Entre a Delegação e o Lobby: um Estudo de Caso sobre o Processo de Criação da Agência Nacional de Aviação Civil

June 29, 2017 | Autor: Thiago Silame | Categoria: Estudos Legislativos; Instituições Políticas
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Entre a Delegação e o Lobby: um Estudo de Caso sobre o Processo de Criação da Agência Nacional de Aviação Civil1 Thiago Silame João Francisco Meira

Introdução

empresas prestadoras de tais serviços públicos para o setor privado”.

Pode-se apontar como características da última década do século passado no Brasil a transição democrática e a adoção de reformas neoliberais, promovidas no âmbito do Estado brasileiro. Destacam-se, entre as medidas liberalizantes, a privatização de empresas estatais2 e a reforma administrativa do Estado. Em decorrência da privatização de serviços públicos considerou-se necessário estabelecer um marco regulatório que definisse as intermediações entre mercado, estado e cidadãos. Como é salientado por Cruz (2007), a reforma regulatória implementada no Brasil visava criar um quadro normativo que possibilitasse segurança jurídica, fazendo com que o grau de incerteza dos agentes econômicos diminuísse, favorecendo, assim, o investimento do setor privado nas áreas de serviços públicos. A reforma regulatória “caracterizou-se pela estruturação de entidades públicas, preferencialmente setoriais, destinadas a regular os serviços públicos, após a transferência de propriedade de

O modelo adotado pelo país, no âmbito da reforma administrativa, foi o de agências reguladoras. Com relação ao estatuto jurídico, as agências podem existir como órgãos vinculados à administração direta ou de forma independente, como autarquias. Estas funcionam como autarquias especiais,3 o que lhes possibilita autonomia na execução de suas funções, apesar de vinculadas ao Executivo.4 Como ressalta Nunes (2001), grande parte da atividade estatal é regulatória. Neste sentido, observar os processos de criação das entidades reguladoras pode ajudar a compreender as condições que levaram a conceber um modelo de regulação por meio de agências independentes. O autor identifica quatro aspectos principais na reforma do Estado: 1) delimitação do tamanho do Estado; 2) redefinição do seu papel regulador; 3) recuperação da governança; e 4) aumento da governabilidade. Para fins deste trabalho, o segundo aspecto mencionado ganha relevo.

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Atribuem-se às agências reguladoras competências executiva, legislativa e judiciária. São competências executivas a concessão e a fiscalização de atividades e direitos econômicos. As atribuições legislativas dizem respeito à criação de normas, regras e procedimentos, com força legal sob a área de sua jurisdição. Por fim, ao arbitrar, impor penalidades, interpretar contratos e obrigações, as agências desempenham funções judiciárias. (Nunes, 2001). Tal amplitude de atribuições é controversa, pois, como nos lembra o autor, a adoção do modelo de agências reguladoras como entidades independentes traz problemas relevantes, como o da delegação legislativa e o da invasão de territorialidades institucionais. Além disto, suscita várias questões ligadas à legitimidade política, no que se refere à sua competência delegada, e de legitimidade substantiva, no que se refere a seus procedimentos internos, principalmente aqueles de natureza quase-judiciária. *** O objetivo deste artigo é analisar o processo de criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), tendo como pano de fundo o contexto de reforma por que passou o Estado brasileiro na década de 1990. Para empreender tal esforço analítico será mobilizada a literatura sobre cartel legislativo (Cox e McCubbins, 2005, 1993), sobre a organização informacional dos trabalhos legislativos (Krehbiel, 1991), sobre delegação de poderes (Epstein e O’Halloran, 1999) e sobre grupos de interesse e lobby no Legislativo (Victor, 2007; Epstein e O’Halloran, 1995). O artigo está estruturado da seguinte forma: na primeira seção far-se-á um estudo comparado sobre os processos legislativos que culminaram na criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Anac. O intuito é verificar se houve delegação de poderes por parte do Legislativo e se vigorou, em algum momento, a lógica do cartel legislativo. A hipótese deste trabalho é a de que, nos processos legislativos de criação da Aneel e da Anatel, teria havido delegação de poder do Legislativo para o Executivo e a composição da base política de apoio ao governo na Câmara dos Deputados possibilitou que o cartel determinasse os procedimentos relacionados à tramitação dos dois projetos. Já no processo de criação da Anac, a lógica do cartel nem sempre conseguiu impor a vontade do Executivo. Em lugar de estrita delegação, a Câmara parece ter assumido custos informacionais, distanciando sua produção legislativa do formato desejado pelo Executivo. Uma possível explicação para a diferença de tramitações entre os projetos residiria, no terceiro caso, na incidência de lobbies de diversos stakeholders, o que parece ter possibilitado ganhos informacionais para os legisladores. A segunda seção do artigo reflete essa possibilidade de análise, reconstituindo a trajetória deliberativa em torno do Projeto de Lei da Anac. Como conclusão, o trabalho pretende discutir

os alcances e limites das explicações mobilizadas para entender o processo de criação da agência.

1. Delegação, cartel legislativo e a criação das agências reguladoras A literatura sobre o sistema político brasileiro atribui-lhe o caráter de presidencialismo de coalizão (Abranches, 1988; Figueiredo e Limongi, 1999; Santos, 2003; Anastasia, Melo e Santos, 2004; Inácio, 2006). Os efeitos combinados dos sistemas multipartidário e eleitoral, que associa voto proporcional com lista aberta, ao próprio presidencialismo proporcionariam presidentes minoritários, ou seja, mandatários que não contam com maioria legislativa que seja capaz de lhes dar sustentação. Torna-se estratégia fundamental para presidentes brasileiros convidarem partidos para compor uma coalizão de governo majoritária que seja capaz de aprovar sua agenda.5 O principal cimento das coalizões seria a distribuição de cargos aos partidos convidados. Prognósticos pessimistas, acerca da combinação explosiva que informaria o presidencialismo de coalizão brasileiro não se verificaram empiricamente.6 Como demonstrado no trabalho de Figueiredo e Limongi (1999), o presidencialismo brasileiro atual opera sobre bases distintas, se comparado com o período de 1946-64. Segundo os autores, a Constituição de 1988 dotou os presidentes de amplos poderes legislativos, tais como edição de medidas provisórias, pedido de urgência legislativa, prerrogativa exclusiva de iniciar legislação orçamentária e possibilidade de vetar legislação. Fato é que, na nova ordem constitucional, o Executivo propõe a agenda dos trabalhos legislativos, ou seja, dita o conteúdo da agenda e o ritmo dos trabalhos. Ponto que possibilitou estabilidade e previsibilidade ao comportamento parlamentar reside na centralização dos trabalhos legislativos nas mãos das lideranças partidárias, o que favoreceu melhor coordenação dos trabalhos. Os líderes partidários exercem a mediação na relação com o Executivo, uma vez que distribuem recursos aos parlamentares de suas respectivas bancadas, além de dispor de instrumentos para manter a disciplina.7 No Brasil, os partidos constituem o eixo estruturador dos trabalhos legislativos e não as comissões. O modelo aponta para a importância dos lideres partidários, responsáveis pela coordenação dos trabalhos legislativos, ou seja, vige uma lógica partidária. A observação da lógica de cartel legislativo no Congresso norte-americano se dá verificando quais são as normas procedimentais adotadas pelo partido majoritário, no sentido de proteger seus interesses e a imagem de seus membros (Cox e McCubbins, 1993, 2005). No caso brasileiro, toma-se a coalizão governativa como um ator unitário, considerada, assim, um análogo ao partido majoritário norte-americano. Logo, os líderes partidários da coalizão

