãos do final do século XIX que originaram as tradicionais Rodas de Choro: As famílias se reuniam para festejarem desejando as boas serenatas, e maviosos chôros. [...] tinha o esplendor das festas de todos os lares familiares, realizações de casamentos e baptizados, bailes cheios de alegria organizados por chorões com suas harmonias. (PINTO,

1978, p. 64)

O músico carioca Mário Séve (1999) atribui à manutenção e resistência do Choro até hoje, seguindo uma tradição, através desses encontros, nas Rodas de Choro. E 37

Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 06/10/2010 (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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para manter a tradição, apesar de ter um trabalho dentro da escola, o coordenador Alexandre Bauab acredita que “não se pode esquecer nunca a origem do contexto do gênero”, e nesse sentido, ele, em parceria com os colegas de trabalho e mantenedores de espaços ligados à arte em Tatuí, como livrarias e ateliers, promovem semanalmente Rodas de Choro na cidade. Segundo Bauab, “elas foram feitas em função do aluno”. O professor aponta que o curso dispõe de ferramentas suficientes para o aluno “enfrentar” uma Roda de Choro, onde são criadas situações parecidas com a de uma roda, mas, não propiciando as mesmas sensações de presença e vivência nas mesmas, uma vez que pensando um pouquinho no método “Suzuki” [em analogia com o Curso de Choro], então, você cria um ambiente artificial, para que aquela criança se desenvolva, e aí, esse ambiente artificial a gente já tem aqui dentro da escola, que é a “coisa” da “Aula de Repertório de Choro”, então, o cara vem e toca, e, não deixa de ser uma “Roda de Choro”, mas, ela é muito organizada... você tem ali a partitura, você já tem os caras que já sabem o que vão tocar, então “não vale”. Quer dizer, é legal, mas, então, o que a gente faz? A gente faz um ambiente fora [com as Rodas de Choro]. Antes era em uma livraria, hoje em um ateliê de pintura aqui na cidade mesmo, onde a pessoa vai lá e... a principal característica é que não existe regra. A regra é: chegar, sentar e tocar! Vivenciar aquilo.38

Ainda sob a ótica de Bauab, conferida em um interessante depoimento sobre Choro durante uma entrevista (concedida e anexa ao Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da UNESP, apresentada em 2009 pelo estudante Guilherme Girardi Soares, aluno também de violão 7 cordas do CDMCC), é possível notar com mais clareza qual o papel que o professor atribui à Roda de Choro: É praticamente impensável formar um músico de choro abrindo mão deste meio. Na roda, o aprendizado mistura-se com a prática. O aluno não é preparado para o acontecimento, mas prepara-se no acontecimento. Não existem barreiras músicoouvinte, o que a torna também um meio de aprendizado ao participante não músico [...] O papel da roda de choro é essencial. Se existe interesse em implantar este gênero, a roda de choro se faz necessária. 39

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Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 06/10/2010 (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 39 Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab a Guilherme Soares, como material anexo a seu Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo da entidade UNESP, intitulado “Bauru Redescobre o Choro: registro fotográfico de um movimento cultural”, apresentado no ano de 2009.

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Pode-se atribuir também à Roda de Choro um caráter democrático. Quem corrobora com essa idéia é Henrique Cazes (1999, p.111), que julga ser uma “verdadeira” Roda de Choro aquela na qual participam veteranos e novatos, profissionais e amadores, sem problemas. E esse espírito de integração e sociabilidade é o que corpo docente da Área de Choro está alcançando com os alunos para além das quatro paredes das salas de aula, justamente com as Rodas de Choro, tendo a escola desse modo, uma atenção não apenas ao aspecto estritamente musical, importante para a formação técnica do estudante, mas, sobretudo, ao da constituição do cidadão. Os professores percebem que a roda semanal promovida por eles é uma grande motivação para os estudantes do curso e que tem dado muito certo, haja vista que os alunos aguardam com ansiedade a chegada das quartas-feiras à noite.40 O professor de cavaquinho comenta que “ali [nas rodas], acabam acontecendo os contatos, e a partir disso eles combinam de tocar juntos, mesmo fora do espaço do Conservatório depois, isso é motivação”. Os alunos cumprem várias etapas no curso: assistem às aulas práticas e nelas trabalham os aspectos técnicos e peculiares do respectivo instrumento e do Choro; freqüentam aulas teóricas e complementares, a fim de relacioná-las com a prática e entender a estrutura musical; fazem um tipo de “ensaio” nas Aulas de Repertório, tocando em grupo e analisando todos os detalhes; e, finalmente, vão às Rodas de Choro, onde, de maneira lúdica e dinâmica, sintetizam todo o processo anterior, colocando tudo o que absorveram, em prática, não obstante, de maneira mais intensa, mais viva. A fim de ilustrar as colocações feitas acima acerca da experiência em uma Roda de Choro, exponho nas linhas seguintes, a descrição opinativa também de alguns alunos participantes das rodas promovidas pelos professores e espaços culturais de Tatuí. O aluno de violão 7 cordas de vinte e sete anos, sendo quatro de estudos no Conservatório, Guilherme Soares, entende que: Quanto mais, melhor! A gente, desde que entra no curso, recebe todo o incentivo pra isso. Porque o verdadeiro choro só se manifesta em toda a sua extensão e profundidade numa boa roda [...] a roda é como se fosse uma extensão do curso. [...]

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Dias da semana em que atualmente (2º semestre de 2010) acontecem as Rodas de Choro em um espaço do Ateliê de Pintura das artistas plásticas Raquel Fayad e Neiva Telles.

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Na roda é tudo intenso, vivo, na observação do outro, na resposta rápida, erros e acertos. [...] O choro tem uma tradição de roda, de resolver na hora, de improvisar, tocar uma infinidade de músicas.

Já Caio Cury, aluno de bandolim há sete semestres e com a idade de vinte e três anos, faz a observação: Atualmente, participo sempre da roda organizada pelos professores às quartas feiras à noite e é um grande prazer, pois, a roda é uma reunião entre amigos num ambiente informal, que sempre proporciona grandes momentos. [...] o ambiente informal das rodas é onde você coloca tudo em prática.

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O coordenador do curso diz ser indispensável no processo de formação do músico de Choro a sua passagem pelas rodas. Aliás, mais que isso, ele afirma até mesmo ser obrigatório para o músico “chorão” vivenciá-las. Foi observado pelos docentes também o comportamento dos alunos que freqüentam ou não as rodas e, de acordo com Bauab, bem como com os demais professores, aqueles que as freqüentam estão tendo maior desempenho do que os não podem participar delas. Pelo fato das aulas de Choro (e as co-ligadas a elas) serem realizadas de segunda à quarta-feira, este último sendo também o dia em que há disponibilidade no ateliê de pintura para acontecerem as Rodas de Choro à noite, muitos alunos não podem comparecer a elas, pois, a grande maioria mora fora da cidade de Tatuí, e desse modo, quando acabam as atividades na quarta-feira no final da tarde, muitos retornam para as suas cidades, ficando então para a freqüência nas rodas os alunos que já eram moradores da cidade de Tatuí ou aqueles que estão alojados nela durante o período em que estão matriculados no curso. Mas, o fato de morarem em cidades diferentes, também é um fator positivo em relação a Rodas de Choro na visão do Professor Altino: Nós também fazemos esse trabalho com os alunos, de incentivar que eles façam “Rodas de Choro” nas cidades deles. E muitas vezes, quando nós vamos admitir um aluno, sabemos que na cidade dele, por exemplo, tem um violonista que já mexe com Choro. Então, com esse cara entrando aqui, eu suponho que ele também poderá fazer uma “roda” lá [na sua cidade de origem]. [...] ele poderá propagar o Choro e,

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Entrevistas concedidas pelos alunos do Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Caio Cury e Guilherme Girardi Soares, em 10/11/2010.

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obviamente que nós queremos que o curso seja conhecido e para isso eu preciso que mais gente toque.42

O desafio de multiplicar as Rodas de Choro, conforme a intenção de Altino, também é visto como uma ação conveniente e a ausência destas é sentida por outras pessoas da mesma forma interessadas na propagação do gênero, como o pesquisador André Diniz, que em seu livro Almanaque do Choro, lançado em 2003 observou: “Quase não se ouve mais falar em rodas de choro „genuínas‟, locais históricos de aprendizagem do balanço, da liberdade de improviso, do saudável duelo entre os instrumentistas solistas e os de acompanhamento” (DINIZ, 2003, p. 57). Os professores do curso, sempre dispostos a promover trocas de influências, adotam uma postura não imperativa frente aos alunos, criando e incentivando o ambiente da Roda de Choro, em que o aluno acaba tendo certa autonomia em suas ações, sendo sujeitos em determinadas situações a ter que “descobrir” algumas coisas. E essa é uma característica que sempre existiu nas rodas, visto que, segundo Bauab a grande maioria deles [músicos antigos] não tinha uma “escola”, vinha [o conhecimento] da tradição oral, vinha daquele contexto de Roda de Choro, de você aprender durante o acontecimento. Eu acho que o fator principal, e isso quem me falou foi o músico Laércio de Freitas em julho desse ano, ele me falou uma coisa que é o seguinte: o aluno descobre. E quando o aluno descobre, ele não esquece. 43

Apesar das rodas, em princípio serem voltadas aos alunos do curso, elas são abertas às outras pessoas interessadas em participar também, e, sejam alunos ou não, quem tem participado dessas Rodas de Choro ultimamente, na percepção do professor Ditinho, são os mais jovens. Como os professores têm uma idéia clara de a roda ser um evento social, em que devem se misturar iniciantes e veteranos, novos ou mais velhos, o fato de terem mais jovens no momento atuando no citado evento não é considerado como uma exclusão aos de mais idade, pelo contrário, porque haverá troca de experiência, mas, o fator positivo seria a renovação e continuidade do gênero com um

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Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 43 Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 06/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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novo vigor. Para que um gênero musical continue perpetuando se faz necessário o conhecimento dos mais experientes em convívio e a conseqüente troca com os mais jovens. Fato importante para que, no caso, o Choro, gênero que possui a primeira formação instrumental popular urbana do país,44 permaneça “vivo”. Ainda segundo o professor de flauta transversal, muitas pessoas se interessam em ingressar no Curso de Choro para aprender a tocar um instrumento após terem visitado as rodas algumas vezes, bem como, outras pessoas já estudantes de música, mas, apreciadores de outros estilos musicais, que também procuram o referido curso após presenciarem a Roda de Choro. Mas, para quem procura aprender a tocar um instrumento através de aulas regulares disponíveis no Curso de Choro, é fundamental que garanta do mesmo modo presença nas rodas. Esse é o modo como pensa Marcelo Cândido: É uma coisa muito importante. Num primeiro momento ele não precisa nem estar tocando, mas, ele tem que estar lá, tem que ver. Aquilo tem que servir de estímulo para ele [a ponto de ele exclamar:] “eu quero estar ali”. [...] E beber dessa fonte só vai somar para ele. Ele fica mais a vontade, trabalha o emocional e coloca as coisas em prática.45

1.7.1 Escola e Roda de Choro: ensino sistematizado e ensino informal em compatibilidade Inicio esse tópico apontando algumas indagações e colocações do jornalista, mestre em comunicação e cultura, tocador de pandeiro e violão de sete cordas, Luís Filipe de Lima, enunciadas à revista “Roda de Choro”: “Se há „vários‟ choros [o jornalista explica em parágrafo anterior do texto que sob o mesmo rótulo (choro) estão composições de Pixinguinha, Hermeto Pascoal, grupo Choro Elétrico, Artur Moreira Lima, Zé da Velha, entre outros, de vertentes e concepções estilísticas por vezes opostas], ainda que unidos por uma misteriosa essência que lhes garante a identidade, comum, haverá vários processos válidos de aprendizagem, ou não?”. Lima continua: “Será que se aprende choro também na escola?”. Em suma, a resposta que percebemos

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Afirmação feita pelo jornalista Ilmar Carvalho em seu artigo “O Choro: um gênero em transformação”, publicado na revista Roda de Choro vol. 1, 1996, p.12. 45 Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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do jornalista para as questões acima, ao ler o artigo inteiro, é que sim, e ele ainda resume: “Enfim, nem sempre é preciso colocar em pólos opostos criatividade e rigor formal, botequim e academia [...] E muitos, assim, serão os caminhos que levam ao choro”.46 Com base nos depoimentos prestados em entrevistas, é possível perceber que os professores do Curso de Choro do CDMCC concatenam de maneira unânime com as conclusões do jornalista Luís Filipi de Lima, geradas a partir de suas próprias inquietações acerca dos modos e possibilidades de aprendizado do Choro. Encontram-se respostas semelhantes dos professores para a questão, como por exemplo: “Eu acho que tem que pensar nas duas [formas de aprendizagem]”, expressa por Alexandre Bauab, ou ainda: “Na verdade eu penso que as duas seria o ideal”, emitida por Altino Toledo. O professor Ditinho também acredita que “A integração entre as duas é o mais importante e também a vivência nos dois diferentes ambientes”. Além dessas opiniões proferidas de modo geral e conciso, tentaremos expor outros argumentos feitos pelos próprios professores, alunos do conservatório e por outras pessoas ligadas ao assunto, que procuram embasar a viabilidade, vantagens e possível compatibilidade entre a forma de ensino sistematizada (na escola) e a informal (especialmente na Roda de Choro). Bauab diz que é “maravilhoso” aprender dentro de uma Roda de Choro pelo tipo de aprendizagem que ela proporciona, porém, acredita que é preciso “muitas rodas” para poder atingir um nível considerável, pois, o processo pode demorar um pouco. E nesse sentido, o ensino dentro de uma escola pode colaborar para que, segundo Altino, o aluno possa “fazer uma reflexão sobre o que ele está fazendo, técnica e teoricamente”. O aluno tem a oportunidade de enxergar melhor e de forma consciente a conexão existente entre os acordes e entre as notas: “você cria uma memória lógica, você não vê quatro ou cinco notas como elementos separados, „aquilo‟ faz parte de um „grupo‟, por exemplo: aquelas notas agrupadas podem ser um arpejo ou um fragmento de escala, enfim”, afirma Bauab. O professor Ditinho tem a convicção de que “o ambiente da escola é importante porque aqui você aprende mesmo o processo

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LIMA, Luís Filipi de. O Choro: aprenda você mesmo. In: Roda de Choro. Rio de Janeiro, nº 4, p. 1315, julho de 1996.

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esmiuçado da música, mas, o fato de tocar música é mais importante. É a prática que vai se encarregar disso, seja em „Rodas de Choro‟ ou em teatros... etc”. Para a maioria dos professores da Área de Choro, um considerável préstimo no ensino sistematizado ou formal é que ele organiza. Apesar de enaltecerem a Roda de Choro, onde é muito trabalhado o ouvido e o reflexo rápido, admitem que certas informações muitas vezes não são adquiridas nela, sendo a organização dos elementos musicais envolvidos, um dos pontos positivos no processo de aprendizagem dentro da escola ou mesmo em aula particular separada desta, mas com princípios metodológicos e com organização. Como exemplo, podemos citar uma frase registrada em uma entrevista do músico Maurício Carrilho, um dos pilares do Choro atualmente, que também é professor e um dos criadores, em conjunto com outros músicos “chorões”, da Escola Portátil de Música, do Rio de janeiro, que diz o seguinte: “o Ian Guest, um húngaro naturalizado brasileiro, grande professor [de harmonia, arranjo, teoria, educação musical, etc.] [...] o Ian que transformou a bagunça do meu conhecimento numa coisa organizada”. 47 Se o interesse de um aluno for o de seguir uma carreira profissional musical após sua passagem pelo Curso de Choro (que não parece ser uma necessidade impreterível, porém, tendo o suporte suficiente para tal dentro do Conservatório), por exemplo, o aprendizado dentro de uma escola estruturada, que tenha condições de oferecer conteúdos práticos e também teóricos, poderá ser muito favorável. O coordenador do Curso de Choro do CDMCC de Tatuí enxerga que o mercado de trabalho está cada vez mais concorrido e exigente, sendo então, proveitosa para a pessoa que pretende trilhar um caminho musical profissional, a sua passagem por uma instituição de instrução musical: Hoje, o mercado de trabalho exige outras características também do músico além de tocar, como por exemplo, a leitura musical: se você vai trabalhar dentro de um estúdio, dependendo do grupo, você tem que saber a leitura para tocar determinado arranjo [...] Então, você tem um estudo formal pra fazer essa coisa. [...] E eu sei que tem muita gente que sai daqui com amplas condições de enfrentar qualquer mercado

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CARRILHO, M. Cultura: Choro – continuidade e renovação – entrevista com Maurício Carrilho. Disponível em . Acesso em 01/12/2010.

