ENTRE A CANETA E O EDITOR DE TEXTO - VERTENTES II

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Descrição do Produto

Projeto e produção gráfica Editora Centro Serra Sobradinho-RS Editoração Hélio Scherer Design gráfico e capa Dago Vianna Revisão Clara Luiza Montagner Larissa Scherer

Impressão Lupa Graf Santa Cruz do Sul Tamanho 14,8 X 21 cm Fontes Paladino regular Museo 100, 300 e 500 Papel Pólen Soft Natural 80g/m2

Todos os textos são de responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados aos autores.

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Ezequiel Redin Sou filho de agricultores familiares, de Linha Paleta, Arroio do Tigre, RS. Cresci entre a lida na roça e o estudo no campo, apaixonado pelos livros e pela natureza. Em Cachoeira do Sul, na UERGS, me formei como Tecnólogo em Agropecuária, com ênfase em Sistemas de Produção (2009). Após, em Santa Maria, obtive a formação em Administração (2006-2010); licenciatura através do Programa Especial de Graduação de Formação Pedagógica de Professores (PEG/UFSM 2012-2013); sou Mestre em Extensão Rural (2009-2011); Especialista em Gestão Pública Municipal (2010-2011) e em Tecnologias de Informação e Comunicação aplicadas à Educação (UFSM 2013-2014). Em 2015, estou concluindo o Doutorado em Extensão Rural na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atualmente, sou editor da Revista Extensão Rural (Santa Maria); membro do Comitê de Avaliação da FAPERGS e FAPESC; tesoureiro da Associação Riograndense dos Tecnólogos; secretário da Juventude Unida, Linha Paleta, Arroio do Tigre; e membro da Academia Centro Serra de Letras. Exerço a atividade docente na Faculdade Metodista de Santa Maria (FAMES) e sou tutor do Curso Superior de Graduação Tecnológica em Agricultura Familiar e Sustentabilidade da UFSM.

Vertentes II

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Entre a caneta e o editor de texto... Não estou mais acostumado com a caneta. Tivemos uma relação histórica; às vezes, ela até perdeu espaço para o lápis e a borracha. Mas o ato de escrever ao punho sempre me trouxe um estigma caligráfico. Minha letra feia, comparada à ortografia da professora nas séries iniciais, me deixava inquieto. Preocupava-me mais em arquitetar uma letra razoavelmente aceita do que com as palavras que eram escritas. A caneta representou-me uma impossibilidade de erro, era preciso atenção. A preocupação central era mais o resultado da letra do que a internalização das palavras. O corretivo líquido (branquinho) era um ingrediente farto nos cadernos letivos. Precisamente fiz todo meu ensino fundamental e médio à base de caneta e lápis. O computador se popularizou depois. A expressão ortografia deriva das palavras gregas ortho que significa “correto” e graphos que significa “escrita”. Ou seja, um conjunto de regras normativas que definem a escrita correta de uma língua. O correto é um padrão aceitável que visa conduzir a vida cotidiana. Abstraindo, o correto também é escrever bonito, usar uma técnica manual ou virtual que possa padronizar o tamanho, a forma, o espaçamento e o ângulo. O caderno de caligrafia, o terror da meninada, é a expressão mais latente da padronização da escrita. Geralmente, eu não estava entre os alunos que eram indicados, de forma veemente, para o uso do caderno de caligrafia, mas lembro que já rabisquei nesses quadrados. Mais tarde, serviu como registros de anotações do Grêmio, minha fase fanática de torcedor de time de futebol. Foi um dos melhores registros que tenho entre os anos 1998 a 2003 sobre todas as partidas, goleadores, atletas que passavam pelo time e campeonatos conquistados. Informação que alimentava escutando grandes emissoras de rádio da capital. Mas isso não representou uma melhora significativa nas características da minha letra cursiva. Fazer redação de vestibular sempre foi um tormento, não pelo tema, mas pela atenção especial que era preciso dar à letra para torná-la compreensível ao avaliador. Poderia ser médico!

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Ezequiel Redin

Não, não poderia, não tenho vocação! A caneta me fornece foco, originalidade na escrita, uma afinidade entre o corpo, a mente e o papel – uma maior fidedignidade entre o cognitivo e o processo de construção de manuscritos. O editor de textos fornece possibilidades, pois me corrige, dá dicas de formatação, oferece-me sinônimos (pois minha mente teima em repetir palavras) e com um ou dois cliques consigo salvar meus arquivos em um disco rígido. No entanto, ele está virtual, distante, quase intocável em termos palpáveis. O papel, por outro lado, é salvo pelas extensões do tempo, armazenado pelos compartilhamentos das gavetas. A caneta me traz identidade, enquanto o editor de textos metamorfoseia minha escrita. A caneta força meu pulso, desfigura o papel com uma letra desregrada e polui o visual do leitor. O editor de texto me coloca num padrão comum, numa generalização em que a única preocupação é o enredo da escrita. Enquanto um apresenta as minhas debilidades em manuscritos, o outro se apresenta como um protótipo convencional, uma normatização geral das minhas abstrações. Os meus rabiscos de punho evocam um estilo calcado na imprevisibilidade do comportamento dos meus dedos. O editor de texto me coloca num constante ato de juntar e apagar letras. Apago mais que escrevo, escrevo menos que apago. A caneta não me fornece essa possibilidade: ou escrevo correto ou não, ou faço a correção ou lhe passo o corretivo. A caneta me traz angústias, enquanto o editor de texto me traz ansiedade. A caneta me traz liberdade, enquanto o editor de texto me traz oportunidades. E nesse processo criativo, da arte magnífica de congregar palavras num estilo metamorfoseado entre o ler, o refletir e o escrever, a criatividade suscita entre a tinta da caneta e os caracteres do editor. No meu caso, o editor me forneceu a possibilidade de uma escrita sem preocupação com seus devidos contornos, e a caneta me traz a saga da letra imperfeita. Entre a caneta e o editor, prefiro uma miscigenação entre a tinta e os caracteres. E você, quais memórias reativam a relação ambígua entre a caneta e o editor, entre o papel e o computador? Vertentes II

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