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devem adotar procedimentos que favoreçam a aprovação da agenda do Executivo. Isso implica a aprovação substantiva dos projetos do Executivo em um espaço de tempo reduzido, impondo baixos custos de tomada de decisão para os membros da coalizão, sejam estes partidos, como entidades coletivas, ou deputados tomados individualmente. Na adaptação da teoria do cartel para a realidade brasileira, assume-se como suposto que o Executivo seria o principal agente informacional do Legislativo, em decorrência dos poderes de agenda conferidos ao presidente e à centralização dos trabalhos já mencionada. Os congressistas delegam poder ao Executivo, que assume os custos de se informar sobre determinada policy; por sua vez os parlamentares reduziriam as perdas decorrentes de dilemas de coordenação obtendo seu naco de patronagem. Além disso, obtém-se a produção de políticas com menor grau de incerteza no que se refere aos seus resultados. Para a teoria informacional (Krehbiel, 1991),8 o principal dilema institucional vivenciado pelo legislativo seria o de criar uma organização que permitisse aos legisladores tomarem decisões com base no maior volume possível de informações, oriundas de diferentes fontes. As comissões seriam o principal órgão legislativo, na House of Representatives, responsáveis por produzir e distribuir informações para os legisladores a respeito de políticas públicas, diminuindo, portanto, o grau de assimetria informacional existente entre os mesmos. No Brasil, a centralização dos trabalhos legislativos reduz a relevância do sistema de comissões permanentes na Câmara dos Deputados.9 O sistema de comissões permanentes brasileiro não oferece incentivos à especialização do parlamentar; produz e distribui pouca informação com relação aos impactos da adoção de uma dada política pública. Para escapar da incerteza quanto aos resultados das políticas, os legisladores recorrem ao Executivo como agente informacional. Existem diversos trabalhos que associam assimetria informacional e delegação de poderes. O próprio arranjo institucional observado por Krehbiel (1991) pode ser interpretado como uma relação agent-principals. O Plenário delega poderes às comissões. Com tal decisão, os deputados esperam minimizar os riscos de se adotar determinada política.10 A produção e a distribuição de informações pelos agents (membros das comissões) proporcionam ganhos para todos os deputados (principals). Entretanto, para o caso brasileiro, a possibilidade de que as comissões sejam agentes informacionais dos legisladores é pequena, como já foi mencionado. Epstein e O’Halloran (1999) oferecem possibilidades analíticas que podem iluminar o processo de delegação de poder que ocorre do Legislativo para o Executivo. Segundo os autores, o Legislativo tem duas opções de estratégia no processo de tomada de decisão. A primeira seria o próprio Legislativo estabelecer internamente as policies. A segunda consistiria em delegar ao Executivo poder

de determinar a agenda de políticas públicas a serem adotadas. A adoção de uma ou outra estratégia depende (a) do grau de assimetria informacional existente entre os poderes; (b) da disposição do Legislativo em se informar sobre o possível resultado de determinada política — fator que depende da distância de preferências entre os poderes sobre determinada policy —; e (c) da gama de poderes legislativos que o Executivo tem à sua disposição. Quanto mais distantes forem as preferências entre os poderes com relação a dada política e quanto menor a incerteza com relação aos resultados da mesma, mais restrita será a delegação por parte do Legislativo ao Executivo. Podemos observar a relação no diagrama abaixo: p1_______sq______p2___pe___ p3______________p4_____ Hipoteticamente: se a preferência do Legislativo (p)11 sobre uma dada política estiver localizada em p2 ou p3, ele prefere delegar poder ao Executivo e não arcar com os custos decorrentes da obtenção de informação, em razão da proximidade de preferência com relação ao ponto ideal do Executivo (pe). Já nos casos em que a preferência do Legislativo se encontrar em p1 ou p4, ele prefere arcar com os custos de informação e delegará menos poder ao Executivo, inclusive assumindo os custos da tomada de decisão. Caso a preferência do Legislativo diste em demasia da preferência do Executivo, este pode preferir o status-quo (sq) e vetar a lei. Pode-se supor que na situação p = pe ocorrerá ampla delegação do Legislativo ao Executivo, sendo este último agente informacional do primeiro. Considerando o modelo espacial acima apresentado, pode-se conjecturar que, nos casos dos projetos de lei (PL) que criavam a Anatel e a Aneel, o Legislativo não tinha preferências extremadas com relação ao ponto de preferência do Executivo, logo, lhe delegou poderes e se valeu deste ator para se informar com relação aos resultados da implementação da política. Com relação à decisão que envolvia a criação da Anac, em algum momento da tramitação do PL, as preferências do Legislativo distaram das do Executivo, tendo o primeiro arcado com os custos informacionais e delegado menos poder ao segundo, fazendo com que a tramitação fosse mais demorada, impondo desgastes ao Executivo. Outra forma de analisar os processos é por meio da lógica de funcionamento do cartel, conforme se verificará adiante neste artigo. *** A primeira agência reguladora, criada no governo FHC, foi a Aneel,12 em 1996, por um projeto proveniente do Executivo. A segunda foi a Anatel,13 criada em 1997, por um projeto do Legislativo. A análise do quadro 1 permite verificar quais foram os procedimentos14 adotados no processo de tramitação

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da criação das três agências e também possibilita algumas observações acerca do funcionamento do cartel legislativo em cada um dos processos. Com relação ao processo legislativo que veio criar a Anatel, des-

tacamos duas vitórias procedimentais da coalizão de governo. Em 1997, a Mesa Diretora da Casa solicitou a criação de Comissão Especial15 para a apreciação do projeto, o que lhe possibilitou uma tramitação ágil.

Quadro 1. Definição de procedimentos Agência

Requerente

Procedimento

Mesa Diretora* PFL e PT Líderes Coalizão16 Bloco da Oposição17

Criação de Comissão Especial;18 Envio do projeto ao plenário; Solicitação de urgência; Solicitação de votação nominal de substitutivo e DVS;

Pró-cartel Contra cartel Pró-cartel Contra cartel

Aneel

Líder de Governo PT PT PT

Solicitação de urgência; Solicitação de retirada de pauta; Solicitação de adiamento de discussão; Votar texto original;

Pró-cartel Pró-cartel Pró-cartel Pró-cartel

Anac

Mesa Diretora Comissão Especial Comissão Especial Mesa Diretora PSB19 Plenário Comissão Especial

Criação de Comissão Especial; 1o Substitutivo; 2o Substitutivo; Acata retirada do projeto pelo autor; Recurso contra a retirada; Deferimento de recurso; 3o Substitutivo

Pró-cartel Contra Cartel Contra Cartel Pró-cartel Contra-cartel Pró-cartel Pró-cartel

Anatel

Resultado

Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis em: .

Aprovado o parecer de forma unânime, é solicitado e aprovado requerimento para que o projeto seja apreciado em plenário. Tal fato poderia ser considerado uma derrota do cartel, pois aumenta o tempo de tramitação do projeto, além de abrir margem para que ocorram destaques para votação em separado (DVS), o que possibilita a exposição dos parlamentares perante a opinião pública, em decorrência do instituto do voto nominal. Entretanto, uma solicitação de urgência

possibilita o rápido encaminhamento do processo. Por fim, ocorre o requerimento por parte da oposição de se votar nominalmente o substitutivo e os DVS. Isto também poderia ser apontado como derrota do cartel legislativo. Contudo, o que se verifica no momento das votações é que a coalizão vota de forma disciplinada, o que confere ao governo vitória em todas as votações, conforme o quadro abaixo:

Quadro 2. Votações nominais no processo de criação da Anatel

DVS no 4 (Situação)

Partidos

Total de Votos Favoráveis

Total de Presentes

PCdoB

9

9

PDT

2

15

PFL

49

73

PL

1

5

PMDB

73

86

PMN

0

1

PPB

12

69

PPS

0

1

PSB

1

7

PSD

3

3

PSDB

70

73

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Partidos

Total de Votos Favoráveis

Total de Presentes

PSL

1

1

PT

3

42

PTB

8

18

PV

0

1

Total

232 (57,43%)

404

DVS (Emenda no 215 (Oposição)

Total

101 (22,9%)

337

Subemenda à Emenda no 33 (Oposição)

Total

171 (46%)

371

Substitutivo (Situação)

Total

312 (77%)

405

DVS no 28 — Emenda no 78 (Oposição)

Total

111 (31,7%)

350

DVS no 4 (Situação)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis em: .

Já os procedimentos que informam a tramitação do projeto que cria a Aneel, são todos favoráveis ao cartel. Ressalte-se a aprovação da tramitação em regime de urgência20 e a derrubada de requerimento de deputado da oposição que solicitou a votação do texto original. A tramitação do projeto de lei da Anac apresenta particularidades, se comparada com os processos que culminaram na criação da Anatel e da Aneel. O projeto do Executivo para a Anac entra em tramitação em 2000. Consoante a lógica de operação do cartel, criou-se comissão especial para a apreciação do projeto, ficando a presidência e a relatoria nas mãos de deputados pertencentes a partidos aliados do governo.21 Entre maio e outubro de 2001 foram

realizadas várias audiências públicas com representantes de interesses vinculados ao setor aeronáutico. O projeto recebeu numerosas emendas22 e sua discussão gerou dois substitutivos elaborados pelo relator. No dia 20 de novembro de 2001, quando se discutiria e votaria o segundo parecer, o projeto foi retirado pelo Executivo.23 Pode-se supor que, na tramitação do PL no 3.846/2000, as mudanças introduzidas pelos substitutivos tenham se afastado da preferência do Executivo com relação ao tema. O que parece ter ocorrido é que o Legislativo resolveu arcar com os custos de obtenção de informação e delegou menos poder ao Executivo no momento de criação da Anac. Uma conjectura presente na época aventava que o Executivo, contrariado, criaria a agência, através de Medida Provisória.24

