ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CPC: UMA DATA, MUITA CONTROVÉRSIA

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ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CPC: UMA DATA, MUITA CONTROVÉRSIA Klaus Cohen Koplin1

Após muita polêmica, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, por unanimidade, que a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) ocorrerá mesmo no próximo dia 18/03/2016.2 No mesmo caminho seguiu o Pleno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também por unanimidade, em resposta a uma consulta formulada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).3 Penso que a decisão do STJ, conquanto não tenha força de lei nem constitua (ainda) precedente no sentido técnico do termo4, deva ser respeitada por todos os órgãos integrantes de nossa estrutura judiciária. E isso não apenas por ter emanado do Tribunal imbuído pela Constituição Federal da missão de conferir unidade à interpretação da Lei Federal, mas principalmente por ser a melhor e mais correta orientação a respeito do assunto. Isso posto, é cabível uma profunda reflexão acerca de toda a controvérsia gerada em torno dessa data. A polêmica partiu da própria letra do art. 1.045 do NCPC, que estabelece o seguinte: “Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. O texto em questão abandona a tradição dos Códigos de Processo Civil brasileiros anteriores, que sabiamente marcaram datas exatas para sua entrada em vigor (respectivamente, 01/02/1940, art. 1.052 do CPC/1939, e 01/01/1974, art. 1.220 do CPC/1973), e, por não ser preciso, deu ensejo a que se formassem várias correntes de interpretação a respeito, principalmente em trabalhos publicados na internet. De acordo com a primeira corrente, como o art. 1.045 do NCPC, uma simples Lei Ordinária, desrespeitou o disposto no art. 8º, § 2º, da Lei Complementar nº 95/1998, hierarquicamente superior a ele, o prazo de vacância de um ano deveria ser desconsiderado. Em seu lugar, aplicar-se-ia supletivamente o prazo de 45 dias previsto no art. 1º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Assim, o novo CPC já estaria em vigor desde o dia 01/05/2015, ou seja, desde o ano passado, sem que os tribunais se tivessem dado conta.5

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Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor de Direito Processual Civil na UFRGS, No Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Advogado sócio do escritório Freitas Macedo Advogados. E-mail: [email protected]. 2 Cf. http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/Notícias/Notícias/Pleno-do-STJdefine-que-o-novo-CPC-entra-em-vigor-no-dia-18-de-março, acesso em 03/03/2016. 3 Cf. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81698-cnj-responde-a-oab-e-decide-que-vigencia-donovo-cpc-comeca-em-18-de-marco, acesso em 07/03/2016. 4 Como corretamente aponta FABIANO CARVALHO, Divergência doutrinária sobre a entrada em vigor do Novo CPC e propostas de solução, disponível em: http://justificando.com/2015/06/19/divergencia-doutrinaria-sobre-a-entrada-em-vigor-do-novocpc-e-propostas-de-solucao/, acesso em 03/03/2016. 5 Opinião recolhida por MÁRIO LUIZ DELGADO, Data exata e entrada em vigor do novo CPC gera dúvidas, Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2016, 6h34, disponível em

Conforme a segunda corrente, dever-se-ia dar prevalência ao disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 8º da LC nº 95/1998, utilizando-os como critério interpretativo do comando contido no art. 1.045 do NCPC. Assim, considerandose que o Código foi publicado no Diário Oficial em 17/03/2015, identificando-se um ano como período de 365 dias e tendo presente que a entrada em vigor da lei ocorre somente no dia seguinte ao término do seu prazo de vacância, o novo CPC entraria em vigor no dia 16/03/2016.6 Por outro lado, poder-se-ia ponderar que o ano de 2016 é bissexto, de modo que o prazo a ser considerado seria de 366 dias. Segundo essa variação da corrente, o NCPC entraria em vigor em 17/03/2016. Segundo a terceira corrente, seria necessário deixar de lado todas as disposições da LC nº 95/1998, uma vez que o prazo não foi estabelecido em dias, aplicando-se apenas o disposto nos arts. 1º da Lei nº 810/1949 e 132, § 3º do CC. Assim, a entrada em vigor do NCPC ocorreria no mesmo dia do mesmo mês do ano seguinte à sua publicação, ou seja, 17/03/2016.7 Aponta-se, em abono a essa tese, a orientação costumeiramente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual novo Código Civil, publicado no Diário Oficial do dia 11/01/2002, passou vigorar no dia 11/01/2003. De acordo com a quarta corrente, aplicam-se conjuntamente o art. 1º da Lei nº 810/1949 e o art. 8º, § 1º, da LC nº 95/1998. Assim, como o NCPC foi publicado no Diário Oficial do dia 17/03/2015, seu prazo de vacância terminaria em 17/03/2016, de modo que entraria em vigor no dia seguinte, 18/03/2016.8 A discussão – que poderia parecer banal ao leigo, mas afetará aspectos práticos importantíssimos do processo civil, como a possibilidade de interpor ou não um recurso extinto pelo NCPC ou a definição do procedimento aplicável a determinada demanda – revela a baixa qualidade da produção legislativa no Brasil e o descaso com o que o Congresso Nacional vem tratando o processo legislativo. O mais perturbador é que o legislador deu-se ao trabalho de, em tempo recorde, editar a Lei nº 13.256/2016, que alterou vários artigos do NCPC em seu http://www.conjur.com.br/2016-fev-18/mario-delgado-data-entrada-vigor-cpc-gera-duvidas, acesso em 03/03/2016. 6 Nesse sentido, LUIZ GUILHERME MARINONI; SÉRGIO CRUZ ARENHART; DANIEL MITIDIERO, Novo Código de Processo Civil Comentado, São Paulo : RT, 2015, p. 991. 7 Nesse sentido, GUILHERME RIZZO AMARAL, Comentários às alterações do Novo CPC, São Paulo : RT, 2015, p. 1077; GUILHERME RIZZO AMARAL, Novo CPC entrará em vigor com controvérsias sobre sua forma de aplicação, Revista Consultor Jurídico, 28 de dezembro de 2015, 16h41, disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-dez-28/guilherme-amaral-ncpcentrara-vigor-duvidas-aplicacao, acesso em 03/03/2016. 8 Cf, entre outros, ANTONIO DO PASSO CABRAL; RONALDO CRAMER (coords.), Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1551; PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, Data para entrada em vigor do novo CPC é dia 18 de março, Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2016, 6h14, disponível em http://www.conjur.com.br/2016fev-24/paulo-lucon-18-marco-data-comeca-viger-cpc, acesso em 03/03/2016; ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Da Vacatio legis do novo C.P.C. brasileiro, disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/bry_davacatiolegis-arturcesardesouza.pdf, acesso em 03/03/2016.

