ENTRE CHRONOS E KAIRÓS : VINTE ANOS DE UFS - MEMORIAL TITULAR

June 6, 2017 | Autor: Lilian França | Categoria: Memorials and the Memorial Art-Work in the Public Arena, Memorial Titular
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LILIAN CRISTINA MONTEIRO FRANÇA ENTRE CHRONOS E KAIRÓS : VINTE ANOS DE UFS MEMORIAL PROFESSOR TITULAR - 1994/2015

"Gulosa Atlântica” – Hortência Barreto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE SÃO CRISTÓVÃO / SERGIPE

V

inte anos se passaram desde que embarquei num Boeing da saudosa

Varig, para fazer a rota SAO/AJU/SAO, com uma mala (quase toda preenchida por livros) e muitas incertezas.

O conceito de incerteza, por sinal, foi central na construção de minha base teórica, em especial a partir da leitura da "Teoria do Caos". Em 1972, Edward Lorenz apresentou um paper com o intrigante título: "Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadeia um tornado no Texas?”, mostrando como sistemas complexos e dinâmicos, embora deterministas, apresentam um grau de instabilidade que termina, em certas condições, por torná-los não-previsíveis. O acaso, como fator interveniente, representa, entre outras tantas possibilidades, a inovação. A "Teoria do Caos" tem sido aplicada no estudo de diferentes fenômenos, na física e na economia, na administração e nos estudos sobre comunicação. Compreender que existe um jogo de implicações causais, o chamado "Efeito Borboleta", me permitiu considerar cada evento como significativo num quadro conjuntural mais amplo. Pensando assim, como minha viagem para Sergipe aconteceu no dia 12 de outubro, Dia das Crianças e da Padroeira do Brasil, talvez, se possa depreender, que alegria e fé têm sido a tônica de minha caminhada pela Universidade Federal de Sergipe. Desde 1994, quando fiz a seleção para professora do Núcleo de Comunicação Social (NUCOS), criado por iniciativa do professor doutor Antônio Ponciano Bezerra, sob a guarda do Departamento de Letras, vivi diferentes momentos da "academia", marcada pela reestruturação produtiva e tecnológica, em curso no universo capitalista. Naquela época, fazia o doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC/SP, num programa que carregava a herança dos irmãos Campos (Haroldo e Augusto) e de 2

Décio Pignatari, onde ministravam aulas professores renomados e com diferentes perspectivas, embora a semiótica "peirceana" fosse o "carro chefe". Cursei disciplinas que discutiam desde a tradução da Ilíada e da Odisseia (com Antônio Medina) até a neurobiologia (com Norval Baitelo). Cheguei à PUC/SP por indicação de meu orientador de mestrado e doutorado, professor doutor Amálio Pinheiro, poeta e tradutor de Mallarmé, Vallejo, Gôngora, que viu em meus estudos a conexão com as linhas de pesquisa lá desenvolvidas. No mestrado, em Filosofia da Educação, havia estudado as relações comunicativas nas instalações escolares, apresentando a dissertação "CAOS ESPAÇO EDUCAÇÃO", publicada pela editora Annablume. Cabe lembrar, o mestrado durava quatro anos, o que me permitiu ler alguns dos principais autores das áreas de educação e comunicação, além dos títulos mais expressivos das Ciências Humanas e Sociais. Foi o período em que mais estudei, transitando entre as bibliotecas da UNICAMP, USP, UNIMEP, PUC/SP e do Centro Cultural Vergueiro. No doutorado, participei das atividades do Núcleo de Pesquisas Visuais (PUC/SP), coordenado pelo professor doutor Arlindo Machado, cujas aulas, conversas e orientações, foram fundamentais para a estruturação da tese, além de ampliar meu interesse pelas relações entre arte e tecnologia. Intitulada "Matemática e Arte: aproximações histórico-epistemológicas" (publicada pela Editora da UFS), a tese procurava mostrar as imbricações entre os dois campos do saber, apontando para práticas artísticas que, algumas vezes, precediam teorizações da ciência, ou, apresentavam grande similitude com o contexto científico de uma determinada época. Um exemplo dessa mútua implementação encontra-se no paralelo entre as pesquisas de Einstein e Kandinsky. Albert Einstein (1915), trabalhava na "Teoria da Relatividade", mostrando que, resumidamente, a gravitação é o resultado da geometria do espaço3

tempo. Ao mesmo tempo, o artista plástico russo Wassily Kandinsky pesquisava sobre arte não figurativa, produzindo as primeiras telas abstratas no ocidente. Ambos os estudos fundamentam-se numa nova forma de interpretar a realidade. A abordagem adotada na minha tese permitiu que eu apresentasse um trabalho, intitulado "Da geometria Euclidiana à geometria Fractal: um estudo sobre a história da arte", no I Congresso de História da Arte, promovido pela USP, cujo texto completo foi publicado como capítulo de livro pela EDUC-SP. Naquele momento, recebi, ainda, duas propostas de trabalho: uma para atuar na área de Relações Internacionais de uma grande multinacional e outra para dar aulas na FAAP. Não aceitei nenhuma das duas. Em vias de terminar meu doutorado (defendi em fevereiro de 1995) e embalada pelo poema "Pós-Tudo" (Augusto de Campos), decidi que era hora de deixar São Paulo e mergulhar no universo cultural da região Nordeste, que tanto me fascinava, desde pequena, provavelmente em função das histórias contadas por meu pai (que havia morado um pouco em canta canto do país) e das canções populares as quais minha mãe costumava ouvir. Meus pais (a quem tudo devo, desde a ética até a tenacidade teimosa) e meu irmão (um irmão de verdade, na plena acepção da palavra) apoiaram a decisão, mas nunca acharam que essa viagem fosse durar tanto. Permaneci como professora substituta até o ano de 1996, quando recebi bolsa de Desenvolvimento

