Entre a beca e as cédulas: os juízes de paz nas eleições do Espírito Santo (1871- 1889)

July 24, 2017 | Autor: Alexandre Bazilio | Categoria: História do Brasil, Eleições, Judiciário, História do Brasil Imperial
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IX Semana de História Política: Política, Conflitos e Identidades na Modernidade VI Seminário Nacional de História: Política, Cultura e Sociedade ISSN 2175-831X – PPGH/UERJ, 2014

Entre a beca e as cédulas: os juízes de paz nas eleições do Espírito Santo (18711889)

Alexandre de Oliveira Bazilio de Souza 1

Resumo: A justiça de paz foi instituição atuante, por quase todo período imperial, em diversos âmbitos do direito. Não obstante, as pesquisas que a analisam destacam, majoritariamente, aspectos relacionados à competência criminal e costumam tomar, como delimitação temporal, a primeira metade do Oitocentos. Este trabalho, diferentemente, explora o papel que esses magistrados desempenharam nas eleições nos anos finais do Império e mostra, através de estudo de caso no Espírito Santo, a importância que tiveram na construção da cidadania brasileira. Palavras-chave: justiça de paz; eleições; Espírito Santo

Abstract: The justice of the peace office functioned, for the greatest part of the imperial period, in various legal areas. Nonetheless, most of the researchers tend to focus on aspects related to its criminal competence and choose, as periodization, the first half of the 19th century. This work, differently, explores the role these magistrates served in the Empire’s latest elections and shows, conducting a case study on Espírito Santo, the importance they had in the construction of Brazilian citizenship. Key-words: justice of the peace; elections; Espírito Santo

Introdução 2 Os anos entre 1871 e 1889 são normalmente associados à decadência do Império.

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Foi

momento em que novos grupos, que não haviam vivenciado as traumáticas experiências da Regência, passaram a atuar, a exemplo do ministério de Rio Branco.

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Este, apesar de

conservador, iniciou uma série de reformas liberais que alteraram profundamente o cenário de então. Entre elas, podemos citar a Reforma Judicial de 1871, que visava, principalmente, à separação entre atribuições judiciárias e policiais. 5

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A justiça de paz ganhou destaque na reforma. Típica representante das ideias liberais, seu caráter eletivo passou a ser evocado para justificar o aumento (ou, ao menos, recuperação) de atribuições anteriormente suprimidas. Assim, na Assembleia Geral, formaram-se duas correntes: uma que desejava sua permanência – já que representante do povo – e outra que a desqualificava – já que entidade eleitoral. Sua proximidade com a população também era constantemente suscitada. Era traduzida, por essas correntes, em dois sentidos opostos: como garantidora da confiança dos jurisdicionados ou promovedora de disputas pessoais. 6 Nesse embate, a primeira corrente saiu vitoriosa. Assim, juízes de paz voltaram a julgar infrações às posturas municipais e conceder fianças, competências retiradas trinta anos antes pela Lei que reformara o Código de Processo Criminal. Em âmbito civil, o juizado viu o aumento de sua alçada de 50 para 100 mil-réis. 7

O juiz das eleições Entre todas as atribuições da justiça de paz, sua relação com o fenômeno eleitoral era a que mais despertava a atenção dos contemporâneos. Isso ocorria por conta da dupla ligação que tinha com o sufrágio: seus membros eram magistrados eleitos que, durante praticamente todo período imperial, foram os grandes gestores das eleições. Como consequência direta dessa associação, entre 1871 e 1889, o juiz de paz foi mencionado no senado em 115 das 367 sessões que discutiram reforma eleitoral (ou 31%); na câmara, essa proporção foi ainda maior: 238 de 535 sessões (ou 44%). A caracterização do juiz de paz nas sessões variava entre dois extremos: para uns, enquanto autoridade popular, o magistrado eleito poderia dar conta das inúmeras fraudes que rodeavam o processo eleitoral; para outros, a acumulação de poderes em suas mãos apenas fazia aumentar as ilegalidades. Durante os debates da Lei do Terço em 1875, essa segunda corrente foi mais forte e o juiz de paz acabou por perder parte do poderio conquistado anteriormente. Seis anos mais tarde, entretanto, essa situação alterar-se-ia, por ocasião da promulgação da Lei Saraiva em janeiro de 1881. O diploma alterou profundamente as eleições no período, na medida em que eliminava o sufrágio indireto e as qualificações, criando em seu lugar o alistamento feito mediante requisição a juízes municipais e de direito, realizado somente nos maiores centros. A nova Lei também foi responsável por queda de cerca de 90% do eleitorado brasileiro, na medida em que enrijeceu sobremaneira os critérios para comprovação de renda.

