ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS: A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015)
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS: A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015) São Paulo 2016
LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS: A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015) Dissertação apresentada ao Programa de Pós‐Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para obtenção do título de mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Drª. Angélica Tanus Benatti Alvim São Paulo 2016 2
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LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS: A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015) Dissertação apresentada ao Programa de Pós‐Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para obtenção do título de mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Dr. Angélica Tanus Benatti Alvim Aprovado em 29 de Fevereiro de 2016, BANCA EXAMINADORA
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Para Innocencia Gonçalves da Silva, a vó Nô 5
AGRADECIMENTOS A Luiz Gonzaga da Silva, pai, que dedicou sua vida profissional à ciência das águas e das infraestruturas hídricas, e me incentivou a cursar o mestrado, contribuindo, com olhar crítico e atento, nas várias etapas de produção e revisão da pesquisa. A Lenilélia Abbamonte da Silva, mãe, educadora amante da arte, conhecedora do diálogo com as pessoas, me ensinando sensibilidade, diplomacia, fruição e graça. A Juliana Okuda Campaneli, companheira, sempre acompanhando entusiasmada, no olho do furacão, os percalços, avanços, reflexões e descobertas dessa pesquisa. A Daisaku Ikeda, mestre budista e filósofo do mundo, que me auferiu a têmpera para observar, refletir e lapidar constantemente a vivência contínua que constituí a memória, o conhecimento e a sabedoria da vasta e insondável experiência humana na Terra. “Observe cuidadosamente. Reflita profundamente. Execute num instante”. A Angélica Tanus Benatti Alvim, orientadora, pela paciência e dedicação com que me ensinou a disciplina e a responsabilidade da pesquisa acadêmica, e também sobre o comprometimento do pesquisador na instituição em que atua. A todos os participantes do grupo de pesquisa Questões Urbanas: Design, Arquitetura, Planejamento e Paisagem, por todas as vivências e troca de experiências nas visitas em campo nas regiões da Penha e do Itaim Paulista. Em especial a Mauro Claro, líder do grupo e às queridas colegas Maria Cecília Sampaio Freira Namur, Violêta Kubrusly e Ana Paulo Calvo, pessoas visionárias de uma das mais belas e sólidas pontes possíveis: o encontro entre Universidade e Comunidade. A equipe que produziu o projeto “Qualificação Urbano‐Ambiental em Áreas de Risco: Córrego Tijuco Preto – Itaim Paulista” para o “Atelier Ensaios Urbanos”, proposto pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo. Em especial aos queridos colegas capixabas Heraldo Ferreira Borges e Flávia Botechia, que desde então tanto me enriqueceram com suas experiências quanto ao “olhar a cidade”, ao mesmo tempo método, meditação e prática, caligrafia cartográfica. E a querida colega Beatriz Rocha, 6
“caçula da graduação”: a seriedade da estudante que faz com excelência aquilo que deve ser bem feito. As queridas colegas e professoras Denise Antonucci e Larissa Ferrer Branco que me aceitaram e instruíram durante o estágio acadêmico na disciplina de Urbanismo V. A todo o corpo discente do Departamento de Pós‐Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e, em especial aos professores com quem tive contato direto: Carlos Guilherme Mota, Valter Caldana, Célia Regina Morette Meireles, Paulo Roberto Righi, Gilda Collet Bruna, Isabel Villac, Cândido Malta Campos, Nadia Somekh, Abílio Guerra, Eunice Helena Abascal, Ana Gabriela Goudinho Lima, Rafael Antônio Cunha Perrone, José Geraldo Simões Júnior e Heliana Angotti‐Salgueiro. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior ‐ CAPES, fundação do Ministério da Educação (MEC) da República Federativa do Brasil, pela oportunidade e benefício de realizar essa pesquisa, em financiamento conjunto com a Universidade Presbiteriana Mackenzie, na modalidade bolsista de dedicação integral. A todas as amizades, colegas, encontros e encantarias que não foram citados diretamente, mas que fazem parte desse tecido urbano que é a vida, a “Rede de Indra”, e do qual essa pesquisa é apenas um nó, madrepérola, ou um fio de seda.
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RESUMO Este estudo discute a relação entre água e cidade, entre rios e ruas, e analisa a formação, transformação e consolidação do sítio urbano de São Paulo a partir de uma unidade da geografia física, a bacia hidrográfica. Consideram‐se as diferentes escalas de inserção da bacia no território, e destacam‐se, como componentes principais da pesquisa, a hidrografia, o relevo e as infraestruturas urbanas. Neste contexto, a área da microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira, na região da Penha foi escolhida como estudo de caso. O ano de 1930 foi definido como momento inicial do recorte temporal, por revelar, com base na cartografia SARA Brasil, a riqueza do sítio precedente e o caráter de convivência entre o núcleo urbano dessa região e o conjunto dos cursos d’água. Atualmente, porém, o quadro é o inverso, e o relevo – em especial os fundos de vale e os anfiteatros de nascentes – foi completamente transformado em prol da criação de solo urbano útil, e a hidrografia do sítio precedente convertida, quase que integralmente, em um sistema viário, parte de uma rede de infraestruturas metropolitanas. Este estudo é composto de duas partes: a primeira apresenta uma conceituação sobre bacia hidrográfica e sua conversão em sítio urbano, no capítulo 1; contextualiza brevemente a transformação do sítio urbano de São Paulo em função do rio Tietê e seus afluentes, no capítulo 2; e discorre sobre a formação histórica da região da Penha, destacando alguns fatores relevantes na sua transformação e consolidação urbana, no capítulo 3. A segunda parte, capítulo 4, descreve a construção do método utilizado para a análise da microbacia hidrográfica inserida no tecido urbano, destacando a relação entre a hidrografia, o relevo, os tecidos locais e a rede de infraestruturas metropolitanas, e evidenciando os conflitos existentes nessa articulação. PALAVRAS CHAVE: bacia hidrográfica, rede de infraestruturas metropolitanas, sítio urbano, São Paulo, microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira.
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LISTA DE FIGURAS Figura 1.1 – A bacia hidrográfica – hidrografia, relevo e escoamento das águas Figura 1.2 – A bacia hidrográfica – sub‐bacias Figura 1.3 – O ciclo hidrológico Figura 1.4 – As bacias de drenagem dos principais oceanos e mares do mundo Figura 1.5 – Codificação de bacias hidrográficas Nível 1 Figura 1.6 – Esquema de hierarquia de canais de uma bacia hidrográfica Figura 1.7 – Balanço hídrico, escoamento e geometria Figura 1.8 – Decomposição sistêmica do tecido urbano ‐ Colina da Penha Figura 1.9 – Urdidura e trama Figura 2.1 – A bacia hidrográfica do Paraná Figura 2.2 – Esquema geomorfológico do Estado de São Paulo Figura 2.3 – A bacia Hidrográfica do Rio Tietê Figura 2.4 – Hidrografia da região de São Paulo Figura 2.5 – Rede ferroviária estadual (espaço regional) Figura 2.6 – Sub‐bacias do Alto Tietê Figura 2.7 – Hidrografia da bacia do Alto Tietê Figura 2.8 – O Plano de Avenidas a partir do Mapa SARA Brasil Figura 2.9 – Crescimento da mancha urbana de São Paulo Figura 2.10 – Mancha Urbana 1952 e obras de infraestrutura em andamento Figura 2.11 – Mancha Urbana em 1962 e obras de infraestrutura concluídas 9
Figura 2.12 – Mancha Urbana em 1983 e obras de infraestrutura em andamento Figura 2.13 – Mancha Urbana em 1995 e obras de infraestrutura em andamento Figura 3.1 – Hidrografia do município de São Paulo Figura 3.2 – Hipsometria do município de São Paulo Figura 3.3 – Bacias hidrográficas do município de São Paulo Figura 3.4 – Inserção da microbacia Tiquatira na Zona Leste do Município de São Paulo Figura 3.5 – Microbacia do Tiquatira Figura 3.6 – Hydra Figura 3.7 – Parque Tiquatira e colinas: à esquerda, Cangaíba, à direita, Penha, 2012 Figura 3.8 – Viaduto Cangaíba e o Tiquatira canalizado, 1986 Figura 3.9 – Colina da Penha e o Viaduto, 1986 Figura 3.10 – Freguesia da Penha, entre São Paulo e o aldeamento de São Miguel do Ururaí Figura 3.11 – Vista da Colina da Penha com o rio Aricanduva em primeiro plano, 1817 Figura 3.12 – Estação Guaiaúna, com fábrica ao fundo, 1940 Figura 3.13 – Palacete Rodovalho, igreja da Penha e a passarela de acesso ao ramal ferroviário, 1905 Figura 3.14 – Vila Guilhermina, 1942 Figura 3.15 – Vila Esperança, 1942 Figura 3.16 – Rua Padre Antônio Benedito, 1979 Figura 3.17 – Centro Esportivo da Penha, 1934 Figura 3.18 – Zona Agrícola do Vale do Tiquatira, cheia do Rio Tietê, 1941 Figura 3.19 – Atividades Econômicas nas várzeas do Tietê, 1941 10
Figura 3.20 – Colina da Penha, 2014 Figura 3.21 – Projeto de urbanização do fundo de vale do Córrego Tiquatira Figura 3.22 – Parque Tiquatira e Avenida Governador Carvalho Pinto, 2015 Figura 3.23 – Oito situações de assentamentos precários entre na foz do Tiquatira Figura 3.24 – Viaduto Cangaíba, 1986 Figura 3.25 – Viaduto Cangaíba, 2015 Figura 3.26 – Vista da extinta Favela Tiquatira, 2010 Figura 3.27 – Avenida Calim Eid e Córrego do Franquinho, 2015 Figura 3.28 – Córrego Ponte Rasa, 2015 Figura 3.29 – Avenida Pedra Preta e Córrego Ponte Rasa, 2015 Figura 4.1 – Elaboração da base cartográfica de 1930 ‐ procedimento de subtração Figura 4.2 – Elaboração da base cartográfica de 2015 ‐ procedimento de adição Figura 4.3 – LÂMINA 1: MICROBACIA DO CÓRREGO TIQUATIRA – HIPSOMETRIA, 1930 Figura 4.4 – LÂMINA 2: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 1930 Figura 4.5 – LÂMINA 3: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 2015 Figura 4.6 – LÂMINA 4: IDENTIFICAÇÃO DE NASCENTES ‐ HIDROGRAFIA, 1930 Figura 4.7 – LÂMINA 5: INFRAESTRUTURAS METROPOLITANAS ‐ CONFLITOS, 2015 Figura 4.8 – LÂMINA 6: FOTO AÉREA ‐ REPRESENTAÇÃO DO TECIDO URBANO, 2015 Figura 4.9 – Nascente 7 do Córrego Tiquatira ‐ tampão e as bocas de lobo, 2014 Figura 4.10 – Faixa de alta tensão atravessando a Avenida Cangaíba, 2011 Figura 4.11 – Faixa de alta tensão atravessando margeando a Rua Rocha Fraga, 2010 Figura 4.12 – Tábua com as 35 situações de conflito entre nascentes e tecidos locais 11
