Entendendo a Compra de Produtos Piratas: a Influência das Estratégias de Negação e Ética do Consumidor

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Entendendo a Compra de Produtos Piratas: a Influência das Estratégias de Negação e Ética do Consumidor Autoria: Marcos Ferreira Santos, Cid Gonçalves Filho, Jefferson Lopes La Falce Agradecimentos à FAPEMIG e à Universidade FUMEC pelo apoio à pesquisa.

Em um momento que o comportamento ético tem sido tão evocado no país, este artigo tem o objetivo de investigar a influência das estratégias de negação, do materialismo e da ética do consumidor no processo de intenção de compra de produtos piratas. O modelo proposto é derivado de escalas e construtos validados por outros autores, mas que se caracteriza como uma composição nova e inédita de modelo hipotético, buscando elucidar antecedentes do consumo de produtos piratas. Para tanto foi realizada uma survey coletando 432 questionários. Os dados foram tratados com o método de modelagem de equações estruturais e, como forma de se reduzir o viés da desejabilidade social, uma escala adaptada a realidade brasileira foi incorporada ao questionário. Os resultados indicam que quanto maior a escolaridade, a renda e a idade menor a intenção de adquirir produtos piratas. Por outro lado, quanto mais elevado o nível ético do consumidor mensurado pela “Escala Ética do Consumidor” de Vitell e Muncy (2005), menor tende a ser a intenção de compra de produtos piratas. Os resultados também confirmam que as estratégias de negação têm uma influência positiva na intenção de compra de produtos piratas, criando bases para geração de ações mitigatórias do fenômeno. Neste sentido, as constatações do trabalho sugerem que campanhas focadas no comportamento ético do consumidor e na redução da negação podem minimizar a intenção de compra de produtos piratas. Palavras Chave: Pirataria; Tomada de Decisão Ética; Comportamento do Consumidor; Materialismo; Negação.

INTRODUÇÃO Sendo o mercado regulado pelas leis, os produtos piratas são considerados uma infração da legislação, uma vez que violam a proteção de direitos intelectuais, podendo ser esta aplicada à marca registrada, copyright (direito de cópia) ou patentes (REYES, 2007). O consumidor, no entanto, também infringe a lei no momento em que decide consumir um produto por ela não sancionado. Quando ele realiza esta decisão de consumo, o faz a partir de um cálculo baseado em aspectos éticos que justificam ou ratificam esta decisão. São estes aspectos éticos o foco deste artigo. Considerando o exposto acima, o contexto de investigação é o da relação entre os construtos princípios éticos do consumidor, representados pela escala ética do consumidor de Vitell e Muncy (2005), a capacidade de negação representada pelo construto “estratégias de negação na tomada de decisão para aquisição de produtos piratas” e o grau de materialismo representado pelo construto “materialismo influenciam a decisão de consumir produtos piratas, representada pelo construto “intenção de compra de produtos piratas”. A estas relações se superpõe o interesse de verificar a confiabilidade dos respondentes por meio da escala de viés de desejabilidade social, aplicada no questionário e verificar se a desejabilidade social influencia os padrões de resposta nos construtos antecedentes. Por se 1

tratarem de princípios éticos é importante notar que os mesmos são inerentes às características sociais e históricas únicas da sociedade brasileira, podendo haver princípios semelhantes entre vários países, mas nenhum exatamente igual. A capacidade de negação refere-se a uma característica psicológica inerente às pessoas, assim como o grau de materialismo. Sendo o estudo delimitado no campo do marketing, na disciplina de comportamento do consumidor, a unidade de análise é o processo de tomada de decisão de consumo, com foco no processo ético de tomada de decisão quando do consumo de produtos piratas, conforme ilustrado na figura 1. Marketing

Comportamento do Consumidor

Tomada de Decisão de Consumo

Ética na Decisão de Consumo

Consumo de Produtos Piratas

Figura 1 Delimitação do Estudo Fonte: Elaborado pelo autor.

A importância da ética para moldar a vida socioeconômica é exemplificada por Weber (2004, p. 132) ao relatar o surgimento do capitalismo com base no protestantismo: Surgiu uma ética econômica especificamente burguesa. Com a consciência de estar na plenitude da graça de Deus e visivelmente por Ele abençoado, o empreendedor burguês, desde que permanecesse dentro dos limites da correção formal, que sua conduta moral estivesse intacta e que não fosse questionável o uso que fazia da riqueza, poderia perseguir seus interesses pecuniários o quanto quisesse, e com isso sentir que estava cumprindo um dever. Ademais, o poder do ascetismo religioso punha-lhe à disposição trabalhadores sóbrios, conscienciosos e extraordinariamente ativos, que se agarravam ao seu trabalho como a um propósito de vida desejado por Deus.