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de trabalho e outros com nem tantas condições assim. Mas então, é questão também do aluno. A escola ajuda, mas, quem que faz é o aluno. 48

Em um artigo incluído em uma das revistas da ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical), Simone Lacorte e Afonso Galvão, que entrevistaram estudantes de música popular, valorizam a importância desta dentro da escola e também falam sobre mercado de trabalho para os músicos dessa área: Diferentemente da escolha de outras profissões, a atividade do músico popular, geralmente, caracteriza-se por ser muito árdua e com baixa remuneração. De acordo com o relato dos entrevistados, cada vez mais o mercado de trabalho para esses profissionais está sendo modificado. A expansão das opções de atuação desses músicos exige profissional capacitado e qualificado para a execução de tarefas diversificadas. Nesse contexto é que se destaca a importância da inserção e estruturação da música popular nas escolas, nos conservatórios e nos cursos superiores no país, pois há um mercado de trabalho exigente, bem como aprendizes e profissionais dispostos a se especializarem. 49

Conforme já exposto neste texto, é indubitável por parte das pessoas consultadas do universo do Choro, o valor e importância da Roda de Choro no contexto do aprendizado do gênero, contudo, parece que a escolha mais viável, conforme forem as opções do estudante, seja mesmo a conciliabilidade das duas formas, nas rodas e na escola de música. Em trecho anterior deste trabalho, apontamos que o professor Altino, por exemplo, começou suas atividades com o Choro freqüentando as rodas, mas posteriormente procurou ampliar seu conhecimento musical no Conservatório de Tatuí. E há muitos casos opostos, em que iniciantes ou mesmo músicos com conhecimentos teóricos e práticos ligados a outros estilos musicais, ao se interessar pelo Choro, fazem aulas atreladas ao gênero, mas, procuram as rodas como meio de alargarem e complementarem seus conhecimentos práticos. O professor Bauab reitera a importância da roda, no entanto, apesar de ter aumentado nos últimos anos, ainda é pequeno o número de eventos permanentes de Roda de Choro, situação a qual leva o professor a justificar a criação do curso sistematizado, pois, “para que a roda aconteça, na verdade, 48

Entrevistas concedidas pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, nas datas 6/10/2010 e 27/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 49 LACORTE, Simone; GALVÃO, Afonso. Processos de aprendizagem de músicos populares: um estudo exploratório. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 17, 29-38, set. 2007.

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primeiro precisa existir o músico de Choro. [...] sem a escola hoje, nós não vamos ter roda”, afirma Bauab. O professor complementa: Claro, estamos propondo e criando ao mesmo tempo a roda também, na verdade, mas, estimulando na escola novos seguidores e trabalhando e analisando as características técnicas e estilísticas do gênero, para depois os alunos irem nas rodas e vivenciar, colocar tudo em prática.

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Poderia se questionar que, se a maior parte da história mostra que os músicos “chorões” aprenderam de maneira informal e desta forma emergiram grandes compositores e interpretes, então, qual seria o sentido de se alterar esse quadro propondo outros meios de ensino? Em primeiro lugar, no caso do Curso de Choro que está em análise nesse capítulo, há estímulo e espaço garantido para as Rodas de Choro e o aprendizado obtido através de sua vivência. Outro fato é que, os músicos aprendiam nas rodas, também porque as mesmas (embora relevantes) eram as únicas opções, e só com o tempo é que alguns (poucos) instrumentistas que executavam Choro, como o importante violonista Meira, se dispuseram a ensinar. E escola formal que ensine o gênero ainda é algo recente e em número muito reduzido. Portanto, era por conta de uma certa conjuntura que os músicos chorões aprendiam, conforme mencionamos. Mas, ainda que continuassem as Rodas de Choro, os instrumentistas interessados no gênero foram adicionando outros elementos em seus percursos de aprendizagem, conforme constatamos na fala de Luis Filipi de Lima, já citado neste texto: Mas, o fato é que os chorões, com o tempo, foram aprendendo a ler e escrever música. Em parte, talvez, pelas relações às vezes estreitas mantidas com a música erudita (desde os pianeiros, passando por Radamés Gnattalli e sua Camerata Carioca, até o contemporâneo [grupo] Água de Moringa) ou pela necessidade crescente de se empregar em estúdios de gravação músicos que soubessem ler, poupando tempo. Ou ainda, quem sabe, pela influência dos instrumentistas de sopro (metais) muitas vezes saídos de bandas sinfônicas, em que se lê constantemente.51

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Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 6/10/2010 e 27/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 51 LIMA, Luís Filipi de. O Choro: aprenda você mesmo. In: Roda de Choro. Rio de Janeiro, nº 4, p. 1315, 1996.

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Ainda de acordo Lima, não há porque ficar apenas no autodidatismo, pois, em todas as áreas do conhecimento, os conteúdos e as formas de apreensão dos mesmos vão de transformando. Segundo ele, há casos que em que o ensino do Choro no contexto formal é muito propício, vindo a somar para o aprendiz do gênero, sem contar com a evolução tecnológica que tem dado ao estudante de música, através de programas de computador e internet, acesso rápido e diversificado às informações referente ao Choro, teoria musical, partituras, facilitando todo o processo de aprendizagem e desta forma sendo uma útil e poderosa ferramenta aos estudantes e pesquisadores interessados no assunto (ou, praticamente, qualquer outro tipo de informação), não tendo porque abrir mão desses recursos. São do referido jornalista as palavras: É claro que não se fará aqui qualquer apologia romântica do autodidatismo ou aprendizado informal. Ora, se há choro de todo tipo e parta todos os gostos, haverá ainda a absoluta necessidade, em certos casos, de uma formação escolástica com os rigores da linguagem erudita, muitas vezes cortejada pelo choro, ou do conhecimento sólido de harmonia funcional [...] Também nesses tempos de informática, em que começa a haver um derrame de partituras e informações sobre o choro via internet, o conhecimento de leitura musical vai-se tornando cada vez mais útil. 52 (grifo

meu).

O coordenador Bauab deixa claro que a intenção no curso que ministra, em relação ao ensino musical, é o da convergência entre o informal e o sistemático “A nossa estratégia sempre foi a de unir, de uma certa forma, o ensino, digamos assim, informal desse gênero, o ensino ligado ao contexto original desse gênero e junto a isso mesclar um ensino acadêmico”.

Essa postura implica na questão de um tipo de

aprendizado parecer necessitar de um complemento do outro, seja qual for ele: “o que tentamos fazer aqui é imitar o informal, porque sabemos que funciona, Certo? Porém, dando uma direção para o cara, mas, tentando sempre ter esse ambiente como se fosse da „roda‟”, explica o professor de cavaquinho, Marcelo. Ele ainda diz que: “A escola é muito importante, mas ela chega até „aqui‟. Mas, [o aluno] precisa do aprendizado de beber daquela fonte da „roda‟, para ver outras pessoas, para saber como é que é, sentir aquele calor, essas coisas... é „dar a cara a tapa‟”. A colocação do professor Altino 52

LIMA, Luís Filipi de. O Choro: aprenda você mesmo. In: Roda de Choro. Rio de Janeiro, nº 4, p. 1315, 1996.

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para a questão é a seguinte: “quando eu trabalho a transcrição [recurso muito usado com os alunos] em sala de aula, o aluno está vivenciando como que em uma “roda”, ele está escutando a pessoa tocar e está tentando tocar igual”. E, resumindo, afirma: “Em suma, eu acho que é necessário a questão do ensino formal, mas, sem, deixar jamais de vivenciar, no caso do Choro, principalmente nas rodas”. Quando Alexandre Bauab deu um exemplo de utilidade do ensino dentro da escola, proporcionando ao aluno a oportunidade da leitura musical, para um trabalho de interpretação de um arranjo escrito dentro de um estúdio, por exemplo, o qual a Roda de Choro em si não oferece, também expôs sua idéia quanto à conseqüência de não colocar o aluno em contato com a informalidade no âmbito do Choro, e emitiu sua opinião sobre quais as ações seriam mais viáveis para o aprendizado: E, já pensando num ensino formal, se você ensinar Choro para uma pessoa, dentro de uma sala de aula, sem colocar essa pessoa em contato com músicos de Choro, com uma “Roda de Choro”, também não vai dar resultado. Então, unir as duas coisas eu acho que é o melhor. Tem que “pegar” as melhores características de uma [forma de aprendizagem], as melhores características da outra e usar tudo o que tiver de bom em cada uma. Na “roda” você vai ter que desenvolver sentidos que você às vezes esquece de desenvolver quando se está dentro do [ensino] formal, muitas vezes, por estar com uma partitura na frente, lendo [...] No ensino formal você vai entender o que você estará fazendo [...] E a gente na “Roda de Choro”, só aprendendo de ouvido, sabemos que não vamos ter aquelas informações, ou seja, o [ensino] formal organiza. Você começa a “dar nome aos bois”. 53

Os alunos do Curso de Choro têm idéias semelhantes às de Bauab, notando também as características e as distinções entre as formas de aprendizado, como podemos observar na descrição de Guilherme Soares: Acho que são duas coisas que se completam, podem caminhar juntas, mas que são bem diferentes. Na roda é tudo intenso, vivo, na observação do outro, na resposta rápida, erros e acertos. No curso formal é tudo esclarecido, entendido, ponderado, porém menos vivo. O choro tem uma tradição de roda, de resolver na hora, de improvisar, tocar uma infinidade de músicas. Mas, como é uma música muito complexa, um curso formal auxilia muito no desenvolvimento aluno. 53

Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 27/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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O aluno de bandolim Caio Cury, entende a questão da seguinte forma: Na minha opinião o estudo mais sistemático é importante, porque visa desenvolver conhecimentos técnicos e teóricos necessários, mas ao mesmo tempo o ambiente informal das rodas é onde você coloca tudo em prática, o que é de vital importância para um aprendizado completo.54

Em uma de suas pesquisas, na qual abrange também o assunto aqui tratado, Carlos Sandroni (2000) tece algumas considerações e também compartilha da idéia de que é perfeitamente exeqüível e viável a convergência entre o aprendizado do Choro por meio das rodas e o mesmo através de uma instrução institucional (o qual, segundo Sandroni, também podem se enquadrar as aulas de cunho particular). Nessa mesma pesquisa, concluída em um artigo, Sandroni cita que violonistas entrevistados por ele, alunos do professor Meira (apelido de Jaime Tomás Florence, que junto a Dino 7 cordas, formou a dupla de violonistas, talvez, mais importante no acompanhamento de sambas e choros das décadas de 40 e 50 do século passado55) afirmavam de modo convicto que a freqüência assídua em rodas de choro e samba, instigadas pelo “mestre” Meira, foram fundamentais para suas formações, tendo então, segundo o autor do artigo, “um aprendizado misturado com a prática”. Todavia, ainda de acordo com Carlos Sandroni, os alunos não deixaram de dar importante destaque e atribuição à grande parte do aprendizado obtido, ao músico e professor Meira e suas aulas: Ao procurar saber um pouco mais sobre como funcionavam estas aulas, ouvi relatos que mostravam certa continuidade entre o tipo de experiência vivido numa roda de choro e o tipo vivido na situação marcada como “didática”: de acordo com o depoimento de um dos entrevistados, as aulas de Meira eram “rodas de choro concentradas”. 56

Os alunos relatam que tais aulas enfocavam as ações e habilidades imprescindíveis para uma atuação com êxito em uma Roda de Choro, tais como, improvisos, capacidades de transposição em tempo real e também de executar o acompanhamento de músicas não conhecidas, entre outras. Por fim, Sandroni conclui:

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Entrevistas concedidas pelos alunos do Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Caio Cury e Guilherme Girardi Soares, em 10/11/2010. 55 Enciclopédia da música brasileira: samba/choro, p. 148, 2000. 56 Uma roda de choro concentrada: reflexões sobre o ensino de músicas populares nas escolas, para o IX Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, 2000.

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O que quero sublinhar com este exemplo, como se terá notado, é a possibilidade de que uma situação de ensino institucional – como é, à sua maneira, uma aula particular de violão – dialogue com uma situação em que o aprendizado se faz “misturado” com a prática, com a festa, com desempenhos “pra valer”.57

De acordo com Afonso Galvão e Simone Lacorte, criar estratégias eficazes para o ensino de música popular, inserido-a dentro de um esquema sistematizado, representa um desafio para todos os profissionais da área, nas suas mais diferentes especialidades (dentre as quais o Choro está incluso, tendo pouquíssimas entidades que se dediquem ao gênero, o que torna mais elevado ainda o nível de desafio para os profissionais interessados do gênero). No entanto, na opinião de Galvão e Lacorte, apesar das dificuldades e complexidades que podem ser geradas, seguir o intento de contemplar o ensino de música popular é uma ação plausível, uma vez que “esta é uma das formas de suprir a demanda do mercado de trabalho e democratizar o ensino da música no nosso país”.58 Nesse sentido, o coordenador da Área do Choro, Alexandre Bauab, em conjunto com seus colegas de trabalho, entende que, além da aprendizagem informal, ter uma estrutura de uma escola pode ser importante para formação musical integral do estudante de música popular e, no caso específico, o de Choro. E quanto ao desafio de se criar estratégias metodológicas, o professor atesta que o grande trunfo nosso é estar sempre buscando a nossa metodologia mesclando essas duas [aprendizado formal e informal] coisas. Não tem como ignorar uma coisa e nem a outra, com certeza não. Eu acredito que existam caminhos [para o ensino do Choro] né? E um desses caminhos é o que a gente está tentando buscar. 59

1.8. Pontos em comum entre as disciplinas e didática dos professores

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Uma roda de choro concentrada: reflexões sobre o ensino de músicas populares nas escolas, para o IX Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical, 2000. 58 LACORTE, Simone; GALVÃO, Afonso. Processos de aprendizagem de músicos populares: um estudo exploratório. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 17, 29-38, set. 2007. 59 Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 06/10/201(Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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Se há uma palavra-chave no Curso de Choro do CDMCC em termos didáticos, esta é a apreciação, pois, é a partir da ênfase dada aos processos de apreciação que se desenvolvem grande parte dos procedimentos trabalhados durante o curso, visto que, a apreciação possibilita a análise, a percepção e a compreensão dos elementos essenciais no âmbito da aprendizagem e do desenvolvimento musical. Ela está atrelada tanto à análise, entendimento e exame crítico dos elementos musicais técnicos como também os de dimensões expressivas e estruturais. A preocupação com a questão da apreciação é grande, pois, Bauab acredita que “geralmente não se escolhe o que ouvir, apenas é aceito o que a grande mídia impõe”. E como normalmente o Choro não é contemplado em divulgação na maior parte da mídia, é preciso estar atento às referências que o aluno tem, dado que, para se tocar Choro, de acordo com Marcus Ferrer (1996) é necessário se familiarizar com o gênero. É por esse motivo que o professor de cavaquinho Marcelo Cândido, certifica: “a apreciação sempre! Desde o primeiro dia, desde a primeira aula. Então, se nós temos um material [de apreciação], já passamos para o aluno”. Marcelo relata que ao questionar alguns alunos em relação ao que eles têm escutado musicalmente nos dias em que antecederam as aulas, se depara com respostas como “nada professor” (principalmente dos recém inclusos no curso). O professor classifica a situação como “preocupante” para um estudante de música, pois, “ele precisa ter referências”. E o papel dos professores no curso é trazer e indicar essas referências para os alunos. No processo de aprendizagem musical, é fundamental ouvir. Neste caso, se há alunos que não tem o hábito de ouvir música freqüentemente, os professores os estimulam a isso, pois: “a escuta intencional tem por objetivo a aprendizagem. É por esse meio que se busca apreender algo para colocar em uso após a experiência”. 60 Altino Toledo diz que “tudo é „tirado‟ através da apreciação [...] o aluno tem que ouvir para entender como é que funcionam os elementos técnicos, de ornamentação, para posteriormente trabalharmos bem a interpretação”. E ainda acrescenta: “eu também preciso criar condições para que o aluno consiga diferenciar um efeito ou outro, reconhecer se naquele trecho musical tem um vibrato ou não, etc.” A instrução para a apreciação são as audições nas Rodas de Choro e principalmente as gravações em disco. É senso comum entre os professores afirmarem 60

LACORTE, Simone; GALVÃO, Afonso. Processos de aprendizagem de músicos populares: um estudo exploratório. Revista da ABEM, Porto Alegre, nº 17, 29-38, set. 2007.