Figura 4.13 – Tábua com as 49 situações de conflito na rede de infraestruturas metropolitanas Figura 4.14 – Hipóteses de hidrografia LISTA DE TABELAS Tabela 2.1 – Crescimento populacional e aumento da frota de automóveis Tabela 4.1 – Hidrografia – quantidades e porcentagens totais Tabela 4.2 – Infraestruturas – quantidades e porcentagens totais LISTA DE QUADROS Quadro 3.1 – Fases de formação e consolidação da região da Penha Quadro 3.2 – Obras de infraestrutura nos principais cursos d’água da microbacia do Tiquatira Quadro 4.1 – Matriz analítica para elaboração cartográfica Quadro 4.2 – Procedimentos de análise Quadro 4.3 – Conflitos entre bacia hidrográfica e infraestruturas Quadro 4.4 – Matriz analítica da Hidrografia ‐ inserção e situação das nascentes Quadro 4.5 – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas
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SUMÁRIO PRÓLOGO .............................................................................................................................. 15 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 20 1. INTERFACE ENTRE BACIA HIDROGRÁFICA E SÍTIO URBANO ............................................ 29 1.1. BACIA HIDROGRÁFICA: CARACTERIZAÇÃO, COMPONENTES E ESCALAS ....................... 31 1.1.1. Critérios de classificação da bacia hidrográfica ...................................................... 34 1.1.2. Componentes da bacia hidrográfica: hidrografia e relevo ..................................... 38 1.1.3. Compartimentos da bacia hidrográfica: cumeeiras, encostas e fundos de vale .... 42 1.2. PROBLEMÁTICA DA BACIA HIDROGRÁFICA CONVERTIDA EM SÍTIO URBANO .............. 44 1.3. DECOMPOSIÇÃO ANALÍTICA DO SÍTIO URBANO ........................................................... 48 1.3.1. Tecido Urbano ......................................................................................................... 48 1.3.2. Traçado Urbano ....................................................................................................... 52 1.3.3. Infraestruturas urbanas .......................................................................................... 55 2. BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO TIETÊ E O SÍTIO URBANO DE SÃO PAULO ..................... 59 2.1. BACIA HIDROGRÁFICA DO TIETÊ E A GEOMORFOLOGIA DE SÃO PAULO ..................... 62 2.2. SUB‐BACIA DO ALTO TIETÊ E A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO .................. 69 2.2.1. Rio Tietê: objeto de projetos de infraestruturas urbanas ...................................... 72 2.2.2. Marginal Tietê: retificação e canalização do rio ..................................................... 79 2.2.3. As obras de fundo de vale nas sub‐bacias do Rio Tietê: replicação de uma experiência ........................................................................................................................ 82 13
3. MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ................ 86 3.1. AS MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ............................. 88 3.2. A MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NA REGIÃO DA PENHA ...................... 93 3.2.1. A microbacia urbana como urbanismo de colinas ................................................. 96 3.2.2. Microbacia rural: o núcleo urbano original da colina da Penha ............................ 97 3.2.3. Microbacia urbana: a implantação da infraestrutura ferroviária ........................ 103 3.2.4. Microbacia metropolitana: o sistema automobilístico ........................................ 108 3.3. A TRANSFORMAÇÃO DOS FUNDOS DE VALE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA ......... 115 3.4. SITUAÇÃO ATUAL DA MICROBACIA DO TIQUATIRA .................................................... 120 3.5. TRANSFORMAÇÃO URBANA DA MICROBACIA DO TIQUATIRA: CONSIDERAÇÕES ...... 125 4. MICROBACIA URBANA DO TIQUATIRA: EVIDENCIANDO CONFLITOS ............................. 127 4.1. COMPLEXIDADE E FRAGMENTAÇÃO NAS ESCALAS E TEMPO DO TECIDO URBANO ... 129 4.2. MÉTODO DE ANÁLISE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA .............................................. 133 4.3. IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS DA MICROBACIA ..................................................... 146 4.4. DISCUSSÃO DOS CONFLITOS ........................................................................................ 153 4.5. RESULTADOS DA ANÁLISE ............................................................................................ 155 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 166 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 172 APÊNDICE ............................................................................................................................ 177
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PRÓLOGO do grego πρόλογος ‐ prólogos, pelo latim prologos, “o que se diz antes”
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A cidade é o palco onde se desenrola o drama da vida cotidiana. Uma rua, uma avenida, uma ponte, uma casa, um edifício ou um bairro são expressões típicas desse palco, e assim a cidade como um todo. Tal palco é construído sobre um sítio original, uma porção do relevo terrestre dotada de características gerais, atributos e particularidades. Um rio, uma colina, um vale, uma várzea, um bosque ou uma serra são expressões possíveis desse sítio, e vão condicionar o modo como se configura a cidade. Atualmente, as metrópoles contemporâneas constituem uma das expressões mais notáveis da capacidade humana de transformar o sítio precedente, e encontram seu complemento direto e necessário nas grandes obras de caráter industrial e impacto regional, como usinas hidrelétricas e campos de produção agrícola. Na cidade, quem protagoniza o drama da vida cotidiana são as pessoas, o gênero humano, junto com toda a fauna e flora existente e possível. Porém, o estudo que se segue será focado numa reflexão acerca da constituição física da cidade enquanto expressão cenográfica do palco. Pois, se o drama da vida na cidade se dá em função do movimento das pessoas e da dinâmica das máquinas – manifestando um caráter transitório, a forma resultante da cidade apresenta um caráter estático e factível de análise. É neste sentido que se torna oportuna a máxima de Bertold Brecht, no poema Sobre a violência: “do rio que tudo arrasta, diz‐se que é violento. Mas ninguém chama violentas as margens que o comprimem” (1973, p. 71). A cidade é uma expressão consistente dos processos da criação humana em conjunto com as forças da natureza, e reflexo da ação humana constituída sobre um lugar de pertença. 16
Foi com maestria que o escritor Guimarães Rosa narrou o drama da pertença e da natalidade entre o permanente e o transitório da vida humana, no conto A terceira margem do rio: “nosso pai não voltou. Ele tinha ido à nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais” (1967, p.33). O rio, sempre em movimento, e a canoa tornada imóvel por uma âncora, coabitam. A cidade como uma ponte, um encontro, no tempo, de partes distintas. No conto Os construtores de pontes, de Rudyard Kipling, o motivo da narrativa se dá no contraste entre o sítio original do rio Ganges, também divindade ancestral na cultura e tradição filosófica da Índia, e a construção de uma nova civilização, inglesa e ocidental, simbolizada no advento tecnológico da ponte – a ligação entre dois mundos diferentes. Essa empreitada é como que uma verdadeira batalha entre homem e divindade, entre natureza e artifício. O rio é um obstáculo a ser vencido, e o homem esbarra nas forças da natureza e da religião que o rio evoca. Em dado momento, uma cheia do Ganges, consequência das chuvas de verão, ameaça destruir os pilares da ponte, e a cena se transfigura numa reunião de divindades. Discutem então sobre qual seria o justo desfecho para aquela situação, que sintetizava um embate entre civilizações. É nessa hora que o rio Ganges, a mãe Gunga, percebendo que deveria se submeter ao consenso das outras divindades, grita aos demais: “então eu estou sozinha, seres celestiais? Devo abrandar meu caudal para não lhes derrubar os muros? Acaso Indra há de secar as minhas fontes nas colinas, fazendo com que eu me arraste humildemente? Devo sepultar‐me na areia para não os ofender?” (1898, p. 483). Por fim, sob a justificativa da transitoriedade da obra humana, que sempre se desgasta na ação do tempo, mãe Gunga cede, e as divindades acordam que prossigam as obras de construção da ponte – integração entre as duas culturas. Mas a preocupação de mãe Gunga tinha fundamento. Recentemente, no Brasil, em 5 de Novembro de 2015, ocorreu o rompimento da barragem de Fundão no município de Mariana (MG), construída na foz de um tributário do Rio Doce, e servia de depósito de rejeitos provenientes da exploração de minério de ferro. A lama que desceu o rio, tóxica de metais pesados, erradicou toda a sua fauna aquática. Atravessou os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, comprometendo drasticamente o abastecimento de água de várias cidades em seu curso, antes de alcançar o Oceano Atlântico, transformando em imensa lama 17
marrom o verde azul‐escuro do mar. O historiador Luiz Antônio Simas se referiu a esse desastre, na crônica As duas mortes do Rio Doce (2015), como sendo aquele provocado pelo homem da técnica: Heidegger adorava os Rios, de Hölderlin, sobretudo quando o poeta dizia que o rio peregrina e funda a ideia de natalidade. (...) Pertencimento, em suma. Desta sensação de que pertencemos ao rio e ao lugar por onde o rio passa, e sempre fica, vem a sacralidade dos cursos das águas. Para aquele que Heidegger chama de homem da técnica, todavia, o rio é o objeto presentificado. Serve apenas para ser manipulado objetivamente, em virtude dos interesses materiais concretos dos homens.