No tocante à individualização ética do consumo Bauman (2008, p. 119) afirma que “os conceitos de responsabilidade e escolha responsável, que antes residiam no campo semântico do dever ético e da preocupação moral pelo Outro, transferiram-se ou foram levados para o reino da auto realização e do cálculo de riscos”. Este artigo é relevante dado seu problema de pesquisa, que visa mapear e explorar o domínio da influência ética na decisão de consumo de produtos piratas, um campo relativamente novo do comportamento do consumidor. Especificamente a investigação se concentra nos antecedentes do processo de tomada de decisão e como eles influenciam ou não a intenção de adquirir produtos piratas, intenção está representada por um construto desenvolvido por Matos e Ituassu (2005). A utilização prévia de uma escala adaptada por Gouveia et al. (2009) para identificar se existe ou não um viés de desejabilidade social também representa um processo que ainda não foi desenvolvido na academia brasileira em estudos de tomada de decisão ética. MARCO TEÓRICO Ao investigar resultados controversos de pesquisas que indicam tanto a importância dos atributos éticos de produtos ou serviços na decisão de compra, enquanto outras pesquisas indicavam que as opiniões acerca dos atributos éticos não implicavam em mudanças no comportamento de compra Auger e Devinney (2007, p.1, tradução nossa) afirmam que "parece haver uma lacuna entre o que os consumidores dizem sobre a importância de questões 2

éticas e o que eles fazem no checkout". Belk, Devinney e Eckhardt (2005, p. 6, tradução nossa) acrescentam: "não há compreensão definitiva da extensão na qual a escolha do consumidor é afetada pelo posicionamento ético e como os consumidores lidam com os conflitos éticos inseridos em muitas das suas decisões fundamentais de compras". A compreensão de que a pirataria é um fenômeno complexo e com impacto significativo na economia mundial já está estabelecida. A BASCAP (2010) relata que milhões de produtos falsificados estão sendo produzidos e transportados ao longo do mundo para mercados em taxas cada vez mais alarmantes. Milhões de consumidores estão se pondo em risco ao consumir produtos que não são efetivos ou são inseguros e os governos, empresas e sociedade estão perdendo centenas de bilhões em tributos, receita para as empresas e empregos. Os governos e as empresas estão alertas dos riscos gerados pela falsificação. A falsificação em massa pode se traduzir pela eliminação de empregos, déficit da balança de comércio exterior e pelo desenvolvimento de uma economia informal que diminui a arrecadação de governo. No campo empresarial, há a diminuição da capacidade de inovação, diluição do valor de marca e consequente redução da competitividade (VIOT; ROUX; KREMER, 2012). De acordo com a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) o valor anual perdido nos EUA com pirataria no meio da década passada era de aproximadamente US$ 200 bilhões (OECD, 2007). Em termos mundiais, a estimativa era de US$ 500 bilhões, sem contar pirataria digital e a chamada pirataria doméstica (KIN; KARPOVA, 2009). De acordo com dados da Ipsos e FECOMÉRCIO-RJ (2010) o Brasil possui aproximadamente 70,2 milhões de consumidores declarados de produtos piratas. Os motivos que levam um consumidor a escolher produtos falsificados variam grandemente, do preço à facilidade de acesso à aceitação social e percepção de que a compra de falsificados não traz consequências legais (BASCAP, 2009). Para ampliar esta compreensão, especificamente nos antecedentes do processo decisório, esta pesquisa se apresenta. Há comportamentos antiéticos tanto da parte da empresa, quanto da parte dos consumidores (SCHIFFMAN; KANUK, 2000). A seguir é apresentado o Quadro 1 que resume alguns comportamentos antiéticos possíveis de serem adotados pelos consumidores. Quadro 1: Práticas Antiéticas do Consumidor Furtar produtos da loja Trocar etiquetas de preços Devolver roupas que já foram usadas Devolver produtos comprados em liquidação e exigir a devolução do preço normal Retirar botões de mercadorias de lojas Abusar da garantia ou dos privilégios da garantia incondicional Copias materiais com direitos autorais reservados Fonte: Adaptado de Schiffman e Kanuk (2000, p. 10).

Estragar produtos e devolvê-los como produtos defeituosos Trocar cupons sem a compra devida Trocar cupons cujo prazo já expirou Furtar cintos de roupas de lojas Devolver produtos parcialmente usados e exigir crédito pelo produto inteiro Estragar mercadorias na loja e exigir um desconto para comprá-las Comprar produtos piratas