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que elas são as maiores referências para quem quer imergir no mundo do Choro. Os pesquisadores Afonso Galvão e Simone Lacorte generalizam essa idéia para a aprendizagem de música popular como um todo: “os jovens [músicos „populares‟] aprendem muito por meio das gravações e audições”.61 O professor de flauta transversal, Ditinho, diz também adotar as gravações como influência principal aos jovens alunos. Enfim, todos os professores entendem a questão de modo semelhante. O procedimento mais usado durante o curso na questão da apreciação são as transcrições das gravações, fator de grande relevância do prisma didático inserido no Curso de Choro. Altino considera a transcrição como parte fundamental no seu trabalho junto aos estudantes. Através dela o aluno “escuta [a música], e transcreve analisando os elementos utilizados e também executa, aprendendo a fazer o que ele ouviu e escreveu. Eu acho que esse é o enfoque principal”, declara Altino, que complementa: “porque, se ele analisar isso aí, ele vai poder compreender a interpretação, compreende em qual parte foi feita um pequeno improviso ou uma variação [...] a apreciação dá respaldo para que ele possa compreender os elementos”. O professor Ditinho, por sua vez, afirma: “como não temos ainda um modelo de „escola‟ [de Choro], a melhor escola que adotamos foi fazer transcrições de gravações”. Por todo esse conjunto relevante de proficuidades proporcionadas, Bauab assegura que “da transcrição a gente nunca abriu mão. Isso faz parte da nossa didática”. Os professores acreditam que para compreender melhor a linguagem do Choro e poder interpretá-lo em seu contexto, é preciso ouvir, a princípio, as gravações dos grandes ícones do gênero, tais como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, entre outros. Dos compositores citados, é possível acessar muitas de suas gravações, mas, infelizmente, as de outros músicos importantes situados nos primórdios do gênero, não. Estar atento a esse detalhe é importante, porque, dentro das possibilidades, os professores argumentam que é viável fazer audições não somente de músicas desses compositores referenciais, mas, também das que sejam interpretadas pelos próprios. Altino explica que praticamente todos os bandolinistas brasileiros que hoje têm um destaque ou tocam bem são frutos da “escola” de Jacob do Bandolim, pois, todos 61

LACORTE, Simone; GALVÃO, Afonso. Processos de aprendizagem de músicos populares: um estudo exploratório. Revista da ABEM, Porto Alegre, nº 17, 29-38, set. 2007.

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“beberam desta fonte”. Nesse sentido, ele acha justo instruir os alunos na mesma direção e colocá-los em contato com os “mestres”, para poderem apreciar prazerosamente e fazer análises minuciosas, detectando todos os detalhes técnicos, de expressividade, etc. Todo o procedimento da transcrição é feito em etapas com o preciso acompanhamento e apoio dos professores, que indicam (ou deixam os alunos escolherem) as musicas a serem trabalhadas. Quem corrobora com a idéia de aprendizagem por meio de audições de gravações de grandes mestres é o jornalista Luis Filipi de Lima, que atesta: os discos, eternos professores dos candidatos a chorão. Tocando junto com a gravação ou apenas escutando atentamente, não há bandolinista que não tenha estudado com Jacob, solista de cavaquinho que não tenha aprendido com Waldir [Azevedo], clarinetista que não tenha sido aluno de Abel [Ferreira], sete-cordas que não tenha Dino como mestre.

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Altino cita que, embora o caminho inicial para os alunos sejam as referências das gravações e o uso das transcrições, eles acabam desenvolvendo com o passar do tempo seus próprios estilos e modo individual de interpretar, não sendo então inapropriada esta “cópia” feita inicialmente. Ele garante: “eu faço esse trabalho aqui e pela experiência nesses anos, [a transcrição] foi o que mais funcionou e posso dizer que o aluno não vira uma cópia da pessoa, nós estamos aprendendo a técnica”. Para validar ainda mais esta postura, o professor recorre a uma frase proferida por um famoso poeta: Tem uma frase que eu acho que é do Carlos Drummond de Andrade, e ele fala assim, que: “ser original é copiar os mestres... copiar, copiar e depois começar a se copiar”. É verdade, porque, você primeiro tenta copiar os mestres, mas, depois você não consegue repetir igual, ta certo?[...] mas... a vida muda e também as sensações musicais, os amigos com quem eu toco [...] Então, eles [os alunos] vão criando as suas formas, mas, isso pode demorar anos né?[...] porque é um processo.63

O professor de bandolim acredita que é preciso haver um equilíbrio no modo em que os alunos absorvem as informações no aprendizado musical do Choro, e esse

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LIMA, Luís Filipi de. O Choro: aprenda você mesmo. In: Roda de Choro. Rio de Janeiro, nº 4, p. 1315, julho de1996. 63 Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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balanceamento deve ser feio entre a comunicação do professor e o aluno e a relação do aluno com os músicos consagrados do gênero através das gravações registradas pelos mesmos e a audição desses materiais por parte do aprendiz: Eu penso o seguinte, quem descobre, aprende. Porque, se eu só ficar falando como é que faz, ele pode lembrar na hora, mas vai ser um simples reprodutor e pode não fixar. Mas se ele escuta como é, aquilo fica com ele. Ele vai ter uma resposta crítica de acordo com a vida dele, ele vai fazer uma reflexão, porque aí vai virar uma coisa cultural. Ele vai analisar e ter a sensação e poder julgar se vai usar aquilo ou não.64

Os alunos parecem ter percebido também a importância da apreciação e das transcrições. Questionado sobre o conteúdo e processos de aprendizagem nas aulas do Curso de Choro, o aluno de bandolim, Caio Cury, responde: “Sempre muito boas [as aulas], os professores demonstram muito conhecimento e sempre nos utilizamos das gravações dos grandes mestres do gênero como fonte principal de informações [...] No curso de bandolim, o foco principal está na interpretação dos temas. A compreensão da linguagem através das transcrições de instrumentistas consagrados e o trabalho técnico feito à medida do necessário para a execução dos temas. 65

A apreciação, como colocado anteriormente, está atrelada aos outros elementos que virão no processo de aprendizagem, como a interpretação, e no caso, a atenção a esse fator é extremamente considerável, uma vez que, o Choro tem uma maneira muito peculiar de se tocar. As notas e os tempos destas impressas em uma partitura de Choro, por exemplo, quase sempre (ou sempre, para muitos) é permeada por mudanças de altura (variações melódicas), de células rítmicas, entre outros elementos, pois, conforme o principio básico ensinado por Pixinguinha e lembrado por Henrique Cazes “em Choro nunca se toca como está escrito” (CAZES, 1999, p.195). É muito comum a prática de pessoas que não se atentam à linguagem e forma do Choro e que conseqüentemente acabam executando o repertório chorístico fora de seu contexto interpretativo. O professor Altino Toledo relata como ocorre muitas vezes esse fato: A gente descobre frases muitas vezes interessantes. E uma das que eu uso muito, porque tem uma frase que, quase que resume isso tudo aí, que é a seguinte: “a 64

Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 65 Entrevista concedida por Caio Cury, aluno do Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, em 10/11/2010.

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música não está nas notas, a música está entre as notas”, então, isso significa que, por exemplo, eu vejo que muitas pessoas hoje que tem uma grande facilidade e habilidade técnica, abrem um livro de partituras do Pixinguinha e falam “agora eu vou tocar um Choro”. Mas, na verdade, ele não está tocando Choro, ele está tocando “as notas” daquele Choro, mas, o que está entre as notas ele não sabe, porque ele está lendo e, não está escrito lá o que é que faz parte do Choro, certo? As notas estão ali, mas, como é que elas são executadas? [...] E, na hora em que eu toco uma determinada nota, na verdade, têm notas que “não são para serem notas”, são para serem rítmicas. Como é que você vai descobrir isso se você só está lendo lá [a partitura contida em um álbum]. Só da pra fazer isso quando você escuta. Então, por isso é que tudo tem que ser escutando a música.66

1.9. Materiais didáticos Além dos materiais didáticos já mencionados no trecho específico dedicado à descrição das aulas de cada professor, complementaremos aqui a informação sobre outros materiais citados pelos professores e de uso comum entre eles no Curso de Choro do Conservatório de Tatuí. Como já apontado, a escassez de materiais relativos ao Choro fez com que os professores, inicialmente, elaborassem seus próprios materiais didáticos. Muitos deles, segundo apuração feita, são exercícios isolados, pequenas apostilas, criados a partir da experiência de cada docente e aplicados de acordo com a necessidade e o assunto abordado em aula. O material próprio dos professores que reúne um número maior de informações, digamos, concentradas em um mesmo lugar é o álbum que foi nomeado como “Pratica de Choro I” que contém transcrições da obra de vários compositores. São transcrições em que, na primeira parte há a melodia dos choros com todas as ornamentações e as cifras. Na segunda, tem as partes da linha do baixo para violão de sete cordas, também acompanhado de cifras. Compondo a última seção, encontram-se ainda as células rítmicas básicas de cada uma das músicas selecionadas para o álbum, escritas para percussão e cavaquinho e apoiadas com uma legenda técnica no início desse trecho. Na parte escrita para pandeiro, por exemplo, é

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Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas).

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exposto o desenho rítmico contendo todas as acentuações pertinentes, além de informar também o ritmo das convenções ocorrentes em cada música. Dentre os professores entrevistados, Marcelo Cândido e Alexandre Bauab disseram ter a pretensão de poder contribuir em um futuro próximo para a literatura do Choro, e, em especial ao ensino deste em seus instrumentos, respectivamente, cavaquinho e violão de sete cordas. O que vem “amarrando” este projeto, segundo Marcelo, é a falta de tempo necessário para este árduo trabalho de escrita e organização dos conteúdos, mas, afirma que não deixará de fazê-lo, pois, ele acredita que as informações sobre o Choro e/ou dos instrumentos mais comumente ligados a ele devem ser propagadas: não é melhorar só o nosso trabalho aqui, é melhorar a visão musical, melhorar a visão de não segurar a informação. [...] como eu estou para terminar de fazer e editar o [método] ainda, então, a gente segura um pouco. Mas a intenção, claro, é que na hora em que estiver pronto, eu diga: “vai lá, use e melhore”, entendeu? Que melhore isso. É pra ver, pensar sobre ele, sobre algo a mais. 67

Ao mesmo tempo em que ainda se mantêm a idéia de que praticamente não existe uma quantidade considerável de materiais didáticos da linguagem do Choro, da mesma forma há um princípio de admissão por parte de pessoas ligadas ao gênero, e desse modo, também os professores do Curso de Choro de Tatuí, de que nos últimos anos tem aumentado razoavelmente o número de métodos, livros e songbooks dedicados ao gênero. E um desses materiais é agora usado e muito elogiado por todos os professores da Área do Choro do CDMCC, que é o livro do compositor, arranjador e professor de música, Carlos Almada, chamado “A Estrutura do Choro” (2006). Preenchendo uma lacuna importante, este trabalho, diferentemente de outros que envolvam apenas conteúdo de teor histórico ou biográfico, contempla algo que os professores consideraram como relevante e necessário para a aprendizagem do Choro, que é a estrutura técnica do gênero. Elementos como arpejos, bordaduras, fórmulas de inflexões melódicas, cromatismo, notas de passagem (diatônicas, cromáticas, simples, 67

Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas).

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duplas, etc.), noções de improviso, células rítmicas mais usadas, cambiata, resoluções indiretas, entre outros, são envolvidos junto a uma série de exercícios graduais no livro: “O livro do Almada que nós usamos, que foi um „salto‟ para nós aqui. Poxa... abriu a mente. É escrito com uma linguagem simples e que você pode falar: „esse é o caminho‟”, afirma com entusiasmo o professor Marcelo, que complementa: “Uso ele como parâmetro, porque, ele dá várias informações interessantes e em cima dessas informações eu consigo criar exercícios técnicos”. O livro de Almada ainda apresenta a organização e classificação dos elementos que moldam a estrutura do Choro, tais como seu ritmo, sua forma e harmonia, sendo um material indispensável para o uso dos professores. A seguir, descreverei outros materiais de uso comum aos professores, sendo que apontarei maiores informações ou detalhes pertinentes quando for conveniente. Embora Bauab tenha respondido que utilize “todos” os songbooks relacionados ao Choro disponíveis no mercado, os mais citados por ele e também por outros professores foram: “O melhor de Pixinguinha, melodias e cifras” da editora Irmãos Vitale, com coordenação de Maria José Carrasqueira, revisão de Antônio Carlos Carrasqueira e cifras de Edmilson Capelupi. É um álbum muito conhecido pelos estudantes e interessados em Choro; “Princípios do Choro”, produzidos pela editora Acari Records e publicados pela EdUERJ, sob a organização de Maurício Carrilho e Anna Paes. Coleção reunida em cinco cadernos e quinze CDs, este trabalho se mostra como muito importante, pois, trata-se de um resgate, tirando praticamente do anonimato 50 compositores de Choro nascidos no século XIX;68 “Tocando com Jacob, Partituras e Playbacks” da editora Irmãos Vitale. Um trabalho que contém partituras, playbacks e gravações originais dos LP's de Jacob do Bandolim “Chorinhos e Chorões” (1961) e “Primas e Bordões” (1962);69 “Songbook Choro1” da editora Lumiar, idealizado por Almir Chediak e organizado por Mário Séve, Rogério Souza e Dininho. Os professores usam também os livros e playbacks da série “Clássicos do Choro brasileiro”, do selo Choro Music, os quais são divididos em vários volumes em torno da obra de grandes figuras do Choro, entre outros.

68 69

RABELLO, Luciana. In: “Princípios do Choro”, p.08, 2003. Tocando com Jacob: Partituras e Playbacks, 2006, ficha técnica.

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Os recursos tecnológicos auxiliam no aspecto didático das aulas do Curso de Choro. Altino explica que sempre usa com os alunos os programas de computador “sound forge”, e o “adobe audition”. Entre outros recursos, esses programas: “podem diminuir a velocidade da música, porque, tem músicas que são masterizadas que mudam o tom original da música, então com esse recurso podemos manipular a velocidade da música sem mudar o tom dela”, afirma Altino. E ainda: “O aluno pode selecionar trechos mais difíceis de ouvir, enfim”. O professor nos conta que repassa todos esses programas para os alunos, mas, nada é comercializado. Apesar do Conservatório não dispor de cursos voltados ao manejo de programas de músicas para computador no momento, Altino diz que, na medida do possível ensina os alunos a manipularem o programa Finale, para que “eles façam as transcrições e fique bonito e futuramente isso possa virar uma produção deles”. As impressoras também agilizam o trabalho dos professores. As partituras das músicas a serem trabalhadas que estiverem disponíveis, já são impressas na hora. Os professores são quem levam seus próprios computadores portáteis para o Conservatório e neles também se faz o uso de gravações de materiais auditivos para os alunos. Outro recurso interessante para os estudantes são os playbacks gravados com o som do pandeiro em andamentos distintos e com ritmos variados dentro do universo chorístico: “o aluno leva para casa o áudio que é para estudar junto com o acompanhamento do pandeiro, porque é muito melhor do que treinar com metrônomo”, frisa Marcelo Cândido. Todas essas ferramentas estão ao alcance dos professores e alunos, sem contar os recursos mais simples dentro desse contexto, que são as páginas da internet. Sites como o you tube possibilitam o estudante de música a acessar inúmeros vídeos com conteúdo musical e específico de Choro. Estar sempre atento e informado em relação aos recursos tecnológicos e poder usá-los a favor do ensino musical são fatos que contêm um alto grau de relevância, considerando que “a disponibilidade e facilidade dos recursos tecnológicos e materiais didáticos disponíveis no mercado também influenciam profundamente o aprendizado”, conforme atestam Lacorte e Galvão.70 Existem outros aspectos que não são diretamente relacionados à didática em si, mas, podem ajudar na fluência e no ambiente de aula. Apesar dos professores ligados ao 70

LACORTE, Simone; GALVÃO, Afonso. Processos de aprendizagem de músicos populares: um estudo exploratório. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 17, 29-38, set. 2007.

