Entre dois fundamentalismos

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apertos de mãos assassinas. As guerras desfraldam bandeiras multicolores, e levantam altos muros farpados de injustiça, de venenos vários, e de muita loucura. As guerras pintam

forma de vida e pelo seu jeito de amar. As guerras são criadas pela crueldade da gravata e do colarinho branco que rege o mundo-cão, que não pressente a presença da dor e o odor dos

não sou um “ritualclasta”, muito longe disso. A tomada de posse de um Governo ou de um Presidente, tal como a comemoração das efemérides da nossa História, devem revestir-se

Entre dois fundamentalismos Debate Terror e sociedade Mário Vieira de Carvalho

V

ivemos entre dois fundamentalismos: o neoliberal e o religioso. São duas faces da mesma moeda. Quem não compreender isto não compreende o falhanço do projeto europeu nem o estado de guerra que se instalou no mundo. Numa das faces da moeda está inscrita a palavra humilhação. Na outra, a palavra alienação. A humilhação continuada e permanente gera o ódio. Basta ouvir os apelos de jihadistas: essa é a sua base de recrutamento. De onde vem tanta humilhação? Vem, em primeiro lugar, do grande foco incendiário — a mãe de todas as guerras — no Médio Oriente: o conflito israelo-palestiniano. Se há uma origem última da radicalização islâmica, só pode ser essa. Quer queiramos, quer não, o conflito israelo-palestiniano transformouse num conflito entre o Ocidente e o Islão. Enquanto não for resolvido, o

jihadismo continuará a reproduzir-se. Como é que a Europa, os EUA e a ONU se permitem continuar reféns desse conflito indefinidamente? Vem, em segundo lugar, da incapacidade de integração social e de diálogo intercultural nos países europeus com maiores comunidades muçulmanas. Grande parte dos jovens muçulmanos europeus sente-se discriminada e excluída. Nada na Europa a mobiliza para uma “causa comum” — a começar pelos valores éticos da democracia pluralista. Em contrapartida, a religião, levada ao extremo do fanatismo, oferece-lhe essa “causa comum” — uma “causa comum universal” que está para além dos países e das fronteiras: a da redenção pelo martírio. O que lhe falta em empatia com a condição de cidadão europeu sobra-lhe em empatia com a condição interiorizada de damné de la terre pronto a matar (à imagem e semelhança da situação colonial descrita por Frantz Fanon, no contexto da guerra da Argélia). Inscrita no reverso da medalha, a alienação. Em que consiste ela? Na destruição da noção de bem comum. Os princípios constitucionais e as convenções e declarações de direitos humanos tornaram-

se letra morta. Conquistas sociais que promoviam a coesão da sociedade, a integração, o sentimento de pertença, os laços de solidariedade e o exercício livre e responsável da cidadania têm sido gradualmente eliminadas. A economia transformou-se numa máquina infernal de discriminação, exclusão e segregação sociais, isto é: numa máquina geradora de anarquia, caos e miséria humana. É a isso que se dá eufemisticamente o nome de “reformas estruturais”. Trata-se de banir da economia o investimento público e impor a lógica autopoiética do sistema financeiro mundial ao que resta das funções do Estado, designadamente dos Estados organizados

Enquanto não for resolvido, o jihadismo continuará a reproduzir-se

não! E o homem de Boliqueime, nas calmas, responde: “Qual é a pressa? Não estão os cofres cheios?” Eu nem queria acreditar! Hélder Pancadas, Sobreda

Publico, 22/11/2015, p.52

na UE. O princípio último proclamado por ex-líderes europeus falhados ou pela maioria dos atuais que seguem a mesma cartilha é um princípio pós-político e pós-humano, não menos fanático do que a “causa comum” dos jihadistas: o da subordinação de tudo e todos à competição cega pelas melhores taxas de remuneração do capital. Numa inversão radical dos meios e dos fins, a “utopia” do fundamentalismo neoliberal é criar um sistema financeiro mundial a funcionar em clausura operativa, imune a qualquer interferência heterónoma do mundo da vida, isto é, totalmente alienado do social e do humano. Dir-se-ia que essa é “a norma fundamental pressuposta” (Hans Kelsen) que já derroga um pouco por toda a parte o Estado de Direito democrático. Como se tal não bastasse, ainda há os 3% de limite de défice do tratado orçamental e até a pretensão de o inscrever na Constituição. 3% de défice: eis a nossa grande “causa comum”! A que vem agora o anacronismo de gritar pela “causa comum” de outrora — “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” — se ela está bem morta e enterrada por trinta anos de alienação neoliberal? Professor catedrático jubilado (FCSH-UNL)

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