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A tomada de decisão ética é um processo cognitivo que considera vários princípios e regras éticas ou a manutenção de relacionamentos que guiam ou julgam as decisões individuais ou coletivas ou ações intencionadas (WEBER, 2007). Todo ato moral implica na necessidade de escolher entre vários atos possíveis. Esta escolha normalmente é pautada pelo critério da preferência. Portanto, uma escolha é realizada em detrimento de outra como resultado de uma preferência. O critério desta preferência é o daquilo que é mais ou menos valioso, em termos morais para quem está realizando a escolha. Como possui conteúdo axiológico (do grego axios, valor) significa que pode ser tanto valorizada pelo indivíduo ou por outros como boa (a partir de critérios diversos, como sociais, culturais ou pessoais) ou como má (VÁZQUEZ, 1993). É importante diferenciar os valores relacionados a objetos dos valores relacionados com os atos morais. Estes últimos estão relacionados às escolhas e conduta humana. Vázquez (1993, p. 121) define que “(...) o valor não é propriedade dos objetos em si, mas propriedade adquirida graças à sua relação com o homem como ser social. Mas, por sua vez, os objetos podem ter valor somente quando dotados realmente de certas propriedades objetivas”. Bagozzi et al. (2013) assumem que valores são fundamentais ao comportamento ético humano. Mas, na prática, as pessoas diferem no grau em que conseguem manter seus valores morais e nem sempre agem como os valores morais que declaram. As falsificações estão amplamente disponíveis e se apresentam de diversas formas. Em alguns casos os consumidores não sabem que são falsificadas no momento da compra, o que se caracteriza como falsificação deceptiva. Em outros casos os consumidores estão plenamente cientes que estão adquirindo produtos falsificados, o que se caracteriza como falsificação não-deceptiva. A qualidade das falsificações também pode variar. Enquanto algumas são tão sofisticadas que apenas exames de laboratório podem distingui-las, outras podem ser feitas de forma que apresentem riscos à saúde (BIAN; VELOUTSOU, 2007). Apesar de causar prejuízos da ordem de bilhões de dólares ao ano para empresas, a pirataria ainda se beneficia de um alto grau de tolerância social e não é percebida como uma questão ética (ZAMOON, 2006). A produção, comercialização e consumo de produtos piratas se impõe como um desafio à economia brasileira, dados os prejuízos que causam devido à evasão fiscal e perdas de postos de trabalho, porque seus fabricantes, distribuidores e comerciantes não pagam encargos trabalhistas, tributos e direitos autorais, entre outras obrigações legais (IPSOS; FECOMÉRCIO, 2010). Considerando o problema de pesquisa proposto “Como os construtos materialismo, negação na tomada de decisão de aquisição de produtos piratas, e a ética do consumidor avaliada a partir da escala de Vitell e Muncy impactam na intenção de compra de produtos piratas?” os construtos propostos e as hipóteses a ele relacionadas serão apresentados e discutidos. O Quadro 2 apresenta um resumo das hipóteses propostas para a pesquisa. Quadro 2: Resumo das hipóteses do estudo N° Hipótese Existe influência positiva do construto "Estratégias de negação na tomada de decisão para aquisição de 1 produtos piratas" sobre a o construto "Intenção de compra de produtos piratas" 2 Existe influência positiva do "Materialismo" sobre a "Intenção de produtos piratas" 3 Existe influência negativa da escala ética do consumidor sobre a "Intenção de produtos piratas". A escala de desejabilidade social terá uma influência significativa nos resultados do modelo, tanto nos 4 construtos antecedentes quanto no construto consequente. Fonte: Elaborado pelos autores.

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O construto “intenção de compra de produtos piratas” é fundamentado no trabalho de Matos e Ituassu (2005) e de Gupta, Gould e Pola (2004). Matos e Ituassu (2005) realizaram duas surveys em capitais brasileiras procurando investigar as atitudes e intenções dos consumidores em relação a produtos piratas. Já Gupta, Gould e Pola (2004) investigaram por meio de uma survey conduzida na internet com 689 consumidores de software os autores procuraram investigar o processo de tomada de decisão comparando o ponto de vista ética com outros pontos de vista salientes, como o econômico e o legal. Os resultados indicaram que a ética é um fator inserido em um contexto multidimensional que influencia ou não o consumo de softwares piratas. A primeira hipótese, fundamentada no trabalho de Zamoon (2006) e Morris e Higins (2008) se concentra em uma relação fundamentada no construto antecedente “estratégias de negação na tomada de decisão para a aquisição de produtos piratas”. Zamoon (2006) realizou sua tese de doutorado com o foco nas estratégias e negação na tomada de decisão para cópia ou aquisição de softwares piratas. Técnicas de neutralização visam neutralizar a culpa ao realizar uma ação condenável socialmente (SYKES; MATZA, 1957; ZAMOON, 2006). Já Morris e Higgins (2008) realizaram um estudo com estudantes de graduação em várias universidades investigando a e intenção participação em pirataria digital. Foi identificada uma relação entre as técnicas de neutralização e a intenção de participar da pirataria digital. A primeira hipótese postula, portanto, que existe influência positiva do construto "Estratégias de negação na tomada de decisão para aquisição de produtos piratas" sobre a o construto "Intenção de compra de produtos piratas". A segunda hipótese, fundamentada no trabalho de Richins e Dawson (1992), se concentra no construto antecedente “Materialismo”. Há duas definições prevalentes na teoria acerca deste construto. A definição adotada, postula que o materialismo está conectado à relação das pessoas com os bens em termos psicológicos (RICHINS; DAWSON, 1992). A definição concorrente de Belk (1984) se concentra em traços de personalidade. A segunda hipótese postula, portanto, que existe influência positiva do "Materialismo" sobre a "Intenção de produtos piratas". A terceira hipótese, fundamentada no trabalho de Muncy e Vitell (2005) representa o construto de “ética do consumidor” por meio do uso de uma escala desenvolvida pelos autores. Muncy e Vitell (1992) e Vitell e Muncy (1992) criaram uma escala de ética do consumidor que examinava a extensão a qual os consumidores acreditam que certos comportamentos questionáveis são éticos ou antiéticos. Treze anos depois, Vitell e Muncy (2005) atualizaram a escala original de Muncy e Vitell (1992) a partir de um estudo que compara estudantes universitários com outros adultos. Ao final de seu artigo, Vitell e Muncy (1992) recomendam que a comparação das crenças éticas com variáveis de personalidade como o maquiavelismo ou de outros tipos poderiam avançar o conhecimento na área e auxiliar no desenvolvimento de uma teoria mais compreensiva do comportamento ético do consumidor. A terceira hipótese postula, portanto, que existe influência negativa da escala ética do consumidor sobre a "Intenção de produtos piratas". A quarta hipótese, fundamentada no trabalho de Crowne e Marlowe (1960) adaptada a realidade brasileira por Gouveia et al. (2009). A aplicação da escala procura avaliar se os respondentes tendem a responder de forma mais aceitável ou adequada socialmente negando, caso existam, opiniões e comportamentos que não sejam aceitos ou que sejam condenados socialmente (CROWNE; MARLOWE, 1960; RIBAS; MOURA; HUTZ, 2004; 5