período de vacância para atender basicamente a questões de política judiciária, sem se preocupar em pacificar a discussão e fixar claramente o término desse período. Ao contrário, o art. 4º dessa lei simplesmente passa ao largo do problema, proclamando: “esta Lei entra em vigor no início da vigência da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”. Tal artigo é de uma preguiça mental inconcebível e de uma falta de elegância indesculpável. Teria sido muito mais fácil e estar-se-ia resolvendo dois problemas de vigência se tivesse sido dito algo como “Esta Lei entra em vigor no dia XX/XX/XXXX, data de início da vigência da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”. Pois bem. A tese do dia 01/05/2015 parece descolada da realidade e não pode ser aceita, uma vez que não há hierarquia entre Lei Complementar e Lei Ordinária. Ademais, como a diretriz da LC 95/1998 quanto ao prazo de vacância geralmente não é observada, ter-se-ia a conclusão absurda de que não só o NCPC, mas boa parte das leis federais efetivamente entraram em vigor bem antes do se imagina, gerando intolerável e generalizado estado de insegurança jurídica. No que tange à polêmica sobre os dias 16, 17 ou 18 de março de 2016, considero que a razão está com o Prof. Paulo Lucon. Com efeito, a regra disposta no art. 8º, § 2º da LC nº 95/1998 não deve ser usada como critério de interpretação do NCPC, já que constitui um comando dirigido ao legislador e que este teimou novamente em desobedecê-la, como já o fizera em relação ao Código Civil de 2002. Ademais, e justamente por isso, interpretar o termo “ano” como sendo o equivalente a 365 dias traduziria postura exageradamente idealista, em flagrante desapego à realidade fática. Ademais, essa atitude traria um problema adicional, já que o ano de 2016 é bissexto, se bem que não o fosse o ano de 2015, em que publicada a Lei, como bem pondera o Prof. Guilherme Rizzo Amaral. Por isso, cumpre aplicar norma já existente no ordenamento jurídico brasileiro, constante da Lei nº 810/1949, art. 1º, segundo a qual: “considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Por isso, rejeita-se o dia 16/03/2016 como data de entrada em vigor do NCPC. Todavia, penso não seja necessário deixar de lado o § 1º do art. 8º da LC nº 95/1998. Isso porque o § 1º, ainda que logicamente fosse subordinado ao § 2º, não constitui comando dirigido ao legislador (como o § 2º), mas define um elemento essencial da própria contagem do prazo de vacância, qualquer que seja ele. Diz respeito, portanto, ao próprio “ser” do direito em sua dimensão temporal. De mais a mais, mesmo sabendo que o método gramatical é o mais pobre de todos os métodos interpretativos, a definição da LC 95/1998 a respeito da consumação do prazo de vacância, do ponto de vista estritamente textual, vem antes do comando relativo à forma e estabelecimento desse prazo. Além disso, não entendo viável aplicar o disposto no art. 132, § 3º do CC/2002 para concluir que a entrada em vigor do NCPC ocorra no mesmo dia

do mesmo mês do ano seguinte à sua publicação, ou seja, em 17/03/2016. Isso porque essa interpretação parece contrariar a intenção do legislador, dado que o art. 1.045 do NCPC determina sua entrada em vigor “após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”, e não no ano seguinte à sua publicação oficial. Em síntese, rejeita-se também o dia 17/03/2016 como data de entrada em vigor do NCPC. Outrossim, essas ponderações demonstram o equívoco da orientação adotada costumeiramente pelo STJ a respeito da entrada em vigor do CC/2002, a qual não deveria ser aceita apenas à luz do argumento de autoridade ou à vista do papel que a Constituição Federal conferiu ao STJ na estrutura do Poder Judiciário. Esse é justamente um caso em que o precedente, conquanto deva ser observado (entende-se que o precedente é obrigatório, pois fundamental para conferir unidade, cognoscibilidade e previsibilidade ao direito), encontra-se equivocado e deveria ser alterado pela Corte no futuro. Ademais, não se pode justificar um erro com outro erro e a polêmica a respeito da vigência do NCPC poderia justamente oportunizar ao STJ eventual correção do seu entendimento quanto à data de entrada em vigor do CC/2002. Em síntese, utilizando como critério interpretativo do art. 1.045 do NCPC o disposto o art. 1º da Lei nº 810/1949 (a definição do ano civil), aproveitando o que é possível da LC nº 95/1998 (a disposição constante de seu art. 8º, § 1º), atentando ao que parece ser a vontade do rebelde legislador (entrada em vigor após decorrido um ano de sua publicação) e tendo presente a publicação do novo Código no dia 17/03/2015, conclui-se que a sua entrada em vigor ocorrerá efetivamente na sexta-feira, dia 18/03/2016.

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