Essa idéia de natalidade, de pertencimento a uma terra natal, relaciona‐se com a originalidade do sítio precedente, no sentido deste possuir características intrínsecas e inalienáveis. Contudo, como será apresentado nesse estudo, a convivência passada do sítio urbano com os elementos geográficos preexistentes foi substituída por uma ruptura continuada em prol de uma concepção de cidade que ignora e se aliena das suas próprias origens, construída pelo mesmo homem da técnica. Esse tipo de cidade emudece os rios, como versou João Cabral de Melo Neto no poema Rios sem discurso (1965, p.229‐230): Quando um rio corta, corta‐se de vez o discurso‐rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e porque assim estancada, muda, e muda porque com nenhuma comunica, porque cortou‐se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. O curso de um rio, seu discurso‐rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloquência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase e frase, até a sentença‐rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate.
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Nas cidades dos rios sem discurso, as obras de infraestruturas urbanas preteriram o sítio precedente, em prol de uma mais‐valia dos fluxos que atravessam a cidade. É esta mais‐ valia, porém, que ocasiona alguns dos principais impactos e conflitos que caracterizam a metrópole contemporânea. Nesse sentido, a reflexão de Simas é fundamental para embasar um estudo acerca da cidade dos rios sem discurso (2013, p.70): A lição de Exu – trabalhe apenas nos tempos vagos – soa como um despropósito dentro da lógica produtivista das sociedades atuais. (...) Tristes tempos em que um tênis de marca e o carro do ano viram totens, e as árvores, pedras e rios, antes sagrados – morada de orixás, inquices, voduns, ancestrais e caboclos encantados –, são apenas coisas que podem ser modificadas, extintas, profanadas ou mantidas de acordo com a demanda da produção. (...) Ao não escutar Exu, corremos o risco de Tempo – que haverá de nos julgar na Noite Grande – nos condene como o povo que sacralizou o carro e profanou os rios.
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INTRODUÇÃO A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas
Mario Quintana
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Este estudo partiu de uma inquietação ou curiosidade inicial sobre as águas urbanas, conceito que orientou toda a reflexão aprofundada nesta pesquisa. Principiou com um questionamento sobre a relação entre o sítio urbano de São Paulo e os seus cursos d’água, e buscou elencar quais foram os principais processos constituintes que a determinaram, e como estes resultaram na sua configuração atual. Após um processo metodológico no qual foram exploradas várias frentes de interesse1, tal pesquisa culminou em um foco de análise que destaca dois tipos de elementos urbanos: os rios e as ruas da cidade. Nesse sentido, delineou‐se uma tentativa de estabelecer uma ponderação entre uma unidade de análise – a bacia hidrográfica, e as infraestruturas urbanas como camada de cidade a ser analisada. Este enfoque determinou a escolha do conceito de tecido urbano como uma matriz de desenho a partir da qual são extraídas as camadas e categorias para análise do sítio. Tal escolha implicou também uma limitação metodológica quanto à capacidade e abrangência da escala de analise e exigiu, portanto, um recorte conceitual para delimitação da sua área, ou seja, a definição de um perímetro físico para caracterizar o objeto empírico. Assim, como recorte conceitual adotou‐se uma unidade oriunda da geografia física, a bacia hidrográfica, por conter tanto o elemento da hidrografia quanto do relevo, ambos indispensáveis para o entendimento de como se dá a formação, transformação e consolidação de um estrato do sítio urbano a partir das infraestruturas que a caracterizam. 1 Entre as quais a gestão de políticas públicas urbanas e o estudo comparativo de unidades territoriais internas e externas à cidade. 21
Como recorte físico foi escolhido o perímetro da microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira, afluente do Rio Tietê na região da Penha, por apresentar tanto uma quantidade suficiente de variáveis, quanto uma escala de análise factível de reconhecimento. Além disso, os três principais cursos d’água que configuram a bacia passaram por processos de urbanização bem distintos, revelando tipologias diversas entre si e que possibilitam uma comparação quanto às diferentes formas de intervenção realizadas em fundos de vale. O Parque Tiquatira, em especial, é uma obra emblemática, tanto como espaço público que integra as colinas da Penha e do Cangaíba, quanto pelas situações inusitadas que apresenta, principalmente na sua área de foz. Como recorte temporal, foi definido o período entre 1930 – um momento passado, caracterizado pela presença visível dos cursos d’água e do convívio destes com o núcleo urbano da Penha e os assentamentos circundantes, e 2015 – o momento presente, na qual os cursos d’água foram transformados em componentes de um sistema viário, e tornaram‐ se quase que completamente ocultos para a própria cidade. No ano de 1930, ocorreram dois eventos marcantes para a cidade de São Paulo: a publicação do Plano de Avenidas Prestes Maia – que contribuiu decisivamente para a formulação das diretrizes que pautariam o crescimento da cidade em função do aumento do traçado viário, e o levantamento cartográfico SARA Brasil, um registro pormenorizado do sítio urbano do município de São Paulo. Pretende‐se lançar mão da concepção de sítio urbano a partir dos atributos físicos de um sítio geográfico, mas, principalmente, na expressão do tecido urbano, enquanto conceito que configura graficamente a cidade, e cuja constituição se molda em função do relevo desse sítio precedente, como uma echarpe de seda pousando sobre a pedra. Nesse sentido, a bacia hidrográfica é uma parcela que corresponde ao território e, na medida em que se converte em sítio urbano, torna‐se também uma unidade em interface com a política, objeto da geografia humana. Essa interface implica uma multiplicidade de escalas possíveis de observação do território – consequentemente do sítio urbano, e que serão encaradas aqui, inicialmente, de modo específico: uma escala máxima – do contexto regional, externo aos limites da cidade; um escala intermediária do limite metropolitano2 em interface com o 2 Totalidade da cidade como um conjunto de municípios de mancha urbana conurbada. 22
limite da bacia hidrográfica; e as localidades internas a um município como uma escala mínima, constituídas por um conjunto de microbacias hidrográficas. Doravante, o conjunto dos processos políticos que ocorrem no território se reflete na constituição física das cidades3, bem como suas sucessivas transformações. É neste contexto que uma bacia hidrográfica passa a determinar um sítio urbano, sendo ocupada e servindo de suporte para a construção de uma ou mais cidades. No caso específico do sítio urbano de São Paulo é possível caracterizar sua formação a partir de uma tradição construtiva luso‐brasileira. Assim, a bacia hidrográfica torna‐se subsídio fundamental para se entender não só uma concepção de sítio urbano baseada em uma unidade geomorfológica, mas de um modo tradicional de fazer cidade que pode ser entendido como um “urbanismo de colinas” (LOBO, SIMÕES JUNIOR, 2012). Mais precisamente, o conceito de bacia hidrográfica oferece uma perspectiva para abordar um urbanismo “entre” colinas, uma vez que uma bacia é formada por, no mínimo, duas colinas. Desse modo, o problema que se estabelece é o seguinte: como articular um processo de análise do sítio urbano, ou seja, da cidade em interface com a bacia hidrográfica? Quais são os componentes da bacia hidrográfica e como se articulam no sentido de condicionar a caracterização física da cidade? E como se dá essa articulação no caso específico da cidade de São Paulo, composta por uma série de infraestruturas que define esse sítio? Ainda, como se dá essa articulação em uma escala mínima, ou seja, a partir de uma microbacia ou de sub‐ bacias e dos tecidos locais que contêm? Com base nessas questões, pretende‐se conduzir uma abordagem interdisciplinar entre geomorfologia e sítio urbano, elucidando, de modo sintético, os principais aspectos e elementos necessários a uma abordagem minimamente consistente dessa conjuntura. Este estudo pretende assim contribuir para um enfoque metodológico no qual a bacia hidrográfica se revele como determinante para o entendimento da constituição física da cidade. A problemática de pesquisa consiste, portanto, em definir, identificar e analisar os conflitos entre o sítio precedente e os diversos tecidos locais que conformam o tecido urbano, numa escala micro, e entre os tecidos locais e a rede de infraestruturas 3 Com base nesse raciocínio, as cidades podem mesmo ser consideradas como centros nevrálgicos do território, e também os maiores artefatos construídos pela humanidade, tanto por sua escala quanto pela sua complexidade. 23
metropolitanas que compõem a cidade de São Paulo, em escala macro. Nessa problemática, a bacia hidrográfica se destaca como uma unidade do sítio urbano, e o conjunto das várias sub‐bacias que a compõem caracterizam uma multiplicidade de situações, que guardam similaridades estruturais entre si e expressam, ao mesmo tempo, atributos peculiares e uma consistência inalienável, ainda que preterida, como será possível observar. A interface entre água e cidade, entre bacia hidrográfica e território, tem se revelado um tema multifacetado e problemático, devido aos diversos modos de apropriação e utilização dos recursos hídricos, todos fundamentais para a manutenção da vida urbana. A água, em suas várias manifestações – rios, cachoeiras, lençóis freáticos e precipitações pluviais – serve conjuntamente ao abastecimento humano, ao saneamento básico, à produção e suprimento elétrico, sendo também matéria prima tanto no campo da agricultura quanto da indústria. Porém, é justamente essa sobreposição de usos que evidencia, nas cidades, disparidades e contradições. Na atualidade, os países dito desenvolvidos já apresentam expoentes de obras urbanas que possibilitam situações de convívio entre os rios e a cidade circundante, de modo a preservar as suas orlas e garantir um nível minimamente satisfatório de saneamento das suas águas4. Já nos países ditos em desenvolvimento – incluso o Brasil, o quadro é oposto5. Nas cidades brasileiras, entre estas a região metropolitana de São Paulo, é comum e reiterado o despejo de esgotos e toda espécie de resíduos nos cursos d’água, e parte significativa de suas orlas são ocupadas por populações de alta vulnerabilidade social e residentes em assentamentos precários. Além disso, ocorrem periódicos casos de