BAUMGARTNER; STEENKAMP, 2006; GOUVEIA et al., 2009). A quarta hipótese é uma hipótese secundária e postula, portanto, que a escala de desejabilidade social terá uma influência significativa nos resultados do modelo, tanto nos construtos antecedentes quanto no construto consequente. MODELO PROPOSTO O modelo proposto neste artigo é um modelo derivado da escalas e construtos validados por outros autores, mas que se caracteriza como uma composição nova e inédita de construtos, buscando elucidar como os construtos antecedentes: Materialismo, fundamentado no trabalho de Richins e Dawson (1992) e de Jun et al. (2012); Estratégias de negação na tomada de decisão para a aquisição de produtos piratas, fundamentado no trabalho de Zamoon (2006) e Morris e Higins (2008) e a Escala ética do consumidor, fundamentada no trabalho de Vitell e Muncy (1992, 2005) e validada por Souza e Santos (2010) influenciam o construto consequente Intenção de compra de produtos piratas, fundamentado no trabalho de Matos e Ituassu (2005) e de Gupta, Gould e Poula (2004). Discussão dos Construtos Por causa da importância conferida à aquisição de bens, profissionais de marketing tem desejado investigar o construto materialismo (AHUVIA; WONG, 1995). Furnham e Valgeirsson (2007) afirmam que psicólogos e pesquisadores de marketing tem estado interessados no materialismo por um longo tempo e contribuem para a mensuração do conceito. Há duas definições prevalentes na teoria referente ao materialismo. Materialismo de valor é tipicamente considerado a partir de três características: a tendência de julgar o seu sucesso e o dos outros a partir das posses; uma crença que a posse leva à felicidade; e a centralidade da aquisição na vida do consumidor (RICHINS; DAWSON, 1992; AHUVIA; WONG, 1995). Na segunda definição Belk (1984) postulou que os construtos possessividade, mesquinharia e inveja como antecedentes do construto. Continuar a investigar se a relação do construto materialismo é significativa com a intenção de compra de produtos piratas atende a uma recomendação de Furnham e Valgeirsson (2007), que recomendam aos pesquisadores identificarem e se concentrarem em variáveis que tem significância analítica para buscar a compreensão do porquê pelo qual os consumidores adquirem produtos piratas. Vitell e Grove (1987) postularam que o tomador de decisão tem maior propensão a agir de forma antiética quando incorpora uma ou mais estratégias de neutralização no processo de tomada de decisão. De acordo com Sykes e Matza (1957, p. 666-667, tradução nossa) a "Desaprovação oriunda das normas internalizadas e da conformação no ambiente social é neutralizada, defletida ou recendida em avanço". Copes et al. (2010) afirmam que, ao ignorar a significância moral, a erosão das normas, a neutralização do que será feito, e a emancipação das normas internalizadas são um fator importante na ruptura de limites comportamentais impostos pelas normas sociais ao self. Para Zamoon (2006) as técnicas de neutralização protegem o self dos sentimentos negativos ao ajudar o indivíduo a lidar com a situação se desligando da mesma ou reduzindo a intensidade moral da situação. 6