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Choro terem conquistado uma área própria, trazendo assim mais autonomia, Alexandre Bauab considera que em comparação a outras, a Área do Choro é pequena, e por incrível que pareça, ele enxerga tal fato de forma positiva, visto que, o clima amistoso gerado pela proximidade uns dos outros dentro daquele espaço “pequeno”, propiciou um ambiente favorável para alunos e professores. Bauab comenta que: Há uma vantagem na questão de ser pequeno, então, tem aquela coisa de estar convivendo né? De estar conversando sempre e volta e meia a gente está sempre fazendo reunião sobre a área de uma maneira informal. Na hora “que a gente vê” a gente está sentado tomando café e falando do que está acontecendo aqui dentro [...] O convívio é geral e isso ajuda muito, não só no processo de relação, mas, no processo educativo também, porque, você conhece o aluno dentro da sala e ele fora da sala também.

A opinião do professor Marcelo é similar à de Bauab: O ambiente ajuda muito. Por exemplo, o Professor Altino é meu padrinho, a gente criou uma amizade. O professor Alexandre Bauab foi meu professor, somos amigos hoje, entendeu? Então, essa relação é muito saudável. [...] Você pode ver aí nos corredores, todo mundo conversando, se divertindo, não tem chateação [...] O outro fator são os três dias em que ficamos juntos. Nós todos estamos aqui de segunda á quarta-feira e, além dos professores que estão aqui nesses dias, o aluno que vem fazer a aula, conhece o outro aluno, porque, por exemplo, eu não estou aqui dando aula isoladamente na sexta-feira enquanto os outros estão em outro dia diferente. Estamos nos mesmos dias. [...] a gente se ajuda, então, se eu vejo uma novidade por aí eu trago essa informação [...] O Altino foi quem me apresentou o livro do Carlos Almada, entendeu? a gente troca informações. 71

O coordenador Bauab tem convicção em afirmar que uma boa parte desse agradável relacionamento com os alunos é dada também pela forma com que os professores tratam os mesmos, sempre conversando e tocando junto, seja dentro ou fora do estabelecimento musical: “nós sempre tocamos com os alunos, porque nesse processo sempre existe uma troca e isso é sempre maior do que você sentar, parar, ficar olhando e dizer „toca aí‟, e dando palpite no que ele está fazendo”.

71

Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas).

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Esse clima harmonioso parece mesmo se refletir no processo geral no andamento do curso, pois, coincidentemente, ao serem questionados sobre dificuldades que enfrentam ao lecionar, todos os professores responderam que não encontram obstáculos para dar aulas. Uns alegam que já tem um tempo considerável de experiência e que, portanto, já superaram as maiores dificuldades, embora entendam que na pratica docente normalmente há constantes dificuldades, mas talvez, o clima favorável criado no ambiente, como citado acima, possa ter sido fundamental para o exercício das funções de maneira equilibrada. Na questão musical em si, Altino Toledo não vê muita dificuldade porque ele cita que normalmente os candidatos já procuram o curso com algum prévio conhecimento do gênero, o que dá mais tranqüilidade para o trabalho. Ainda que haja tantos pontos positivos no que tange às condições para boa fluência das aulas e, além disso, os professores elogiarem a estrutura oferecida pelo Conservatório, os mesmos apontam ações que poderiam melhorar ainda mais a integralidade do aprendizado dos alunos. Alguns entendem que seria muito útil a instalação de um estúdio para uso dos alunos do Curso de Choro, além de outros equipamentos tecnológicos que poderiam ser usados a favor dos mesmos, para que eles tivessem a oportunidade de manipulá-los. Altino entende que poderia haver recursos para investir em um profissional que dominasse programas de música para computador, e que este pudesse ensinar os alunos do curso ou ainda alguém que os instruísse sobre sistema de gravação. Outro fator que o professor considera importante é a relação comercial entre sua música e o consumidor. O aluno poderia desenvolver noções a respeito deste assunto: E, outra coisa fundamental, que sugere uma indagação: o que que eu faço com a música que eu toco?Pra quem eu vendo? Como eu vendo? Como é que eu faço um projeto para mandar para uma grande empresa? Como é que se faz isso? [...] O aluno fica aqui por vários anos, tocam muito bem, mas ele não sabe o que fazer com isso [...] Se perguntar para eles o que é uma “lei Rouanet”, ninguém sabe. Eu sinto que isso faz muita falta para eles. Eles não sabem. Sei lá... poderia ter uma aula de marketing, de elaboração de projetos, sabe?72

72

Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas).

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Uma questão muito recorrente na fala dos professores é a possibilidade de se ter mais salas de estudo para os alunos. Os alunos se encontram nos corredores, muitas vezes eles dispõem de tempo, mas quando acabam suas respectivas aulas, eles ficam no corredor conversando e tocando, mas, o ideal é se tivessem salas adequadas para isso. O baixo número de vagas para o Curso de Choro também foi outro fator apontado por Alexandre Bauab.

1.10. Avaliação Descrevo nas linhas seguintes sobre o processo de avaliação dos alunos da Área de Choro, examinados formalmente por banca e no cotidiano nas aulas. O Curso de Choro do CDMCC é semestral. Os alunos realizam provas em todas as disciplinas as quais freqüentam (exceto na matéria Linguagem do Choro, que é uma disciplina optativa e não há avaliação específica). As avaliações teóricas são realizadas de modo convencional a uma instituição musical com seus conteúdos peculiares. Nas provas de “Prática de Conjunto” (Aula de Repertório), Bauab explica que a tarefa é simplesmente os alunos tocarem, mas tentando seguir tudo que foi trabalhado em termos de interpretação e que seja executado o repertório de memória, pois, no caso do Choro é sempre importante associá-lo com seu contexto original, o “tocar de memória”, como em uma Roda de Choro, embora os alunos enriqueçam seus conhecimentos também com a teoria musical durante o curso. Como diz Bauab: “é mais por uma questão de tradição e respeito ao gênero”. Esse repertório, segundo Bauab, é composto no mínimo por oito músicas, as mesmas que esses alunos terão que transcrever antes. As transcrições, portanto, também fazem parte da avaliação durante o semestre. Na prova prática específica de instrumento, existe uma banca avaliadora e o julgamento está muito ligado à técnica trabalhada. O professor Ditinho informa que, apesar de não haver uma prova específica na disciplina Linguagem do Choro, na verdade é impossível não fazer algum tipo de avaliação. Mas, esta ocorre no cotidiano com seus alunos. O professor cita que algo que tem muita responsabilidade são as preparações das aulas. Se as aulas têm uma preparação, há uma avaliação em torno do que foi preparado e executado. Os outros professores afirmam fazer avaliações também no dia-a-dia, sendo a prova de final de 64

cada ciclo uma representação do trabalho das avaliações cotidianas durante todo o semestre, até porque, conforme expressa o professor Bauab: “não tem como você dar aula sem fazer uma avaliação, isso não existe”. Há casos em que os alunos ficam um pouco nervosos na prova final, e é por isso que o empenho do estudante em todo o semestre é também considerado, e alguém da banca que conhece melhor o aluno, podendo ser até seu professor de instrumento, tem o direito de intervir. Altino diz que sempre faz uma avaliação no sentido de verificar se o educando compreendeu sobre o assunto que estão trabalhando. Se o aluno compreendeu, o professor avalia positivamente, se não compreendeu o trabalho segue. É o professor quem descreve: A minha avaliação é sobre a apreensão do conteúdo naquele momento com o aluno. Sobre o entendimento ou não daquele conteúdo. Dentro desse conteúdo está tudo envolvido: forma, andamento, estrutura, conhecimento do tipo de música, se é uma polca, um choro, um samba. Então, são todos esses elementos que vêm diretamente de encontro com a interpretação. 73

Na avaliação, o professor Ditinho fica atento à individualidade do aluno: Eu tenho o meu projeto, mas, nenhum aluno é igual ao outro né. Então, muitas vezes não dá pra seguir os mesmos passos. [...] tem alunos que conseguem “vencer” mais rápido né, que tem uma habilidade técnica, uma visão maior do que a de outros né. Eu avalio no dia-a-dia. 74

1.11 Sobre as entrevistas Segue abaixo a reprodução dos questionários para entrevistas dirigidos ao coordenador do Curso de Choro de Tatuí, ao seu corpo docente e a alguns alunos da escola. As perguntas foram elaboradas no intuito de obter informações pertinentes a esta pesquisa, portanto, relacionadas ao Choro e ao seu ensino, contemplando os mais variados aspectos, como os de cunho técnico, teórico, histórico, educacional, didático, 73

Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas). 74 Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas).

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metodológico, entre outros. Há também questões referentes ao Conservatório Musical de Tatuí, suas condições para o trabalho e sobre a relação entre docentes e alunos da instituição. Os questionários serão apresentados por partes, cada uma delas separadas por entrevistado ou grupo de entrevistados (coordenador, professores de instrumento e Aula de Repertório, professor de Linguagem do Choro e alunos). As orientações para a formulação dos questionários estão baseadas nos trabalhos referentes ao tema, em nível científico, elaborados por Günhter (2003) e Chagas (2000). O conteúdo das perguntas inseridas nos questionários está fundamentado na leitura de livros referente ao ensino musical, tais como os trabalhos de Maura Penna (2008) e Keith Swanwick, além de referenciais específicos de Choro, no seu contexto histórico e técnico, tendo como parâmetro as obras de Henrique Cazes (1999), André Diniz (2003 e 2008), Carlos Almada (2006) e artigos referentes ao assunto, tais como os de Carlos Sandroni (2000), Lacorte e Galvão (2007). As respostas dos questionários estão disponíveis na íntegra em CD de áudio anexo (Anexo - III). A única exceção são as respostas emitidas pelos alunos, as quais serão descritas junto ao questionário neste tópico, uma vez que as mesmas foram atendidas de modo diferenciado ao dos professores, no caso, de maneira digital, sendo portanto, um pouco mais concisas e propícias à exposição neste extrato. Todas as pessoas que responderam aos questionários assinaram um termo de consentimento, estando cientes das propostas e dispostos a contribuir com este trabalho de pesquisa.

1.11.1. Questionário ao coordenador do Curso de Choro de Tatuí Questionário dirigido exclusivamente ao coordenador Alexandre Bauab, respondido em 06/10/2010: 1. Tema: Sobre o Choro 1.1. Como você definiria o Choro no panorama da música brasileira? Quais são suas principais características?

1.2. O Choro já foi definido como um jeito de tocar, uma forma de interpretar danças européias, mescladas com ritmos de origem africana, como, por exemplo, ressalta 66

José Ramos Tinhorão (1991). Como criar uma pedagogia para ser aplicada em uma escola de música, tendo em vista tal característica?

1.3. Muito se comenta em relação ao caráter erudito do choro (vale lembrar os „Choros‟ de Villa-Lobos). Qual sua opinião em relação ao caráter popular e/ou erudito do Choro. Tal polêmica tem algum reflexo em relação ao caráter pedagógico do ensino do Choro?

1.4. Ultrapassar a oposição entre música popular e erudita pode ser uma condição indispensável para um projeto de democratização no acesso à arte e à cultura?

2. Tema: Choro, instituição e música atual

2.1 Como você analisa a questão público/privado em relação ao funcionamento do Conservatório de Tatuí (O Conservatório recebe verba pública e/ou privada)? 2.2. Como você enxerga a implementação de um curso como o de Choro, que tem seu caráter essencialmente instrumental, num país como o Brasil em que há uma predominância da música cantada nos meios de comunicação?

2.3. O Choro, ao que parece, não era muito procurado para estudo ou mesmo para apreciação, exceto para um público restrito. A que se devia (ou deve) essa restrição, por assim dizer: elitização do gênero? Dificuldade técnica de execução? Estigmatização do Choro como “música do passado, de velho”? Alguma outra causa?

2.4. Levando-se em consideração os padrões musicais difundidos pela chamada “indústria cultural”, que não contempla significativamente o Choro, quais seriam as possíveis dificuldades de maior inserção do gênero nas instituições de ensino e nos meios de comunicação de massa no Brasil?

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2.5. Como você avalia a procura pelo curso de Choro, levando-se em conta a relativa falta de visibilidade deste gênero no panorama musical brasileiro?

2.6. Há uma visão em torno da música instrumental no sentido crítico e contra a ênfase excessiva em conjuntos performáticos e de concentração meramente técnica, que trabalham contra a “compreensão musical”. Sobre isso, inclusive, restrições aos programas de performance na América do Norte têm sido levantadas por muitos escritores (Swanwick, 2003, pág. 53). Levando em consideração que o Choro também tem seu caráter essencialmente instrumental, e que exige do músico certa aquisição de habilidade técnica na execução, qual a sua visão sobre essa questão (técnica X musicalidade) e como os professores conseguem administrar o controle do estudo técnico dos alunos, paralelamente ao desenvolvimento da musicalidade dos mesmos?

3. Tema: Choro, ensino e metodologia

3.1. Quais motivos e em quais condições levaram o Conservatório de Tatuí a criar o curso de Choro?

3.2. Há algum outro gênero musical, nacional ou internacional, que é ministrado no Conservatório?

3.3. Há um processo de seleção para os alunos ingressarem no Conservatório para realizar o curso? Existe algum critério (ou critérios) ou pré-requisito(s) em tal processo?

3.4. A leitura de partituras, bem como ter uma base teórica musical geral, é prérequisito necessário para o ingresso no curso ou há alternativa para o candidato sem tal conhecimento?

3.5. Existe uma faixa etária que podemos considerar como pré-requisito para os alunos ingressarem no curso de Choro do Conservatório? 68

3.6. Como você analisa o ensino de Choro pelo Brasil. É de seu conhecimento a existência ou intenção de elaboração de métodos sistematizados de ensino de Choro no Brasil?

3.7. Além do Conservatório de Tatuí, hoje em dia há outras instituições que implantaram o curso de Choro em seus respectivos espaços. Considerando tal conjuntura, você avalia que o aprendizado do Choro já assegurou uma presença significativa nas instituições de ensino no Brasil (exclusivamente musicais, tais como Conservatórios ou outras, como as escolas formais, por exemplo) ou ainda é muito ausente nos mesmos?

3.8. Qual a sua visão em relação aos meios de aprendizagem do Choro no atual panorama de ensino musical no Brasil? Existe, por exemplo, algum tipo de intercâmbio entre a Escola de Choro Rafael Rabelo, de Brasília, a Escola Portátil, do Rio de janeiro e a Escola de Tatuí? 3.9. “De acordo com o relato dos entrevistados [músicos „populares‟], cada vez mais o mercado de trabalho para esses profissionais está sendo modificado. A expansão das opções de atuação desses músicos exige profissional capacitado e qualificado para a execução de tarefas diversificadas. Nesse contexto é que se destaca a importância da inserção e estruturação da música popular nas escolas, nos conservatórios e nos cursos superiores no país, pois há um mercado de trabalho exigente, bem como aprendizes e profissionais dispostos a se especializarem”

(LACORTE, GALVÃO, 2007)

Em relação à colocação mencionada acima, qual sua opinião em sobre a formação do músico atual ligado à música popular, em Escolas e Conservatórios, tendo em vista o mercado de trabalho? Nesse sentido, como as novas tecnologias influenciam, positiva ou negativamente, no músico que adentra ao mercado de trabalho?

3.10. Qual a estrutura básica do curso, em termos de aulas, professores, instrumentos, disciplinas e quais materiais didáticos são utilizados em sala de aula pelos professores? Estes utilizam algum tipo de material comum a todas as aulas do curso?