Científico

Regional

FAP/CNPq,

atuando

como

professora/pesquisadora do NUCOS até julho de 1997, momento em que prestei o Concurso Público para a matéria de ensino "Teorias da Comunicação" e ingressei no quadro de professores efetivos da UFS. As "Teorias da Comunicação", como campo de estudo, atravessavam, então, um momento de profundas transformações. A década de 1990 foi marcada pelo advento 4

dos processos eletrônico digitais: a disseminação da internet, a digitalização dos conteúdos, a globalização da economia e a mundialização da cultura, dando origem a mudanças sociais e a desdobramentos para o universo do trabalho, que começavam a romper com a herança fordista. O historiador Eric Hobsbawn considerou essa década uma das décadas de crise do século XX. Estava nascendo a segunda geração das empresas "ponto.com". Passaríamos a grafar o calendário como "a.G/d.G", antes e depois da Google, fundada em setembro de 1998. Pouco depois, viriam o Facebook (2004), o Youtube (2005), o Twitter (2006), e o início de práticas que se tornariam centrais na discussão do processo comunicacional. Envolvida com a discussão acerca das Tecnologias da Informação e da Comunicação - TIC, fui coordenadora do NUCE – Núcleo de Comunicação e Educação. Na ocasião, 1995, organizei o primeiro curso de programação de Home

Pages (linguagem HTML) no Estado, ministrado pela Profa. Dra. Tânia Fraga (UNB). Assumi, em 1996, a direção do CEAV – Centro de Editoração e Audiovisual. O Centro era principalmente um conjunto de propostas que precisavam ser estruturadas. Englobava a Editora da UFS e as ilhas de edição, recém-adquiridas. Foi necessário montar toda a estrutura. Com a ajuda do saudoso jornalista Cleomar Brandi, exemplo de prática profissional e de vida, montamos uma equipe de cinegrafistas e editores que passou a dar suporte aos cursos de artes e comunicação e a fazer o registro das principais atividades da Instituição. Na editora, conseguimos publicar algumas obras importantes no contexto local: edições da Revista Geonordeste e o clássico da escritora sergipana Núbia Marques, "João Ribeiro Sempre", entre outras. Embora a maioria das disciplinas que ministrava tivesse um teor marcadamente histórico, passei a introduzir em minhas aulas uma série de textos crítico-analíticos que discutiam as mudanças em curso e apontavam para novas possibilidades no âmbito da Comunicação, equilibrando obras clássicas e contemporâneas.

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Havia uma profusão de novos autores integrando as indicações bibliográficas dos cursos de jornalismo e radialismo. Entre elas, "A vida digital", de Nicolas Negroponte (1995), recebida com reservas no campo acadêmico em função de seu tom algo profético, discutia o que o autor chamava da mudança do transporte de átomos para o transporte de bits. O momento era, também, da retomada do pensamento do autor canadiano Marshal McLuhan, cujas ideias haviam, de certa medida, sido "engavetadas", em função de sua máxima "O meio é a mensagem", que ia de encontro às clássicas teorias sobre forma e conteúdo, significante e significado, tal como as formulara Saussure, Peirce, Eco e os semioticistas da Escola de Tartu (cada um a seu modo). McLuhan ressurge, então, içado pelo seu conceito de "Aldeia Global", associado, ainda que de modo não exatamente correto, ao fenômeno da globalização, demandando uma análise crítica dessa perspectiva teórica. Mas esses são apenas dois exemplos pontuais num quadro muito mais amplo. Lucien Sfez, Pierre Lévy, Michel Maffessoli, Jan Baudrillard, Dominique Wolton, MartínBarbero, Nestor Garcia Canclini, passaram a receber mais atenção de um meio marcadamente influenciado pela escola norte-americana. A produção de autores brasileiros também ganhava corpo, impulsionada por uma série de associações que incentivaram o estudo, o debate e a publicação. O final do século XX foi repleto de especulações, teóricas e místicas, otimistas e pessimistas, contraditórias sem dúvida. Tal fato se manifesta nas perspectivas teóricas adotadas por dois grandes pesquisadores: enquanto o inglês Eric Hobsbawn publicava "A era dos extremos: O breve século XX" (1994), o italiano, Giovanni Arrighi, lançava "O longo século XX" (1994). Enquanto Hobsbawn vê um século "espremido" entre a segunda grande guerra e o final da guerra fria, Arrighi vê um século que se arrasta a partir da quebra do padrão dólar e da derrota americana na guerra do Vietnã.

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No clima de fin de siècle, efetivada na universidade e cheia de ideias e projetos, minha permanência em Sergipe tornou-se mais e mais definitiva. Não foi sem preconceito que muitos conhecidos reagiram, afinal, para eles, deixar uma vida promissora em São Paulo para "tentar a vida" em Sergipe seria, no mínimo, insano. E, ressalte-se, aqueles não eram tempos em que o "ódio pelos nordestinos" era disseminado pelas redes sociais como hoje, ódio que repudio e que fez crescer a minha vontade de ser sergipana/nordestina. É interessante lembrar o estudo de Norbert Elias e Jonh Scotson, "Estabelecidos e Outsiders", 1965, revelando que o ser humano sempre encontra parâmetros para separar e discriminar o outro. Parâmetros que fogem das regras do apartheid étnico, religioso ou geográfico, buscando sempre um novo motivo para segregar. Mas, como já ressaltei, a teimosia é uma de minhas características (sempre fui