Quadro 3. Autoria e tempo de tramitação dos projetos Agência Reguladora

Autor

Tempo de Tramitação

PL no 1.669/1996 (Aneel) PL no 821/1995 (Anatel) PL no 3.846/2000 (Anac)

Executivo Legislativo25 Executivo

08 meses 05 meses 53 meses

Elaboração própria a partir de dados disponíveis em www2.camara.gov.br

A observação do Quadro 3 informa a autoria e o tempo de duração de tramitação dos projetos. Comparando o tempo de tramitação dos projetos se percebe que o processo de criação da Anac foi muito mais demorado que o de criação das outras duas agências reguladoras, o que permite indagar se a questão teria suscitado um conflito de preferências entre o Executivo e o Legislativo. Também se poderia suspeitar de um conflito de interesses entre os poderes, no caso da Anatel, considerando que a tramitação do projeto tem início em 1995 e a matéria passa o ano de 1996, ano eleitoral, praticamente parada nas comissões. Entretanto,

a partir da constituição da Comissão Especial, em 1997, a tramitação ocorre de forma muito rápida, em apenas cinco meses. Apesar de ter sido iniciada pelo Legislativo, havia interesse do Executivo em aprovar o projeto, se considerarmos a adoção de procedimentos que aceleravam a sua tramitação. Observando o processo de criação da Aneel percebe-se que o Projeto de Lei se transforma em norma jurídica em apenas oito meses. Com origem no Executivo, tramitou em regime especial, o que reduz o tempo de apreciação do documento no nível das comissões permanentes, impossibilitando que as mesmas emitissem parecer em tempo hábil sobre

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a matéria. Em votação realizada em turno único, o projeto é promulgado em dezembro de 1996. Considerando o fator tempo, como uma variável que permite analisar o sucesso do cartel, chega-se a conclusões semelhantes no que tange à observação da definição dos procedimentos. O cartel legislativo parece ter imposto sua vontade na criação da Aneel e da Anatel, e ter tido sua força questionada no PL que criava a Anac. *** A próxima seção deste artigo procura examinar, de uma perspectiva pouco frequente na ciência política brasileira, as circunstâncias da delegação de poderes e o funcionamento relativamente ineficaz do cartel legislativo no processo de tramitação da Anac. Tal enfoque consiste em analisar o processo de tramitação do PL, dedicando atenção particular aos conteúdos debatidos nas audiências públicas. Argumenta-se que estes fóruns se tornaram loci da prática de lobby direto,26 o que possibilitou ganhos informacionais, a baixo custo, aos legisladores. Uma vez informados, eles preferem limitar a delegação, o que, por sua vez, enfraquece o poder do cartel legislativo e tende a reduzir a delegação de poderes e a discricionariedade das atribuições da burocracia.

2. Ações de lobby no processo de criação da Anac Um dos elementos importantes a considerar na tramitação do projeto de lei foi a intensa movimentação de grupos de pressão no decorrer do processo. Dentre esses, pode-se distinguir desde agentes do próprio Executivo, como setores ligados à Aeronáutica, passando por representantes de empresas aéreas, de sindicatos patronais e de empregados de transportadoras, associações de operadores turísticos, entidades representativas de interesses de passageiros etc. Seu papel e sua capacidade de, eventualmente, influir sobre a produção legislativa são temas tratados nesta seção. O referencial bibliográfico mobilizado para esta análise baseia-se na postulação de Epstein e O’Halloran (1995), que propõe um modelo de interação entre grupos de interesse (lobbies) e legisladores no sentido de exercer controle sobre a burocracia. Na visão desses autores, a atuação dos lobbies facilita a tarefa de supervisão do Legislativo sobre a agência, mediante a redução do déficit informacional do Legislativo no que concerne a áreas temáticas de interesse dos grupos de pressão, ao mesmo tempo que estes também exercem o papel de “alarme de incêndio” com respeito a determinados issues: a sua simples presença no cenário pode fazer com que as agências governamentais concedam atenção às demandas externas. Os autores enfocam o dilema do legislador, que delega autoridade ao agente executivo em função de

este deter um nível necessário de expertise em relação à policy que lhe é encarregada. No entanto, a vantagem informacional do agente é motivo de preocupação, uma vez que este, atuando estrategicamente, pode desenvolver políticas distintas daquelas originalmente preferidas pelo legislador. Os grupos de interesses intervêm nessa interação, no sentido de mitigar as perdas informacionais do legislador, provendo-lhe conteúdos sobre as atividades das agências e propiciando, portanto, melhores condições de supervisão. Por outro lado, em busca de “endosso” da parte dos grupos de pressão, os agentes executivos desenham políticas que tendem ao equilíbrio, minimizando a possibilidade de acionamento dos alarmes. Outra referência relevante para a presente análise é oferecida por Victor (2007), que informa sobre as diferentes opções táticas de que dispõem os lobbies na mobilização de recursos. Distingue entre as formas diretas de pressão (como a oferta de conteúdos informacionais e esboços de proposições — draft proposals —, além de contatos pessoais com legisladores e agências, sem esquecer as contribuições para campanhas eleitorais e mesmo ajuda com pessoal especializado) e as formas indiretas, entre as quais se destacam as manifestações públicas, entrevistas na mídia, o contato com as bases eleitorais dos legisladores e a publicização dos votos legislativos dos congressistas. A autora também chama a atenção para a importância do contexto legislativo — seja no nível processual (tipo de matéria ou estágio de tramitação), seja no nível do conteúdo da matéria em discussão—, bem como da estrutura organizacional de que dispõe um grupo de pressão para exercer sua atividade. A interação desses elementos condiciona as opções a adotar, bem como sua intensidade. Claro é, no entanto, que a literatura que aborda a temática dos grupos de interesse e sua articulação com as diferentes esferas de governo emerge num contexto regulamentado, como é o caso da longa tradição existente na democracia norte-americana, cujo ato regulatório data de 1946.27 Outros países, mais recentemente, instituíram regras semelhantes, por exemplo, Canadá, Reino Unido, Hungria e Polônia. No entanto, um levantamento realizado pela OCDE (2006) indica que 70% dos países-membros da organização não dispõem de legislação específica. Não obstante, vários destes, (e.g., Alemanha, Dinamarca e Suécia) mantêm dispositivos de registro e práticas informais que, na realidade, reconhecem e delimitam as atividades de lobby.28 No Brasil, a situação atual parece transitar da informalidade e baixa transparência para uma regulamentação mais precisa. Presentemente, não há legislação reguladora específica das atividades de grupos de pressão ou organizações coletivas ou particulares que buscam influenciar os processos le-

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gislativos e o Executivo. Na Câmara e no Senado, os respectivos regimentos internos acolhem iniciativas da sociedade civil, pois aceitam que órgãos do Executivo e entidades civis “prestem esclarecimentos” ao Legislativo.29 Uma consulta aos bancos de dados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal30 revela que, no período entre 1985 e 2008, doze iniciativas de legislação foram empreendidas no sentido de estabelecer regras para o funcionamento dos grupos de pressão. Elas podem ser divididas em dois grupos principais: as de natureza procedimental, cujo foco é consignar nos regimentos internos especificações e procedimentos para definir, explicitar, regulamentar e fiscalizar aquelas atividades; e as de natureza legal, que tratam do tema não apenas na esfera do Legislativo como também no Executivo, inclusive nos níveis subnacionais.31 Em julho de 2008, tramitavam em conjunto três projetos de resolução na Câmara, propondo alterar o Regimento Interno de maneira a proceder ao reconhecimento e à regulação das atividades de lobby. O mais recente, de autoria de um parlamentar filiado ao DEM, era de 2007 e percorria as diferentes instâncias decisórias em regime de urgência. Também em fase adiantada de tramitação, dois projetos de lei tratavam do assunto: um por iniciativa de um deputado do PT, especificando em lei condicionalidades para a prática do lobby no âmbito da administração pública federal, outro, de uma congressista do PC do B, incluindo a atividade dos grupos de pressão no âmbito dos direitos políticos constitucionais a serem regulamentados mediante a instituição do Estatuto da Democracia Participativa. Esta última matéria encontrava-se em fase de encaminhamento a plenário. É razoável supor, dada a amplitude ideológica adquirida pelo tema, interessando tanto a partidos da esquerda quanto da direita, assim como a maturidade dos processos de tramitação, que, em prazo relativamente curto, a matéria poderá ser pacificada em termos legislativos. *** O processo legislativo de criação da Anac apresenta um conjunto de circunstâncias em que se pode verificar com clareza o processo de lobby, tal como se dá no contexto brasileiro. O Legislativo, particularmente a Câmara, na tentativa de adequar o PL no 3.846/2000, oriundo do Executivo, às preferências tanto dos parlamentares — que por sua vez frequentemente vocalizaram interesses de stakeholders setoriais — quanto de representantes de diferentes segmentos envolvidos no ramo da aviação civil, envolveu-se em intenso trabalho de informação, debate e deliberação que consumiu cerca de 20 audiências públicas e um número equivalente de sessões deliberativas internas. Ouviu mais de 30 representantes do Executivo, de