3.11. A estrutura geral do curso, oferecida pelo Conservatório de Tatuí, é satisfatória para seu desenvolvimento ou há ainda algo a ser alcançado para tal finalidade? 69

3.12. Faz parte do curso alguma disciplina teórica, como História da Música ou mesmo História do Choro, por exemplo? 3.13. “Será que as culturas de tradição oral [como é mais característico ainda hoje no caso do Choro] têm algo a nos ensinar, também no que diz respeito a métodos didáticos?”

(SANDRONI, 2000)

3.14. Há algum tipo de acompanhamento, supervisão ou apoio do coordenador aos demais professores do curso no que tange à aplicação de conteúdos, teóricos e práticos?

3.15. Com relação à interpretação, composição, improvisação e apreciação, existe um enfoque maior a um desses elementos no curso de choro? Existe algum outro elemento além dos já mencionados, presente no curso de Choro? Por fim, existe uma maior importância em relação a alguma destas atividades pedagógicas, dentre da estrutura curricular do curso?

3.16. Tomando por base a concepção de que na experiência pedagógica de ensino e aprendizagem há capacidades e maneiras diferentes de assimilação por parte dos alunos, de que modo é trabalhada essa questão no curso de Choro?

3.17. Existe alguma metodologia e/ou referência (s) metodológicas ou mesmo uma filosofia específica no curso de Choro?

3.18. De um modo geral, a história da pedagogia mostrou que muitos métodos foram criados empiricamente, originados da prática de uma determinada área (Penteado, 1979), em outras ocasiões (ainda segundo Penteado), as metodologias de ensino surgiram do estabelecimento de regras fixadas de um determinado campo de conhecimento. Levando tais fatos em consideração, qual o caminho encontrado para a metodologia de ensino adotada para o curso de Choro? Há uma diretriz ou forma única de se ensinar a linguagem deste gênero musical ou depende de algum(s) fator (es) para se alcançar tal objetivo?

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3.19. Qual a sua opinião sobre a “Roda de Choro”, enquanto prática ou estímulo para os alunos, dentro da proposta do curso? 3.20. Sendo a informalidade da “Roda de Choro” como o meio mais comum de aprendizado dos “chorões” desde os primórdios do gênero até hoje, qual a vantagem ou relevância de inserir o seu ensino para dentro da “escola”? 3.21. Temos o conhecimento da formação de um grupo de Choro composto pelos professores do curso, o “Quebrando o Galho”. É de se supor que os alunos tenham o grupo como uma referência musical do gênero. A idéia de criar o grupo de alguma maneira também esta atrelada a essa questão? Há incentivo para que os alunos também formem grupos com características semelhantes às de vocês ou mesmo que assumam uma sonoridade própria?

3.22. Quais os mecanismos de avaliação dos alunos? 3.23. “Aprendizagem é o resíduo da experiência. São as técnicas e a compreensão que nós obtemos. É o que fica conosco quando as atividades acabam”

(Swanwick, 2003, pág. 94). Refletindo sobre

a frase acima do professor inglês Keith Swanwith, após a passagem dos alunos pelo curso de Choro, em sentido geral, o que espera que “fiquem com eles” quando as atividades dos mesmos acabarem?

- Alguma observação ou comentário final?

1.11.2. Questionário aos professores do Curso de Choro de Tatuí Questionário dirigido aos professores do Curso de Choro de Tatuí: Alexandre Bauab (respondido em 27/10/2010); Marcelo Cândido (respondido em 20/10/2010); Altino Toledo (respondido em 20/10/2010) e Benedito Alberto, o Ditinho (respondido em 10/11/2010). Obs. Alexandre Bauab, na condição de professor, respondeu apenas o primeiro bloco de perguntas específicas relacionadas ao ensino do seu instrumento (violão 7 cordas) neste questionário, sendo o segundo bloco composto de perguntas em comum ao questionário já respondido anteriormente pelo docente.

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1. Questões: bloco específico. 1.1 Fale sobre sua formação musical

1.2. Na sua visão, quais são os conhecimentos práticos necessários que os alunos devem adquirir no instrumento que você ministra, tanto do ponto de vista técnico quanto da musicalidade em si, quando pensamos no enfoque do curso de Choro?

1.3. Qual a metodologia adotada para o ensino musical do seu instrumento? Há materiais didáticos (criados por você, por outros ou ainda uma junção) que são utilizados? Em caso afirmativo, poderia descrever resumidamente sobre cada um deles e quais aspectos são enfocados nos mesmos? 1.4. Qual a estratégia adotada para obter (e manter) a apreensão, motivação e interesse dos alunos? 1.5. Existe uma tendência crescente na instrução musical, talvez justificável, de se atribuir grande importância não só aspecto de habilidade técnica ao instrumento, mas, também à forma e maneira expressiva do músico tocar. Como você relaciona tais aspectos em suas aulas?

1.6. Como você integra e relaciona a parte teórica aprendida pelos alunos com o aprendizado do instrumento (ou quais meios)?

1.7. Como é o trabalho em grupo, por exemplo, nas aulas de repertório ou prática de Choro? Fale um pouco sobre essa prática conduzida por você dentro do curso.

1.8. Você considera mais importante o estudo e aprendizado formal (do Choro), através de um método utilizado em uma escola de música, ou a vivência em "rodas" com um aprendizado mais empírico, ou teria ainda uma outra diretriz mais adequada, como por exemplo, a compatibilidade entre as duas formas de aprendizagem? 1.9. De que forma se dá a preparação para o curso (semestral, anual...)? Como é o planejamento de suas aulas?

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1.10. Há recursos tecnológicos atualizados que auxiliam e dão suporte às suas aulas dentro do curso?

1.11. Quais dificuldades você enfrenta ao lecionar sua disciplina?

1.12. Você acredita que seria positivo haver uma comunicação ou intercâmbio entre as entidades que atualmente trabalham com o Choro como disciplina pedagógica, como é o caso, além do Conservatório de Tatuí, também da Escola Portátil do Rio de janeiro e a Escola “Raphael Rabelo” de Brasília? Qual sua opinião a respeito?

2. Questões: bloco de perguntas em comum.

2.1. Como você definiria o Choro no panorama da música brasileira? Quais são suas principais características? 2.2. Como você analisa o ensino de Choro pelo Brasil? Tal ensino do referido gênero é presente ou ausente no atual panorama nacional? 2.3. Como você avalia a procura pelo curso de Choro, levando-se em conta a relativa falta de visibilidade deste gênero no panorama musical brasileiro? 2.4. A leitura de partituras, bem como ter uma base teórica musical geral, é prérequisito necessário para o ingresso nas aulas do seu instrumento ou há alternativa para o candidato sem tal conhecimento? 2.5. Com relação à interpretação, composição e improvisação e apreciação, existe um enfoque maior a um desses elementos em suas aulas? Existe algum outro elemento além dos já mencionados? Por fim, existe uma maior importância em relação a alguma destas atividades pedagógicas, dentre da estrutura curricular do seu curso? 2.6. Qual a sua opinião sobre a “Roda de Choro”, enquanto prática ou estímulo para os alunos, dentro da proposta do curso?

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2.7. Além da avaliação formal que acontece periodicamente, com uma bancada de professores para tal finalidade, como é sua avaliação cotidianamente com os alunos, quais as técnicas e instrumentação para essa função? 2.8. O Conservatório possui estrutura satisfatória e dá o respaldo necessário para a boa fluência de suas aulas ou há ainda algo a ser alcançado para tal finalidade? 2.9. “Aprendizagem é o resíduo da experiência. São as técnicas e a compreensão que nós obtemos. É o que fica conosco quando as atividades acabam” (Swanwick, 2003, pág. 94).

Refletindo sobre a frase

acima do professor inglês Keith Swanwith, após a passagem dos alunos pelo curso de Choro, em sentido geral, o que espera que “fiquem com eles” quando as atividades dos mesmos acabarem? 2.10. Alguma observação ou comentário final?

1.11.3. Questionário ao professor de Linguagem do Choro Questionário dirigido exclusivamente ao professor da disciplina Linguagem do Choro, Benedito Alberto (Ditinho), respondido em 10/11/2010:

1. Questões: Linguagem do Choro 1.1. O que você define por Linguagem e especificamente “Linguagem do Choro”?

1.2. Como funcionam as aulas de Linguagem do Choro? Quais são os maiores objetivos da disciplina?

1.3. Há alguma relação ou envolvimento da disciplina com outras linguagens (musicais ou não)? 1.4.“Tocar uma peça de música sem compreender como ela é estruturada, como ela trabalha expressivamente, é como tentar ler poesia numa língua que você não compreende: talvez você até goste do som das palavras, mas o seu verdadeiro significado – que é parte significativa da própria poesia – se

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perde. Similarmente na música, se você deseja expressar um conceito musical, você deve saber o que é este conceito.” (HOLMQUIST, 2000)

Levando em consideração a colocação supracitada, existe alguma conexão de pensamento ou conceito entre a afirmação do professor/violonista norte-americano e a sua visão a respeito do assunto?

1.11.4. Questionário a alunos do Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí. Questionário respondido pelos alunos Caio Augusto Oliveira Cury Batista e Guilherme Girardi Soares, em 10/11/2010. Como as perguntas são exatamente iguais para ambos, serão colocadas as respostas de cada aluno uma abaixo da outra após cada questão, com a devida identificação de cada estudante:

1. Qual é a sua idade?

Guilherme: Tenho 27 anos. Caio: 23 anos 2. Há quanto tempo você estuda no Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí? Já havia estudado música anteriormente? Em acaso afirmativo, qual seria o(s) instrumento(s) (ou canto) escolhido(s) e por quanto tempo? Guilherme: Estou finalizando o quarto ano do curso de violão “choro” aqui. Antes de entrar no conservatório eu já estudava música há bastante tempo. Comecei aos 15 anos de idade, com professor particular de violão. Mas também estudei guitarra e viola caipira. Entrei em Tatuí com 23 anos, então já estudava música há oito anos. Caio: Estou no conservatório desde 2006, comecei estudando percussão sinfônica por três semestres e então me transferi para o curso de bandolim, que estou cursando há 7 semestres. Já estudava violão e guitarra desde 1998, com o professor Renato de Sá. 3. Porque a escolha do Conservatório Musical de Tatuí e em especial, qual a motivação pelo ingresso no Curso de Choro?

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Guilherme: A grande maioria dos músicos ou estudantes de música do estado de SP conhece a fama do Conservatório de Tatuí e sabe que é uma referência nacional e internacional no ensino de música. Além disso, é uma instituição mantida pelo governo, gratuita. Então, se você é estudante de música, mora no interior do estado e está procurando um ensino de alto nível, com certeza a melhor opção e também a mais barata é ir pra Tatuí. Comigo não foi diferente disso. Quanto à escolha do curso de choro, na verdade eu não escolhi. Entrei sem saber! Na época, não havia oficialmente a Área de Choro no conservatório, no popular era tudo MPB/Jazz. Mas o Alexandre, o Altino e o Marcelo já ensinavam choro há muito tempo. Entrei num curso que se chamava Violão MPB/Jazz, descobri que todo o conteúdo era voltado para o choro, me apaixonei e passei a dedicar todo o meu tempo a esse gênero. Hoje, felizmente, o curso de choro está oficializado e tem o nome que merece. Caio: Resolvi estudar no conservatório por indicação do meu professor de violão, que havia estudado em Tatuí também. Como já tinha tido algum contato com o bandolim e rodas de choro, essa acabou se revelando a melhor opção de curso. 4. Na sua percepção, de um modo geral, quais os aspectos (sejam eles de qualquer natureza) que são mais enfatizados no decorrer do curso? Guilherme: Acho que o mais importante é o entendimento e desenvolvimento da linguagem característica do gênero. Porque tem muita gente que acha que conhece choro, que chega lá e toca, e não toca porcaria nenhuma, não passa nem perto. É um jeito muito particular de tocar, que exige uma intensa vivência e um estudo específico de longo prazo. Acho que o curso de choro proporciona isso. Caio: No curso de bandolim, o foco principal está na interpretação dos temas. A compreensão da linguagem através das transcrições de instrumentistas consagrados e o trabalho técnico feito à medida do necessário para a execução dos temas. 5. Como avalia a qualidade das informações que chegam até você durante o curso e como julga que as mesmas são trabalhadas em sala de aula (de instrumento e nas “Aulas de Repertório)?

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Guilherme: É muita informação! Mas tudo bem estruturado, com metodologia. Não só nas aulas, mas também nas rodas de choro e na convivência com professores e alunos. Tudo faz parte da intensa vivência que te falei. Caio: Sempre muito boas, os professores demonstram muito conhecimento e sempre nos utilizamos das gravações dos grandes mestres do gênero como fonte principal de informações. 6. Você participa de “Rodas de Choro”? Recebe incentivo dentro do Conservatório para participar de tal evento? Caso participe das “rodas”, diga-nos, por favor, como é ter essa experiência? Guilherme: Participo e já participei de muitas. Quanto mais, melhor! A gente, desde que entra no curso, recebe todo o incentivo pra isso. Porque o verdadeiro choro só se manifesta em toda a sua extensão e profundidade numa boa roda. Há até uma roda promovida periodicamente pelo Bauab que é como se fosse uma extensão do curso. Caio: Já havia participado de rodas antes de chegar em Tatuí, e atualmente participo sempre da roda organizada pelos professores às quartas feiras à noite. É um grande prazer, pois a roda é uma reunião entre amigos num ambiente informal, que sempre proporciona grandes momentos 7. Qual a diferença entre aprender a tocar Choro em um ambiente informal (como em “Rodas de Choro”) e em outro ambiente com uma estrutura organizada de ensino (como o caso do Conservatório de Música)? Guilherme: Acho que são duas coisas que se completam, podem caminhar juntas, mas que são bem diferentes. Na roda é tudo intenso, vivo, na observação do outro, na resposta rápida, erros e acertos. No curso informal é tudo esclarecido, entendido, ponderado, porém menos vivo. O choro tem uma tradição de roda, de resolver na hora, de improvisar, tocar uma infinidade de músicas. Mas como é uma música muito complexa, um curso formal auxilia muito no desenvolvimento aluno. Caio: Na minha opinião o estudo mais sistemático é importante, porque visa desenvolver conhecimentos técnicos e teóricos necessários, mas ao mesmo tempo o ambiente informal das rodas é onde você coloca tudo em prática, o que é de vital importância para um aprendizado completo. 77

8. Você enfrenta (ou enfrentou) alguma dificuldade no curso? Acha que ainda há algo a ser inserido que possa vir a favorecer o aprendizado nas aulas e/ou o próprio Curso de Choro? Guilherme: Enfrentei muitas dificuldades. Mas não por falha do curso, e sim porque no estudo musical tem muita coisa que naturalmente leva muito tempo pra ser resolvida. Cursos formais de choro são muito recentes, mesmo no conservatório de Tatuí, que é um dos pioneiros nisso. Acho que cursos de música brasileira de verdade são recentes como um todo. Faltam livros e materiais de apoio no mercado, não há tradição disso no choro. Então acho que há uma evolução constante, que vai se estender por muito tempo. Caio: Nada em especial. 9. A sua vivência no Curso de Choro contribuiu e ainda contribui (ou não) de que maneira para você, seja no aspecto musical ou/e na sua vida de modo geral? Quais são suas perspectivas para o futuro a partir dessa vivência? Guilherme: Esse curso dividiu minha vida musical em antes e depois, mudou tudo mesmo. Foi só em Tatuí que realmente me especializei e aprofundei em algo de verdade. Foi quando tive um choque com uma realidade musical mais elevada, com alto grau de qualidade e especificação. Antes eu trabalhava tocando em bandas de pop, sertanejo, rock, o que fosse... tudo de qualquer jeito. Hoje trabalho com choro e samba de raiz, músicas que realmente gosto, buscando uma qualidade cada vez maior. Ensino isso para outras pessoas. Toco e divulgo isso em minha cidade e na região, colaborando ativamente para a formação de público. Acho que nem preciso falar em expectativas pro futuro, porque essa realidade pra mim já existe hoje. O curso de choro do conservatório de Tatuí com certeza mudou minha vida. Caio: O curso de choro foi onde eu realmente comecei a estudar música a sério. Mudou muito a minha visão sobre o estudo de técnica, a idéia de usar transcrições como uma forma de compreender uma nova linguagem, também se tornou um conceito muito importante que vou utilizar pra toda minha vida e carreira musical. 10. Alguma consideração final? Guilherme: Acho que já falei bastante! 78

Caio: (não respondeu)

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CAPÍTULO II Reflexões acerca da Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo” de Brasília, da “Escola Portátil de Música” do Rio de Janeiro e um levantamento sobre instituições de ensino do Choro

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O presente capítulo tem como intenção apresentar de maneira sucinta algumas instituições brasileiras que atualmente inserem o Choro em sua grade curricular. Este é o caso da Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabello”, de Brasília-DF e a Escola Portátil de Música, do Rio de Janeiro-RJ, instituições às quais serão tratadas de modo mais atento em relação a outras que serão apenas citadas, em função da importância e visibilidade que estão alcançando e pela presença e liderança de músicos experientes, ligados há muito tempo com o Choro e sua linguagem, que estão coordenando e/ou lecionando nas referidas escolas. O objetivo é expor brevemente as idéias básicas de trabalho das duas escolas citadas acima e tentar estabelecer possíveis relações e conexões com o Curso de Choro do CDMCC de Tatuí e sua metodologia. Na seqüência, mencionaremos sem maiores detalhes, outras entidades que tenham algum tipo de trabalho que envolva o ensino e a divulgação do Choro, para termos uma dimensão (não exata, pois, o espaço para tal finalidade nesse trabalho não é suficiente) da quantidade de instituições que atualmente está trabalhando com o assunto em questão no país. Por fim, abordaremos sobre algumas ações iniciadas na década de 1980 que objetivaram inserir e abrir caminhos para o Choro no contexto didático, assim como alguns projetos e eventos que, no mesmo sentido, foram gradualmente implantados nas últimas décadas em diferentes pontos do Brasil.