outsider). Nascida num ano tão escuro, como 1964, desenvolvi a capacidade de resistir, mantendo o que Gramsci chamou de "pessimismo do intelecto e otimismo da vontade". Tanto que, entre 1998 e 2002, como Coordenadora de Informação e Divulgação do Programa Xingó, na qualidade de Pesquisadora 2 A do CNPq, percorri 42 municípios do semiárido, entre os estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, sempre aos finais de semana, integrando um projeto de desenvolvimento regional que visava melhorar as condições de vida das populações impactadas pelas barragens da Chesf. "Xingó", como chamávamos as instalações que serviram como canteiro de obras da Chesf para a construção da hidrelétrica, utilizadas como sede do Instituto, na cidade de Canindé do São Francisco, era, para parte dos envolvidos, uma "bolha de ilusão". Achávamos, sinceramente, que poderíamos mudar para melhor a vida daquelas pessoas. Aos poucos, fomos aprendendo, duramente, que não é possível realizar 7

grandes mudanças se não houver, em primeiro lugar, vontade política e, principalmente, uma adequação das propostas ao modo de vida já existente. Ações induzidas quase sempre fracassaram. Engenheiros, técnicos e especialistas gabaritados sucumbiram ao tentar resolver de modo teórico problemas há anos já solucionados pela sabedoria popular. A imposição da técnica, do pensamento acadêmico em detrimento do saber tácito, construído por séculos de prática não funcionou. Aprendi que "no sertão" não existia troco para uma nota de cinquenta reais e que "um real" valia muito. Valorizei cada folha de papel, cada fita k-7 (sim, usávamos ainda essa tecnologia analógica a qual a maior parte de meus alunos nunca viu ou só viu pela internet), posto que a loja mais próxima estava a dezenas de quilômetros. Percebi que, em alguns lugares, o contexto era mais próximo de um século XIX do que de um século XX. Sem energia elétrica, sem água encanada, sem acesso a bancos ou a televisão, as populações viviam uma rotina baseada na lógica dos eventos naturais, bem distante daquela pautada pela grande mídia. Em decorrência dessa convivência, senti a necessidade de aprofundar a reflexão sobre os diferentes matizes do "processo civilizatório", tomando como referência o pensamento de Norbert Elias, o qual, ao se debruçar sobre o tema, trouxe à tona a importância, entre tantas outras, dos microfenômenos e das interdependências que se apresentam na constituição do tecido social. Outra questão que suscitou a busca por aportes teóricos dizia respeito às relações culturais estabelecidas. O microcosmo de Xingó pode ser pensado como uma "cultura híbrida", no sentido proposto pelo antropólogo argentino Nestor Garcia Canclini, questionando a capacidade do Estado latino-americano em gerenciar o patrimônio cultural, quase sempre apropriado pelas Indústrias Culturais. Com o projeto modernizador que se pretendia implantar na região veio a precificação das

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manifestações culturais, a perda da espontaneidade, a imposição de padrões de produção para atender ao mercado. Aprendi, com as populações ribeirinhas, o que nenhuma escola ensina, e não caberiam aqui as tantas lições recebidas. A sabedoria dos que vivem com quase nada, os sonhos tão distantes dos sonhos urbanos, as festas quando "chegava a luz" (através da implantação de painéis fotovoltaicos), o dia a dia de remanescentes quilombolas e populações indígenas, a luta diária dos MAGNU ("magros e nus") como eram chamados os trabalhadores das frentes contra a seca, me permitiram ver a vida por um outro diapasão. Não existe poesia na miséria, ela precisa ser erradicada. Durante esses anos de Programa Xingó, convivi com pesquisadores das mais diferentes áreas: recursos hídricos, patrimônio histórico, oceanografia, agronomia, engenharia de pesca, ecologia, arqueologia, entre outras e, ao mesmo tempo, com pescadores, agricultores, bordadeiras, costureiras, num processo de intercâmbio de saberes que me fez, mais uma vez, pensar que as práticas educativas devem estar sempre integradas, atravessando as fronteiras das disciplinas e ter uma função social, como pretendia Paulo Freire. Graduada em Matemática, fiz mestrado em Filosofia da Educação e doutorado em Comunicação e Semiótica. Não bastasse, fiz o pós-doutorado em História da Arte. Procurei costurar as diferentes áreas do conhecimento, seguindo algumas das diretrizes postuladas por Edgar Morin, em sua "Teoria da complexidade". Não foram poucas as vezes em que recebi críticas pela diversidade de meus estudos. A elas respondi sempre com um verso (o "Poema de sete faces", de Drummond "[...] Vai Carlos! Ser gauche na vida [...] ou com um "com licença". Erving Goffman, (1993), em seus estudos sobre a identidade, destacou que a sociedade sempre estabelece os meios para caracterizar as pessoas, determinando o que é o comum e o natural para cada categoria. Naquele momento de minha carreira acadêmica, começava a ter consciência de que minha trajetória seria muito

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diferente das trajetórias esperadas e muito diferente daquela que eu havia minimamente traçado. Paralelamente, comecei a desenvolver as primeiras experiências internacionais. Em 1998, organizamos na UFS, sob a Coordenação do Prof. Dr. César Bolaño, o II Lusocom, recebendo treze professores estrangeiros - portugueses, angolanos e moçambicanos - e mais de quarenta docentes das diferentes universidades brasileiras. Editei os anais do encontro e os lancei em Lisboa, por ocasião do III Lusocom. As ações resultaram numa parceria com a Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Minho e Universidade da Beira Interior, todas portuguesas, com quem aprovei um projeto de cooperação internacional, CAPES/ICCTI, nos anos de 1998/1999, renovado para o período de 1999/2000. Realizei duas missões de trabalho. A primeira como professora visitante na Universidade Nova de Lisboa, pesquisando no Observatório de Comunicação coordenado pelo professor Dr. Pedro Jorge Brauman, no Centro Jacques Delors e na

Fundação Calose Gulbenkian (1998). Na oportunidade, participei de grupo de estudos com o Prof. Dr. Manoel Lopes da Silva, um dos fundadores da RTP – Rádio

e Televisão Portuguesa, local em que realizei um breve estágio, ampliando a discussão sobre televisão pública e privada, um dos eixos do acordo de Cooperação. A segunda, como professora visitante da Universidade do Minho, onde ministrei a disciplina "Tópicos Especiais em Audiovisual" (1999). Visitei, ainda, a Universidade da Covilhã, sob a supervisão dos professores doutores Antonio Fidalgo (professor do Departamento de Comunicação e Vice-Reitor), Paulo Serra e Manuela Penafria, que implantavam um núcleo de estudos de audiovisual e uma Biblioteca sobre comunicação (BOOC – Biblioteca On-Line de Ciências da

Comunicação), responsável por reunir uma produção significativa nas décadas de 1990 e 2000.