organizações representativas de companhias aéreas, de sindicatos patronais e de empregados do setor, assim como entidades da sociedade civil e especialistas na matéria. Tal esforço sugere uma tendência não delegativa, no nível dessa casa do Congresso, em relação ao assunto, sugerindo que, na circunstância, houve preferência do legislador em definir e especificar a matéria, para além do escopo de generalidade inicialmente desejado pelo Executivo. Outro elemento de informação que parece confirmar a tendência aqui apontada é o grande número de emendas apresentadas ao relator para a confecção dos três substitutivos que propôs. O seu primeiro e detalhado trabalho foi objeto de 177 emendas, o segundo e o terceiro, 152, o que denota elevado grau de interesse e participação dos integrantes da comissão especial que foi constituída pela Mesa Diretora da Casa para a discussão do projeto. No primeiro documento as emendas foram apresentadas por cerca de 30 diferentes deputados, 60 delas aproveitadas. Huber e Shipan (2002) propõem uma teoria para avaliar o grau de discricionariedade que um legislador confere a uma dada legislação, que afeta a administração pública e, consequentemente, a capacidade da burocracia estatal em atuar de forma autônoma. O suposto assumido pelos autores é que existem diferenças de preferências com relação à política entre os legisladores (políticos) e burocratas. A capacidade legislativa está relacionada positivamente à redução de assimetrias informacionais. Em um contexto no qual os legisladores não tenham certeza quanto ao resultado da adoção de uma determinada política, eles preferem leis vagas delegando discricionariedade aos burocratas dotados de conhecimento sobre a matéria. Um aumento do conflito político entre os players pode significar a aprovação de leis que conferem baixa discricionariedade para a administração pública, a depender da capacidade do Legislativo em obter informações. A associação de conflito político (preferências distintas sobre policies) entre burocratas e legisladores e ganho de capacidade legislativa faz com que a legislação aprovada seja menos vaga, isto é, menor é a discricionariedade concedida. Em termos cronológicos, a tramitação do PL relativo à criação da Anac pode ser dividida em duas etapas, correspondendo cada uma delas à respectiva instituição parlamentar, no âmbito do bicameralismo brasileiro: uma na Câmara, que transcorreu ao longo de um ano e meio, e uma fase no Senado, esta última um pouco mais célere, em 12 meses. Essas etapas, contudo, não foram imediatamente consecutivas: entre uma e outra se passaram cerca de três anos e transpuseram dois distintos mandatos presidenciais. A fase de tramitação na Câmara, por sua vez, ocorreu em três momentos, o primeiro, entre o final de abril e o início de setembro de 2001, período em que se verificou a maior parte das atividades legislativas descritas e que culminou na produção do primeiro

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substitutivo. O segundo momento transcorre entre esse mesmo mês — sob o impacto dos episódios do 11 de setembro em Nova York e Washington (EUA), que alteraram significativamente o contexto de trabalho e mesmo o conteúdo da produção parlamentar — e novembro do mesmo ano, ocasião em que a proposta do relator, acrescida de itens mais específicos sobre segurança no ar e nos aeroportos, na forma de um segundo substitutivo, chega ao ponto de votação, mas vê seu fluxo inesperadamente interrompido pelo Executivo, mediante a retirada do PL. O terceiro momento acontece a partir de junho de 2002, indo até outubro desse ano, período em que, ao cabo de uma negociação entre os Poderes e o setor aeronáutico, retomam-se os trabalhos. Um terceiro e radicalmente modificado substitutivo é, finalmente, votado e aprovado na Comissão Especial, não sem antes eliminar muitos pontos de legislação, tanto do projeto original do governo quanto dos substitutivos inicialmente gerados na Comissão; e o PLC32 adquire redação definitiva para encaminhamento ao Senado. Esse momento final já transcorre sob clima fortemente eleitoral, com a clara perspectiva de mudança no Executivo, razão pela qual, aparentemente, a pedido do redator é retirado de pauta. A tramitação no Senado só começa a partir de setembro de 2004 e se caracteriza por um aspecto bastante relevante: o projeto da Câmara passa por todas as comissões da Casa pertinentes e não sofre qualquer revisão, emenda ou alteração. É uma tramitação estritamente procedimental, sem que haja audiências públicas nem outras iniciativas informacionais da parte dos senadores. O texto recebido é aprovado in totum, somente sendo modificado, pela última vez, agora em 2005, mediante os vetos presidenciais que lhe darão a feição definitiva. Fica claro, portanto, que, apesar da mudança de governo, a forma final do projeto volta a se aproximar do intento do Executivo. Tem-se, pois, quatro documentos passíveis de comparação: o PL original, encaminhado pelo Executivo, o segundo substitutivo que quase foi votado em 2001, o projeto da Câmara, na forma como foi aprovado em 2002 e, mais tarde, encaminhado ao Senado, e o texto referendado pelo Executivo em 2005. Inicialmente, analisar-se-á a produção da Câmara em relação à proposta do Executivo. Mais adiante, serão enfocados aspectos da tramitação no Senado e o teor do texto legal sancionado pelo presidente da República. O PL original era dividido em nove capítulos, a saber: (i) dos princípios fundamentais, (ii) da Agência Nacional de Aviação Civil — Anac, (iii) da estrutura organizacional da Anac, (iv) do processo decisório, (v) dos serviços aéreos comerciais, (vi) do patrimônio aeroportuário, (vii) da taxa, dos preços e da suplementação tarifária, (viii) das receitas e (ix) das disposições finais e transitórias, além de três anexos referentes ao quadro de pessoal previsto, suas

remunerações e valores a serem cobrados por serviços da agência. Objeto das discussões e debates descritos, o projeto foi alvo de amplo substitutivo inicial, elaborado pelo relator, deputado Leur Lomanto (PMDB), que, em seu encaminhamento, reconhece que diverge, complementa e limita os poderes normativos da nova agência, com vistas a estabelecer: “(...) um marco regulador mais liberal para o setor, no qual o dinamismo do ente privado seja colocado a serviço do interesse público”.33 No mesmo documento, apresentado à Comissão Especial dia 18 de setembro de 2001, o relator assume que sua postura básica foi buscar o que lhe pareceu o consenso da “experiência setorial”, enquanto considera que o projeto do governo seria incompatível com as expectativas dos “agentes econômicos”, ao não lhes proporcionar, em sua visão, o ambiente de negócios adequado. Trata-se, pois, de verdadeira inversão de enfoque do projeto original, que tinha uma perspectiva de exercício de poder muito mais discricionário do que a do substitutivo, conforme se verá adiante, e que, desde logo, incorpora um viés deferente ao conjunto de pressões setoriais que se manifestaram ao longo dos debates. Na linha de maior especificação, o substitutivo contém 11 capítulos, acrescentando ao PL original um capítulo (II) de “definições”, em que se conceitualizam serviços aéreos e aeródromos, além de dedicar todo um novo capítulo (IX) à infraestrutura aeronáutica e aeroportuária. Dentre os elementos mais gerais de limitação de poder do agente executivo, podem-se mencionar os seguintes: (a) na ementa, introduz-se o Legislativo como um dos níveis de definição de policy para o setor; no original, apenas o Executivo teria tal prerrogativa; (b) foram retiradas do texto original diversas referências a capacidades de controle da agência sobre, por exemplo, a indústria aeronáutica, como queria o Executivo.34 Introduzem-se dois instrumentos de controle externo ao sistema: o Conselho Consultivo, “órgão de participação da comunidade do transporte aéreo”,35 que contaria com a participação de representantes do governo e das entidades representativas de empresas, trabalhadores e usuários; assim como o instituto do “voto de desconfiança” no Senado, como uma das instâncias possíveis de demissão de diretores da instituição. A porção mais substantiva das alterações ao projeto original, nas quais pode-se identificar com melhor nitidez a incorporação das reivindicações dos lobbies que se expressaram na fase das audiências públicas, encontra-se no capítulo VIII do substitutivo, que trata exatamente da organização dos serviços de aviação civil. Nesta parte do documento, o legislador se concentra em atender alguns reclamos mais explícitos dos diferentes setores ouvidos, como: a) a não aceitação do princípio de concessão de linhas aéreas, ou seja, trechos previamente definidos de um ponto a