As técnicas de neutralização são especificamente relacionadas a processos de tomada de decisão ética, em situações nas quais motivos como manutenção da autoestima e do amor próprio podem ter importância maior do que chegar a um julgamento ético válido (CHATZIDAKIS; HIBBERT; SMITH, 2006). Para Chatzidakis, Hibbert e Smith (2006) as técnicas de neutralização podem tanto preceder quando suceder ao comportamento antiético. A teoria da neutralização oferece um complemento significativo ao conhecimento existente do comportamento de consumo ético ao delinear formas nas quais os consumidores mitigam os impactos negativos de suas atividades eticamente questionáveis (CHATZIDAKIS; HIBBERT; SMITH, 2006). De acordo com Vitell (2003) embora a ética do consumidor já existisse antes de 1990, grande parte da literatura estante do tópico surgiu a partir desta data. O autor relata que dentre os primeiros estudos de ética no consumo no período a partir de 1990 estão os estudos de Muncy e Vitell (1992) e Vitell e Muncy (1992), no qual os autores criaram uma escala de ética do consumidor que examinava a extensão a qual os consumidores acreditam que certos comportamentos questionáveis são éticos ou antiéticos. Vitell, Sighapakdi e Thomas (2001) acrescentam que compreender porque alguns consumidores adotam o comportamento antiético pode ser de grande ajuda para desvendar estas práticas. O instrumento de coleta elaborado por Vitell e Muncy (1992) foi um questionário resumido em 27 declarações de situações com implicações éticas potencialmente encontradas por consumidores, dividido em três partes, a primeira com as 27 declarações, a segunda parte com 10 questões atitudinais e a última parte com 6 questões relacionadas à demografia. Previamente ao modelo apresentado foi aplicada uma escala de viés de desejabilidade social (CROWNE; MARLOWE, 1960; RIBAS; MOURA; HUTZ, 2004; BAUMGARTNER; STEENKAMP, 2006; GOUVEIA et al., 2009) adaptada à realidade brasileira. Ribas, Moura e Hutz (2004, p. 84) afirmam que "A desejabilidade social pode ser entendida como uma propensão por parte de participantes de pesquisas psicológicas a responderem de forma tendenciosa a perguntas apresentadas, por exemplo, em escalas de atitude ou em inventários de personalidade". De acordo com Crowne e Marlowe (1960) há muito é reconhecido que testes de personalidade são influenciados por determinantes não relevantes às respostas, que podem influenciar os respondentes, distorcendo as respostas. Conforme Baumgartner e Steenkamp (2006) afirmam, diversos métodos estão disponíveis para prevenir ou reduzir a ocorrência das respostas socialmente desejáveis. Assegurar os respondentes do anonimato é o método mais comum para prevenir as respostas socialmente desejáveis, mas pode ser pouco efetivo em entrevistas pessoais ou telefônicas. Mesmo em questionários enviados pelo correio, sua efetividade é incerta porque os respondentes podem suspeitar que os pesquisadores serão capazes de identificar os respondentes baseados em suas respostas. O viés de desejabilidade social é mais prevalente quando o respondente percebe a distância social entre os entrevistados como menor.

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Figura 2 - Modelo Proposto no Estudo. Deflexão da Responsabilidade (DEF. RES)

Não Intencionalidade (N. INT.)

Negação de Dano (N. DANO)

Ap. a Lead/Def. da Necessidade (AP. LEA.)

Condenação de Quem Condena (COND. CON.)

MATERIALISMO (RICHINS; DAWSON, 1992; JUN et al., 2012);

ESTRATÉGIAS DE NEGAÇÃO NA TOMADA DE DECISÃO PARA AQUISIÇÃO DE PRODUTOS PIRATAS (ZAMOON, 2006; MORRIS; HIGGINS, 2008)

Intenções Comportamentais (INT. COM.)

INTENÇÃO DE COMPRA DE PRODUTOS PIRATAS (GUPTA; GOULD; POLA, 2004; MATOS; ITUASSU, 2005) ESCALA ÉTICA DO CONSUMIDOR (VITELL; MUNCY, 2005; SOUZA; SANTOS 2010)

Benefício ativo de ações ilegais (ACT)

Benefício passivo de ações ilegais (PAS)

Ações questionáveis, mas legais (QUEST)

Nenhum prejuízo, nenhum malfeito. (NOH)

Risco Percebido (RIS. PER.)

Atitudes em relação a Pirataria (ATI. PIR.)

Atitudes Éticas e Legais a Pirataria (ATI. ÉTI.)

Downloading (DL)

Fazer o bem (GOOD)

Fonte: Elaborado pelos autores.

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A escala adotada foi a validada por Gouveia et al. (2009) ao realizarem dois estudos na cidade de João Pessoa com estudantes universitários, reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Em sua conclusão, de acordo com o que foi identificado anteriormente por Ribas, Moura e Hutz (2004) aproximadamente 1/3 dos itens da escala, treze itens, foram considerados inadequados para o contexto cultural brasileiro. Os itens foram então eliminados, o que resultou em uma escala com vinte itens, que alcançou uma consistência interna, de acordo com a fórmula de Kuder-Richardson de .76. Na estrutura do questionário, esta escala foi aplicada logo após o preenchimento das questões relacionadas à demografia. METODOLOGIA O método adotado foi survey ou levantamento, através de questionário estruturado formado de escalas já validadas na literatura. Em um primeiro momento foi realizado um préteste com 20 questionários, em um modelo que não apresenta ainda a inclusão da escala de viés de desejabilidade social, em Setembro de 2015. O primeiro instrumento de coleta se apresentou muito demorado e houveram várias desistências entre os respondentes. Após o pré-teste e correções na elaboração de algumas questões e nas traduções, o formato final do questionário foi aplicado. O formato final do questionário apresenta a seguinte ordem: • Viés de Desejabilidade Social – Escala adaptada por Gouveia et al. (2009) a partir da original de Marlowe-Crowne (1960); • Escala de Materialismo (RICHINS; DAWSON, 1992; JUN et al., 2012); • Escala de Vitell e Muncy (2005) de Consumo Ético; • Escala de Estratégias de Negação (ZAMOON, 2006; MORRIS; HIGGINS, 2008); • Escala de Intenção de Compra de Produtos Piratas (GUPTA; GOULD; POLA, 2004; MATOS; ITUASSU, 2005); • Verificação de itens individuais (Gênero, idade, classe social, tipo de emprego, nível educacional, estado civil, renda); A estratégia de coleta foi realizada em duas universidades de Vitória, Espírito Santo, no final do mês de Outubro e início do mês de Novembro de 2015. A pesquisa foi realizada com 523 respondentes que gerou um total de 32.949 respostas para as 63 questões utilizadas na análise multivariada. Após uma análise inicial, foi verificado que 91 indivíduos apresentaram mais de 10% de dados ausentes e foram excluídos das análises. Na base de dados de 432 indivíduos restantes ainda restaram 31 observações perdidas (0,11%) do total de 27216 observações que serão utilizadas para a análise multivariada. Estas células em branco na base foram tratadas com a imputação pela média da variável, por ser um dos métodos mais adequado e amplamente empregado (HAIR et al., 2009). Para Modelagem de Equações Estruturais via PLS foi utilizado função plspm do pacote plspm do software R (versão 3.2.2). Após o modelo de equações estruturais e o modelo de mensuração serem ajustados para toda a amostra foi realizado uma análise multigrupo com o objetivo de controlar os resultados do modelo pela escala de Viés de Desejabilidade Social. Dessa forma a análise multigrupo comparou o grupo dos indivíduos com escala de Viés de Desejabilidade Social menor igual a 12 e o grupo com escala maior que 12. Geralmente nas comparações multigrupos, busca-se diferenças significativos entre coeficientes estruturais, enquanto que entre os pesos espera-se tipicamente o oposto. A razão para isso é que as diferenças significativas entre os coeficientes estruturais entre dois grupos distintos podem ser 9