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Coordenei na UFS a III Bienal de Comunicação e Artes de Sergipe, contando com a participação de três professores portugueses e organizei o curso “Crítica e Argumentação”, ministrado pelo Prof. Dr. Tito Cunha, da Universidade Nova de Lisboa. Editei, ainda, os "Cadernos UFS - Comunicação", reunindo textos de autores como Venício Lima, Liv Sovik, Margarida Kunsch, Amálio Pinheiro e Pedro Jorge Brauman, entre outros. Publiquei uma série de artigos sobre as relações entre a comunicação digital e a cultura popular, entre eles, "A interferência dos processos comunicacionais eletrônico/digitais na cultura popular", "O Discurso Eletrônico Digital da Comunicação e a Cultura Popular", "A internet como fonte de pesquisa para o estudo da cultura popular", entre outros. Há duas décadas, a UFS não era o que é hoje. A UFS mudou. De acordo com o

Relatório de Gestão – 2004/2012 (organizado pelo então Reitor Prof. Dr. Josué Modesto dos Passos Subrinho), os dados de 1990 indicavam: 1.120 vagas ofertadas, 536 docentes, 53 professores com doutorado. Em 1995, ainda substituta, fui a 34ª professora com doutorado atuando na UFS. Atualmente, "São mais de 30 mil alunos, distribuídos nos campi de São Cristóvão, Aracaju, Itabaiana, Laranjeiras e Lagarto, frequentando as 113 opções de cursos de graduação presencial, 8 opções de curso na modalidade de ensino à distância e 52 cursos de pós-graduação, sendo 10 doutorados e 42 mestrados" (UFS em Números, 2013-2014, gestão Reitor Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli). Foram ofertadas, em 2014, 8.550 vagas, 5.500 para a graduação presencial e 3.050 para a distância. Como muitos colegas, senti na pele o peso da expansão. Vivemos períodos difíceis. Apesar do complexo quadro que cercou (e cerca) a Universidade Federal de Sergipe, orgulho- me de compor seus quadros, especialmente quando lembro que a UFS foi uma das primeiras universidades federais brasileiras a optar pelo ingresso unificado, 11

destinando 50% de todas as suas vagas para alunos das escolas públicas, uma medida francamente inclusiva o que, no devido tempo histórico, repercutirá no perfil do Estado. Mas é inegável que a carga dessa transformação se fez sentir sobre os ombros dos docentes, em especial no que diz respeito à sua produção intelectual, quase sempre adiada em função de uma miríade de tarefas que se impunham, típicas de uma situação na qual a infraestrutura de apoio ainda não se consolidou. Minha formação tão diversa fez com que eu pudesse ser útil durante esses anos de transformação. Assim eu o julgo, pois assumi tantos cargos, disciplinas, responsabilidades, de ordens tão diferentes, que não posso pensar de outro modo. Certa vez, ao tentar recusar um cargo na Administração, ponderando que não tinha, a meu ver, as qualidades necessárias, o então Reitor me disse: "Lilian, precisamos de cabeças e de braços, você tem os dois" (José Fernandes de Lima). Dessa forma, foi construída minha carreira administrativa na academia: já em 1996, antes de me efetivar, fui nomeada Coordenadora do Centro de Editoração e Audiovisual (CEAV), depois, Pró-Reitora de Graduação (PROGRAD) (2002), Coordenadora da Universidade Aberta do Brasil na UFS (2007), Diretora do Centro de Educação Superior a Distância (CESAD) (2007), Coordenadora da Editora da UFS (2007) e Coordenadora de Avaliação Institucional (COAVI/COGEPLAN) (2009). O exercício na PROGRAD foi árduo. Da noite para o dia vi-me à frente de uma equipe composta por 35 pessoas. Uma equipe extraordinária. Nunca poderei dizer que tive "um braço direito", pois, como Shiva, tive muitos. Entre eles, o professor Edilson e Lucimar – permitam-me tratá-los pelo primeiro nome – que permanecem em seus postos até hoje, argumentando, inovando e dando suporte ao processo de crescimento da UFS. O espírito que movia a Pró-Reitoria era o da entidade hindu.

Shiva, "o transformador", parecia ser incorporado por todos na ânsia de fazer o melhor. Fomos juntos até onde pudemos. Mas, no período, as universidades públicas 12