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A mesa eleitoral permaneceu presente em todas as paróquias, sendo presidida pelo juiz de paz mais votado, auxiliado por seus imediatos em votos. 8 Nesse momento, reafirmou-se o importante papel dos juízes de paz em âmbito eleitoral, principalmente em relação aos procedimentos relacionados diretamente à votação. Não por acaso, o senador Cândido Mendes, em 5 de julho de 1871, chamou a atenção para o fato de que, entre todas as atividades do juízo, a administração das eleições era aquela que mais ocupava seu tempo. Até que ponto tinha razão o senador? Ao analisar os ofícios trocados pela câmara de Vitória e os juízes de paz do município entre 1871 e 1889, nada menos do que 39% deles versavam sobre eleições. Já na comunicação entre esses magistrados e o presidente de província, essa proporção alcançou 28%, atrás apenas dos ofícios relacionados à investidura do cargo. Nenhuma outra atribuição administrativa desses juízes superou essas cifras, o que corrobora a afirmação de Mendes. 9 De modo geral, as atividades eleitorais ocorriam em três momentos: os trabalhos preparatórios, o recebimento dos votos e sua contagem. Entre elas, eram as primeiras que mais contribuíram para essa intensa comunicação, fosse por conta da qualificação – existente até 1881 –, entrega dos títulos, marcação da data do pleito ou organização da mesa eleitoral. Nas seções que se seguem, são analisadas em detalhes cada uma dessas três etapas.

Os trabalhos preparatórios As atividades relacionadas aos preparativos das eleições eram causa de grande preocupação e disputa política, principalmente porque eram determinantes na definição de quem faria parte do eleitorado. Nas eleições de abril de 1876 na paróquia de São Mateus, por exemplo, foi necessária intervenção do presidente de província, após acusações de irregularidades no pleito. O padre José Pereira Duarte Carneiro, juiz de paz presidente interino da junta, convocou, por edital, 8 eleitores e 4 suplentes para eleição da junta. Segundo parecer do secretário de governo José Pinto Homem de Azevedo, tal convocação só seria legal caso houvesse 9 eleitores na paróquia e um não pudesse comparecer, por morte ou mudança de domicílio. Enquanto membros das juntas de qualificação, os juízes de paz – ou mesmo aqueles eleitos sob sua presidência – eram responsáveis pela inclusão ou exclusão de nomes nas listas, atribuição que certamente lhes dotava de grande poder. A Lei do Terço determinava, no caso

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de exclusão, a publicação de editais para que os prejudicados pudessem peticionar reclamação. Poderia ocorrer de um só cidadão requisitar a inclusão ou exclusão de dezenas. Foi o que fez José Bento Nogueira, morador da paróquia de Alegre, em 3 de maio de 1876, quando solicitou à junta a inclusão de 42 cidadãos que não foram inscritos na lista, apesar de preenchidos os requisitos legais; os membros da junta unanimemente decidiram acolher a reclamação. Resultado diverso deu-se na paróquia de Veado, em 4 de maio de 1876, quando Teófilo Barbosa da Silva reclamou à junta a exclusão de 23 cidadãos da lista de qualificados. A junta, presidida pelo juiz de paz José de Aguiar Valim, negou o pedido devido à falta de fundamentação, já que nem o nome dos cidadãos indevidamente qualificados Barbosa Silva havia elencado. Às vezes, a própria junta, espontaneamente, incluía nomes de votantes após feitura da lista. Na reunião da junta de Guarapari, em 4 de fevereiro de 1880, por exemplo, apesar de nenhuma petição ter sido apresentada, foram incluídos sete cidadãos na lista, por reconhecida sua qualidade de votante. Havia também casos em que as juntas de qualificação decidiam não receber o protesto, ou, mesmo o recebendo, não o detalhavam na ata. Foi o que aconteceu, pelo menos na opinião do chefe de seção José Pinto Homem de Azevedo, na junta de Vitória, presidida pelo o 3º juiz de paz, José da Rocha Tagarro, em 13 de abril 1875. Segundo Azevedo, o protesto dos cidadãos Bazilio Carvalho Daemon, Sebastião Fernandes de Oliveira, José Inácio dos Santos Braga e Manoel Dias Gomes Neto não foram transcritos pela junta, mas apenas mencionado. O título eleitoral transformou-se também em importante elemento de disputa política a partir de sua criação pela Lei do Terço. Em Cachoeiro, o juiz municipal Misael Ferreira Pena foi acusado pelo presidente da câmara local, Luiz Bernardino da Costa, de desorganizar todo o processo da paróquia, ao proceder à feitura de inventários ao invés da confecção dos títulos. Apelidado de “juiz da terra” pelo jornal Da reforma, Misael fora acusado ainda de injustamente perseguir o secretário da câmara, Lucas Corrêa do Espírito Santo, justamente por não lhe ter permitido levar os títulos em branco e livros de qualificação que estavam sendo organizados pela junta de Rio Pardo. 10