artificialmente causadas pelas diferenças significativas entre os pesos. Também com o objetivo de controlar os resultados do modelo pela escala de Viés de Desejabilidade Social foi utilizado uma metodologia proposta por Baumgartner e Steenkamp (2006) que indica inserir a escala de Viés de Desejabilidade Social como uma covariável no modelo. Discussão dos Resultados A Tabela 1 apresenta a análise da validade convergente, dimensionalidade, a confiabilidade e validação discriminante dos construtos dos modelos de mensuração. Constructos

Itens AC

CC

Dim.

AVE

Variância Compartilhada 1 2 3

1 - Estratégias de 0,756 0,845 1 0,577 1 Negação na Tomada de 4 Decisão 2- Escala Ética do 4 0,745 0,839 1 0,557 0,281 1 Consumidor 3 0,501 0,751 1 0,493 0,005 0,033 1 3 - Materialismo 4 - Intenção de Compra 3 0,713 0,841 1 0,641 0,351 0,272 0,017 de Produtos Piratas Tabela 1 - Validação Convergente, discriminante, confiabilidade e dimensionalidade do modelo de mensuração considerando toda a amostra. Fonte: Dados da pesquisa.

Neste sentido, observa-se que todos os constructos apresentaram os índices de confiabilidade AC ou CC acima de 0,70, evidenciando assim a confiabilidade dos constructos; todos os constructos foram unidimensionais nas AFE realizadas; todos os constructos apresentaram os valores de AVE superiores a 0,40, indicando validação convergente; não houve nenhuma variância compartilhada maior que suas respectivas AVEs, o que evidencia a validação discriminante. A Tabela 2 e a Figura 3 apresentam o modelo estrutural para toda a amostra, logo, pode-se destacar que: Houve uma influência significativa (valor-p=0,000) e positiva (β=0,441[0,37; 0,53]) da “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão” sobre a “Intenção de Compra de Produtos Piratas”, logo quanto maior as estratégias de negação na tomada de decisão para aquisição de produtos piratas maior tende a ser a intenção de compra de produtos piratas. Houve uma influência significativa (valor-p=0,000) e negativa (β=-0,279 [-0,35; 0,19]) da “Escala Ética do Consumidor” sobre a “Intenção de Compra de Produtos Piratas”, logo quanto maior o nível ético do consumidor menor tende a ser a intenção de compra de produtos piratas. Não houve uma influência significativa (valor-p=0,195) do “Materialismo” sobre “Intenção de Compra de Produtos Piratas”. “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão na Aquisição de Produtos Piratas” e “Escala Ética do Consumidor” foram capazes de explicar 41,4% da “Intenção de Compra de Produtos Piratas”, sendo que “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão na Aquisição de Produtos Piratas” apresentou uma maior importância no modelo devido ao seu maior (em módulo) coeficiente β. • O GoF do modelo foi de 48,4%, o que indica um bom modelo.

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Tabela 2 - Modelo Estrutural considerando toda a amostra. Endógena Intenção de Compra de Produtos Piratas

Exógena Estratégias de Negação na Tomada de Decisão Escala Ética do Consumidor Materialismo

β

I.C. - 95%

E.P. (β)

0,441

[0,37; 0,53]

0,043

0,279 0,049

[-0,35; 0,044 0,19] [-0,02; 0,14] 0,037

Valorp

R2

0,000 41,4 %

0,000 0,195

GoF = 48,4% Fonte: Dados da pesquisa.

A Figura 3 representa o modelo estrutural ajustado, com o modelo de mensuração considerando somente a representação dos constructos de segunda ordem. Figura 3 - Modelo Estrutural Ajustado

Fonte: dados da pesquisa.