viviam uma grande crise. Talvez se possa dizer que as universidades públicas brasileiras vivam em constante crise. As pequenas, como era a UFS, sofriam mais. Quando assumi o cargo, em 2002, o G-7 ("Grupo dos Sete", composto pelos Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Japão, Reino Unido e Itália) orquestrava um processo de globalização que imputava aos demais países uma série de medidas mais ou menos restritivas. Numa economia globalizada, instabilidades econômicas se fazem sentir de modo muito mais rápido. Uma das grandes crises enfrentadas pela UFS estava relacionada à da falta de vagas para docentes e técnicos administrativos. Na ponta do lápis, fica difícil saber como a Universidade conseguiu manter as ofertas. Ângela Maria Silveira Portelinha (UFRGS) vincula a crise das universidades brasileiras à reforma do Estado e à reestruturação produtiva implementadas desde a década de 1990, argumentando: "É no seio da reestruturação do capital que se acentua a crise da Universidade e de maneira contraditória a exigência em vincular suas atividades a responsabilidade social" (2010). Boaventura Sousa Santos, em "A Universidade no Século XXI: Para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade" (2004), destacou três principais crises da universidade pública: crise de hegemonia, crise de legitimidade e crise institucional, esta última, resultado da contradição entre a reivindicação por autonomia e a pressão para atingir critérios de produtividade. Vivia-se a corrida das avaliações e renovações das autorizações de curso. Missões e missões enviadas pelo MEC/SESU integravam nossa rotina. Apesar do forte comprometimento com os cargos assumidos na administração da UFS, nunca me afastei de meu Departamento. Minha casa na Universidade. Mesmo com funções administrativas, não deixei de ministrar aulas, comparecer às reuniões, trabalhar nos processos de reconhecimento de curso, reforma curricular, criação do departamento, integrar bancas de professor substituto, de concursos públicos, de

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monitoria, de trabalhos de conclusão de curso, participar de comissões e subcomissões. Como disse num dos primeiros parágrafos, os cursos de Comunicação Social, juntamente com o de Artes, foram criados em núcleo alocado no Departamento de Letras - DLE, pois para se tornar Departamento eram necessários dez docentes efetivos. Quando cheguei como professora substituta, em 1994, eram três efetivos para três cursos. Só foram abertas novas vagas em 1997, quando me concursei. A convivência com o DLE permitiu que ganhássemos experiência docente e administrativa. O Departamento ofertava disciplinas básicas para um grande número de cursos e tinha um quadro técnico muito pequeno. Mais uma vez, destaco, a quantidade de funções burocráticas era imensa e parecia nunca ter fim. Não me furtei em fazer ofícios, montar equipamentos, carregar móveis, solicitar audiências e suplicar por vagas docentes para um Departamento que oferecia três cursos (Jornalismo, Radialismo e Artes Visuais) e só tinha, então, sete docentes efetivos. Apenas em 2002 (Resolução 06/2002/CONSU), nos tornamos o Departamento de Artes e Comunicação Social – DAC, com dez docentes. Preciso frisar que os cursos de Comunicação e Artes não receberam, por parte das diferentes administrações, o mesmo tratamento que outros cursos de áreas consideradas estratégicas. Uma análise histórica, contemplando dados sobre a data de criação de cursos, número de alunos e docentes, demonstra, claramente, que "a comunicação" era vista como "um curso", enquanto ofertava quatro habilitações e a Licenciatura em Artes. As principais Universidades Federais do país investiram no fortalecimento dos cursos de comunicação, enquanto na UFS, ainda somos 25 docentes efetivos (9 para Jornalismo, 9 para audiovisual e 7 para Publicidade e Propaganda) no atual Departamento de Comunicação Social (DCOS). Armand Mattelart teorizou sobre as relações entre comunicação, poder e sociedade, vinculando a história da comunicação à própria história do sistema capitalista, num 14

esforço de sistematização que trouxe à baila, mais uma vez, a importância estratégica dos estudos sobre práticas hegemônicas dos sistemas comunicativos. Numa sociedade midiática, voltar as costas para o campo da comunicação implica em alienação, não na alienação propriamente frankfurtiana dos apocalípticos Adorno e Horkheimer, mas numa forma de apreensão parcial da realidade circundante. Nesse contexto adverso, para garantir a oferta semestral, nos víamos obrigados a ministrar vários conteúdos para além de nossa área de concurso. Eu, por exemplo, ministrei, entre 1994 e 2014, 26 disciplinas diferentes, de "Fotografia" a "Laboratório de Jornalismo", de "História da Arte" a "Paginação e Revisão". Ainda assim, criamos mais dois cursos em 2008, Audiovisual e Publicidade e Propaganda, sob a promessa de que com isso, o Departamento receberia um maior número de vagas docentes, o que não ocorreu. É necessário explicar que, apesar de graduada em matemática, trabalhei por alguns anos num jornal semanal de uma cidade do interior paulista. Como eu integrava o Conselho do Museu de Arte Contemporânea e escrevia colunas sobre arte, acabei sendo convidada para estagiar no jornal. Na prática, passei a assumir responsabilidades que seriam de uma jornalista. No "Jornal da Cidade", cobri as mais diferentes pautas: fui responsável pela primeira página (dez laudas semanais), depois editei um suplemento de cultura, aprendi a editorar com o Page Maker (novidade na época), a fazer fotolito, a trabalhar como fotojornalista, além de participar de reuniões de pauta e de atuar eventualmente como editora. Essa experiência foi fundamental para as minhas aulas nos cursos de Jornalismo e Radialismo, o que me permitiu certa versatilidade para assumir os conteúdos que ministrei. Além desses dois cursos, também ministrei aulas na habilitação em Artes. O curso formava professores de arte e não artistas. Pude então reunir meus conhecimentos da área de educação, artes e, também, a minha experiência como professora de matemática nos ensinos fundamental em médio, função que exerci por oito anos. 15