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outro, mas sim a de prestação de serviços aéreos em todo o território nacional;36 as empresas ficam livres para determinar linhas, rotas e horários, limitadas apenas à disponibilidade operacional dos aeroportos; b) a determinação de um prazo de concessão de 25 anos, renovável por igual período, às empresas aéreas, em vez dos 10 anos previstos no PL do Executivo;37 c) a definição de critérios de licitação e seleção de prestadores de serviços aéreos com base em critérios exclusivamente técnicos e não onerosos, com a proibição da adoção de qualquer outra modalidade;38 d) a determinação de que todos os serviços de bordo sejam prestados por pessoal próprio das empresas concessionárias dos serviços, vedando a terceirização nessa área;39 e e) a consagração do princípio de liberdade tarifária aos concessionários dos serviços,40 assegurando-lhes a capacidade de cada qual determinar as suas próprias tarifas, cabendo à agência a possibilidade de estabelecer tarifas máximas onde sua fiscalização verificará irregularidades. A Anac não mais teria o poder de estabelecer o regime tarifário, como constava no projeto original, nem de estabelecer regime de aprovação de tarifas. Outro ponto muito relevante, por seu impacto na formação de preços das tarifas aéreas, é a determinação, nas disposições transitórias do substitutivo, da gradual extinção do Adicional de Tarifa Aeroportuária (Ataero), previsto para cessar em quatro anos, com alíquotas decrescentes no período.41 O PL original sequer menciona esse “detalhe”. Essas, dentre muitas outras alterações, destacam notável afastamento entre o desígnio do Executivo e o caminho trilhado pelo legislador, configurando, portanto, de um lado, sua divergência de preferências e, por outro, sua porosidade em relação aos lobbies que atuaram no processo. A discussão do substitutivo, na data já referida, sofre um brusco impacto, originado de variáveis externas, no plano do que Pierson (2004) chamaria de “estrutura temporal”, provocando, nas percepções dos atores envolvidos um “efeito de limiar (threshold effect)”, ou seja, alterações de consciência em relação ao contexto e às condições em que os processos sociais estão a ocorrer. Referimo-nos, naturalmente, aos eventos do 11 de setembro, de cujos efeitos não ficaram imunes os parlamentares da Comissão Especial que discutia o projeto. De fato, a sessão ordinária daquela data foi completamente dominada por intervenções alusivas ao assunto, das quais emergiram algumas decisões: postergar o prazo para apresentação de emendas ao substitutivo (cujo relatório afinal foi lido) e a convocação de autoridades das áreas de segurança pública, proteção ao voo e aeroportuária para prestar esclarecimentos sobre a conjuntura à Comissão. Tal reunião de fato ocorreu 22 dias depois, em 10 de outubro, quando expuseram o presidente da Infraero e os diretores-gerais do Departamento de Aviação Civil (DAC) e da Polícia Federal. Esses enfatizaram

as vulnerabilidades a que estaria exposto o sistema aeronáutico brasileiro, aumentando ainda mais as preocupações dos parlamentares com respeito ao tema da segurança. Levando em conta tal contexto, não admira que os deputados tenham proposto numerosas emendas referentes a esse aspecto. Por outro lado, também surgem, entre as 152 emendas apresentadas (das quais, 79 acatadas), propostas que mudam substantivamente o primeiro documento. Em certos casos, revela-se certa tendência de voltar a concentrar poderes na agência, especialmente aqueles que lhe permitem atuar no campo de segurança e fiscalização. Por outro lado, amplia-se a capacidade de intervenção do próprio Legislativo, com a redução do quorum necessário para o voto de desconfiança, antes por maioria qualificada, agora por maioria simples, assim como o da iniciativa, antes limitada a 20% dos membros do Senado, agora concedida a qualquer um dos senadores. Contudo, na realidade, o conteúdo deste segundo documento e as emendas a ele incorporadas, praticamente, em nada mudam os aspectos essenciais de que se ocupa esta seção do presente trabalho, isto é, o acolhimento das reivindicações dos grupos de pressão ali permanece, conservando, assim, o distanciamento também entre as preferências expressas pelo legislador nesse segundo substitutivo e aquelas do Executivo, tal como vieram no PL original. É esse, portanto, o documento que será apresentado em 7 de novembro, em sessão ordinária, para discussão e deliberação. É lido o parecer do relator, mas não há deliberação, em virtude de pedidos de vista de dois parlamentares, um da base governista, outro da oposição. A deliberação é, então, adiada por quatro sessões. Dia 20 de novembro, nos termos regimentais, a Comissão realiza a última reunião desta fase, destinada a discutir e votar o parecer do relator. Entretanto, conforme declara em ata seu presidente, pouco antes do início da sessão, é lhe encaminhado um ofício da Casa Civil que, por intermédio da Mesa Diretora, solicita a retirada do PL do Executivo. Tal mensagem já vem deferida pelo presidente da Casa, com o que ficaria extinta a Comissão e anulado todo o processo até então desenvolvido. A manifestação do governo foi recebida com indignação e inconformismo, tanto da parte dos membros da oposição quanto da de parlamentares situacionistas. Apesar de, regimentalmente, terem-se encerrado os trabalhos, restou um recurso, utilizado por membros do extinto colegiado, encaminhado ao Plenário da Casa, no sentido de questionar o deferimento da Mesa Diretora e reinstituir o debate em torno da criação da agência. O terceiro momento da tramitação da matéria na Câmara dos Deputados tem seu marco inicial em 19 de junho de 2002, com a votação em plenário do recurso encaminhado por membros da extinta

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comissão contrário ao deferimento do presidente da Mesa ao pedido de retirada do PL 3.846. Esse rito procedimental conta, na sessão de votação, com a anuência do próprio presidente da Casa, bem como do líder do governo, que informam à assembleia que a aprovação do recurso é de interesse do governo, naquele momento. Em votação simbólica, o recurso é aprovado e o projeto, portanto, retoma tramitação.

escoimado de toda a discussão sobre princípios gerais, definições relativas à natureza dos serviços e as condições de sua prestação, assim como os ganhos de controle externo — como o voto de desconfiança, as garantias de não terceirização em serviços essenciais, os prazos estendidos de duração das concessões (que foram prorrogadas somente até 2010), bem como as referências à extinção do Ataero.

À altura, outros elementos de contexto se fazem presentes, visto que a campanha eleitoral se aproxima, e o governo parece interessado em completar o ciclo de institucionalização das agências reguladoras antes do final do mandato. No entanto, o governo, por sua parte, não se mostra disposto a acatar o projeto na forma do segundo substitutivo, cujo conteúdo provavelmente motivara a iniciativa de retirada de pauta do PL em novembro passado. A comissão especial, reconstituída, mantém o equilíbrio de forças favorável à situação, embora com uma mudança significativa em sua presidência, que é assumida por outro parlamentar do PSDB, em virtude do falecimento do presidente anterior.

De modo geral, o “consenso” nada mais foi do que uma reaproximação às preferências do Executivo, em que pese às 152 emendas oferecidas, ainda uma vez, ao texto do relator. Pouco restou das inovações constantes dos substitutivos anteriores, a não ser a exclusão das referências explícitas ao modelo de concessão de linhas, a permanência do Conselho Consultivo — este apenas em termos genéricos, a definir via posterior regulamentação —, bem como atribuições e competências com respeito a itens relativos à segurança aérea, pelos motivos já comentados.

Esta nova fase caracteriza-se por dois aspectos: o primeiro é a relativa celeridade de trâmite e o segundo é o a forma sumária com que transcorreram as deliberações. Descontado o recesso de julho, e em meio à campanha eleitoral, todo o processo se completará em agosto seguinte, com a aprovação do texto referente ao terceiro substitutivo. Ocorrem apenas uma reunião de instalação, uma única audiência pública e duas reuniões deliberativas, no período em tela. A redação final, em razão de atrasos verificados pela necessidade de a Mesa apreciar alguns recursos apresentados e talvez também em função do baixo nível de atividade do Parlamento nessa época eleitoral, somente será produzida em outubro. Nesse momento, já pronto, o documento é retirado de pauta pelo relator, que somente o reinsere na pauta em 2004, sob uma configuração política inteiramente distinta do contexto governativo que ensejou sua gênese. Nesta forma final, segue para tramitação no Senado. O rápido processo deliberativo em torno do terceiro substitutivo parece indicar que, sob pressão do Executivo, a Casa buscou uma formatação do documento criador da agência capaz de consolidar pontos mínimos de consenso. Essa foi a posição de governo, expressa pelo ministro da Defesa em seu depoimento à Comissão na audiência pública realizada em 26 de junho, e a mesma justificativa oferece o relator no encaminhamento de sua complementação de voto (que contém o texto do substitutivo), na mesma data. E esse consenso mínimo terminou por consistir na retirada de praticamente todos os itens de caráter propriamente regulatórios do PL — remetendo a uma futura discussão em torno de um novo Código Brasileiro de Aeronáutica que, por sinal, até o momento da redação deste trabalho, não se completou. O texto foi reduzido praticamente ao desenho organizacional da Anac,