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2.1. Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo” A escola brasileira de Choro que leva o nome do importante violonista carioca Raphael Rabelo foi fundada em 29 de abril de 1998, sendo então a primeira dedicada ao ensino do gênero no país.75 O principal mentor da entidade é Henrique Lima Santos Filho, conhecido como Reco do Bandolim. A escola faz parte do Clube do Choro de Brasília criado em 1977 e era um antigo desejo dos componentes deste. Muitas das pessoas envolvidas no clube e parte dos docentes da escola têm ou já tiveram ligação com a Escola de Música de Brasília e o Departamento de Música da Universidade de Brasília, como por exemplo, o bandolinista Hamilton de Holanda, que foi aluno desta última e também já fez parte da coordenação e ministrou aulas de bandolim na Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo” (EBCRR), entre outros grandes músicos de Choro. A escola começou oferecendo aulas dos seguintes instrumentos: cavaquinho, bandolim, violão de seis e também de sete cordas, pandeiro e saxofone. Após certo tempo foram agregados também a flauta transversal e o clarinete como opções de curso. A partir do ano de 2006 há a inserção de outros novos instrumentos na escola, como a gaita cromática, a percussão e a viola caipira, além de professores de teoria musical, provenientes da Escola de Música de Brasília e do Departamento de Música da Universidade de Brasília.76 Segundo Teixeira (2007), as turmas de todas as aulas de uma maneira geral estavam lotadas à época de sua pesquisa realizada no ano de 2007 e os instrumentos mais procurados eram o cavaquinho e o violão de sete cordas, apesar de já haver desde então um considerável aumento da procura pelo bandolim. Quando a procura é muito grande na escola - o que ocorre na maioria das vezes - (segundo a mesma fonte), há um sorteio para o preenchimento das vagas, estando os candidatos a mercê da sorte, entretanto, ainda com chances de ingressar posteriormente caso não consigam num primeiro momento. Para tal, é preciso registrar seus nomes em uma lista e ficar no aguardo. São oferecidas duas aulas por semana, uma prática e outra teórica, com duração de uma hora cada.

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TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz. A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabelo: um estudo de caso e de preservação musical bem sucedida. In: Congresso Brasileiro de Sociologia, 12º, 2007, Recife. 76 Informações extraídas da tese de Doutorado de Magda de Miranda Clímaco, intitulada “Alegres dias chorões: o choro como expressão musical no cotidiano de Brasília. Anos 1960 – Tempo presente”, apresentada e defendida no Curso de Doutorado em História da Universidade de Brasília, em 2008.

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De acordo com a pesquisadora Milena Tibúrcio Antunes, as aulas são divididas em três níveis: iniciante, médio e avançado e acontecem de modo individual e em conjunto, não havendo separação por sexo ou idade dos participantes, o que segundo ela, favorece o ambiente para a troca de trabalho. Nas aulas em conjunto são formados vários grupos e cada um deles é disposto conforme o nível dos alunos. Milena, em citação feita por Magda Miranda, comenta um trecho sobre as aulas da EBCRR: Os alunos iniciantes começam com exercícios básicos e vão aprendendo a tocar as mesmas músicas, independentes dos instrumentos. Desta forma eles podem se juntar para formar os grupos. Como vemos, é um processo de aprendizagem coletiva, que possibilita o início da construção de suas próprias concepções musicais. [...] os alunos da EBCRR, descobrem, constatam e comentam juntos, além de aprenderem a se ensinarem mutuamente.77

A mesma pesquisadora informa ainda que os níveis do curso não tem duração específica, desse modo, considerando e adequando o ensino ao tempo de aprendizagem do aluno. Durante o curso não há um tipo de avaliação formal, todavia: “Ela é feita através da observação do desenvolvimento do aluno nas aulas, grupos e apresentações”. 78 A escola também contempla as Rodas de Choro, que ocorrem normalmente no último sábado pela manhã de cada mês, sendo que a idéia é alterar esse cronograma para um período quinzenal. O Clube do Choro de Brasília, mantenedor da ECBRR, atribui grande importância às Rodas de Choro dentro da instituição, pois “as freqüentes rodas de Choro promovidas pela Escola permitem aos jovens uma integração saudável e a elevação de seu nível cultural, com repercussões positivas do ponto de vista social e familiar”. 79 Os alunos são incentivados a participarem de outros eventos dentro do clube, como as constantes apresentações de artistas ligados ao universo do Choro, além de terem acesso aos workshops que ocorrem no local, realizados com personalidades de

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ANTUNES, Milena Tibúrcio apud CLÍMACO, Magda Miranda. Alegres dias chorões: o choro como expressão musical no cotidiano de Brasília. Anos 1960 – Tempo presente. Tese de Doutorado em História da Universidade de Brasília, 2008, p.265. 78 Ibidem. 79 Disponível em http://www.clubedochoro.com.br/index.php?option=com_content&view= article&id=249&Itemid=23. Acesso em: 01/12/2010.

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grande destaque musical, tais como, Altamiro Carrilho, Yamandú Costa, Armandinho Macedo, Toninho Horta, entre outros.80 Baseado no repertório de músicos considerados ícones do Choro, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo é que os professores da ECBRR desenvolvem seus trabalhos junto aos alunos, que também acabam tendo contato com as tendências estilísticas as quais o Choro vai se moldando, pois, se tratando da interpretação e performance, os alunos “estudam a obra dos grandes mestres do Choro e convivem com professores que são músicos atuantes, fazendo assim a ligação com o passado e a modernidade”.81 Milena Tibúrcio Antunes acredita ainda que, no contexto de apreciação e prática, os alunos acabam tendo um embasamento que dá margem à composição: “O contato com as obras possibilita que eles façam relação com a sua experiência”. E dessa maneira eles acabam aprendendo “um sistema de composição e inventam novas produções com todas essas influências”.82 A escola adota uma vertente que se traduz em um perfil de ensino formal em afinidade com o informal. O coordenador da escola, Fernando César (irmão do bandolinista Hamilton de Holanda) procura equilibrar o ensino da leitura e escrita musical com a execução instrumental e a audição. Os músicos professores da ECBRR em sua maioria aprenderam a tocar instrumento de maneira prática e, portanto, segundo Magda Climaco “eles buscam informações tentando teorizar a sua prática e realização pedagógica”.83 E isso porque “o Choro nunca foi ensinado”.84 Clímaco comenta sobre o proveito da aprendizagem que reúna as duas formas e cita que Hamilton de Holanda, por exemplo, tem uma bem sucedida formação, resultante tanto da “vivência em rodas de Choro quanto da “sistematização” das instituições da cidade de Brasília onde freqüentou.85

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CLÍMACO, Magda Miranda. Alegres dias chorões: o choro como expressão musical no cotidiano de Brasília. Anos 1960 – Tempo presente. Tese de Doutorado em História, da Universidade de Brasília, 2008, p.264. 81 ANTUNES, apud CLÍMACO, p.266. 82 Ibid. 83 CLÍMACO, op. cit. p.266. 84 MENDES, apud CLÍMACO, 2008, p.265. 85 CLÍMACO, op. cit. p.340.

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Magda Clímaco constatou através de depoimentos de alunos que há situação favorável para o desenvolvimento das atividades das dependências da ECBRR, pois, o ambiente é tomado por um clima de convívio harmonioso, democrático e desinteressado entre pessoas de idade, sexo e condições sociais diferentes, simplesmente pelo prazer de estar tocando, individualmente e principalmente em grupo. Finalizo esse trecho expondo uma fala de um dos fundadores da escola, Reco do Bandolim (Henrique Filho), que explicita dentro da sua ótica, qual é o intento da mesma: “A escola se propõe a ensinar um jeito brasileiro de executar o instrumento. Acrescenta à técnica das aulas de cavaquinho, violão e pandeiro o „molho‟ e a malícia”.86

2.2. Escola Portátil de Música A origem da Escola Portátil de Música (EPM), com sede fixa na cidade do Rio de Janeiro, remete à ausência de meios de aprendizado do gênero, observada pelos criadores da escola ao fim dos anos 1990, pois, além de não haver até então ensino sistematizado do Choro (com exceção da Escola Brasileira de Choro “Raphael Rabelo”, já observada neste capitulo e que iniciou seus trabalhos um pouco antes da EPM), eram escassas as Rodas de Choro nesse período. Desse modo, houve uma mobilização, entre outros, por parte de Luciana Rabelo e Maurício Carrílho, que em parceria e incentivo de Cirley de Holanda, então diretora da Sala Funarte no ano 2000, criaram uma oficina de Choro dentro desta instituição. Com êxito obtido, o conseqüente aumento do número de interessados na oficina e a coincidente saída de Cirley da direção da Sala Funarte, fizeram com que as atividades inevitavelmente migrassem para outro local. Nesse sentido, as aulas de Choro passaram por mais dois locais antes do endereço fixo que ocupa hoje: nas dependências da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro e posteriormente em uma casa alugada no bairro da Glória, zona sul da cidade. Nesse período, o compositor e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho, simpatizante e estimulador do projeto de aulas de Choro, sugere a mudança de nome da

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FILHO apud CLÍMACO, Magda Miranda, 2008, p.270.

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oficina para Escola Portátil de Música, além de instruir os seus mentores a inscreverem o projeto nas Leis de Incentivo Fiscal.87 Alguns amigos dos membros da recém criada escola, que também são músicos e professores da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), após constantes visitas ao bairro da Glória, fizeram o convite para a EPM se transferir para a sede da universidade em que lecionam. O fato se concretizou no ano de 2005 e a EPM passou também a receber patrocínio da Petrobras. Foi também criado o Instituto Casa do Choro, “que passou a ser o representante legal da Escola Portátil de Música”.88 A musicista Luciana Rabelo admite que por ter aprendido a tocar cavaquinho por meio da observação e prática, não tinha ainda uma noção sistematizada e organizada para ensinar didaticamente, e que o mais experiente do grupo no qual todos buscaram apoio foi Maurício Carrilho, que adquiriu habilidades para lecionar após o convívio com o músico e importante professor de violão já mencionado neste trabalho, que é o senhor Meira.89 Um convênio é fixado em 2006 entre o Instituto Casa do Choro e a UniRio, tornando-se então a EPM um curso de extensão da graduação em música da universidade. A partir dos doze anos de idade, o interessado tem a possibilidade de poder freqüentar as aulas que acontecem no Centro de Letras e Artes da UniRio, sempre aos sábados. Os instrumentos oferecidos são: violão, cavaquinho, bandolim, piano, flauta, clarinete, saxofone, trompete, trombone, tuba, bombardino, pandeiro, percussão, bateria, contrabaixo, além de canto e canto coral. Candidatos que tocam instrumentos diferentes dos relacionados acima e pretendem freqüentar o curso no anseio de aprender a linguagem do Choro, têm uma análise específica, conforme cada caso. Há três níveis diferentes em cada curso de instrumento (I, II, III), sendo que para estar inserido em algum destes, é preciso ter o requisito correspondente de cada um, porém, para determinados instrumentos, não há pré-requisitos no nível I (iniciantes), havendo apenas um teste de musicalidade, como é o caso do cavaquinho, bandolim, flauta, percussão,

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RABELO, Luciana. A Escola Portátil de Música. Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet, 2007. 88 Ibid. 89 Ibid.

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pandeiro e bateria. O ingresso dos candidatos aos cursos, seja qual for o nível destes, está condicionado ao número de vagas disponíveis.90 Os alunos estão sujeitos a pagar uma taxa de inscrição e outra taxa maior semestralmente. Há possibilidade de “bolsa” integral no caso de pessoas comprovadamente sem condições de arcar com as despesas das taxas, caso sejam aprovadas. Uma vez matriculado, o aluno deve cumprir a freqüência nas aulas do instrumento escolhido, nas de Apreciação Musical e nas de Prática de Conjunto, além de ter à disposição aulas teóricas, como Harmonia ou Leitura Rítmica. A escola ainda dispõe de cursos especiais, como o Prática da Linguagem do Choro e o Acompanhamento de Samba. É admitida apenas uma falta por mês, estando sujeito o aluno que infringir essa norma a ceder a vaga a outro pretendedor. A partir do ano de 2009 os interessados podem escolher até dois instrumentos para cursar de modo concomitante, o que não ocorria anteriormente. Não há tempo pré-determinado de duração de cada curso, ele dependerá do nível de fluência de aprendizagem de cada aluno e também do seu empenho e interesse.91 Os alunos recebem materiais didáticos elaborados pela equipe de professores (apostilas, CDs de bases instrumentais, partituras) e a metodologia adotada é baseada na vivência cotidiana dos docentes.92 Assim como em outras instituições que analisamos anteriormente, a Escola Portátil de Música não é diferente em colocar a prática conjunta da Roda de Choro também em destaque, por motivos semelhantes aos expostos nos casos das escolas citadas. Por isso, a EPM dedica três horários da manhã de cada sábado para essa atividade informal, sempre acompanhada pelos professores e monitores da entidade. Mas, além das importantes Rodas de Choro adotadas como uma das estratégias de aprendizagem para os alunos, existe uma prática vivencial no mesmo sentido oferecida a eles, no entanto, numa abrangência, digamos, maior, que é o chamado Bandão. Na verdade, não deixa de ser uma Roda de Choro, só que em proporções maiores em termos de quantidade de músicos, pois, é realizada com todos os alunos e por isso é considerada pelos seus freqüentadores como “o maior „regional‟ do mundo”, chegando

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Disponível em < http://www.escolaportatil.com.br/SiteInsEmentas.asp>. Acesso em 02/12/2010. Disponível em < http://www.escolaportatil.com.br/SiteInsFAQs.asp> Acesso em 02/12/2010. 92 Disponível em < http://www.hotsitespetrobras.com.br/cultura/projetos/60/208> Acesso em 02/12/2010. 91

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a comportar ao mesmo tempo trezentas pessoas em grupo. 93 Tem caráter democrático, mescla iniciantes e “avançados”, algo que é característico no Choro. É uma atividade acessível ao público, o qual tem elogiado muito a performance dos alunos. Os coordenadores da EPM consideram como fundamental a prática do Bandão, pois, além de ser uma ocasião propicia para se vivenciar e aplicar os conhecimentos obtidos nas aulas de instrumento é também um momento de integração confraternizadora entre docentes e alunos. A pesquisadora Elza Lancman Greif, ao investigar acerca da aprendizagem dos participantes do Bandão da EPM, faz as seguintes considerações: A partir desses primeiros depoimentos dos professores e entrevistas com os alunos, coletei e identifiquei remissões dos estudantes à aprendizagem nos diferentes espaços-tempos da Escola Portátil de Música, ou seja, onde e quando ocorrem as aulas de instrumento, demais disciplinas e do Bandão. São referências aos saberes conceituais, procedimentais e atitudinais adquiridos no Bandão, em uma forma de aprendizagem que se dá na relação com o outro, vendo e ouvindo o outro do grupo. São alusões à percepção e aceitação do erro que ocorre durante a performance, como forma de aprendizagem; à relação professor/aluno nos espaços tempos da Escola Portátil de Música e em outros espaços-tempos. São menções aos afetos que afloram ao tocar e/ou ouvir o resultado musical no Bandão. 94

O clima da Escola Portátil de Música, tanto no Bandão como de forma geral, é analisado também por Carolina Gonçalves Alves, a qual realizou uma pesquisa no interior da entidade, que a fez pensar o Choro que se elabora no ambiente institucionalizado da Escola Portátil. Estabelecem-se regras, formulam-se gostos, compartilham-se formas de vivenciar o ambiente. Anulam-se as diferenças na medida em que a turma tende a homogeneizar-se em sua forma de tocar [...] formam um grupo coeso.95

Tendo como um dos objetivos a expansão e a semeação do conhecimento musical através da linguagem do Choro, a EPM realiza constantemente oficinas volantes em diversas cidades do país, até mesmo para justificar o sobrenome “portátil”. Tive a oportunidade de participar de uma delas no ano de 2009 no IX Festival de 93

Disponível em < http://www.escolaportatil.com.br/SiteInsEmentas.asp#Bandao> Acesso em 02/12/2010. 94 GREIF, Elza lancman. A aprendizagem musical no Bandão da Escola Portátil de Música. Disponível em < http://www.seer.unirio.br/index.php/coloquio/article/viewFile/124/87> Acesso em 10/12/2010. 95 ALVES, Carolina Gonçalves. O Choro que se aprende no colégio: a formação de chorões na Escola Portátil de Música do Rio de Janeiro. Anais da III Semana de Pesquisa em Artes, UERJ, Instituto de Artes, 2009, p.153-162.