Em 2005, senti necessidade de voltar a estudar de modo mais sistemático e me afastei para fazer o pós-doutorado. Optei por retomar temas que havia tratado de modo entrecortado depois do término do doutorado, em função tanto das funções administrativas quanto da vocação do departamento, mais voltada para os estudos sobre o jornalismo. Recuperei meus escritos sobre arte e tecnologia, os anos de convívio com um grupo de artistas pesquisadores da área de poéticas visuais (Tânia Fraga, Gilbertto Prado, Suzete Venturelli, Maria Luiza Fragoso, Beatriz Medeiros e Milton Sogabe, entre outros), apresentei meu projeto ao Prof. Dr. Jorge Coli, que aceitou atuar como meu tutor no IFCH/UNICAMP, e recebi uma bolsa do CNPq, com um projeto intitulado "A história da Computer Art como recurso para a inclusão digital". Nesses dois anos, escrevi menos do que supunha. Mas li e refleti como na época do mestrado, selecionando uma bibliografia nova e reformatando meus objetos de pesquisa, dando origem a uma série de artigos, entre eles, "De cordeiro a Lobo: Contribuições da História da Arte Eletrônica no Brasil para a construção de Ciberculturas". Assisti, também, a algumas disciplinas no doutorado em Sociologia na UFSCAR, como parte de minhas atividades, ministradas pela Profa. Maria da Glória Bonelli, versando sobre a leitura dos clássicos contemporâneos da Sociologia. A partir de então, passei a pesquisar sobre a relação entre identidades e participação na rede, desenvolvendo a pesquisa "Identidade e Nicknames", apresentada no congresso da Compós e publicada na Revista Tomo. O retorno para a UFS me apresentou um novo desafio. Tão logo cheguei do "pósdoc", me apresentei ao Reitor que me pediu para assumir a vice-coordenação do projeto Universidade Aberta, responsável pela implantação da educação a distância, possibilidade por mim demandada desde a época da Pró-Reitoria de Graduação.

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Conhecedora da realidade do Estado, sempre vi na EaD uma possibilidade de inclusão social e de qualificação de quadros que, por uma série de motivos, não tinham acesso ao ensino superior. Já havia, com o PQD – Programa de Qualificação Docente, que interiorizou as licenciaturas, observado a demanda. A UFS é a única Universidade pública de Sergipe. Defensora da modalidade, eu mesma havia feito um curso de especialização em "Arte e Tecnologia" pela UNB, em 2006, para verificar na prática como funcionava, aceitei o convite. A vice-coordenação, em uma semana, transformou-se em coordenação. De volta à estrada, ajudei a implantar o sistema público de EaD no Estado. O Programa de Educação Superior a Distância iniciou suas atividades com a oferta de sete cursos de licenciatura: Ciências Biológicas, Física, Geografia, História, Letras-Português, Matemática e Química, com polos nos municípios de Arauá, Areia Branca, Brejo Grande, Estância, Japaratuba, Laranjeiras, Poço Verde, Porto da Folha e São Domingos, além da preparação para que mais cidades fossem incluídas: Carira, Lagarto, N. S. das Dores, N. S. da Glória e Própria. Começamos com sete cursos, nove polos e 2.000 alunos. Uma tarefa hercúlea para uma equipe mínima com todos os problemas advindos desse tipo de iniciativa, da logística à implantação de um ambiente virtual de aprendizado (AVA). O Moodle era muito pesado para as conexões discadas e, rapidamente, foi apelidado pelos alunos: "Mudo", passou a se chamar. Desenvolvemos, então, uma série de estratégias alternativas para dar acesso aos conteúdos e objetos virtuais de aprendizagem, seja através da publicação de livros ou da instalação desses recursos em todos os laboratórios de ensino. Foi uma experiência difícil, mas que vem se consolidando ao longo dos anos. Como destaca Nelson Pretto, em uma de suas muitas análises sobre a EaD, "trata-se de um processo sociotécnico, inserido numa dinâmica política, de tomadas de decisão", o que equivale dizer que existem inúmeras lacunas teóricas e práticas que merecem atenção de pesquisadores e gestores.

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Como resultado teórico, organizei um livro e publiquei um capítulo intitulado "As TIC como ferramentas de apoio no processo ensino/aprendizagem". As pesquisas com as TIC e a educação me levaram ao Projeto UCA – "Um Computador por Aluno", do qual participei como coordenadora da área de avaliação no Estado. Derivado da proposta de Nicolas Negroponte (OLPC – One Laptop per

Child), tinha por missão entregar um laptop para cada um dos alunos das escolas públicas selecionadas, e, em Sergipe foi implantado em dez municípios: Aracaju, Barra dos Coqueiros, Santa Luzia do Itanhy, Tobias Barreto, Poço Verde, Simão Dias, Itabaiana, Moita Bonita, Capela e N. S. da Glória. A avaliação demonstrou, por um lado, que os problemas de infraestrutura complicavam a implementação das ações e, por outro, que a formação dos professores deveria ter sido realizada antes da entrega dos equipamentos. Mesmo com um trabalho intenso de capacitação docente, era preciso "correr contra o tempo", dificultando o efetivo uso do computador em sala de aula. Após terminada a avaliação do UCA, fui convidada para assumir a Coordenação de Avaliação Institucional (COAVI) junto a Pró-Reitoria de Planejamento (2009). A partir da implantação do REUNI e com base no Plano Nacional de Educação, os mecanismos de avaliação tornaram-se mais frequentes e mais especializados. A criação de Comissões Próprias de Avaliação tornou-se obrigatória, assim, a implantar a da Universidade. Deixei o cargo em 2011 para assumir, em 2012, a vice-coordenação do DCOS – Departamento de Comunicação Social (criado após a divisão dos cursos de Artes e Comunicação), pois, como sempre, o Departamento se encontrava estrangulado, com quatro cursos em funcionamento, um mestrado recém-criado e sem prédio próprio. Os caminhos trilhados, traduzidos de modo quantitativo, resultaram em 82 orientações de trabalhos de conclusão de curso (TCC) e 73 participações em bancas 18

