Entre a magia e a religião.

ENTRE A MAGIA E A RELIGIÃO




Iraci del Nero da Costa





Em termos simples, a distinção existente entre a magia e a religião
está no fato de que mediante a magia manipulamos e determinamos a ação dos
deuses e das forças naturais, já nos quadros do pensamento religioso os
homens dependem da ação e vontade dos deuses.

Na magia, nossa atividade, orientada por rituais precisos e rígidos,
obriga os deuses a responder segundo a forma esperada. Desta forma os
homens subordinam as forças naturais; eles "sabem" que se agirem conforme
as regras estabelecidas pela magia conseguirão "necessariamente" alcançar o
fim almejado.

A partir do momento em que o homem se volta para a religião reconhece
sua pequenez e fragilidade; no máximo poderá predispor os deuses
favoravelmente em relação aos seus desejos. Os deuses não são mais
determinados, passam a ser cortejados. (*)

Veja-se o exemplo da donzela casadoira. Caso consiga dispor de uma
dose de elixir do amor, será fatalmente correspondida pelo amado sequioso
de licores exóticos. Já a devota de Santo Antônio poderá chegar a idade
provecta sem ver atendidas suas promessas e rogos.

Encontramos cultos a reunir religião com práticas próprias da magia.
Lembramos aqui os ritos afro-brasileiros e algumas seitas protestantes,
voltadas estas últimas para as camadas de migrantes ou pessoas de menos
posses.

Em ambos os casos, espera-se ou é fartamente prometida a solução
milagrosa para os mais variados problemas.

Sobretudo nos grandes centros urbanos vemos a proliferação desses
movimentos religiosos. Seus seguidores têm a mais diversa origem. De um
lado, emigrantes pobres afastados de suas raízes de procedência e as
populações desempregadas ou semi-empregadas que não contam com assistência
médica ou social. No outro extremo encontramos elementos oriundos de
camadas ricas. Estes, descobrindo dolorosamente que o dinheiro não pode
comprar tudo, são impelidos a apelar para soluções mágicas a fim de
resolver seus "problemas transcendentais".

Entre pobres e ricos colocam-se as pessoas das camadas médias,
pressionadas por problemas financeiros, pelo desejo de ascensão social,
pela irreprimível tendência a imitar os ricos e pelo terror pânico de se
verem empobrecidas.

Assim, pobres, ricos, ou remediados, somos todos candidatos em
potencial às práticas milagreiras colocadas entre a magia e a religião.





NOTA

(*) Ademais, deve-se ter presente que a ideia de que são os deuses que
constroem o mundo representa o reconhecimento por parte dos homens de que
são eles que, mediante sua atividade produtiva, constroem os objetos de que
se servem. Assim, se o que nos cerca imediatamente é produto de nossa ação
construtiva, o universo deve ter sido, também, criado por forças superiores
as quais, como nós, projetaram e tornaram real o seu "produto".