Na Tabela 3, pode-se verificar a correlação de Spearman dos índices do modelo com as variáveis idade, escolaridade e renda. O coeficiente de Spearman, denominado por r, é uma medida estatística que mede a intensidade de correlação entre duas variáveis. O coeficiente de correlação “r” varia entre –1 e 1, sendo que quanto mais próximo de -1, mais forte é a correlação negativa, ou seja, se uma variável aumenta a outra tende a diminuir. Já se o valor estiver próximo de 1, mais forte é a correlação positiva, ou seja, se uma variável aumenta a outra também tende a aumentar. Dessa forma, pode-se destacar que: De forma significativa, quanto maior a idade maior tende a ser o índice da “Escala Ética do Consumidor” e menor tende a ser os índices “Estratégias de Negação na Tomada de 11

Decisão Aquisição de Produtos Piratas”, “Materialismo” e “Intenção de Compra de Produtos Piratas”. De forma significativa, quanto maior a escolaridade menor tende a ser os índices “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão Aquisição de Produtos Piratas” e “Intenção de Compra de Produtos Piratas”. De forma significativa, quanto maior a renda maior tende a ser o índice da “Escala Ética do Consumidor” e menor tende a ser os índices “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão Aquisição de Produtos Piratas” e “Intenção de Compra de Produtos Piratas”. Tabela 3 - Correlação dos índices do modelo com as variáveis de caracterização da amostra Idade Escolaridade Constructos r Valor-p r Valor-p

Renda r

Valor-p

Estratégias de Negação na Tomada de Decisão -0,186 0,000 0,136 0,004 Escala Ética do Consumidor -0,140 0,004 Materialismo

-0,219 0,000 0,074 0,127 -0,024 0,625

-0,236 0,000 0,096 0,048 0,058 0,225

-0,165 0,001

-0,178 0,000

-0,188 0,000

Intenção de Compra de Produtos Piratas Fonte: Elaborado pelos autores.

O GoF do modelo foi de 48,4%, o que indica um bom modelo. No entanto, embora a escala de viés de desejabilidade social tenha correlações significativas com os índices “Materialismo”, “Intenção de Compra de Produtos Piratas” e “Escala Ética do Consumidor”, foi verificada que a mesma não gera nenhum tipo de impacto considerável no modelo teórico proposto. Talvez isto se deva ao fato de que os respondentes não considerem a compra de produtos piratas uma questão delicada, ou tenham se sentido protegidos pelo anonimato da internet, devido ao método de coleta de dados. Houve uma influência significativa (valor-p=0,000) e positiva (β=0,441[0,37; 0,53]) da “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão” sobre a “Intenção de Compra de Produtos Piratas”, logo quanto maior as estratégias de negação na tomada de decisão para aquisição de produtos piratas maior tende a ser a intenção de compra de produtos piratas. Portanto a hipótese H1 foi confirmada. A confirmação desta hipótese traz implicações para a geração de políticas, identificando e agindo sobre justificativas que possam levar à ativação da negação no processo de tomada de decisão na aquisição de produtos piratas. Não houve influência do gênero sobre os índices do modelo, o que é contrário aos resultados obtidos pela IPSOS e Fecomércio-RJ (2010) e Bian e Veloutsou (2007) que indicam que o gênero masculino é um pouco mais propenso a aquisição de produtos piratas do que gênero feminino. Fica, no entanto, a observação dos índices encontrados entre os que se declararam LGTB mas, como foram apenas 5 respondentes, os dados não são estatisticamente relevantes para que possam ser feitas inferências. Os resultados confirmam outros estudos que indicam que quanto maior a escolaridade, a renda e a idade menor a intenção de adquirir produtos piratas. Um detalhe interessante foi o escore superior na escala de avaliação ética dos consumidores daqueles que se declararam sem religião em relação aos católicos. No entanto, é importante se considerar no Brasil que, embora haja muitas pessoas que se declarem católicas, podem não ser católicas praticantes. Houve uma influência significativa (valor-p=0,000) e negativa (β=-0,279 [-0,35; 0,19]) da “Escala Ética do Consumidor” sobre a “Intenção de Compra de Produtos Piratas”, logo quanto maior o nível ético do consumidor menor tende a ser a intenção de compra de produtos piratas. Portanto a hipótese H3 foi confirmada. A confirmação desta hipótese tem grandes implicações para políticas que visem diminuir o consumo de produtos piratas. Educação em consumo ético pode ser uma possibilidade para melhorar o nível 12

reconhecimento de questões éticas dos consumidores, reduzindo assim sua intenção de adquirir produtos piratas. Não houve uma influência significativa (valor-p=0,195) do “Materialismo” sobre “Intenção de Compra de Produtos Piratas”. Portanto a hipótese H2 não foi confirmada. A não confirmação desta hipótese tem várias implicações, mas um dos fatores pode ter sido a escala adotada neste estudo, uma escala alternativa à de Richins (2004) já validada no contexto nacional por Ponchio, Aranha e Todd (2006). No entanto, mesmo sua não validação ou a não confirmação da hipótese também é um resultado interessante, na medida abre espaço para novas investigações com a escala validada nacionalmente, ou pela elaboração de uma nova escala. E também pela substituição deste construto por outros construtos no modelo. “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão na Aquisição de Produtos Piratas” e “Escala Ética do Consumidor” foram capazes de explicar 41,4% da “Intenção de Compra de Produtos Piratas”, sendo que “Estratégias de Negação na Tomada de Decisão na Aquisição de Produtos Piratas” apresentou uma maior importância no modelo devido ao seu maior (em módulo) coeficiente β. A não confirmação da hipótese da influência positiva do materialismo pode representar uma questão específica à população estudada. Também pode representar que a escala adotada para a medição de materialismo não foi a mais adequada, ou que simplesmente o construto não tem uma relação significativa com a intenção de compra de produtos piratas. O Quadro 3 resume a validação das hipóteses: Quadro 3 - Conclusões sobre Hipóteses do Modelo Teórico. HIPÓTESES H1

