Então você acredita em fonemas, mas toma antitérmicos

July 19, 2017 | Autor: Newton P Monteiro | Categoria: Metateoria, História Das Teorias Linguisticas, Realismo Antirealismo
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ENTÃO VOCÊ ACREDITA EM FONEMAS, MAS TOMA ANTITÉRMICOS?


Prof. Newton P Monteiro
Faculdade Alfredo Nasser
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Resumo: Este ensaio tece algumas reflexões sucintas sobre a relação das teorias linguísticas com a realidade linguística, tendo em vista as semelhanças com outros campos científicos. Discute a questão do debate realismo/antirrealismo e o papel do conceito na construção do conhecimento. Finalmente, desenvolve alguns comentários sobre nosso comportamento cotidiano e como este reflete preocupações também presentes no debate sobre a ciência. O artigo visa principalmente trazer em caráter introdutório o debate de questões da Filosofia e História da Ciência para os estudos da linguagem.
Palavras-chave: Linguística, Teoria, Realismo, Antirrealismo.


Tradicionalmente, podem-se apontar duas visões sobre a possibilidade do conhecimento: a realista e a antirrealista. Estas posições se fizeram presentes no pensamento de diversos filósofos ao longo da história, mas também em algumas atividades práticas, tais como na medicina da Grécia Antiga. Os médicos racionalistas acreditavam que seria possível conhecer as causas das doenças dos pacientes por meio da ciência e da razão. Já os médicos empiristas sustentavam que não era possível, ou mesmo desejável, buscar tais causas ocultas. Tudo o que importava era o que fosse útil, ou seja, promover o bem-estar dos pacientes. Assim, ao passo que os racionalistas olhavam para além dos fenômenos, os empiristas se contentavam com eles. Os empiristas adotavam, portanto, uma visão antirrealista e cética (ceticismo) em relação à possibilidade de se alcançar alguma verdade que estivesse fora do alcance dos sentidos e da experiência. Já os médicos racionalistas assumiam um realismo em relação a coisas não observáveis. Sexto Empírico, médico e filósofo do II século E.C, ficou conhecido como um dos expoentes do Ceticismo adotado pelos médicos empiristas (PORCHAT, 2007).
Na modernidade, diversas escolas de pensamento tem tomado alguma posição favorável ou contrária ao realismo/antirrealismo. O que geralmente está por trás das posições céticas e antirrealistas é uma descrença na possibilidade humana de alcançar a verdade ou um conhecimento infalível por meio da razão e da ciência. O conhecimento passa, então, a ser provisório, falível e no máximo útil para um determinado fim. Do ponto de vista cultural, estas visões em conjunto com outros fatores têm resultado no que se costuma chamar de pós-modernismo.
ONDE ESTÁ O CONHECIMENTO
Além da questão da realidade e da verdade, o debate sobre o conhecimento também coloca outra questão: o conhecimento depende da realidade ou do sujeito que busca conhecer? A perspectiva antirrealista, que nega a possibilidade de um conhecimento verdadeiro e definitivo, sustenta que o conhecimento depende do sujeito que conhece. Em resumo, é como se o mundo fosse o resultado da atividade da mente.
TEORIAS CIENTÍFICAS E PEDAGÓGICAS
Em consequência dessas visões do conhecimento, as diversas perspectivas sobre o ensino e aprendizagem assumem posições distintas sobre como deve ser encaminhado o trabalho pedagógico. A visão tradicional, por exemplo, enfatiza a verdade do conhecimento e o papel do professor como transmissor dessa verdade. Já a abordagem construtivista, pelo menos em algumas de suas vertentes, coloca o aluno – enquanto sujeito aprendiz – como o centro da aprendizagem. Nesse caso, o que importa não é tanto a apreensão de uma realidade ou verdade, mas o progresso do aprendiz no processo ensino-aprendizagem.
Na ciência e na filosofia da ciência, as teorias também são entendidas como afirmações explicativas que podem ou não ser interpretadas como verdadeiras. Para alguns cientistas, historiadores, sociólogos e filósofos da ciência, as teorias não têm a obrigação de serem verdadeiras. De maneira similar ao que pensavam os médicos empiristas gregos, para tais pesquisadores atuais a ciência explora as teorias e conceitos ao máximo, produzindo bons resultados explicativos, sem que seja necessário que cada teoria ou conceito seja assumida como uma verdade absoluta. Nesse sentido, as teorias são descartáveis, úteis para um objetivo por um período, e servem ao propósito da ciência enquanto orientarem o trabalho do pesquisador, permitindo que explicações interessantes e produtivas sejam desenvolvidas.
De um ponto de vista histórico, observa-se que diversas teorias e conceitos são rejeitados como falsos, embora em algum momento tenham sido interpretadas como verdadeiras e condizentes com os fatos observados. Steven French (2009; Artmed), em sua obra Ciência: conceitos chave em filosofia nos apresenta uma lista dos casos mais conhecidos:
- as esferas cristalinas da astronomia grega (aristotélica);
- os humores da medicina medieval;
- os eflúvios das primeiras teorias da eletricidade estática;
- a geologia catastrofista;
- o flogisto;
- o calórico;
- a força vital (fisiologia);
- o éter eletromagnético;
- o éter ótico;
- a inércia circular;
- a geração espontânea.