Na boca da urna A votação era o segundo momento decisivo das eleições. Entre 1830 e 1875, os juízes de paz presidiam essas mesas e, no pós-81, não apenas a presidiam, como eram os únicos mesários.

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Mesmo durante a vigência da Lei do Terço, juízes de paz poderiam, na falta de eleitores, compor, ou mesmo presidir a mesa. Foi o que aconteceu em Benevente, nas eleições de novembro de 1878, quando duas mesas eleitorais foram formadas, ambas presididas por juízes de paz: uma pelo 1º juiz Manoel dos Passos Martins e a segunda pelo 3º juiz Manoel Joaquim Fernandes da Silva. Situação similar ocorreu na paróquia de vila da Barra de São Mateus nas eleições daquele mesmo ano. A primeira mesa, organizada na câmara, foi presidida pelo 2º juiz de paz Eduardo Gomes de Santana. A segunda, montada na matriz, teve como presidente o 2º juiz de paz de Itaúnas, Raphael Soares da Rocha Jatahy. A existência de múltiplas mesas, conhecida à época como duplicata, era um dos importantes artifícios utilizados para anular eleições ou mesmo dar a determinado candidato a vitória, na medida em que cabia às casas legislativas a escolha daquela que seria considerada válida. Durante a vigência da Lei Saraiva, quando cinco juízes de paz fariam parte da mesa eleitoral, esse tipo de disputa ganhou contornos bastante peculiares. Segundo a Lei, comporiam a mesa, além do juiz de paz mais votado, “os dois juízes de paz que àquele se seguirem em votos, e os dois cidadãos imediatos em votos ao 4º juiz de paz”. O termo cidadão abria brecha para as alegações de fraude, pois os imediatos poderiam acabar por se tornarem juízes de paz. Assim, quando um candidato perdia a eleição, dizia ter a mesa sida erroneamente formada, fosse porque dela participara um juiz de paz no lugar do cidadão, ou vice versa. Mesmo quando excluído da presidência da mesa, na vigência da Lei do Terço, o juiz de paz presidiu as eleições de seus membros, exercendo forte influência nas relações políticoeleitorais do período. Não foi então à toa que o major Áureo Triphino Monjardim de Andrade e Almeida sustentou a invalidade da eleição da mesa quando impetrou, em fevereiro de 1877, recurso para anular duplicata das eleições de Cariacica para juiz de paz e vereador no mês anterior. O major havia comparecido, juntamente com eleitores e seus suplentes, à matriz da paróquia no dia 4 de janeiro e aguardou para que algum dos juízes de paz da freguesia comparecesse. Na sua ausência, o 2º juiz de paz do 2º distrito, Justiniano de Alcântara Lobo, decidiu presidir eleição da mesa paroquial, cujo resultado deu a Almeida a presidência. O major afirmou em seu recurso que o 1º juiz do 1º distrito, Antero da Silva Coutinho, estava em Vitória no dia 4 e só regressou a Cariacica no final do dia, pernoitando na casa do 4º juiz de paz do mesmo distrito, Herculano Ferreira de Aguiar, – distante meia légua da sede – e que o 2º juiz, Manoel Santos Pereira, embora estivesse na cidade, não compareceu à matriz. Pugnava o major assim pela anulação da ata na qual figurava Manoel Pereira como presidente da eleição da mesa, cujo resultado deu a Antero Coutinho a presidência. Seu pedido foi