Existe influência positiva da "Estratégias de negação na tomada de decisão para aquisição de produtos piratas" sobre a "Intenção de compra de produtos piratas"

H2 Existe influência positiva do "Materialismo" sobre a "Intenção de produtos piratas" Existe influência negativa da escala ética do consumidor sobre a "Intenção de produtos piratas" A escala de desejabilidade social terá uma influência significativa nos resultados do H4 modelo, tanto nos construtos antecedentes quanto no construto consequente. Fonte: Elaborado pelos autores. H3

RESULTADO Confirmado Não Confirmado Confirmado Não Confirmado

CONCLUSÕES Conforme os resultados, as estratégias de negação do consumidor alcançaram relevante significância na explicação da intenção de compra de produtos piratas, o que indica que esta é uma variável robusta e que pode ser aplicada em outros modelos relacionados à investigação do fenômeno pirataria. Por outro lado, a escala de consumo ético de Vitell e Muncy (2005), ao ser aplicada em sua versão validada para o Brasil por Souza e Santos (2010) provou estar correlacionada de forma negativa com o construto intenção de compras de produtos piratas. Tal fato indica que os consumidores compreendem as implicações éticas relacionadas ao consumo de produtos piratas. Embora compreendam, a compreensão nem sempre leva à ação. O modelo explicou 41,4% da intenção de compra de produtos piratas com base fundamental em dois constructos, o que abre espaço para entendimento do consumo ético de consumidores bem como para a construção de modelos com poder de explicação significativo de menor complexidade. 13

Além destas constatações, também foi verificado que a escala de viés de desejabilidade social não produziu resultados significativos para reduzir o impacto deste viés entre os respondentes. Possivelmente tal fato está relacionado a que os produtos citados não são produtos de luxo, que em geral estão relacionados a benefícios hedônicos e sociais (YOO e LEE, 2009; AYRES; GONÇALVES, 2015). Por outro lado, dadas as condições nas quais muitos brasileiros consideram que o consumo de produtos piratas não afeta sua imagem social, nem seu status no grupo (BÔAS, 2009), as respostas a esta escala podem ter sido influenciadas por este fator, bem como pelo fato que os produtos citados não eram bens de categorias de luxo (BIAN; VELOUTSOU, 2007). Sendo o materialismo um construto multifacetado (MANCHIRAJU; KRIZAN, 2015), e considerando que o mesmo não impactou na compra de produtos piratas, observa-se segundo constatações de Ayres e Gonçalves (2015), que o mesmo apresenta maior impacto na intenção de compra de produtos originais (e não de produtos piratas), já que o comprador de um produto pirata sabe que o objeto é falso. Neste sentido, o consumidor de produtos piratas não procura o objeto real e material em si, mas seus benefícios econômicos e hedônicos (YOO e LEE, 2009). Por outro lado, os resultados também confirmam outros estudos que indicam que quanto maior a escolaridade, a renda e a idade menor a intenção de adquirir produtos piratas. Outro ponto de interesse são os índices encontrados para os respondentes que se identificaram como LGTB em gênero, mas infelizmente, como foram apenas 5 respondentes, suas respostas não tiveram significância estatística para serem estudadas isoladamente. As limitações desta pesquisa começam por seu método amostral, limitada a uma cidade brasileira. Foi adotada a técnica de modelagem de equações estruturais e, apesar do modelo ter apresentado um razoável índice de adequação, fica a lacuna da integração de novos construtos ao mesmo, ou da remoção de construtos que não se mostraram significativos, como foi o caso do materialismo. No tocante à atividade comercial e empresarial e às táticas para lidar com a intenção de compra de produtos piratas da parte dos consumidores, esta pesquisa contribui ao validar a hipótese de que as estratégias de negação têm uma influência positiva na intenção de compra de produtos piratas. Estas estratégias podem ser estudadas em maior profundidade, possibilitando assim novas estratégias e táticas para reduzir o consumo de produtos piratas em diversos setores. A constatação de que consumidores que tem um escore maior na escala ética do consumidor (VITELL; MUNCY, 2005) são menos propensos a ter intenção de compra de produtos piratas, pode sugerir a realização de campanhas educativas e focadas na auto congruência, visando um efeito positivo na redução do consumo de produtos piratas. Recomenda-se que os pesquisadores estendam as pesquisas sobre o impacto do materialismo na aquisição de produtos piratas em diferentes categorias de produtos, assim como realizem investigações relacionadas a novos construtos que possam ser inseridos no modelo, como intensidade moral, buscando explorar as relações da ética com o consumo no pais. REFERÊNCIAS AHUVIA, A. C.; WONG, N. Y. Materialism: Origins and Implications for Personal WellBeing in: European Advances in Consumer Research, 2, 172–178. (1995). Disponível em: Acesso em 8 de Setembro de 2015. 14

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