4 Vide a reportagem Oito exemplos de que é possível despoluir os rios urbanos, escrita por Romullo Baratto para o periódico Archdailly. Disponível em . Acesso: 16 janeiro 2015. 5 A comparação de dados fornecidos em diferentes pesquisas apresenta discrepâncias. Uma delas, elaborada pelo Banco Mundial em 2012, coloca o Brasil em 101º posição no ranking mundial, com 81,33% de acesso ao saneamento básico. Disponível em . Acesso em 16 janeiro 2015. Outra, divulgada pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável, com ano base 2011, atingiu indicador de 0,581, “indicador que está abaixo não só do apurado em países ricos da América do Norte e da Europa como também de algumas nações do Norte da África, do Oriente Médio e da América Latina em que a renda média é inferior ao da população brasileira”. Disponível em . Acesso em 16 janeiro 2015. A segunda pesquisa é considerada como mais verossímil, frente a uma análise mais atenta e ponderada da situação dos rios urbanos das principais metrópoles brasileiras. 24
enchentes, em consequência dos sazonais períodos de chuvas, fruto de uma ocupação extensiva das áreas de várzea e por conta de uma impermeabilização gradativa do solo. Somam‐se a esses fatores o desmatamento de matas ciliares, indispensáveis à manutenção do ciclo das águas, bem como a utilização dos recursos hídricos para além das possibilidades de recarga das chamadas bacias de cabeceira. Com base nesse raciocínio, o sítio urbano da microbacia do Tiquatira foi escolhido como objeto deste estudo tanto pela sua rica hidrografia, hoje preterida em função de um sistema de infraestruturas viárias, quanto pela intrínseca articulação que realiza com seu principal vetor hídrico, o rio Tietê. De modo geral, podemos afirmar que a articulação das sub‐bacias do Tietê ocorre em três escalas: regional, relativa ao Estado; metropolitana, inserida na região da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê; e local, das várias sub‐bacias sobre a qual se assentam as diversas localidades internas ao município, ou seja, as microbacias. Parte‐se do pressuposto, no caso da cidade de São Paulo, que as determinações regionais impressas na rede de infraestruturas metropolitanas determinam o modus operandi dos tecidos locais e da hidrografia, onde o objetivo consiste unicamente em possibilitar, determinar e controlar uma continuidade de fluxos, principalmente de bens de consumo e mercadorias. Nessa lógica, a locomoção, deslocamento e transporte de pessoas é preterida em detrimento das máquinas automobilísticas, e relegada a um plano suplementar, assim como muitas das características do sítio precedente, em especial a sua hidrografia. Evidente que as máquinas automobilísticas também transportam pessoas, mas no caso de São Paulo foi determinante a escolha de um modo de transporte hegemônico pautado pelo status quo dos automóveis individuais, portanto bens de consumo. Esta investigação sobre a dialética entre hidrografia e infraestruturas urbanas a partir de uma microbacia hidrográfica resultou de uma metodologia em três frentes. A primeira, a revisão bibliográfica, revelou que essa temática já foi abordada por diferentes autores e com ênfase em diferentes contextos e escalas específicas em cada caso. Doravante, considerando esse repertório, foi possível perceber que existe um aspecto inédito neste tipo de enfoque, que consiste em uma caracterização mais minuciosa das microbacias hidrográficas, em especial das suas nascentes, enfoque este que pode contribuir e complementar esse quadro
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de conhecimento sobre a interface entre bacia hidrográfica e sítio urbano, e que será apresentado no decorrer deste trabalho. A segunda frente diz respeito a uma série de pesquisas de campo, orientada por dois enfoques. Um enfoque etnográfico, no sentido de interagir com as pessoas que utilizam a cidade e entender como se dá o condicionamento desta em função daquelas, e a apropriação dessas em função daquela. E um segundo enfoque, cartográfico, em que se buscou aprofundar a leitura e decodificação da cidade enquanto objeto de registro, desenho e representação. Esses exercícios de vivência e observação possibilitaram um entendimento específico sobre as dinâmicas predominantes que caracterizam a região de estudo, e uma atenção especial às minúcias e peculiaridades do lugar. A terceira frente de trabalho consistiu de várias etapas de calibragem dos conceitos balizadores da metodologia, buscando um balanço conjunto à fundamentação teórica, a fim de garantir uma estrutura minimamente consistente para a pesquisa. Assim, devido ao caráter inter e multidisciplinar do urbanismo, o escopo principal dessa abordagem estabeleceu a definição do objeto empírico a partir de uma decomposição em quatro blocos temáticos. Um primeiro bloco, abordando as definições conceituais de bacia hidrográfica, sítio urbano, tecido, traçado e infraestruturas. Um segundo bloco, sobre a constituição geomorfológica do sítio urbano de São Paulo. Um terceiro bloco, sobre o processo histórico da região da Penha sob a ótica da formação, transformação e consolidação da ocupação urbana. E um quarto bloco, sobre a problemática interescalar e a construção do método de análise da rede de infraestruturas metropolitanas que atravessa a microbacia hidrográfica do córrego Tiquatira. A fundamentação teórica na qual se baseia este estudo foi definida por uma revisão bibliográfica dos quatro blocos temáticos apresentados. Primeiro, o bloco de caracterização da unidade geográfica da bacia hidrográfica (STRAHLER, 1957; PFAFSTETTER, 1989; CORATO, BOTELHO, 2001; SACRAMENTO, 2001; ALBUQUERQUE, 2003; ARTILHEIRO, 2006; REIS, 2011; SOUZA e DA SILVA, 2012; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE; 2014). Segundo, o bloco de problematização da conversão da bacia do Alto Tietê em sítio urbano de São Paulo (AB’SABER, 1957; LANGENBUCH, 1971; SÃO PAULO, 1984; DEÁK e SCHIFFER, 1999; SANTOS e SILVEIRA, 2001; MEYER, 2000; ALVIM, 2003; TRAVASSOS, 2004; FRANCO, 2005; TUCCI, 2006; 26
BROCANELI, 2007; TRIPOLONI, 2008; DE BEM, 2009; FUSP, 2009; GORSKY, 2010; MONTEIRO JÚNIOR, 2011; SHUTZER, 2012; SANTOS, 2014). Terceiro, o bloco histórico sobre o sítio urbano de São Paulo e a região da Penha (FREIRE, 1936; ARROYO, 1954; BONTEMPI, 1969; TOLEDO, 1981; MARQUES, 1988; SANTARCANGELO, 2004; JESUS, 2006; LOBO e SIMÕES JUNIOR; 2012, MENDEZ, 2014). E quarto, o bloco metodológico para análise do tecido urbano (INDOVINA, 2004; NAVARRO, 2009; SANTOS, 2012; COELHO, 2013; FERNANDES, 2013; ANASTACIA, 2013). Os quatro blocos temáticos também definiram o escopo e divisão dos capítulos. O primeiro capítulo apresenta a interface entre bacia hidrográfica e sítio urbano. Principia com uma caracterização geográfica do conceito de bacia e quais são os critérios para sua classificação, apresenta seus componentes – relevo e hidrografia, e compartimentos – cumeeiras, encostas e fundos de vale. A partir disso, delineia‐se uma introdução sobre a problemática de conversão da bacia em sítio urbano, e quais são algumas das implicações para a cidade que, assentada sobre o sítio, se transforma. Em seguida, é proposto um esquema geral de metodologia de decomposição do sítio urbano em tecido, traçado e infraestruturas urbanas, a fim de definir categorias iniciais para sua análise. O segundo capítulo consiste de uma breve caracterização da bacia hidrográfica do Alto Tietê e o Sítio Urbano de São Paulo em três escalas. A escala regional, na qual o rio Tietê desponta como principal vetor hídrico do Estado. A escala metropolitana, assentada na área da sub‐bacia do Alto Tietê. E a escala urbana, que relata como o crescimento da cidade ocasionou uma série de modificações na hidrografia do sítio precedente. O rio Tietê, tomado como objeto de projetos de infraestruturas urbanas, moldou um modo de intervenção determinante para o conjunto de cursos d’água da cidade, as obras viárias nos fundos de vale, e modificou completamente a sub‐bacia do Alto Tietê, tornando‐a parte integrante da rede de infraestruturas metropolitanas. O terceiro capítulo apresenta o objeto de estudo, a microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira, no contexto do Município de São Paulo e da região da Penha. Delineia‐se um percurso histórico no qual o sítio urbano se assenta nessa bacia pautado por uma tradição oriunda da colonização portuguesa definida como urbanismo de colinas. A partir daí, foi proposta uma periodização para esse modo de ocupação, dividida em três fases. Uma fase 27
inicial, de formação do núcleo original da Penha e a microbacia definida com um uso predominantemente rural. Uma fase intermediária, de intensificação do processo de urbanização na microbacia, que se dá pela implantação da ferrovia nessa região. E uma fase atual, expressa por uma multiplicação e segmentação do traçado urbano na microbacia, com a implantação de infraestruturas viárias, de caráter regional e metropolitano, que responde à demanda de um sistema de transportes predominantemente automobilístico. Em seguida, destaca‐se a transformação dos fundos de vale dessa microbacia, definidos pelos seus principais cursos d’água, os Córregos Tiquatira, Franquinho e Ponte Rasa, e quais são as diferenças e peculiaridades que se revelam quando da sua comparação. O quarto capítulo conduz uma análise da transformação do tecido urbano da microbacia do Tiquatira, no período entre 1930 e 2015, e, a partir da interface entre a hidrografia e infraestruturas urbanas, identifica e discute conflitos dessa porção de sítio urbano. Para tanto, será demonstrada a construção do método de análise, que tem por etapa inicial a decomposição do tecido urbano em traçado, hidrografia e infraestruturas urbanas. A etapa intermediária discute os principais aspectos das diversas tipologias de infraestruturas metropolitanas. A etapa final consiste na identificação dos diversos conflitos que existem entre hidrografia e infraestruturas, baseada na análise da situação atual das 35 nascentes que compõem a hidrografia da microbacia do Tiquatira, e de 49 situações elencadas da rede de infraestruturas metropolitanas na qual essa bacia está inserida. Os resultados dessa análise foram parametrizados e quantificados objetivamente, propiciando dados com razoável precisão para a conclusão da pesquisa.