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acolhido pelo juiz de direito de Vitória, Luiz Duarte Pereira, e confirmado pela Relação do Rio de Janeiro. Se os embates políticos em torno dos juízes de paz eram acirrados durante as eleições dos membros da mesa eleitoral, certamente se intensificavam quando eles passaram a presidi-la. Tal situação ocorria porque era nessa posição que os juízes de paz tinham maior poder de influência, já que ali gerenciavam a inserção de votos, recebiam os protestos, comandavam a redação da ata e identificavam o votante ou eleitor. A identificação do eleitorado era um dos momentos mais importantes – e movimentados – das eleições. Em 6 janeiro de 1886, por exemplo, o presidente da mesa eleitoral de Cariacica, juiz de paz do 1º distrito, teve de decidir se o eleitor José Vieira dos Passos, que havia retirado o cognome Júnior, teria seu voto aceito. O juiz acabou por fazê-lo, e procedeu ainda à anotação em seu título, sob a alegação de que a alteração fora publicada na imprensa em 20 de dezembro de 1884. Na mesa de Viana, na eleição de 30 de outubro de 1881, ocorreu caso semelhante, quando se apresentou Joaquim de Azevedo Rodrigues Braga, alistado com seu terceiro e quarto sobrenomes invertidos. Embora tomado em separado, a mesa aceitou o voto do eleitor, já que se tratava de figura conhecida na vila. A mesma mesa também aceitou o voto de Francisco Vitorino Pinto da Rocha, que havia perdido seu título na noite anterior, já que muitas pessoas disseram ter visto o dito cidadão com seu título na mão. A posição de poder dos membros da mesa tornava-os bastante suscetíveis de acusações de fraudes. Em julho de 1882, na eleição de Vitória para vereadores e juízes de paz, por exemplo, os mesários pertencentes ao partido liberal foram acusados de diversas práticas ilegais. Por isso, o conservador Aristides Brasiliano de Barcellos Freire ajuizou ação eleitoral relatando o ocorrido e afirmando que a mesa contabilizou 156 votos, apesar de apenas 153 eleitores terem participado do pleito, o que poderia ter alterado seu resultado, já que a diferença entre o 2º e 3º mais votados para juiz de paz foi de exatos três votos. Os membros liberais da mesa alegaram em sua defesa que, nas três cédulas, apesar de a Lei exigir quatro, havia apenas um nome para juiz de paz: capitão João Antônio Pessoa Júnior, correligionário do recorrente. Defenderam ainda que esses votos extras não alterariam a colocação entre os quatro eleitos e seus imediatos. O juiz de direito Epaminondas de Souza Gouvêa acatou os argumentos dos recorridos e julgou improcedente a reclamação, conforme impresso no Espírito-Santense de 10 de setembro de 1882. Inconformado, Barcellos Freire recorreu da decisão, a que a Relação deu provimento em 6 de outubro de 1882, sob o argumento de que os três votos extras poderiam influir no resultado dos quatro primeiros colocados. Uma nova

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eleição foi marcada para o dia 28 de novembro, mas os mesmos quatro mais votados acabaram novamente eleitos para o juízo de paz de Vitória. 11