Nos estudos linguísticos também observamos as mudanças históricas de conceitos e teorias, que são reformuladas ou até mesmo rejeitadas. Um desses exemplos é um conceito linguístico conhecido não somente por aqueles que estudam Linguística nos primeiros meses de um curso de Letras e/ou Linguística, mas também do grande público. Estamos falando do conceito de fonema, muitas vezes confundido com o conceito de som (ou fone).
Um fonema não é um simples som. Mas uma unidade sonora de capacidade distintiva. Isto significa que o fonema 'possui um som' capaz de fazer distinção ou estabelecer diferença de significado. Se em duas palavras da Língua Portuguesa, por exemplo, ata vs. aba, encontra-se uma sequência de sons semelhante em tudo menos uma coisa (t/b), dizemos que os elementos diferentes são fonemas se as palavras tiverem significados diferentes. Assim, como a diferença de significado das palavras ata/aba depende da diferença entre as duas consoantes, dizemos que t/b são fonemas.
O conceito de fonema foi muito útil aos estudos linguísticos e teve um desenvolvimento lento, de várias décadas dos séculos XIX e XX. Porém, estamos longe de poder afirmar que se trata de um achado que uma vez identificado se estabeleceu definitivamente nas ciências da linguagem. Isto acontece porque muitos linguistas não mais trabalham com o conceito de fonema, mas com seus elementos constituintes – os traços distintivos –, embora o fonema já tenha sido considerado como uma unidade mínima indivisível, à semelhança do que ocorreu com o conceito de átomo em física, que julgado indivisível no passado (vale lembrar o significado da palavra em grego: a-tomo=in-divisível) é hoje estudado como composto de partículas menores. Mas assim como o átomo, o conceito de fonema continua oferecendo lições úteis aos que se iniciam na área e ainda é muito aproveitado em alguns campos – como o do ensino de línguas, uma vez que sua aplicação seria bem mais simples do que a abordagem dos traços distintivos (Dicionário de Linguística de R. L. Trask, 2006, editora Contexto, verbete fonema).
Em resumo, as teorias científicas participam de um grande jogo pela busca da verdade científica, sendo que alguns cientistas e intelectuais ao considerarem o nascimento e a morte das teorias preferem abandonar qualquer possibilidade de que a ciência se identifique com a verdade, optando pelo conceito de utilidade. Aqueles que defendem uma concepção de ciência como busca da verdade vão sustentar que não importa o resultado infeliz de algumas teorias, ainda temos à disposição um conjunto considerável teorias provadas verídicas e dentre aquelas que foram reformuladas ou rejeitadas, o fato é que só podemos concluir em favor de sua inveracidade parcial ou total a partir de algum critério de verdade. Além disso, teorias reconhecidas como falhas não raramente deixam algum rastro de verdade. Isto significa que mesmo negando-se que a teoria seja verdadeira em sua totalidade, algo de verídico da teoria permanece, podendo ser reaproveitado em outros modelos teóricos. Este é o caso da ideia de 'traços distintivos' na teoria do fonema.
FONEMAS E ANTITÉRMICOS
Poucas vezes nos damos conta que nossas atitudes cotidianas revelam posturas já presentes entre os médicos gregos, os empiristas e os racionalistas. A prática da automedicação é um exemplo de atitude empirista em que o que importa são os sintomas e a sensação de bem estar. De antitérmicos a remédios para dores de cabeça, passando por qualquer outro medicamento que vise aliviar sintomas, tudo o que temos é uma preocupação empírica, baseada em nossas percepções e sensações. Por isso, não é incomum ouvirmos especialistas alertarem contra a prática, explicando que sintomas podem esconder causas ocultas, que se não tratadas e ignoradas pela prática de só se buscar alívio podem resultar em males mais graves.
Ao mesmo tempo, não hesitamos em acreditar no que é divulgado pela ciência, ou mesmo pela mídia e a Educação ao abordar temas científicos. Muitas vezes, não temos consciência de que a ciência trabalha com conceitos que fazem afirmações sobre aspectos da realidade sobre os quais não existem certezas ou pouco se conhece, mas que são consideradas para que seja possível fechar o conjunto explicativo da teoria. É como se fosse criada uma imagem de uma peça faltante de um quebra-cabeça com o fim de completar o quadro.
O que aprendemos desta discussão é que a busca pelo conhecimento científico e a formação científica e educacional precisam ser desenvolvidas com grande consciência de que o conhecimento é um processo que se dá no quadro da história, por meio de diversas tentativas que podem se mostrar eficazes ou não em sua aproximação quer da verdade quer da utilidade, mas que sempre envolvem um jogo de afirmações que competem pela condição de melhor explicação. É isso que as novas gerações precisam entender sobre o projeto da ciência.

REALISMO

Existe um mundo real independente das 'pessoas' (sujeito); coisas não observáveis existem; é possível conhecer a realidade por meio da razão e da ciência; o conhecimento está nos objetos do mundo; metafísica.






ANTIRREALISMO
Um mundo independente do sujeito (a) ou não existe; (b) ou é impossível saber se existe ou não; (c) ou/e não podemos conhecê-lo; coisas inobserváveis ou não existem ou nunca poderemos saber se existem; a realidade que conhecemos é a percebida (percepção) pela experiência; o conhecimento está no sujeito conhecedor (cognoscente); negação da metafísica.










Referências
FRENCH, S. Ciência: conceitos chave em filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2009.
PORCHAT, O. Empirismo e ceticismo. In: SMITH, P. J.; SILVA FILHO, W. (Org.) Ensaios sobre o ceticismo. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2007.
TRASK, R. L. Dicionário de Linguagem e Linguística. São Paulo: Contexto, 2006.


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