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1. INTERFACE ENTRE BACIA HIDROGRÁFICA E SÍTIO URBANO
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A bacia hidrográfica consiste de uma porção de superfície que, como um recipiente, comporta o fluxo, drenagem e escoamento das águas que a ela se destinam, sejam submersas, emergentes de lençóis freáticos, sejam as águas pluviais. É um dado físico do território6, entendido como espaço geográfico constituinte e organizado politicamente (ALVIM, 2003, FRANCO, 2005, SCHUTZER, 2012). Nesse sentido, a bacia hidrográfica, ainda que seja um dado físico, fruto de um processo geológico cuja formação remonta a milhares de anos. Atualmente, o conceito de bacia hidrográfica deve ser considerado a partir de um escopo de ação humana – deliberada ou intencional, que a utiliza, modifica e transforma conforme as necessidades e as alternativas disponíveis. Assim a bacia hidrográfica é parte integrante de processos de ação humana que interferem no território e o deformam continuamente. Este primeiro capítulo busca definir a bacia hidrográfica, os seus componentes constituintes as escalas de inserção no território. Em seguida, será proposta a problematização da bacia enquanto suporte de uma porção de cidade, fator este que implica 6 Segundo Santos (2001, p. 11‐19), o território pode ser definido como “uma união indissolúvel de sistemas de objetos e sistemas de ações, e suas formas híbridas, as técnicas” e, num sentido mais restrito, o “nome político para o espaço de um país”, podendo mesmo ser definido a partir de outros limites físicos ou político‐administrativos. Tais limites condicionam os modos de organização do território, e são delimitados por uma ação política. Derivada do grego antigo, Politéia, o conceito de Política foi utilizado originalmente para denominar todos os procedimentos relativos a Polis, ou cidade‐Estado, e posteriormente passou a indicar o conjunto da ações ligadas à idéia de governança e Estado. 30
sua conversão em sítio urbano. Para tanto, foi definido um critério de análise orientado pelas noções de tecido, traçado e infraestruturas urbanas, que permitem um modo de apreciação específico para este objeto de estudo. Com base nessas noções, torna‐se possível identificar o conjunto de infraestruturas que incidem sobre a bacia, deformando‐a, e que configuram atributos estruturais ao sítio urbano. Ainda, este conjunto de infraestruturas se articula de diversas formas com a bacia, segundo as características de cada tipologia, e ocorrem em diferentes escalas do tecido. 1.1. BACIA HIDROGRÁFICA: CARACTERIZAÇÃO, COMPONENTES E ESCALAS
Figura 1.1 – bacia hidrográfica ‐ hidrografia, relevo e escoamento das águas Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Júnior, 2011, p. 245)
Bacia hidrográfica é a designação para uma área com perfil côncavo, que funciona como receptora das águas pluviais, confluindo estas águas dos pontos mais altos para os mais baixos, sendo drenadas por um curso d’água principal, e descarregadas por uma saída determinante, conhecida como foz (Figura 1.1). As bacias se justapõem nas chamadas linhas divisoras de águas ou linhas de cumeada, que podem ser definidas topograficamente a partir dos pontos mais altos entre um perfil e outro, e constituem, portanto, uma área de interface entre bacias (SCHUTZER, 2012b). As áreas mais baixas, por sua vez, são definidas como
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fundos de vale, e o eixo longitudinal que segue sua declividade é chamado talvegue7. Por conta disso, a bacia hidrográfica pode ser dividida desde os rios maiores até seus elementos mínimos – os afluentes primários, podendo ser decomposta em sub‐bacias (Figura 1.2).
Figura 1.2 – A bacia hidrográfica – sub‐bacias Fonte: elaborado pelo autor (ref. Albuquerque, Guerra, 2003, p.4)
Essa decomposição opera uma idéia de estrutura, no sentido de haver uma hierarquia para uma série de situações articuladas. Assim, ainda que a bacia hidrográfica possa ser entendida como uma unidade fundamental de análise, também pode ser dividida em unidades menores, onde cada sub‐bacia desempenha uma função comum enquanto unidade geomorfológica, mas também um papel específico, no sentido da sua posição em função de outras bacias, bem como do sítio urbano em que está inserida. Doravante, torna‐ se relevante contextualizar a bacia hidrográfica como sendo parte de um sistema maior, geográfico e, portanto, constituinte de uma territorialidade múltipla. Esse tipo de enfoque para o conceito de bacia hidrográfica e sub‐bacias implica uma sequência de diferentes escalas, cabendo diferenciar seu aspecto continental e regional do aspecto metropolitano e 7 Do alemão talweg, “o caminho do vale”. 32
urbano‐local. Doravante, a bacia pode ser entendida como um conceito formalmente consistente, bem como uma unidade de medida para analisar diferentes escalas de território, conforme afirma Schutzer (2012b, p. 271‐272): A bacia hidrográfica, quer seja ela de primeira, de segunda, terceira ou quarta ordem, constitui uma unidade natural, cujo elemento integrador está representado pelos leitos fluviais ou canais de drenagem naturais. Embora ela se constitua num sistema natural cujo referencial é a água, não se torna automaticamente um único sistema ambiental, seja do ponto de vista natural (quando se levam em conta os demais elementos da natureza, como relevo, solos, subsolo, flora e fauna), seja do ponto de vista social, quando se consideram as atividades econômicas e político‐administrativas. Tanto os primeiros quanto os segundos quase nunca estão atrelados a esse referencial, pois têm uma dispersão territorial que muitas vezes extrapola os limites territoriais da bacia. Mas é sobre essa porção territorial que assumem um referencial geográfico marcado pela interação processual entre todos os elementos. [...] Como estratégia de gestão territorial e de educação ambiental, é também estimulante, pois delimita uma unidade que pode ser monitorada em um único ponto, seu ponto de saída. [...] Para este ponto converge tudo o que ocorre na bacia em termos da qualidade de seus elementos e processos, como a erosão da água, o escoamento superficial, os processos erosivos e o assoreamento dos córregos, ou seja, o volume de água e o de material transportado por ela. Trata‐se, assim, de um importante instrumental para a aplicação de conceitos relativos à fisiologia da paisagem, ou seja, aos fatores relativos ao seu funcionamento, na escala de gestão do uso e ocupação do solo.
No contexto de um comportamento territorial, a bacia hidrográfica deve ser considerada segundo o ciclo hidrológico, que designa o movimento das águas na superfície e atmosfera terrestre8. Tal ciclo ocorre por fenômenos diversos, mas, sobretudo, complementares, nos quais as bacias hidrográficas aparecem como componente determinante do relevo, a partir das linhas de cumeada, e seguindo para as linhas de talvegue. Nos continentes, a água precipitada pode seguir diferentes caminhos e apresenta comportamentos específicos: ora infiltra, percola e flui lentamente entre as partículas e espaços vazios dos solos e rochas, podendo ficar armazenada por um período muito variável, formando os chamados aquíferos subterrâneos; ora aflora na superfície e formando 8 No planeta Terra, a água é a única substância que existe, em circunstâncias naturais (no sentido de corriqueira, casual ou ordinária), nos três estados da matéria: sólido, líquido e gasoso. A coexistência destes três estados implica que existam transferências contínuas de água de um estado a outro, que está presente tanto nos oceanos, como nos continentes e na atmosfera. Esta sequência fechada de fenômenos pelos quais a água passa denomina‐se de ciclo hidrológico. Este movimento é alimentado pela força da gravidade e pela energia do sol, que provocam a evaporação das águas dos oceanos e continentes, e também precipitações, na forma de chuva, granizo, orvalho e neve (REIS, 2011). 33
nascentes, fontes e pântanos ou alimentando rios, lagos e cursos d’água; escoa sobre a superfície, no caso em que a precipitação é maior do que a capacidade de absorção do solo; evapora retornando à atmosfera; congela formando as camadas de gelo nos cumes das montanhas e geleiras (Figura 1.3).