No entanto, se bem pesadas as perdas e ganhos de parte a parte, pode-se avaliar que o jogo terminou em um empate, mas as oportunidades perdidas pelo Legislativo parecem, ao cabo, mais numerosas do que as do Executivo. Com relação à tramitação do PL no Senado Federal, podem-se destacar os seguintes aspectos: tem início em setembro de 2004, sendo encaminhado para as comissões permanentes42 da Casa que deveriam proferir parecer sobre a matéria. Nas comissões o projeto fica parado até meados de 2005. A partir daí, os relatores de todas as comissões nas quais o PL foi apreciado emitem parecer aprovando o texto original e rejeitam todas as emendas do Senado propostas ao projeto. Em agosto de 2005 o projeto é encaminhado ao plenário e tramita sob regime de urgência, sendo aprovado no dia 31. O texto enviado pela Câmara dos Deputados é, pois, aprovado sem alterações pelo Senado, sugerindo a existência de consenso entre as câmaras legislativas. Interessa notar que, mesmo tendo havido mudança de contexto político, com a alternância no poder entre partidos politicamente adversários, quando o processo reinicia seu percurso deliberativo, seu conteúdo parece satisfazer também ao novo arranjo governativo. Tanto assim que, com um relator do PT (Delcídio Amaral — MS) e Comissões senatoriais majoritariamente dominadas por partidos agora na oposição (p.ex., Tarso Jereissati — PSDB-CE, na CCJ e Heráclito Fortes — PFL-PE, na CDN), nenhum obstáculo mais relevante é estabelecido para o andamento da proposta. Recorde-se que, em encaminhamento de votação na Câmara, três anos antes,43 o PT recomendou voto contrário à matéria. Pelo visto, ao tornar-se governo, as preferências do PT e oposição, no caso, convergiram. Ao retornar ao Executivo, o projeto de lei sofre alguns vetos, explicitados no quadro 4.

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Quadro 4. Vetos parciais ao PL da Anac Pontos Vetados

Art. 30

Art. 48, caput § 2o

§ 2o do art. 49

Art. 23

Texto A exploração de aeródromos civis públicos será a título oneroso, constituindo o produto da arrecadação receita do Fundo Aeroviário. O valor do ônus referido no caput deste artigo será equivalente a 50% (cinquenta por cento) do montante da arrecadação das tarifas de embarque, domésticas e internacionais, incluindo seus adicionais, excluídas outras destinações legais.

Os contratos de concessão em vigor relativos às outorgas de serviços aéreos cujos vencimentos se verifiquem antes de 31 de dezembro de 2010 ficam automaticamente prorrogados até aquela data. § 2o Enquanto forem atendidas as exigências regulamentares de prestação de serviço adequado, ficam mantidos os lotes atribuídos às empresas concessionárias de serviços aéreos.

Razões de Veto

Nesses termos, entendemos que não seria conveniente que o valor a ser pago esteja fixado em lei, uma vez que tal procedimento engessa desnecessariamente a administração pública.

Estes estabelecem limitações desarrazoadas à competência constitucional e legal do Poder Executivo, bem como ao papel regulador da Anac, prejudicando a concorrência, o desenvolvimento do setor e, em última instância, todos os usuários do transporte aéreo.

Observações

Aumenta discricionariedade.

Aumenta discricionariedade.

Constatando aumento abusivo das tarifas ou práticas prejudiciais à competição, a Anac poderá estabelecer tarifas máximas ou mínimas para as linhas onde verificar irregularidade, sem prejuízo das sanções cabíveis.

A disposição irá acarretar conflitos de competência. Tal competência cabe ao Conselho Administrativo de Reduz Defesa Econômica (Cade). discricionariedade. (Ouvidos Ministérios da Justiça e da Fazenda.)

A Diretoria poderá dispor sobre a alteração dos quantitativos e da distribuição dos Cargos Comissionados de Gerência Executiva, de Assessoria e de Assistência, dos Cargos Comissionados Técnicos, das Gratificações de Exercício em Cargo de Confiança e de Representação pelo Exercício de Função, observados os níveis hierárquicos, os valores de retribuição correspondentes e o respectivo custo global, estabelecidos nos Anexos I e II desta Lei.

Contraria o disposto na alínea “a” do inciso VI do art. 84 da Constituição Federal, segundo o qual compete privativamente ao presidente da República dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. (Ouvido o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.)

Reduz discricionariedade.

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Pontos Vetados

§ 1o do art. 14

§ 3 do art. 36 o

Art. 38 e Tabela “A”do Anexo I

§ 1o do art. 39

Art. 44

Texto

Razões de Veto

Observações

Será causa da perda do mandato a inobservância por diretor dos deveres e proibições inerentes ao cargo, inclusive no que se refere ao cumprimento das políticas estabelecidas pelos Poderes.

A não indicação, expressa e prévia, de quais ‘deveres e proibições inerentes ao cargo’. Essa vaguidade Aumenta pode ameaçar a autonomia desta discricionariedade. agência reguladora. (Ouvida Casa Civil.)

Aos servidores da Carreira de Ciência e Tecnologia, redistribuídos na forma do § 2o deste artigo, será devida a Gratificação de Desempenho de Atividade de Ciência e Tecnologia de que trata a Lei no 9.638, de 20 de maio de 1998.

Implica aumento de despesa e não constava do projeto de lei enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. Logo, há inconstitucionalidade. (Ouvida Casa Civil.)

O quantitativo de servidores ocupantes dos cargos ou empregos do Quadro de Pessoal Específico, acrescido dos servidores ou empregados requisitados, não poderá exceder o número de empregos efetivos fixados no Anexo I desta Lei. § 1o À medida que forem extintos os cargos ou empregos do Quadro de Pessoal Específico, é facultado à Anac o preenchimento de empregos por pessoal concursado para o Quadro de Pessoal Efetivo. § 2o Se o quantitativo de cargos ou empregos do Quadro de Pessoal Específico for inferior ao do Quadro de Pessoal Efetivo, é facultada à Anac a realização de concurso para preenchimento dos empregos excedentes.

Houve aumento, por emenda parlamentar, do quantitativo de empregos públicos mais graduados (regulador e analista de suporte à regulação), Logo, apesar de não ter havido aumento do quantitativo total de empregos públicos, houve Reduz claro aumento da graduação discricionariedade. dos empregos públicos criados, acarretando inegável aumento de despesa em projeto de lei de iniciativa privativa do presidente da República. (Ouvida Casa Civil.)

A contratação de pessoal temporário poderá ser efetivada à vista de notória capacidade técnica ou científica do profissional, mediante análise de curriculum vitae.

O veto impõe-se posto que a redação do dispositivo contraria o interesse público. Assim, a situação a que se dirige não pode dispensar, como regra, o atendimento ao princípio da impessoalidade, o que Reduz deve ser assegurado mediante a discricionariedade. realização de processo que inclua, obrigatoriamente, prova escrita e, facultativamente, análise de curriculum vitae. (Ouvida Casa Civil.)

Fica o Poder Executivo autorizado a remanejar, transpor, transferir e utilizar as dotações orçamentárias, aprovadas na Lei no 10.407, de 10 de janeiro de 2002, em favor dos órgãos do Ministério da Defesa, para a Anac, relativas às funções por ela absorvidas.

O dispositivo remete para normas orçamentárias aplicáveis apenas ao ano de 2002. Assim, perdeu o objeto durante o trâmite parlamentar. (Ouvida Casa Civil.)

Reduz discricionariedade

Neutro.

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Pontos Vetados

Linhas do Anexo III

Texto

Pedido de nada consta de multas; nada consta de tarifas; emissão de ato pela Cotac; multa por falta de transferência (15 dias); análises de processos novos.

Razões de Veto A cobrança de taxa para fins de expedição de certidão negativa contraria a prática dos demais órgãos e entidades da administração pública federal. Já as hipóteses de incidência de emissão de qualquer outro ato pela Contac e análise de processos novos são extremamente vagas, violando a legalidade tributária. A multa viola a Constituição. (Ouvida Casa Civil.)

Observações

Reduz discricionariedade.

Fonte: Elaboração própria à partir da Mensagem no 632, de 2005.

A análise do conjunto de vetos indica uma tendência do Executivo em limitar os poderes discricionários da Anac. Essa tendência parece alinhar-se com certa desconfiança em relação ao modelo regulatório por meio de agências autônomas manifestado muitas vezes por parlamentares do PT, ao longo da tramitação do projeto, ou seja, trata-se de um quadro complexo de delegação, dadas as escolhas quanto ao grau de discricionariedade da agência e do Executivo. Cabe, entretanto, destacar que, dentre os vetos que aumentam poderes de discricionariedade, figura uma redução ainda maior das hipóteses de demissibilidade de diretores, o que, mais adiante, iria se configurar problemático nos episódios de 2007, conhecidos como “apagão aéreo”, tendo em vista o engessamento estrutural e a dificuldade inerente de mudança dos dirigentes da agência.