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Música de Ourinhos. Escolhi a modalidade Prática de conjunto tendo o cavaquinho como instrumento para o desenvolvimento na oficina e pude constatar aquilo que os mentores da EPM defendem sobre Choro e seu ensino, em aulas dinâmicas ministradas por Maurício Carrilho. A EPM também abre espaço para aulas avulsas. Esta é uma opção, por exemplo, para muitos músicos estrangeiros que, interessados por Choro, passam um tempo na cidade do Rio de janeiro e têm a oportunidade de vivenciar as atividades por um período na escola. Não foi possível colher informações detalhadas a respeito do processo de avaliação dos alunos da EPM, mas, há uma pequena informação disponível no site oficial da entidade apontando que a avaliação leva em conta o desempenho, musicalidade e interesse do aluno.96

2.3. Algumas reflexões acerca do ensino do Choro nas escolas analisadas por este trabalho de pesquisa Ao refletirmos e analisarmos as descrições expostas anteriormente nesse trabalho, um fato que se mostra claro e em comum entre as instituições que atualmente adotam o Choro em um ensino sistematizado, é que, tal ensino partiu das experiências pessoais de cada músico, cada qual enxergando a imensa lacuna existente na instrução do gênero (pois, não havia nenhuma escola formal especifica no assunto) e diante de tal conjuntura, eles sentiram a necessidade de expandir o conhecimento e a prática musical do Choro. Mesmo a maioria deles tendo aprendido sem uma orientação particular (há exceções, como é o caso de Maurício Carrilho, por exemplo, que desenvolveu parte do seu conhecimento dentro de princípios organizados, nas aulas do professor Meira), resolveram implantar cursos de Choro de maneira sistematizada, a fim de valorizar, dar acesso e facilitar o aprendizado dos interessados nesse gênero, que apesar de se compor de maneira híbrida em seu percurso histórico, pode ser considerado como “brasileiro”. Apesar disso, é perceptível também a manutenção das características informais do contexto original do Choro dentro das escolas, pois, elas se mostram eficientes e estimulantes, como é o caso das Rodas de Choro, contempladas nas três instituições ora 96

Disponível em http://www.escolaportatil.com.br/SiteInsFAQs.asp Acesso em 10/12/2010.

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estudadas até o presente momento. O avanço dos recursos tecnológicos e a mudança das condições de vida da sociedade desde meados do século XIX (período em que o Choro emanava seus passos primários) foram gradualmente alterando o modo de aprendizagem do músico popular, em que se enquadra o aprendiz de Choro. O músico popular foi cada vez mais tendo interesse de desvendar a teoria musical e suas regras, mas nunca perdendo a essência da informalidade, da percepção auditiva, do aprender de memória, etc. E a proposta das escolas que trabalham com o Choro é justamente essa: manter os princípios originais de aprendizagem informal do gênero e acompanhar a evolução e mudança do tempo, em que vão se agregando novas possibilidades de aprendizagem e ferramentas que podem auxiliar a apreensão dos estudantes de música, tendo como objetivo final uma formação integral ao indivíduo. A apreciação, um elemento extremamente significativo na metodologia do Curso de Choro do Conservatório de Tatuí, está presente também nos propósitos das outras escolas, que incluem de forma enfatizada em seus planos de aula a referência dos grandes expoentes do Choro para os alunos. A Escola Portátil de Música, por exemplo, oferece a disciplina Apreciação Musical, em que o aluno terá contato com o repertório mais representativo da história do Choro, com informações históricas sobre os compositores, formações instrumentais, etc.97 Talvez pelo caráter instrumental do Choro que exige grande habilidade técnica, os cursos em geral não são abrangentes para crianças muito pequenas, supostamente pelo grau de dificuldade que elas teriam, pois, a média de idade mínima para o ingresso às aulas nas escolas verificadas é em torno dos onze e doze anos, mas, há exceções em alguns casos, dependendo do teste de musicalidade com a criança candidata. Em compensação, em todas elas não há um limite máximo de idade para poder ingressar nos cursos, o que vem a ser muito positivo, visto que, há muitos projetos musicais em vigência que não admitem pessoas de mais idade. Os instrumentos oferecidos pelas instituições em geral são bem parecidos e há sempre a divisão em três níveis: básico (ou iniciante), intermediário e avançado (há ainda a variação da nomenclatura para nível I, II e II, respectivamente). As três escolas 97

Disponível em: http://www.escolaportatil.com.br/SiteInsEmentas.asp#Aprecia%C3%A7%C3%A3o%20 Musical. Acesso em 10/12/2010.

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consultadas prezam pelo respeito ao tempo de aprendizagem do aluno, considerando o modo de assimilação de informações que varia de uma pessoa para outra. Apesar disso, no Curso de Choro de Tatuí há um período determinado para o aluno cumprir o curso conforme seja o nível da aula de instrumento. Já nas outras duas, não há um tempo determinado para tal finalidade. Outra questão a ser observada é a inevitável necessidade de elaboração de materiais didáticos de Choro por parte dos profissionais de cada instituição, evidenciada pela escassez destes no mercado, embora nos últimos anos tenha aumentado o número de trabalhos dedicado ao gênero, mas que, pelo visto, ainda não são suficientes para preencher a lacuna existente. Com tantos pontos em comum, poderia se supor que houve por exemplo, uma comunicação ou contato freqüente entre a Área de Choro do Conservatório de Tatuí e as outras escolas, mas, não é o que se constatou ao entrevistar os professores deste estabelecimento. Todos os professores do Curso de Choro de Tatuí conhecem nominalmente as outras duas escolas citadas, mas, nenhum deles disse ter conhecimento concreto acerca do trabalho que as mesmas executam em seus ambientes. Mas, julgam que seria muito importante haver algum tipo de intercâmbio: Eu acho que seria importantíssimo. Eu acho que em algum momento precisa haver esse intercâmbio, tem que existir esse intercâmbio. Até porque, pensando no Choro, ele tem um século e pouco, e essa coisa de “escola” que ensina Choro, ainda é muito recente no Brasil e ainda são poucas [...] Quando nós aparecemos só existia [até então] a Escola “Raphael Rabello”. Mas, eu acho que a gente precisa ter essa troca de conhecimento. Nós precisaríamos ir “lá” [nas outras escolas] para ver como é que está funcionando, eles teriam de vir aqui para ver como funciona também. É uma forma da gente estar aprendendo, melhorando, com certeza. Vamos ter que fazer isso acontecer, né? E isso vai ser bom para todo mundo. Vai ser bom para o Choro, vai ser bom para o Brasil, vai ser bom para a educação musical brasileira.98

O professor de Flauta do conservatório de Tatuí, também faz um comentário ao ser questionado pelo mesmo assunto:

98

Entrevista concedida pelo professor de violão 7 cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Alexandre Bauab, em 27/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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Aqui [no Conservatório] houve vários encontros, como o de trompete, de cordas, etc. E o nosso desejo agora é esse: que haja um encontro de Choro em Tatuí. Seria um encontro com educadores [da área], havendo “marterclass”, “workshops”, com professores especializados e músicos de nome. Poderíamos aproveitar o Altamiro Carrilho, que está aí, vivo, e também o sobrinho dele, Maurício Carrílho [um dos coordenadores da “Escola Portátil de Música” do Rio de janeiro]. Tem grandes músicos por aí, principalmente no Rio ou mesmo em São Paulo. E no nordeste também tem né?E a gente desconhece um pouco o Choro no Nordeste, não sabemos o que está acontecendo por lá. O Choro de Brasília também, aliás, tem grandes músicos em Brasília. 99

Marcelo Cândido, professor de cavaquinho de Tatuí, não nega a importância do intercâmbio, mas, faz uma observação: “eu acredito que seria muito produtivo, mas, que o ego não atrapalhasse. Teríamos que estar abertos para uma verdadeira troca, [...] porque o ego das pessoas pode atrapalhar muito o relacionamento né? 100 Mesmo com todo o trabalho desenvolvido pela Área de Choro na cidade de Tatuí e a conseqüente expansão do gênero atingindo algumas cidades do interior paulista por conta do mesmo, além das escolas de Brasília e do Rio de janeiro que tem em suas coordenações e corpo docente figuras notáveis do mundo do Choro, a maioria dos professores acreditam que o ensino deste gênero ainda está relativamente ausente no país, se pensarmos em termos de proporção de tamanho do Brasil. O professor Altino entende que na formalidade, nos conservatórios, nas universidades, está começando agora. Quer dizer, se nós temos a escola de Choro mais antiga, a “Raphael Rabelo” que é de 1998, eu acho, e nós começamos em 1999 aí a “Escola Portátil” veio depois, quer dizer, nós estamos engatinhando né? Na verdade nós não temos quase nada. O que nós temos e sabemos é o seguinte: temos um movimento pequeno ainda, que está crescendo, mas, está ausente ainda. [...] ensino até existe, de maneira não-formal [...] Que está presente [o ensino] até está, só que em quantidade pequena e de modo informal. De maneira formal ainda é escasso.101

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Entrevista concedida pelo professor de flauta transversal e Linguagem do Choro do Conservatório Musical de Tatuí, Benedito Alberto, em 10/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 100 Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas) 101 Entrevista concedida pelo professor de bandolim do Conservatório Musical de Tatuí, Altino Toledo, em 20/11/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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O professor Ditinho e o coordenador Bauab, compartilham a mesma opinião que Altino, mas, o professor Marcelo acredita que esse panorama está mudando e fala com entusiasmo: Eu acho que ele [o Choro] está mais presente hoje, acho que teve um bom crescimento. Acho isso porque, quando eu comecei existia alguma coisa assim, mas, eram mais nos seus guetos, “rodas” discretas. Hoje não, hoje tem essas escolas que mencionamos, essa coisa toda. Está cada vez mais crescendo, o público está crescendo.102

2.4. Outras instituições de ensino e divulgação do Choro Se o quadro atual de ensino do Choro para uns é de ausência ou para outros é de presença pelo fato de ter aumentado o número de materiais didáticos e surgido algumas escolas que se dediquem ao gênero, não é uma discussão cabível neste documento, entretanto, será exposto nas linhas seguintes o nome e local de algumas outras entidades, oficinas e iniciativas que também adotaram o Choro como objeto de trabalho (ensino), pesquisa, além de mencionar nomes de clubes dedicados ao gênero que também fazem um trabalho de divulgação do Choro através de apresentações de artistas ligados ao gênero e a promoção de encontros e workshops. São eles: - Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba. Iniciativa pioneira idealizada por Hermínio Belo de Carvalho, sendo inaugurado em 1993 (CAZES, 1999, p.183). Desde sua fundação, o Conservatório reserva um espaço de destaque ao Choro, com vagas para os instrumentos geralmente mais associados ao gênero e a permanência das tradicionais Rodas de Choro. - Projeto Choro na Escola – Florianópolis - SC. O projeto é desenvolvido pelo grupo de Choro Ginga do Mané, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis, por meio do programa Escola Aberta. A iniciativa possibilita aos estudantes e a comunidade, o entendimento dos ritmos, instrumentos e linguagem da

102

Entrevista concedida pelo professor de cavaquinho do Conservatório Musical de Tatuí, Marcelo Cândido, em 20/10/2010. (Cf. em “Anexo III”- CD de áudio de entrevistas)

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música brasileira e ainda o conhecimento de compositores e obras catarinenses e nacionais do Choro. 103 - Projeto Escola de Choro “Garoto” – São Bernardo do Campo - SP. Com o nome dedicado ao paulistano que é dos maiores violonistas e compositores de Choro do país, o projeto foi aprovado pelo Ministério da Cultura através da Lei Rouanet e oferece gratuitamente aulas dos instrumentos que compõem a linguagem do Choro, na intenção da formação de músicos e divulgação do gênero.104 - Oficinas de Cordas de Pernambuco. Dirigida por Henrique Annes, oferece aulas de instrumentos de corda e percussão, contemplando em seu repertório, clássicos do Choro, tanto dos músicos do estado (principalmente as obras de João Pernambuco) como os dos ícones do gênero de forma geral. - Oficina Casa do Choro – Belém – PA. Projeto da “Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”. Tem como proposta levar ao público o estudo do Choro, além da formação de novos grupos locais do gênero e da Orquestra de Choro, composta pelos participantes das oficinas e ensaios.105

Clubes de Choro: Clube do Choro da Bahia – BA; Clube do Choro de Teresina – PI; Clube do Choro de Belo Horizonte – MG; Clube do Choro de Porto Alegre – RS; Clube do Choro Pixinguinha – São José dos Campos – SP; Clube do Choro da Paraíba – PB; Clube de Santos – SP; Clube do Choro de Londrina – PR; Clube do Choro de Goiânia – GO, entre outros.

2.5. Iniciativas do ensino sistematizado do Choro

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Disponível em: Acesso em 12/12/2010. 104 Disponível em: Acesso em 12/12/2010. 105 Disponível em Acesso em: 12/12/2010.