Figura 1.3 – O ciclo hidrológico Fonte: elaborado pelo autor
1.1.1. Critérios de classificação da bacia hidrográfica
A precipitação, escoamento e drenagem de águas pluviais que ocorrem na bacia hidrográfica articulam‐se tanto com a vegetação quanto com a taxa de permeabilidade e do tipo de solo, e ocasionam situações específicas de descarga e recarga entre águas superficiais e subterrâneas. Nesse sentido, as bacias hidrográficas podem ser caracterizadas a partir do modo como fluem as águas (Figura 1.4): exorreicas, quando as águas drenam direta ou indiretamente para o mar; endorreicas, quando as águas acomodam‐se em um lago ou mar fechado; criptorreicas, quando as águas adentram o interior de rochas calcárias, gerando lagos subterrâneos e ocasionando a formação dos lençóis freáticos; arreica, quando o rio seca em determinado momento do seu percurso (SOUZA, DA SILVA, DIAS, 2012). 34
Figura 1.4 – As bacias de drenagem dos principais oceanos e mares do mundo Fonte: elaborado pelo autor (ref. Citynoise, 20079)
Pfafstetter (1985, p. 19) desenvolveu um método de codificação e subdivisão de bacias hidrográficas partindo da escala continental. Com base neste método, em 1998, a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente coordenou um trabalho de classificação e codificação das bacias hidrográficas da America do Sul10, em nível de detalhe compatível com a base de escala utilizada, 1: 1.000.000, e utilizando dez algarismos, diretamente relacionados com a área de drenagem dos cursos d’água (Figura 1.5). Desse modo, guardando exceção para a bacia que deságua no lago Titicaca (endorréica), no Chile, foi determinada a subdivisão de nível 1 do continente11.
9 In . Acesso: 12 outubro 2014. 10 A América do Sul compõe o maior conjunto continental de bacias hidrográficas exorreicas, relativo à área terrestre de contribuição direta em função do Oceano Atlântico. E o Brasil responde pela maior quantidade destas bacias. Atualmente, o território brasileiro é dividido em 12 regiões hidrográficas, definidas segundo resolução nº 32/ 2003 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH. Este conselho é a instância máxima da hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Brasil, e foi instituído pela Lei nº 9.433/ 1997. 11 Para uma subdivisão de nível 2 do continente, parte‐se da foz ou exutório, ponto de descarga da bacia a ser dividida, à montante, identificando todas as confluências e distinguindo o rio principal dos seus tributários. Os maiores tributários, de acordo com o critério de área drenada, correspondem à metade das sub‐bacias, no caso de número par, e metade menos um, no caso de número ímpar. Os demais tributários são considerados menores. 35
Figura 1.5 – Codificação de bacias hidrográficas Nível 1 Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ministério do Meio Ambiente, 2014, p. 186)
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Em suma, a bacia hidrográfica pode ser caracterizada tanto como uma unidade geomorfológica que pode ser decomposta em n sub‐bacias, quanto um sistema capilar e ramificado que funciona segundo o escoamento acumulativo das águas. A bacia hidrográfica consiste, portanto, de um padrão de comportamento do ciclo hidrológico em função do relevo, que ocorre dentro de um perímetro compartimentado do território, e pode ser analisada a partir de diferentes escalas. Nesse sentido, uma questão relevante consiste no uso dos prefixos sub e micro, que indicam escalas de bacia. Na articulação entre relevo, hidrografia e sítio urbano, a bacia incorpora esta multiplicidade de escalas onde uma área coesa de movimento das águas torna‐se a unidade de medida do território. Segundo Anastacia (2013, p. 8): A linha de água é o corredor contínuo, o resultado do que acontece a montante. A corrente do rio se refere a uma realidade ampla que liga a cidade ao seu espaço geográfico convidando à reflexão à escala regional e urbana em simultâneo; portanto, qualquer análise ou projeto que considera o curso fluvial implica e contém diversos níveis. O elemento geográfico rio pode assim ser medida para um projeto trans‐escalar, que leva em consideração a questão da água na cidade e a bacia hidrográfica como instrumento de gestão intermunicipal e regional. [...] Tanto a natureza quanto a atividade humana de urbanização constroem paisagens específicas para os diferentes segmentos do rio. O fluxo torna‐se o prazo de medida entre as dinâmicas naturais e humano‐urbana, lugar e meios de análise e projeto para a cidade que “se dissolve em uma conflagração ou um emaranhado de áreas, em sua geometria variável que desafia a geografia, serpenteando em todas as direções” (tradução nossa).
O levantamento bibliográfico realizado por Corato e Botelho (2001, p. 4) analisou uma série de trabalhos publicados em eventos acadêmicos, buscando definir: 1) uma conceituação para os termos bacia hidrográfica, sub‐bacia e microbacia; 2) determinar um intervalo de área predominantemente utilizado; 3) reunir objetivos e finalidades dessas pesquisas; 4) e realizar a verificação de usos destes termos. Entre os resultados, destaca‐se a falta de fundamentação e critérios de nomenclatura: Constatou‐se através deste levantamento que o número de artigos utilizando microbacia foi muito pouco expressivo. Esperava‐se um número maior, principalmente a partir de 1987, quando foi criado o Plano Nacional de Microbacias Hidrográficas (PNMH). [...] Foi possível perceber a tendência da microbacia para planejamento e manejo do solo, e isso pode ser justificado pelo termo ter sido criado justamente para fins de planejamento e manejo do solo, através do PNMH. Infelizmente, não houve uma preocupação por parte dos autores em definir microbacia hidrográfica, dificultando a formalização de um conceito comum para o termo. 37
Faz‐se necessário então estabelecer parâmetros para a classificação das escalas de bacia, frente a essa insuficiência de critérios. Utilizando o método de Pfafstetter, podemos considerar como macrobacias as continentais de nível 1, e bacias estaduais ou de caráter regional de nível 2. O conceito de sub‐bacia, por outro lado, pode ser considerado como uma terminologia relativa, pois não apresenta uma enunciação da bacia propriamente, mas antes implica a existência de uma bacia maior, na qual a bacia menor atua como componente de divisão e deve ser entendida em função da primeira. Assim, podemos definir mesobacias como sub‐bacias dos afluentes que encontram as bacias de nível 2. No caso brasileiro, tais bacias são de domínio federal, fronteiriças entre estados, ou que atravessam mais de um estado, e bacias de domínio estadual que perfazem uma área intermunicipal. Finalmente, poderíamos definir como microbacias aquelas circunscritas em um limite municipal, que são sub‐bacias de um rio maior que atravessa esse dado município. Tais microbacias podem mesmo ser intermunicipais, desde que estejam inseridas em um contexto metropolitano que as englobe. Em suma: microbacias (municipais ou intermunicipais) deságuam em mesobacias (metropolitanas, estaduais ou regionais) que deságuam em macrobacias (nacionais ou continentais). 1.1.2. Componentes da bacia hidrográfica: hidrografia e relevo
A bacia hidrográfica pode ser decomposta segundo dois componentes geomorfológicos principais, a hidrografia e o relevo. Cada um destes componentes possuí características distintas, porém complementares. Compete à hidrografia, definida a partir de condicionantes do relevo, o desenho mais ou menos linear do conjunto dos cursos d’água, bem como as manchas que definem lagos e reservatórios. Já o relevo se constitui como a totalidade da superfície do território, e tem a sua forma definida por uma série de circunstâncias, que vão desde o tipo de solo que o compõe até as interferências naturais ou artificiais às quais é submetido continuamente na ação do tempo. A hidrografia é uma linha de pesquisa da geografia física que, junto com a hidrologia, estuda as águas do planeta Terra. Todo o conjunto de componentes dos recursos hídricos compõe o quadro de abordagem da hidrografia, desde os oceanos, rios, lagos, lagoas, 38
arquipélagos, golfos, baías, cataratas até obras de infraestruturas como usinas hidrelétricas, barragens e represas, canais e eclusas etc (ARTILHEIRO, 2006). No caso das obras de infraestrutura, ressalta‐se a capacidade destas em provocar mudanças significativas na forma e comportamento desses componentes dos recursos hídricos. Mais especificamente, podemos definir hidrografia a partir de seu significado literal, ou seja, a partir de suas raízes linguísticas: hydrus, do latim, significa “cobra de água” ou “hidra” 12, e grafé, do grego, “escrita”, “registro” e “estudo”. O termo hidrografia refere‐se então tanto a uma idéia de ramificação e capilaridade dos rios quanto a uma noção de desenho ou traço que estes efetuam enquanto cursos d’água. Com base nesse raciocínio, foi proposto por Strahler (1957, p. 914) um sistema de hierarquia de canais, que denomina os menores efluentes de uma bacia – aqueles que não recebem nenhuma contribuição, como canais de ordem 1. A junção de dois canais de ordem 1 forma um canal de ordem 2, e assim por diante, de modo que a junção de dois canais de mesma ordem F definem um terceiro canal, de ordem N, na razão N = F + 1. Na junção de dois canais de ordens diferentes, se mantêm a ordem do maior canal que segue à jusante (Figura 1.6). Neste sistema, o canal principal da bacia é aquele de maior ordem. Sequenciando este sistema encontram‐se os oceanos do planeta Terra como os estuários das bacias continentais, e caracterizam uma ordem máxima de bacia hidrográfica.