Cédulas e mais cédulas Outro momento bastante importante para definição dos resultados eleitorais era a contagem de votos. Os anos entre 1871 e 1889 são bastante peculiares nesse aspecto, uma vez que reviram a participação do juiz de paz na apuração geral de votos para deputados, atividade dele retirada em 1846 e restabelecida pela Lei Saraiva. Desse modo, a partir de 1881, os juízes de paz presidentes das mesas, juntamente com o juiz de direito, realizariam a apuração final de todas as paróquias de seu distrito eleitoral. A Lei Saraiva trouxe ainda outra interessante inovação relativa à apuração dos votos: o cociente eleitoral, cujo cálculo muitas vezes ensejava divergências de interpretação. Em 1882, na eleição para vereador, Manoel Barbosa dos Reis Neto, eleitor da paróquia de Benevente, questionou o resultado apresentado pela mesa, que declarou como vereadores eleitos dois candidatos que obtiveram apenas 15 votos. Reis Neto afirmou que, como a câmara da vila abrigava 7 vagas e somente 111 eleitores compareceram no dia do pleito, o cociente eleitoral a ser aplicada era 16 e não 15. O juiz de direito concordou com o argumento e declarou nula a apuração. O tribunal da Relação, contudo, reformou a decisão, pois entenderam os desembargadores que as frações do cociente deviam ser desprezadas. 12 Esse variado quadro de possibilidades de participação do juiz de paz nas eleições ganha ainda mais relevância ao se considerar a alta frequência de votações no período. A Constituição Imperial estabelecia pleitos para diversos cargos no legislativo, mas também para o judiciário (como no caso dos próprios juízes de paz). As eleições para deputados à assembleia provincial eram aquelas mais frequentes, visto que o cargo tinha mandato de dois anos. Na outra ponta, estavam os senadores, uma vez que era função vitalícia. Juízes de paz, vereadores e deputados à assembleia geral tinham mandatos de quatro anos, mas suas eleições não tinham a mesma frequência. Entre as três, as últimas eram as que mais ocorriam, devido à possibilidade de dissolução da câmara. Não fosse por isso, os cargos locais certamente seriam responsáveis por maior número de pleitos, visto que eram bem mais numerosos. No ano da proclamação da República, por exemplo, havia na província do Espírito Santo: 1 vaga para senador, 2 para deputado geral, 22 para deputado provincial, 120 para vereador e 132 para

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juiz de paz. Apesar de mais numerosos, os juízes de paz não ensejavam maior número de eleições que vereadores, uma vez que, na morte ou desistência do candidato, seu suplemente era chamado. No caso dos vereadores, novas votações deveriam ocorrer. Havia também motivos procedimentais que explicavam o elevado número de eleições no período. Um deles é o mencionado cociente, criado em 1881: como só poderiam ser eleitos os que atingissem número mínimo de votos, novo pleito ocorria para as vagas não preenchidas. Todas essas regras reguladoras de nossas eleições, associadas com a criação de novos municípios, paróquias e distritos de paz, provocaram forte aumento no número de votações, que já era grande. Em 19 anos, no Espírito Santo, foram criados 7 distritos de paz, 3 paróquias e 3 vilas, enquanto 2 vilas foram elevadas à cidade, aumentando o número de cargos locais e consequentes eleições. Em 1887, o Decreto nº 3.340 ainda permitiu eleições nos distritos de paz com mais de 20 eleitores, o que era comumente alcançado nos distritos da província. Como resultado, entre 1871 e 1889, as paróquias espírito-santenses realizaram, em média, 1,5 eleições ao ano. Vitória alcançou a impressionante cifra de 2,1. Isso se deu porque, além de paróquia, Vitória foi, até 1881, colégio eleitoral. Dessa forma, além das eleições primárias, ali também tinham lugar as secundárias. Por outro lado, outras paróquias como Santa Cruz, Benevente, São Mateus e Cachoeiro de Itapemirim também eram colégios, mas nenhuma delas alcançou média maior de que 1,9. Vitória o fez porque foi palco de diversas eleições adicionais. Duas delas ocorreram nas cinco paróquias do município, devido à morte e desistência de vereadores. Outra em quatro delas, segundo decisão do tribunal da Relação, confirmando anulação pelo juiz de direito de eleições para todos os cargos. Duas, entretanto, foram realizadas apenas em Vitória: a primeira, para deputado geral, por ter sido anulada pela câmara na assembleia geral; e a segunda, para juiz de paz, conforme decidiu o tribunal da Relação. Analisada a participação do eleitorado nessas votações, foi também observado que era bastante alta, sem marcantes diferenças entre aquelas para o poder legislativo e o judiciário. Tanto que, após a revogação em 1881 da obrigatoriedade de voto para juízes de paz, a participação nessas eleições não diminuiu. Em Guarapari, por exemplo, a participação no pleito de 1882 para juiz de paz foi levemente superior àquela para deputado geral em 1885: dos 126 alistados da paróquia, compareceram respectivamente para votar 106 e 105 (ou 84% e 83%). 13