3. Conclusão O presente trabalho teve como objetivo analisar aspectos deliberativos da institucionalização de agências reguladoras no Brasil, estudando, em particular, o caso da criação da Anac à luz da literatura referente às relações Executivo-Legislativo e à produção de decisões legislativas. A ideia central foi mobilizar as teorias sobre cartel legislativo, delegação de poderes e lobby para explicar todo o processo legislativo até a aprovação do projeto. Para tanto, fez-se necessário comparar as tramitações de projetos de lei que criavam outras duas agências — Anatel e Aneel —, mobilizando o mesmo arcabouço teórico. A comparação entre os três processos permitiu verificar os alcances analíticos das teorias consultadas. As teorias da delegação e do cartel legislativo mostraram-se ricas em seu alcance explicativo para entender o processo de tramitação que culminou na criação da Anatel e Aneel. Contudo, não alcançaram

o mesmo valor heurístico no caso da Anac, conforme demonstrado no artigo. Tal observação evidencia que assumir a coalizão de governo como ator unitário pode implicar perda de capacidade analítica, sobretudo, quando se pretende entender a lógica subjacente ao processo de formação e funcionamento de coalizões nos sistemas presidencialistas, pois se toma como homogêneo algo que pode ser extremamente heterogêneo, tanto do ponto de vista ideológico como do ponto de vista dos interesses e objetivos que cada parceiro da coalizão tem. Desta forma, as análises que não consideram a coalizão de governo como um ator unitário são uma importante chave interpretativa para se entender o funcionamento do presidencialismo de coalizão (Cheibub, Przeworski e Saiegh, 2002; Amorim Neto, Cox e McCubbins, 2003). Considerando tal limitação, procurou-se, então, recorrer a um arcabouço teórico alternativo para se entender tal processo. O enquadramento do fenômeno à luz da teoria do lobby legislativo possibilitou o preenchimento da lacuna explicativa deixada pelas outras teorias empregadas. Um contexto onde o cartel tem seu poder mitigado em decorrência da pouca delegação de poder, atribuída ao Executivo pelo Legislativo, se dá em virtude da redução da assimetria informacional existente entre o Executivo e o Legislativo propiciada pela prática de lobby. Este trabalho defende que tal fato ocorreu no processo legislativo referente à criação da Anac. As evidências para tal afirmação são baseadas no longo tempo de tramitação do projeto, na realização de número expressivo de audiências públicas e no perceptível conflito de preferências existentes entre o Executivo e o Legislativo, a partir das alterações ao projeto recebido pelo Congresso. Apesar do fato de não se poder identificar um possível ganhador desta contenda entre poderes, percebe-se que há possibilidades para o Legislativo intervir de forma mais qualificada no processo decisório brasileiro.

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Em resumo, os ganhos informacionais pró-legislativo podem reforçar os mecanismos de checks and balances no presidencialismo de coalizão, pois a existência de um Legislativo informado sobre policies reduz o incentivo de se delegar poder para o Executivo, fazendo com que a agenda política seja menos determinada por este ator. Por fim, ressaltamos as limitações inerentes ao estudo de caso. Babbie (1999) define estudo de caso como uma “descrição e explicação abrangentes de uma determinada situação social” cujos objetivos científicos visam menos a generalização e mais o entendimento de um caso idiossincrático. Contudo, acredita-se que a análise realizada neste artigo permite algumas reflexões acerca do processo de tomada de decisões no Congresso brasileiro. O

trabalho evidenciou que teorias podem e devem ser mobilizadas de forma complementar e não concorrente para se explicar uma “situação social”. Este trabalho mobilizou as teorias do cartel legislativo, da delegação legislativa e da ação do lobby para explicar o processo legislativo de criação de agências reguladoras no Brasil. Tal mobilização evidenciou impasses entre o Executivo e o Legislativo, ressaltando momentos em que o primeiro deixa de ser o agente informacional do segundo, fazendo com que os custos de negociação entre os poderes aumentassem. Outras pesquisas que tenham como norte decisões legislativas da mesma natureza podem enriquecer nosso conhecimento acerca da tomada de decisão e do grau de conflito ou cooperação entre os poderes em um contexto de informação disponível para o legislador.

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Notas 1 Este artigo foi apresentado no I Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política: a Ciência Política e seus desafios metodológicos, realizado em outubro de 2009 em Belo Horizonte. Agradecemos os comentários do professor Paulo Calmon na ocasião. Agradecemos ainda as colaborações de Felipe Nunes e Walter Loschi no trabalho de pesquisa e levantamento de dados. Agradecemos também os comentários e sugestões do parecerista da Riel. Quaisquer equívocos e imprecisões são de inteira responsabilidade dos autores. 2 Entre 1991 e 2001, houve 68 “desestatizações”, gerando uma receita de US$ 37,7 bilhões (BNDES, 2002). 3 Nunes (2001) aponta cinco princípios básicos dos entes reguladores: i) autonomia e independência decisória; ii) ampla publicidade de normas, procedimentos e ações; iii) celeridade processual e simplificação das relações entre consumidores e investidores; iv) participação de todas as partes interessadas no processo de elaboração de normas regulamentares, em audiências públicas; e v) limitação da intervenção estatal na prestação de serviços públicos, aos níveis indispensáveis à sua execução. 4 A Constituição de 1988 não permite que um órgão público opere sem a vinculação a um dos três poderes (Cruz, 2007). 5 Existiriam basicamente dois momentos de formação da coalizão. O primeiro momento é relacionado ao momento eleitoral, os partidos que formam a coligação são tidos como parceiros imediatos na formação de um futuro governo. O segundo momento ocorre após as eleições com a ampliação da coalizão para além dos partidos da coligação eleitoral. Aspectos como heterogeneidade da coalizão, número de parceiros da coalizão, contiguidade entre os membros da coalizão e força das oposições são aspectos centrais nas análises do presidencialismo de coalizão. Para saber mais a respeito, ver Inácio (2006). 6 A atual democracia brasileira, que tem como marco institucional a Constituição de 1988, atravessou duas crises políticas de grande envergadura. Tais crises foram: o processo de impeachment de Collor em 1992 e a “Crise do Mensalão”, em 2005, que envolvia denúncias de compra de voto parlamentar durante o primeiro governo Lula. Entretanto, tais crises políticas não se transformaram em crises de regime e a solução para os impasses se deu via instituições democráticas. 7 Podemos apontar como elementos de centralização dos trabalhos legislativos nas mãos dos líderes partidários a existência do Colégio de Líderes — órgão responsável pela elaboração da pauta de votação dos trabalhos na Câmara dos Deputados, inclusive no que se refere ao acolhimento do pedido de urgência —; a restrição de apresentação de emendas individuais em plenário e a constituição de Comissões Especiais (Santos, 2007). 8 Dois postulados são formulados por Krehbiel (1991) para se entender o arranjo institucional que informa o funcionamento do congresso norte-americano. O primeiro deles é o postulado da incerteza quanto ao resultado das políticas. O segundo postulado faz menção ao aspecto majoritário das decisões legislativas. Nesse sentido, as comissões devem ser constituídas como microcosmos do plenário de modo que a distribuição de preferências nesses loci reflita a distribuição de preferências na Casa Legislativa. Dessa forma, as comissões seriam heterogêneas e contariam com a presença de membros de polos opostos do espectro ideológico — condição para que operem sobre uma base informacional plural. Somente assim poder-se-ia esperar que o plenário concedesse vantagens legislativas às comissões. Isso porque qualquer consenso alcançado na comissão poderia ser visto como representativo de um consenso possível no plenário e também porque os legisladores estariam certos de que as decisões tomadas nas comissões não se distanciariam muito das preferências dos membros da casa como um todo. 9 Figueiredo e Limongi (1999) afirmam que a solicitação do pedido de urgência, muito utilizado pelo Poder Executivo, enfraquece as comissões permanentes, uma vez que os projetos têm sua rota encurtada, sendo retirados das comissões sem que as mesmas tenham emitido parecer sobre a matéria. 10 Todas as teorias sobre a lógica da organização do processo legislativo norte-americano estão pautadas na persRIEL — REVISTA IBERO-AMERICANA DE ESTUDOS LEGISLATIVOS :: N.1 :: MAR :: 2014 :: RIO DE JANEIRO :: FGV