O relevo é o conjunto de saliências e reentrâncias da superfície terrestre, tradicionalmente objeto de estudo de dois ramos da geografia física, a geologia – responsável por estudar a constituição, estrutura, formação e mudanças que ocorrem na litosfera ou costra terrestre, e a geomorfologia – palavra derivada do grego geos – Terra, morfé – forma, e logos – estudo ou conhecimento. A geomorfologia classifica, descreve e explica a origem e as diferentes formas de relevo como sendo resultado da ação de forças diversas no decorrer do tempo e das eras geológicas, e que acabam por definir a constituição fisiológica das bacias hidrográficas. Tais forças, que interferem no relevo e o transformam, são chamadas de agentes, e divididas em dois tipos: agentes internos – endógenos, que atuam no relevo de dentro para fora, 12 Uma espécie de animal cnidário de corpo cilíndrico e em forma de pólipo. Na mitologia grega, era um animal fantástico com um corpo de dragão e sete cabeças de serpente. 39
deformando‐o, como vulcanismo, a movimentação das placas tectônicas e abalos sísmicos, e também agentes modeladores externos, como as chuvas – ação pluviométrica, o gelo – ação glacial, mares – ação marítima, rios – ação fluviométrica ou hidrométrica, animais e vegetais – ação biológica, ação dos fatores climáticos – intemperismo. Os ventos, especialmente em regiões litorâneas e desérticas, atuam constantemente na modificação do relevo e, junto com os cursos d’água, realizam um ininterrupto trabalho de erosão e sedimentação (REIS, 2011).
Figura 1.6 – Esquema de hierarquia de canais de uma bacia hidrográfica Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Júnior, 2011, p. 251)
O relevo, por sua vez, pode ser caracterizado, primeiramente, por uma topologia, no seu duplo sentido, geométrico – o estudo das noções de proximidade, como limite e vizinhança, e topográfico – por meio da descrição detalhada de um local. Num segundo momento, o relevo é, além de topográfico e geométrico, também geomorfológico – constituinte de diferentes tipos de solo, com elementos hidrográficos e vegetais, e apresenta uma grande diversidade de formações: veredas, campos, florestas, colinas, desfiladeiros,
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chapadas, escarpas, montanhas, serras, depressões, vales, várzeas, estepes etc. Relevo que se modifica e se sedimenta desde alhures do tempo. Para Schutzer (2012b, p. 311): O relevo conta sempre uma história, a da evolução das paisagens, antes somente naturais, agora predominantemente humanas. Nessa sua qualidade de escombro de uma história, ele nos revela os mecanismos de seu desenvolvimento futuro, mecanismos estes que estão atuando continuamente, portanto, inclusive no presente. Dessa forma, tentamos deixar claro que a natureza deve ser entendida como um recurso, mas também, e sobretudo, como um processo.
Dentre os vários agentes modeladores externos, é a ação humana – antrópica, aquela que, em grande medida, por seu caráter progressivo e continuado, vai modificar e transformar a constituição do relevo, conforme afirma Schutzer (2012a, p. 61): A ocupação humana em um território qualquer sempre implica na alteração plástica da fisionomia da paisagem e na modificação, sutil ou mais drástica, da intensidade dos processos de funcionamento da natureza. A história da relação entre sociedade e natureza tem sido, assim, a história da substituição de um meio natural herdado por uma sociedade para um meio cada vez mais artificializado. A ocupação humana, dessa maneira, sempre implica em impactos no meio físico, e esse impacto é mais intenso quanto maior o adensamento populacional e o padrão tecnológico dessa sociedade. A essa modificação da morfologia da paisagem humanizada e dos processos naturais que nela ocorrem é que se denomina hoje ‘impactos ambientais’, ou seja, as alterações no ambiente de utilização do homem que, hoje, em face de sua intensidade, interferem na qualidade desse ambiente. [...] Todas essas modificações acontecem sobre uma superfície de contato que plasticamente é conhecida como relevo.
A modificação do relevo a partir da ação antrópica também pode ser entendida como uma série histórica, um processo de transformação contínua que se dá entre natureza e sociedade, entre relevo e cidade. Segundo Schutzer (2012b, p. 14): Pode‐se dizer que antigamente a cidade se relacionava com um sítio e dele escolhia seus melhores compartimentos para ocupar. Hoje, as grandes cidades ocupam todos os sítios de uma região. Ela ocupa e se relaciona com todo o território. Chega a se estender, portanto, sobre todos os compartimentos de relevo existentes. A relação entre superfície e processos naturais passa a ser intermediada pelas obras (objetos) e pelos usos urbanos: a emissão de calor, por exemplo, se dá principalmente pelos objetos construídos e não mais pela vegetação e pelo solo; o escoamento superficial é intermediado pelo asfalto, pelas calçadas, e canalizações de córregos e rios; a infiltração da água no solo quase desaparece em determinados compartimentos etc. [...] O que está na confluência dessas duas espacialidades – a da natureza e a da sociedade – e que serve como base de uso e/ ou como recurso à ocorrência tanto dos processos naturais 41
quanto da sociedade urbana é um suporte geográfico, ou seja, um relevo. É nele que estão marcados e impressos os movimentos da natureza e da sociedade.
Assim, a hidrografia e o relevo são tanto condicionantes pré‐existentes do território quanto elementos passíveis de transformação e reconfiguração. Suas particularidades podem ser mais ou menos alteradas conforme estes componentes do relevo são adaptados à ocupação urbana, o que também irá implicar modos diversos de acoplamento de infraestruturas. Neste sentido, a bacia hidrográfica deve ser pensada considerando as diferentes etapas de intervenções e modificações do território. 1.1.3. Compartimentos da bacia hidrográfica: cumeeiras, encostas e fundos de vale
A bacia hidrográfica pode ser dividida em compartimentos segundo as especificidades físicas que o conjunto das suas formas apresenta. Para os fins deste trabalho, definiremos três compartimentos específicos, que consideram apenas bacias hidrográficas definidas por colinas, e não por outros elementos geomorfológicos, como escarpas ou montanhas. Assim, em primeiro lugar, temos os patamares de topo de colina, que delineiam linhas de cumeeira e tem por principal característica certa tabularidade, que os tornam extremamente favoráveis à ocupação urbana. Em segundo lugar, o compartimento de encostas de colinas e anfiteatros de nascentes, caracterizado por taludes inclinados e platôs intermediários. Em terceiro lugar, o compartimento de fundos de vale, que delineiam linhas de talvegue e configuram as áreas mais baixas da bacia, que podem ser definidas pelo delta de inundação dos seus respectivos cursos d’água. Esse último compartimento guarda certas peculiaridades, conforme observa Schutzer (2012b, p. 289): O fundo do vale é o local natural do escoamento superficial. É onde se situa o canal de drenagem principal da bacia. É a área que recebe, armazena e transporta a água para fora do sistema da bacia. Nele, o lençol freático geralmente está bem próximo à superfície. Dos processos referentes à água, a infiltração e a filtragem não possuem tanta significância, pois o pacote de solo enxuto é raso. Sua principal função é exatamente o movimento concentrado da água. Por isso, a preservação do canal contra a ocupação de suas margens e contra seu tamponamento é fundamental para a manutenção da qualidade do sistema ambiental de uma localidade. No fundo de vale o armazenamento da água por meio das lagoas naturais ou do represamento artificial é interessante para a diminuição da 42
velocidade do escoamento superficial, colaborando para o retardamento da chegada da água às outras bacias situadas à jusante; como também para o próprio uso da água para abastecimento ou como recurso paisagístico. Por ser uma área receptora de sedimentos, o assoreamento deve ser controlado e monitorado.
A bacia hidrográfica possui uma constituição física que pode ser decomposta segundo seus componentes constituintes – hidrografia e relevo, e também compartimentada segundo particularidades referentes às suas porções formais – cumeeiras, encostas e fundos de vale. Toda essa elaboração parte de um referencial estritamente geográfico quanto à sua natureza. Porém, é a apropriação urbana de uma bacia hidrográfica que vai implicar uma série de uso e transformações correlatas a essas mesmas particularidades de forma, ora reconhecendo nelas pré‐existências relevantes, ora promovendo modificações deliberadas e indiferentes quanto a essas mesmas pré‐existências. Percebe‐se que, na atualidade, as modificações realizadas por ação antrópica tornam‐ se cada vez mais determinantes na configuração do território. Assim, apenas parâmetros geográficos tornam‐se insuficientes para a análise de um modo de apropriação da bacia. É nesse sentido que se dá a afirmação de Mello (2005, p. 208) com relação aos fundos de vale que passaram por processos de urbanização intensivos, e que modificaram completamente sua constituição: Uma vez radicalmente transformada essa parcela do território, torna‐se impreciso denominá‐la por um termo que reporte apenas a uma condição geográfica. As várzeas são plenamente construídas e alijadas de sua condição natural. Assim, seria correto denominá‐las território concentrado de sistemas técnicos. [...] As sucessivas fases de pesado investimento nas áreas de várzeas conferem um inestimável valor às intervenções às quais foram submetidas, identificadas como valores de permanência decorrentes do processo de transformação do território.