de TCC. Dos alunos que orientei na graduação: 4 se doutoraram e 13 fizeram mestrado. Dois são professores efetivos do DCOS/UFS. Participei, ainda, de 10 bancas de Concurso Público, 3 dezenas de seleções para professor substituto, 9 comissões de acompanhamento de estágio probatório e fui relatora de 35 processos de progressão funcional. Meu relato, em seu conjunto, deve servir para explicar alguns dados relativos às atividades de pós-graduação. Em 1997, passei a integrar os quadros do Mestrado em Educação (atual PPGED), onde permaneci até o ano de 2005, quando me afastei para fazer o pós-doutorado. Em 2007, fui convidada para integrar a comissão de criação do Mestrado em Letras (PPGL), do qual faço parte até hoje. Em 2011, mais uma vez, integrei a comissão de criação do Mestrado em Comunicação (PPGCOM) que, confesso, foi a prova de que todos os esforços junto ao Departamento de Comunicação valeram a pena. Atualmente, junto com um grupo de professores, me empenho para ajudar na criação de um outro curso, o Mestrado Interdisciplinar em Cinema. Entretanto, transcorridos vinte anos e alguns meses, nunca integrei um programa de Doutorado. O que espero, ainda conseguir. Como diz uma grande e sábia amiga "É preciso ter foco" (Acássia Barreto). Mas fica nesse memorial uma lacuna, pois esperase que um professor doutor, quase ao final de sua carreira, tenha passado por todos os níveis de atuação possíveis dentro de uma Universidade. Nos diferentes programas de mestrado dos quais participo/participei, orientei 13 Dissertações de Mestrado e tenho 8 orientações em andamento. Participei de 5 bancas de doutorado, 26 de mestrado, 21 qualificações de mestrado e 16 bancas de especialização. Ainda, orientei 9 monografias de especialização e 21 trabalhos de Iniciação Científica. Dos 13 alunos orientados no mestrado, 7 cursaram ou cursam o doutorado, 3 são professores da UFS (Departamento de Ciência da Computação, Departamento de Educação e Departamento de Secretariado Executivo) e 8 são professores em outras instituições de ensino superior. 19

No que tange às atividades de pesquisa, procurei sempre aliar a teoria e a prática, tentando repensar algumas das questões fundamentais para a nossa sociedade, o nosso tempo. As tecnologias da informação e da comunicação (TIC) aplicadas à educação, à cultura popular, à arte, à atividade jornalística, ao texto digital, ao cinema. A mudança de curso nas sociedades que possuem acesso à internet, às redes sociais, bem como os processos de democratização da informação e o desenvolvimento de novas formas de controle, também compõe o rol de meus objetos de pesquisa. Nessa trilha, coordenei e desenvolvi 13 projetos de pesquisa (o 14º encontra-se em andamento) e coordenei dois projetos Internacionais de Pesquisa (CAPES/ ICCTI). Atualmente, desenvolvo um projeto com o Hunter College/City University of New YorkCUNY. A parceria com o Hunter College/CUNY surgiu a partir do interesse no projeto intitulado "Digital Stories", coordenado pelo professor Gerald P. Mallon PHD, diretor executivo do National Center for Child Welfare Excellence e Julia Lathrop e professor da Silberman School of Social Work/ Hunter College/CUNY, que produzia e divulgava vídeos realizados com pessoas integrantes de grupos vulneráveis, permitindo que eles encontrassem um espaço para "contar as suas histórias", espaço não privilegiado pelas mídias tradicionais. O primeiro desdobramento foi a realização de uma Missão de Trabalho, em 2011, com o objetivo de estabelecer metas de cooperação. Na oportunidade, pude, ainda, visitar em New Orleans, as obras de reconstrução da área devastada pelo furacão Katrina (2005), em especial as desenvolvidas pela fundação "Make it Right", capitaneada pelos atores Brad Pitt e Angelina Jolie. Tal como na região das barragens construídas pela CHESF, em que as populações foram retiradas de suas casas que seriam submersas pelas águas, mais uma vez me

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deparei com a tragédia da perda de vínculos com o espaço em que se vivia (mas em "NOLA" a situação foi absurdamente catastrófica). Para além das perdas humanas e materiais, a população de New Orleans ficou sem parte de sua memória, uma vez que uma série de registros foi destruída junto com as casas. A importância desse tipo de patrimônio deu origem ao projeto "Rescue Memories", patrocinado pela Hewlett-Packard – HP, que designou equipes para fazer a restauração de fotos que puderam ser resgatadas da área de desastre. A possibilidade de conhecer essa realidade permitiu, mais uma vez, um ajuste no foco de minhas pesquisas, como pretendo descrever a seguir. Da segunda missão de trabalho, 2014, originou-se um protocolo de cooperação internacional, Convênio UFS/CUNY, cuja primeira etapa envolveu a formatação do projeto "Subjugated knowledge - permitting narratives to emerge" a ser submetido a uma agência de fomento em 2015. Tendo concentrado minhas pesquisas nos últimos anos no jornalismo on-line e suas interfaces com as redes sociais, em especial o Twitter, analisando os modelos de negócios, sociabilidades e práticas de leitura e escrita, a partir do intercâmbio com a CUNY, venho redirecionando meus estudos para a área de produção de narrativas, sobretudo em ambientes digitais. Vinculado às linhas de pesquisa dos mestrados em que atuo, no PPGCOM com o projeto "Comunicação da Cultura" e no PPGL, com o projeto "Linguagens do Texto Digital", o estudo em desenvolvimento tem por objetivo discutir as novas formas narrativas nos ambientes digitais, tanto em sua forma quanto em suas funções sociais. Os processos de digitalização e a convergência, na ótica de Henry Jenkins, têm sido também examinados, ao lado de análises sobre as relações entre tais processos e o capitalismo (Richard Sennett, Jonathan Crary), bem como trabalhos mais específicos sobre a área de cinema (David Bordwell).