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pectiva de reeleição dos deputados. Para a perspectiva distributiva, o deputado utiliza o sistema de comissões para alocar recursos em seu distrito eleitoral e reclamar o crédito por tal realização. Para a perspectiva informacional, as adoções de políticas públicas mais informadas possibilitam ganhos eleitorais para os legisladores em decorrência da diminuição da incerteza quanto ao resultado de uma determinada política pública. Para a vertente partidária, os ganhos eleitorais (individuais) seriam uma consequência de uma “boa imagem” construída em torno do partido. Esta reputação poderia ser transferida para os membros do partido. Baseado na preferência do Legislador mediano. Lei no 9.427/1996. Lei no 9.472/1997. As análises que atribuem uma lógica partidária ao funcionamento do Legislativo brasileiro centra centram o foco no sucesso de aprovação da agenda do governo, geralmente verificado em processos legislativos que envolvem algum grau de conflito, geralmente verificado em processos que envolvem votação nominal (Figueiredo e Limongi, 1999). Entretanto, Cox e McCubbins (1993) chamam a atenção para a definição dos procedimentos que informaram a tomada de decisão, ou seja, antes do processo de votação. O partido majoritário visará diminuir os custos de transação de projetos do seu interesse, impondo nenhuma ou um mínimo de perda distributiva/eleitoral para os seus membros em decorrência de sua decisão. O foco nos próximos parágrafos incidirá sobre a definição dos procedimentos, mas considerando votações importantes quando for o caso. Segundo Inácio (2007), as comissões especiais apresentam uma estrutura flexível no que tange a sua composição numérica e teriam poderes mais amplos que as comissões permanentes, decidindo sobre a admissibilidade dos projetos e das emendas a estes, além de reduzir o tempo de tramitação. A vigência de comissões especiais pode significar o enfraquecimento do sistema de comissões permanentes de uma assembleia, uma vez que limita a utilização do poder de fechar portas e de emendar das comissões que possuem jurisdição sobre o projeto. Líderes do PSDB, PFL, governo, PTB, PMDB e PPB. PT, PDT e PC do B. Inácio (2007:206): “(...) a criação dessa comissão é obrigatória para apresentação de parecer sobre propostas de emenda constitucional e projeto de códigos legais. Mas essas comissões também são constituídas para a deliberação de iniciativas que envolvam matéria de competência de mais de três comissões. Nesse caso, essas comissões podem ser criadas por iniciativas do presidente da Casa, de líderes partidários e presidentes de comissões permanentes”. Dep. Pedro Valadares (PSB) entra com recurso baseado no art. 104 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, contra a decisão do presidente da casa, Aécio Neves (PSDB), que acata o pedido de retirada do projeto. De um total de 435 deputados presentes, 330 votaram favoravelmente ao regime de tramitação especial para o projeto. Apenas 98 deputados manifestaram-se contrário ao pedido de urgência. Houve sete abstenções. A referida comissão foi presidida por Nelson Marchesan (PSDB), tendo como relator Leur Lomanto (PMDB). A composição da comissão foi a seguinte: PSDB, PFL e PMDB possuíam cada um seis cadeiras; ao PT coube quatro cadeiras; PPB e PTB tinham três cadeiras cada; o PSB possuía duas cadeiras; e PDT, PPS, PSL e PTN possuíam uma cadeira cada. O projeto recebeu mais de 170 emendas nas comissões por onde tramitou e no plenário da Câmara do Deputado. É encaminhada à Câmara dos Deputados a MSC 012682001, solicitando a retirada do projeto. O pedido é deferido pelo presidente da Mesa Diretora, o deputado Aécio Neves (PSDB). Em 11 de setembro de 2001 foi aprovada a Emenda Constitucional no 32/2001, que diz respeito à ordenação do uso de Medidas Provisórias. Contém, ainda, dispositivos que transferem, do Congresso Nacional para o Executivo, e, consequentemente, da esfera da Lei para a do Decreto, a estruturação e a organização de órgãos públicos, mantendo com o Parlamento apenas a competência para criar e extinguir esses entes. A iniciativa legislativa sobre a matéria segue sendo do presidente da República (art. 61, §1o, a e e, da CF). Com isto, passa a ser da competência do Executivo, mediante decreto, dispor dos detalhes (estruturação e atribuições) sobre ministérios e órgãos da administração federal. O presidente da República passa, também, a poder, mediante decreto, extinguir funções ou cargos públicos, “quando vagos” (art. 84, VI, b, pelo texto da EC 32/2001). Assim, temos que, na ordem anterior, órgãos, cargos e funções eram criados, estruturados e tinham suas atribuições definidas por lei, o que pressupunha longo processo legislativo perante as duas Casas do Congresso Nacional. Ou implicava, para não dizer que não se tratou delas, o recurso a medidas provisórias para dispor sobre o tema. Este foi o caso do projeto de lei da Anac que começou a tramitar no Congresso. O projeto de lei primeiramente recebe tratamento ordinário, sendo encaminhado para a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público; Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; Comissão de Fiscalização Tributária; e Constituição de Constituição e Justiça e Regimento. Victor (2007). Fonte OCDE (2006). De fato, esse documento reconhece que não há uma definição comum com respeito ao que deve ou não ser considerado lobby, e que essas variações refletem aspectos da cultura política específica de cada país. Sugere, no entanto, que, tendo em vista as crescentes pressões da opinião pública no sentido de que sejam produzidos parâmetros legislativos delimitando tais atividades, seja empreendida uma tentativa de (a) desenvolver uma definição comum a todos os países membros com respeito à atividade e (b) que a legislação a ser adotada leve em conta os aspectos da transparência e da acessibilidade, isto é, que sejam identificados os atores, seus interesses, recursos e atividades, e que tais informações sejam o mais abertamente possível RIEL — REVISTA IBERO-AMERICANA DE ESTUDOS LEGISLATIVOS :: N.1 :: MAR :: 2014 :: RIO DE JANEIRO :: FGV

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disponíveis ao público. 29 RICD “art. 259. Além dos Ministérios e entidades da administração federal indireta, poderão as entidades de classe de grau superior, de empregados e empregadores, autarquias profissionais e outras instituições de âmbito nacional da sociedade civil credenciar junto à Mesa representantes que possam, eventualmente, prestar esclarecimentos específicos à Câmara, através de suas Comissões, às Lideranças e aos Deputados em geral e ao órgão de assessoramento institucional (…)§ 2o Esses representantes fornecerão aos Relatores, aos membros das Comissões, às Lideranças e aos demais Deputados interessados e ao órgão de assessoramento legislativo exclusivamente subsídios de caráter técnico, documental, informativo instrutivo. § 3o Caberá ao Primeiro-Secretário expedir credenciais a fim de que os representantes indicados possam ter acesso às dependências da Câmara, excluídas as privativas dos Deputados.” 30 Disponíveis, respectivamente, em: e . 31 A maioria foi arquivada, seja por decurso de legislatura, seja por imperfeições formais, mas se pode notar que, ao longo do tempo, as propostas ganharam complexidade, aproximando-se daqueles requisitos essenciais mencionados no documento da OCDE: definição, transparência, acessibilidade e instâncias de verificação e controle. 32 Projeto de Lei da Câmara. 33 Lomanto (2001). Relatório sobre o Projeto de Lei no 3.486 de 2000. p. 17. Disponível em: . 34 Esse ponto segue sugestão feita por Walter Bartels, representante da associação da indústria aeronáutica em 26/6/2001, assim como a intervenção de presidente da TAM em seu depoimento no mesmo dia. 35 Reivindicação da presidenta do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziella Baggio, em 23/5/2001, dentre outros. 36 Fortemente criticado, tanto pelos dirigentes de empresas, como de entidades de classe, o conceito ignora a noção de rede de linhas operadas pelas companhias, que viabilizariam a operação, através da compensação de rentabilidade entre trechos mais e menos lucrativos (e.g., depoimento de George Ermakoff/Sindicato Nacional das Empresas Aéreas — Snea, em 23/5/2001). 37 Reivindicação do Snea e de todos os dirigentes de empresas ouvidos, alegando a necessidade de prazos longos para fazer face aos custos de amortização das aeronaves. (e.g., depoimentos de dirigentes em 29/8/2001). 38 Segundo depoimento do representante da Organização de Aviação Civil Internacional (Icao), brigadeiro Renato Costa Pereira, não haveria precedente mundial em licitação onerosa de serviços (cf. depoimento em 9/8/2001). 39 Acolhendo, em parte, a reivindicação do Sindicato Nacional do Aernautas explicitada em depoimento no dia 23/5/2001. 40 Ver, por exemplo, depoimento de Rolim Adolfo Amaro, presidente do Conselho de Administração da TAM em 26/6/2001. 41 Reivindicação do Snea em 23/5/2001. 42 Comissão de Serviços de Infraestrutura, Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Posteriormente, em 2005, o projeto também passa a ser apreciado na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo, a pedido de seu presidente, o senador Tasso Jereissati. 43 Sessão deliberativa em 6/8/2002, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP).

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