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Conclusão O presente estudo abordou o funcionamento da justiça de paz do Espírito Santo em âmbito eleitoral. Foi detalhado o cotidiano desses juízes, por meio de exemplos de sua atuação em diferentes fases do pleito. Os dados mostraram que, apesar de não serem autoridade única na gerência das eleições, os juízes de paz possuíam intrigante particularidade, que alterava profundamente sua relação com os escrutínios: a proximidade com o eleitorado. Suas incumbências nos pleitos refletiam justamente essa característica, a exemplo do processo de listagem dos votantes e sua identificação na hora da votação, o recebimento e contagem dos votos, a entrega dos títulos e até anotação das reclamações oralmente feitas. Certamente essas atividades também poderiam ser exercidas por autoridades que não atuassem em contato direito com os habitantes da freguesia – tanto que o foram –, mas a presença do juiz de paz facilitava enormemente o acesso da população às urnas. É nesse sentido que se pode entender a declaração dos juízes de paz e suplentes de Viana, ao receber o voto de Joaquim de Azevedo Rodrigues Braga, apesar de invertidos seus sobrenomes no alistamento organizado pelo juiz de direito: era conhecido de todos na região. Essa peculiaridade do magistrado eleito foi bastante determinante para a manutenção das eleições no cotidiano dos brasileiros. Quando a Lei Saraiva entrou em vigor em 1881, não apenas reduziu drasticamente o eleitorado do país, mas também deslocou o processo preparatório eleitoral da freguesia para a cabeça da comarca, impedindo as comunidades rurais de acompanhá-lo de perto. As mesas eleitorais, por outro lado, permaneceram em todos os rincões do país e a presença nelas dos juízes de paz conseguiu em parte amortecer o impacto das novas regras. Finalmente, vale lembrar que o exercício do cargo definitivamente foi importante forma de participação na administração estatal. No Espírito Santo, havia 132 juízes de paz atuando simultaneamente no último quatriênio do Império. Descontadas as reeleições, foram mais de 600 vagas para o juízo nos 19 anos que cobrem o recorte temporal deste trabalho. Em uma província com menos de cem mil habitantes, esse valor certamente era significativo. Talvez por isso a justiça de paz tenha permanecido erguida por anos a fio, mesmo após a queda do Império que aqui a criou. 14 15

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Doutorando em História pela UFES. Orientadora: Adriana Pereira Campos. E-mail: [email protected].

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O presente trabalho apresenta dados analisados durante pesquisa de mestrado. Conferir em SOUZA, Alexandre de O. B. de. Das urnas para as urnas: juízes de paz e eleições no Espírito Santo (1871-1889). Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, 2013, p.1-224. 3

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem/Teatro de Sombras. 3º Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.59. 4

CARVALHO, José Murilo de. “Radicalismo e Republicanismo”. In: Repensando o Brasil dos Oitocentos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.41. 5

PAPALI, Maria Aparecida C. R. Escravos, libertos e órfãos: a construção da liberdade em Taubaté (18711895). São Paulo: Fapesp, 2003, p.80 6

SOUZA, Alexandre de O. B. de. Obra citada, p.69-83.

7

KOERNER, Andrei. Judiciário e cidadania na constituição da República brasileira. São Paulo: Ed. Hucitec, 1998, p.100. 8

SOUZA, Alexandre de O. B. de. Obra citada, p.83-99.

9

Ibidem, p.159-161.

10

Ibidem, p.147-148 e p.166-174.

11

Ibidem, p.151-152 e p.174-181.

12

Ibidem, p.181-182.

13

Ibidem, p.137-143.

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A federalização permitiu, contudo, que os novos estados alterassem seu funcionamento. A Constituição estadual de São Paulo de 1891, por exemplo, manteve os juízes de paz e determinou que sua eleição e competência seriam reguladas por lei. Os constituintes de Santa Catarina fizeram previsão semelhante. Conferir em SOUZA, Alexandre de O. B. de. “Políticos intelectuais e a reinvenção do Juiz de Paz imperial (1871-1889)”. Revista Ágora, Vitória, n.13 p.16, 2011. 15

No que tange à legislação eleitoral, o juiz de paz continuou inserido em sua dinâmica, uma vez que o Decreto 200-A, de 8 de fevereiro de 1890, previa sua presidência das Comissões Distritais responsáveis pelo alistamento eleitoral. Conferir em PORTO, Walter Costa. O Voto no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002, p.254.

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