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Produzir tornou-se um imperativo no ambiente acadêmico. Resolvi, então, me dedicar às aulas, pesquisas e orientações, recusando todos os cargos que me foram oferecidos a partir de 2013. Procurando levantar a discussão sobre a cobrança por acesso a conteúdo científico, publiquei no Jornal da Ciência a matéria intitulada " A ' Primavera Acadêmica' e o mercado de artigos científicos", com ampla repercussão, do qual reproduzo alguns textos que se articulam à presente descrição de minha vida acadêmica. "Não existe pesquisa sem revisão de literatura e referencial teórico. Em um momento em que o fluxo de comunicação se acelera e a internet disponibiliza uma vasta gama de artigos científicos, escritos sob as mais variadas perspectivas, orientações e matizes teóricos, uma nova barreira se apresenta". "Se, antes da rede das redes, o acesso à produção acadêmica envolvia o deslocamento até as grandes bibliotecas e a seus acervos de livros, revistas científicas, teses, dissertações e monografias, demandando recursos consideráveis para o transporte/alojamento, hoje, a cobrança por acesso a conteúdo ( paywall

systems) vai surgindo como nova preocupação, mais uma vez segmentando o acesso ao conhecimento". Com preços que variam de 20 a 125 dólares para baixar (download) o artigo e de 1,99 a 12 dólares para alugar por 24 horas, tornamo-nos reféns de portais que tomam para si um bem que deveria ser público. A necessidade de publicar leva autores a se submeterem a regras nem sempre justas. Polêmicas à parte, preparei um estrato quantitativo de minha produção. Publiquei 4 livros, 7 capítulos de livros (tenho mais dois capítulos aceitos para publicação em 2015), um prefácio, uma apresentação de livro, 19 artigos em periódicos especializados (com outros três aceitos para publicação em 2015, um deles em uma publicação QUALIS A1), 26 trabalhos completos e 30 resumos publicados em anais, 36 textos em jornais e revistas e apresentei 69 comunicações 22

orais em congressos e seminários. Participei dos principais congressos nacionais da área de Comunicação – COMPÓS, INTERCOM, ULEPICC, SBPJOR, SOCINE (da qual fui um dos membros fundadores, ajudando a elaborar a "Carta de Salvador") e de congressos internacionais em Portugal (Lusocom), Espanha (Ulepicc), e Estados Unidos (Geoesthetic, Popular Culture). Dentre as obras publicadas, gostaria de mencionar o capítulo de livro intitulado: "Acessibilidade e novas tecnologias de acesso ao texto informativo – o caso dos jornais on-line". Com a chegada dos jornais on-line, mais especificamente dos

webjornais, ou seja, aqueles jornais produzidos especialmente para a internet, e com o desenvolvimento de programas leitores de tela, como o DOSVOX, uma série de pessoas antes excluídas da possibilidade de ler passa a ter acesso à informação jornalística de modo mais autônomo. A perspectiva inclusiva das TIC é um aspecto que merece, a meu ver, mais esforços de pesquisa. Entre os artigos apresentados em congressos, destaco o apresentado à ULEPICC, em Madri, 2009: "Do copyright ao copyleft: Reposicionamento do mercado editorial brasileiro em face às TIC e ao surgimento de novas formas de regulação dos direitos autorais". O conceito de copyleft agrega-se à possibilidade de democratizar o acesso à informação, na medida em que um autor pode escolher divulgar seus trabalhos numa licença como a Creative Commons, conferindo uma nova perspectiva à difusão do saber. Nos últimos dois anos, tenho publicado mais, não só em função da obrigatoriedade expressa nos indicadores de produtividade, mas por entender que, após essa jornada, encontro-me num momento propício para escrever de modo mais experiente e sistematizado. Dentre as atividades de extensão, privilegiei as ações que pudessem, de alguma forma, aproximar a Universidade das comunidades mais vulneráveis.

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Em 1998, implantei um sistema de comunicação utilizando a Hot Line da Chesf, criando a primeira ação de divulgação científica pela internet no "sertão" brasileiro. Onde não havia telefone, nem televisão, nos comunicávamos através da rede. Integrei o grupo da UNITRABALHO, apoiando o desenvolvimento de incubadoras de empresas para populações de baixa renda. Desenvolvi o projeto de extensão Cinedebate, apresentando filmes para escolas públicas de Aracaju. Aprovei o projeto de ensino de jornalismo on-line na modalidade MOOC (Massive Open Online Course), que será executado em 2015. A partir das atividades desenvolvidas na UFS, recebi convites para atuar como consultora por diversas ocasiões (BNB Cultural, Prêmio Multicultural Estadão, CNPq CYTED, Capes, SESC, CURTA-SE), como membro de conselho editorial (e-COMPÓS,

Ciberlegenda, Editora da UFS, entre outras), como parecerista (COMPIBIC/UFS, PROBIC/UNIT, CAC.4 Computer Art Congress, Intercom) e como professora visitante (UNICAMP, UMINHO, Universidade Nova de Lisboa). Minha trajetória tem sido marcada pela diversidade, pelo desafio e pelo aprendizado. Das horas em sala de aula carrego as melhores recordações. O prazer de ensinar e aprender com os alunos é o meu maior motivador. A eles serei sempre grata. Ao preparar este memorial, pude, mais do que cumprir uma exigência ditada por uma resolução, fazer o balanço de uma vida. Além dos números, dados, relatos, documentos e títulos, espero ter apresentado, também, um pouco do processo de crescimento da Universidade Federal de Sergipe, da complexa relação entre universidade e sociedade, da pertinência da implantação dos cursos do Departamento de Comunicação Social e, sobretudo, da importância dos investimentos em educação pública e de qualidade. Entre Chronos e Kairós, vivi tempos e espaços atravessados pelas rotas que se apresentavam. Com o tempo finito, contingente, quantitativo, do Chronos ditador, implacável, lutei para não ser devorada. Ao tempo relativo, qualitativo de um Kairós determinado, me aliei para permitir a fruição naquilo que ia surgindo. 24

Encerro com as palavras de um poeta que me foi apresentado por quem, nessa vida atribulada, me ensinou a rever todas as minhas certezas:

São Cristóvão, 31 de março de 2015 Profa. Dra. Lilian Cristina Monteiro França

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