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As primeiras ações no intuito de inserir o ensino do Choro dentro de princípios didático-metodológicos e sistematizado no Brasil se deu a partir dos anos 80 do século passado, com a implementação de projetos como o Projeto Música 84 organizado por Lilian Zaremba, responsável em 1984 pela divisão de música do RioArte, órgão ligado à prefeitura do Rio de Janeiro. O projeto foi composto por três divisões, sendo uma dessas a Oficina de Choro (CAZES, 1999, p.181). Os empreendimentos realizados nesse período, apesar de importantes para o ensino e divulgação do Choro, ainda eram escassos e aconteciam em baixa freqüência. A partir das décadas seguintes o número de projetos, eventos e agora até escolas interessadas no ensino do gênero vem aumentando gradativamente. São várias oficinas, festivais, cursos de verão, entre outros intentos espalhados pelo país. Com tantas ações em prol do ensino do Choro, mesmo este (o ensino) ainda não tendo se consolidado até o presente momento, a tendência parece fluir, sob acertos e erros, para um ou mais caminhos que possibilitem o aprendizado deste gênero também dentro do ensino formal e possivelmente em larga escala. Além dos tipos de eventos mencionados acima em que está incluído o ensino e divulgação do Choro, este tem chegado também ao âmbito das universidades, não só como objeto de pesquisa em teses, mas, também como incentivo às formações de grupos instrumentais dedicados à pratica de seu repertório. Um exemplo desse fato é a criação do grupo de Choro “Chorando pela Unesp” do qual faço parte. Ele está inserido no Programa UNESP de Atividades Artísticas e Culturais (PAC) da Pró-reitoria de extensão (PROEX), sob coordenação do Prof. Dr. Giácomo Bartoloni. Nesse projeto somos incentivados a pesquisar sobre o universo do Choro e suas características, ter uma rotina de ensaios e apresentações performáticas. Todas as iniciativas e sensível crescimento do ensino do Choro no Brasil levam a indagação do por que desta preocupação por parte de músicos e educadores. Analisando o depoimento de alguns desses profissionais a respeito deste assunto e acompanhando os trabalhos recentes de pesquisa referentes ao gênero, entendo que tais empenhos e valorização sejam propulsados primeiramente pelo papel exercido pelo Choro no contexto histórico-musical no país, tendo sido a “escola” de grande parte dos músicos que têm seus trabalhos reconhecidos no Brasil, além de todas as proficuidades alcançadas e atestadas pelos músicos executantes de Choro. Mas, se tratando de música popular, o desafio tem sido grande em justificar e sua inserção no ensino formal e sua 95

sistematização, conforme corrobora a cavaquinista e professora da Escola Portátil de Musica, Luciana Rabelo, que apesar de reconhecer que esteja, junto com seus colegas de trabalho, contribuindo para o ensino do Choro, afirma: Acredito que nosso maior desafio hoje seja organizar e sistematizar o ensino de música popular, agregando valores, somando o conhecimento acadêmico aos fundamentos adquiridos em nossa vivência musical, sem perder de vista os fatores que fizeram com que o choro formasse tantos músicos de qualidade ao longo da sua história centenária, transformando-se na verdadeira escola da música do Brasil.

106

Considerações finais Primeiramente, gostaria de registrar a satisfação pessoal de ter empenhado todos os esforços como estudante em prol de uma investigação desse porte, pois, até então não havia feito um exame com este grau de profundidade, e posso afirmar que o processo foi coerente, proveitoso e acima de tudo vivencial, pois, a pesquisa de campo sentida semanalmente deu-me a oportunidade de não apenas observar e tomar nota da metodologia e atividades, mas, também de participar de algumas práticas ocorridas nas salas de aula e principalmente nas Rodas de Choro em Tatuí. Sem contar a disponibilidade e atenção despendida por parte dos professores, que contribuíram de maneira significativa para o desenvolvimento e realização deste trabalho. Tudo isso foi possível devido ao acolhimento dos docentes e alunos da Área de Choro do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí, para os quais faço meus agradecimentos. No que tange a análise dos dados obtidos, friso em primeiro lugar o desafio em comum à grande maioria dos educadores musicais que, no caso específico do Choro, se propõem a instruir os alunos, em parte, de um modo o qual não foi o que aprenderam, pois, conforme exposto na pesquisa, a maioria dos professores musicais alcançaram resultados satisfatórios em seus aprendizados de forma empírica, baseados na observação e prática, junto às pessoas que estavam à sua volta, tudo em um plano informal, característica esta que os instrutores transportam também aos seus alunos, 106

RABELO, Luciana. A Escola Portátil de Música. Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet, 2007.

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porém, adicionado outras informações, no sentido de propor uma formação musical integral aos estudantes, oportunidade que possivelmente esses mesmos professores não tiveram no início de suas trajetórias. O ensino proposto pela Área de Choro de Tatuí permite um aprendizado interessante, primeiro pelo fato do próprio gênero, por natureza, já exigir determinado empenho e habilidades consideráveis, tanto no aspecto técnico como os de interpretação e entendimento da linguagem para se obter uma sonoridade satisfatória e dentro do seu contexto. Segundo, pelas escolhas didáticas elegidas pelos professores do Curso de Choro. É o caso, por exemplo, da ênfase dada à apreciação, a qual faz a função de nortear os procedimentos seguintes para o desenvolvimento e aprendizagem de outros elementos pertinentes, como a interpretação (com todas as características a ela atribuídas, como a destreza técnica, expressividade, etc.), a relação da parte prática ouvida com a teoria que simultaneamente está sendo oferecida no curso, a improvisação (trabalhada após a ampliação do repertório e a análise técnico-teórica de suas músicas), a postura crítica em relação ao que se ouve, a percepção dos elementos estruturais que formam as músicas, entre outros. Neste processo de aprendizagem através da apreciação como um dos meios, a transcrição mostrou ser uma ferramenta viável nas aulas de Choro no curso de Tatuí. Ela dá a possibilidade de se fazer uma análise mais profunda, pois, o aluno terá que ouvir as músicas com muita atenção para poder passar ao papel (ou à pauta digital em programas de notação musical para computador, já que no Conservatório Musical de Tatuí por exemplo, os recursos tecnológicos não são dispensados) o registro gráfico de tudo que apreendeu por intermédio da audição. Fato comum também às outras instituições analisadas, é que a apreciação é sempre indicada para ser feita num primeiro momento junto às obras de compositores reconhecidos e consagrados do Choro, através principalmente das gravações, sendo assim uma forma dos alunos trabalharem tanto com os aspectos de composição, estruturação, interpretação e características gerais da música, como colocá-los em contato com obras de valor histórico-artísticos reconhecidos desse gênero musical popular e urbano, que é considerado por muitos como o primeiro do Brasil. O trabalho também indicou uma característica peculiar do ensino de música popular (e em especial, o do Choro), que é a adaptação e a necessidade de se conciliar o ensino sistematizado sem abrir mão do aprendizado informal, para se obter um resultado 97

mais eficaz. As Rodas de Choro, indispensáveis por todas as escolas pesquisadas, tem um papel competente na formação do músico executante desse gênero, como foi constatado na pesquisa realizada em Tatuí, em que o coordenador e professores apontaram uma eficiência maior no desempenho dos alunos que freqüentam as rodas em relação àqueles que por diversos fatores não tem condições de comparecer a elas. Por esse e por outros exemplos que ocorrem no cotidiano também em outros ambientes de ensino de Choro, verificados através de pesquisa é que estou convencido de que é perfeitamente possível e importante a inclusão não só do referido gênero, mas, da música popular como um todo dentro das instituições de instrução musical, com estratégias de aulas dentro do contexto original de cada gênero musical (geralmente informal), em convergência com o aprendizado sistematizado e formal, embora se tenha ciência, tendo por base também a opinião das pessoas consultadas ligadas à área, o grau de dificuldade que este processo representa até o presente momento, não tendo uma referência consolidada para a questão, e desse modo, ficando a cargo de cada educador que se disponha a enfrentar essa causa, a incumbência e a responsabilidade de conduzir as aulas, com base na experimentação, vontade, erros e acertos. Outro fator que considero relevante na forma de ensino observado na pesquisa é a primazia, antes de qualquer outra coisa, pelo fazer musical, destituído de base teórica “necessária” num primeiro momento para poder realizá-lo, uma pratica inerente a estudantes de música popular, em que, na maioria dos casos (fora do ambiente da escola) aprendem primeiramente elementos musicais por meio da prática, audição e atenção prestada a outros músicos. Também é importante a questão mencionada por alguns professores que defendem a instrução musical dentro do contexto dela mesma, então, quando é proposto, por exemplo, algum exercício de aspecto técnico que tenha relação direta com uma música do repertório estudado, ele não é indicado para ser treinado de uma forma meramente mecanicista, de maneira isolada e desfocada da musicalidade, mas, as atividades são apresentadas de modo que sejam atreladas à prática musical, seja executando tais exercícios na própria música que estiver em foco, seja adaptando os mesmos a outras músicas no nível técnico adequado ao aluno. Essa adequação mencionada também faz parte do conceito de respeito ao tempo e condições variadas de apreensão de cada estudante, preconizado pelos docentes, que acreditam ter o papel de gerenciar a forma e o tempo de aprendizado dos alunos. 98

O caráter democrático e socializante do Choro, detectado pelas observações e convivência nas aulas de Pratica de Conjunto e principalmente nas Rodas de Choro, sendo essa também uma visão corroborada por muitas pessoas de alguma forma ligadas ao gênero, pode ser muito positivo para um ambiente formal, escolar, pois, no Choro (e em suas práticas em grupo) normalmente não há postura excludente, seja de idade, classe social e até mesmo em relação ao sexo, em que as mulheres em Rodas de Choro, por exemplo, que tinham uma presença rara, atualmente tem mudado esse quadro, aumentando sensivelmente a presença feminina, tanto nas escolas, como na formação de grupos e participação em geral no mundo do Choro. O gênero ainda contempla a reunião e convivência entre novatos e veteranos, “populares” e eruditos (alguns destes últimos acabam se aproximando do gênero e muitas vezes, nele acabam se debruçando para realizar seus trabalhos, haja vista o exemplo de Villa Lobos e do maestro Radamés Gnattali, que mantiveram estreita relação com o Choro em suas trajetórias musicais). Concentrarei as últimas considerações ao Conservatório Musical de Tatuí, à Área de Choro e seu ensino, foco principal de investigação. Esta instituição, em seu percurso ligado ao Choro, pôde contribuir com uma metodologia e meios de ensino próprios para a formação de músicos e a propagação do gênero. Seu trabalho atinge não somente a cidade de Tatuí, mas também as adjacentes e até outras mais distantes, sendo uma referência no ensino de Choro para uma grande parte do interior paulista, de onde freqüentemente surgem novos candidatos às vagas no Curso de Choro. Um exemplo de êxito, fruto também do trabalho em questão foi o renascimento do Choro na cidade de Bauru-SP, onde, junto com “chorões” antigos da cidade, uma nova geração de músicos vem ganhando espaço. Vários grupos foram formados desde os últimos três anos na cidade, compostos por jovens que freqüentaram (ou freqüentam) o Curso de Choro do Conservatório Musical de Tatuí, o propulsor desse movimento em prol do Choro na cidade. Guilherme Girardi Soares, aluno de violão de sete cordas do Curso de Choro, entusiasmado com o momento musical inusitado da cidade onde reside, resolveu inclusive explorar em seu Trabalho de Conclusão de Curso o seguinte tema: “Bauru Redescobre o Choro: registro fotográfico de um movimento cultural”. Nele, há a descrição da transformação musical da cidade decorrente do contato e vivência de alguns de seus munícipes com no Conservatório de Tatuí, tendo este um capítulo dedicado no trabalho. 99

Alguns músicos que hoje estão em evidência na realização de trabalhos vinculados ao Choro também tiveram uma passagem significativa no curso, como por exemplo, a jovem bandolinista Eliza Meyer da cidade de Porto Feliz-SP, componente do grupo “Choro das Três”, presente freqüentemente em eventos importantes e constante aparição nos veículos de comunicação; um músico considerado virtuoso, chamado Cleber Aparecido Rangel, conhecido como “Carrapicho”, que forma com mais três músicos o Quarteto Café em Araraquara-SP, este já chegou a tocar com músicos como Henrique Cazes e Gabriel Grossi; Rafael Toledo e o João Camarero (Avaré-SP) que integram o grupo de Danilo Brito, jovem talento do Choro, ganhador de vários prêmios; Glauber Seixas violonista da cidade de Ourinhos-SP que realizou gravações com a cantora a Maria Bethânia, entre outros. Finalizando, é importante frisar que as afirmações e considerações expressas neste trabalho não pretendem de modo algum formular generalizações em qualquer sentido, sendo apenas um material de pesquisa em busca de um preenchimento parcial de uma lacuna evidenciada pela escassez de materiais de pesquisa referentes ao assunto central investigado e apresentado neste documento. Todavia, as informações descritas e os dados levantados expostos no presente texto poderão servir em um futuro próximo, como alicerce para a expansão e uma investigação mais profunda em torno do tema.

100

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Outros Materiais Princípios do choro. Cadernos de Choro, v.01. Organização, Maurício Carrilho e Anna Paes. 1ª ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. Tocando Com Jacob: partituras, playbacks e gravações originais dos LP‟s de Jacob do Bandolim “chorinhos e chorões (1961) e “primas e bordões (1962). São Paulo: Irmãos Vitale, 2006. Enciclopédia da música brasileira: samba e choro, seleção de verbetes, Zuza Homem de Mello. São Paulo: Art editora; Publifolha, 2000.

103

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ANEXOS Anexo I – grade curricular

Grade Curricular - Área De Choro Matérias Obrigatórias Básico 1 Básico 2 Básico 3 Básico 4 Int.1 Int.2 Int.3 Int.4 Int.5 Int.6

instrumento instrumento instrumento instrumento instrumento instrumento

Avançado1 Avançado2 Avançado3

teoria 1 teoria 2 teoria 3 teoria 4 P. de Choro P. de Choro

Harmonia 1 Harmonia 2

Percepção 1 Percepção 2

instrumento

P. de Choro

instrumento instrumento

P. de Choro P. de Choro

* Harmonia 3 * Harmonia 4

* Percepção 3 * Percepção 4

instrumento

P. de Choro

* matéria optativas para

instrumento instrumento

P. de Choro P. de Choro

percussão

instrumento

P. de Choro

Matérias Optativas Pré-Requisitos Harmonia 5 Harmonia 6 Percepção 5 Percepção 6 H. da Música 1 H. da Música 2 H. da Música 3 H. da Música 4 Maracatu 1 Maracatu 2 Ritmos Bras.1 Ritmos Bras.2 Arranjo 1 Arranjo 2 Arranjo 3 Arranjo 4 P. de Conjunto1 MPB/JAZZ P. de Conjunto2 MPB/JAZZ P. de Conjunto3 MPB/JAZZ P. de Conjunto4 MPB/JAZZ

Ter cursado os quatro bimestres de harmonia Ter cursado harmonia 5 Ter cursado os quatro bimestres de percepção Ter cursado percepção 5 Estar cursando o Int. 4 ou quaisquer nível acima Ter cursado H. da Música 1 Ter cursado H. da Música 2 Ter cursado H. da Música 3 Estar cursando o Int. 5 ou quaisquer nível acima Ter cursado Maracatu 1 Estar cursando o Int. 5 ou quaisquer nível acima Ter cursado Ritmos Brasileiros 1 Ter cursado quatro bimestres de harmonia e percepção Ter cursado Arranjo 1 Ter cursado Arranjo 2 Ter cursado Arranjo 3 Estar cursando o Int. 4 ou quaisquer nível acima Ter cursado P. de Conjunto 1 Ter cursado P. de Conjunto 2 Ter cursado P. de Conjunto 3

Curso de "Linguagem de Choro" Aberto a todos os instrumentistas de sopro, área de MPB ou Erudita Duração: 2 semestres Pré Requisitos: qualidades técnicas-musicais relativas ao Int.3 de Instrumento

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Anexo II - Fotos Segue abaixo fotos ilustrativas das atividades do Curso de Choro de Tatuí: Roda de Choro e Aula de Repertorio

Foto 1- Coordenador Alexandre Bauab (de costas) em conversa com a turma na Aula de Repertório

Foto 2 - Professor de violão 7 cordas Alexandre Bauab à direita e aluno

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Foto 3 - Professor de cavaquinho Marcelo Cândido à esquerda e aluno

Foto 4 - Professor de bandolim Altino Toledo ao centro acompanha os alunos na Aula de Repertório

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5 - Professor de flauta transversal e Linguagem do Choro Ditinho ao fundo e aluno

6 - Aluna do professor de bandolim Altino Toledo

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7 – Entrada do Ateliê Neiva Telles e Raquel Fayad onde são realizadas as Rodas de Choro

8 – Roda de Choro (1) no Ateliê Neiva Telles e Raquel Fayad

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9 – Roda de Choro (2) no Ateliê Neiva Telles e Raquel Fayad

10 – Roda de Choro (3) no Ateliê Neiva Telles e Raquel Fayad

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11 – Roda de Choro (4) no Ateliê Neiva Telles e Raquel Fayad

11 – Roda de Choro (5) no Ateliê Neiva Telles e Raquel Fayad

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Anexo III – Material de Áudio - CD com os áudios das entrevistas realizadas com o coordenador e professores da Área de Choro do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí.

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