Desse modo, podemos considerar que os diferentes compartimentos da bacia hidrográfica desempenham aptidões específicas quanto às características formais que a constituem. E que, com a instalação do artefato urbano, serão acrescentados novos parâmetros e também conflitos relativos a essa sobreposição de usos e apropriações.
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1.2. PROBLEMÁTICA DA BACIA HIDROGRÁFICA CONVERTIDA EM SÍTIO URBANO Toda e qualquer cidade está acomodada sobre um sítio precedente, portanto a uma bacia hidrográfica caracterizada por um relevo específico, e que também é parte de um ecossistema – conjunto formado por todas as comunidades bióticas que vivem e interagem em determinada região e pelos fatores abióticos que atuam sobre essas comunidades, ao qual seria diferenciada a presença humana de outras espécies animais e vegetais. Segundo Schutzer (2012a, p. 61): Todos os objetos artificiais introduzidos na paisagem pelo homem, como estradas, cidades, complexos industriais, represas e hidrelétricas, se dão sobre um suporte material que tem uma base física e uma condição ecológica. Toda uma série de alterações plásticas nessa superfície, aliadas às alterações na roupagem natural de sua cobertura para uma outra artificial, ou mesmo agrária, modificam a qualidade dos processos de funcionamento dessa paisagem. [...] É por isso que podemos admitir uma imbricação importante no estudo do relevo com os estudos de impactos ambientais na atualidade.
O sítio urbano – constituinte de uma topografia, tipo de solo, vegetação e hidrografia específicos, é definido, segundo Ab’Saber como “um pequeno quadro de relevo que aloja um organismo urbano” (1957, p.15). A ação antrópica sobre um sítio precedente ou original ocasiona perturbações morfológicas, seja por um padrão de arruamento, seja pela taxa de impermeabilização do solo, bem como da região que demanda para seu abastecimento e mesmo pelo desmatamento da cobertura vegetal. Será definida como sítio urbano esta modificação do relevo produzida por uma ação humana de assentamento e voltada a um modo de organização coletiva do território13. O crescimento do sítio urbano pode gerar duas situações completamente distintas. Primeira situação, onde o crescimento é dirigido aos elementos urbanos fundamentais, e 13 No início do século XX, a taxa da população mundial residente em cidades era de cerca de 15%. Atualmente, em países desenvolvidos, por exemplo, os Estados Unidos, a taxa de urbanização chega a 94%. Na América Latina e no Caribe, a taxa de crescimento populacional é de 3 % a 5% ao ano. No Brasil, em 2010, para uma população de 190 milhões de habitantes, a taxa de população urbana registrada foi de 84%; na década de 1960, a taxa era de cerca de 44% (Tucci, 2006, p. 399). Este rápido crescimento da taxa de população urbana, que no caso brasileiro dobrou nos últimos 50 anos, evidencia o processo de crescimento acelerado pelo qual passaram várias cidades. 44
constrói com esses uma relação convergente, de simbiose, com o relevo e a hidrografia. Na segunda situação, o crescimento se alheia aos elementos da estrutura inicial, e confunde, dissimula ou mesmo os destrói impune e imponentemente, criando uma superposição divergente e contraditória, conforme explica Navarro (2009, p. 17): O tipo de crescimento dirigido aos elementos urbanos fundadores ou preexistentes contribui para dar claridade às qualidades territoriais, aumentando a identificação da cidade com o sítio e vice‐versa. Pelo contrário, o tipo de crescimento que se alheia destes elementos, que não tenha levado em conta os elementos fundadores ou prévios, ou simplesmente não os conhece, gera bloqueios, contrastes, constrições à geografia natural, e também disfunções na geografia artificial, no seu conjunto, ainda que logre determinados êxitos parciais. Este segundo tipo de crescimento urbano não contribui para clarificar as qualidades territoriais, mas bem pelo contrário, gerando dualidades de significado, ambivalências e indecisões futuras, assim como diminui a identificação da cidade com o sítio e vice‐versa. [...] No primeiro tipo de crescimento, ao que podemos chamá‐los pelo sentido que adquirem na direção de continuidade com o passado, crescimentos convergentes, a paisagem é construída como algo comum, a cidade não é identificável como algo separado do meio físico, senão inclusa como algo que o potencializa. [...] No segundo tipo de crescimento, chamado divergente, a paisagem é fruto de um conflito permanente e não resultante entre cidade e suporte, e onde a cidade é vista como um inimigo da paisagem natural, nem identificável nem fundida com o urbano, em constante estado de nostalgia impossível.
Um sítio urbano principia num lugar, e por uma razão de assentamento. A formação de uma cidade implica a definição de qualidades territoriais – por que ocupar essa cumeeira, aquela colina ou o vale do outro lado do rio? A escolha desses atributos vai determinar a configuração de elementos urbanos fundamentais da cidade – por exemplo, a rua principal instalada no topo da colina ou áreas portuárias junto a planícies aluviais, elementos estes que constituirão a identidade primeira do sítio urbano. Posteriormente, tais elementos podem ser conservados ou suprimidos, dependendo de como se dá a transformação da cidade, considerando taxas de crescimento populacional e implantação de diferentes tecnologias de infraestruturas. Neste processo, os critérios de ocupação do sítio precedente – principalmente nos países em desenvolvimento, têm desconsiderado aspectos fundamentais do comportamento do ciclo hidrológico, causando sucessivos impactos a este e ocasionando modificações no balanço hídrico e no escoamento das águas pluviais em função da geometria da bacia, por conta de modos específicos de ocupação do solo e implantação das infraestruturas urbanas (Figura 1.7). Como observa Tucci (2006, p. 400): 45
Pontes e taludes de estradas que obstruem o escoamento, redução da seção de escoamento e de aterros, deposição e obstrução de rios, canais e condutos de lixos e sedimentos, projetos e obras de drenagem inadequados [...] caracterizam ações pontuais onde o prejuízo público é dobrado, já que além de não se resolver o problema, os recursos são gastos de forma equivocada.
Figura 1.7 – Balanço hídrico, escoamento e geometria Fonte: elaborado pelo autor (ref. TUCCI, 2006, p. 402)
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Tais condições de interferência do ciclo hidrológico, como enchentes e a poluição contínua das águas, consequência de um crescimento divergente da cidade, são decorrentes de modos específicos de uso e ocupação do solo que se fazem conflituosos com a bacia hidrográfica, que é, ao mesmo tempo, sistema de drenagem, conjunto dos recursos hídricos e unidade de planejamento urbano‐ambiental. A problemática das enchentes e saneamento das águas no sítio urbano só será solucionada frente à medidas de planejamento, desenho e projeto urbano que considerem as diferentes escalas de bacias hidrográficas e medidas de controle da ação das águas no sítio urbano. O organismo urbano cria superfícies impermeáveis e causa uma série de alterações no relevo que não existiam anteriormente, modificando o funcionamento da bacia hidrográfica. Segundo Tucci (2006, p. 417) as medidas de controle do escoamento podem ser classificadas em três tipologias, de acordo com sua ação na bacia hidrográfica e diferentes escalas de perímetros. Primeiro, uma medida de controle distribuído, ou na fonte, um tipo de controle que atua sobre lotes, praças e passeios. Segundo, medidas de microdrenagem, que age sobre o hidrograma resultante de um ou mais loteamentos. Terceiro, medidas de macrodrenagem, relativas aos principais cursos d’água do sítio urbano. Sob um outro aspecto, as medidas de controle do escoamento das águas que utilizam dispositivos que permitem infiltração e percolação mais próximas o possível das condições precedentes ou naturais, são caracterizadas como não estruturais. Entre estes dispositivos, podemos destacar: planos de infiltração, valos de infiltração, bacias de percolação e dispositivos hidráulicos permeáveis (TUCCI, 2006, p. 418‐419). Outro modo de lidar com o controle do escoamento das águas consiste de medidas ditas estruturais, que partem do princípio do armazenamento das águas por meio de dispositivos como tanques, lagos e pequenos reservatórios abertos ou enterrados, entre outros. Tais medidas são denominadas de controle à jusante e, diferente de medidas de controle compartilhado, que opera lote a lote, prevê custos menores de operação e manutenção e facilidade na execução da obra. Por outro lado, a relação entre terrenos disponíveis e locais de implantação se revela problemática, pois tais obras, em muitos casos, desconsideram o caráter de projeto e inserção urbana e acabam por se apresentar como infraestruturas que não se articulam com seu entorno (TUCCI, 2006, p. 422). 47
Os diferentes tipos de medidas de controle de escoamento das águas no sítio urbano atuam sobre as bacias hidrográficas de modos peculiares e diversos, mas apresentam um quadro no qual o funcionamento da bacia ocorre variada e continuamente, devido à constante movimentação da água no ciclo hidrológico. Porém, mais do que as medidas de controle, o que ainda caracteriza as cidades dos países em desenvolvimento é a insuficiência de uma gestão compartilhada que consiga equacionar minimamente problemas urbanos, como enchentes sazonais e a ação cotidiana de poluição dos cursos d’água. 1.3. DECOMPOSIÇÃO ANALÍTICA DO SÍTIO URBANO Conforme exposto, o sítio urbano designa a constituição física de uma porção do território, no qual se encontram articulados os conceitos de hidrografia, relevo e cidade. O advento da cidade implica um sistema de estruturação do relevo e da hidrografia, onde ambos vão desempenhar uma ação condicionante de contexto, mas também serão objeto de apropriação, intervenção e modificação de ações antrópicas direcionadas segundo diferentes técnicas e motivações. Tal sítio é, portanto, resultado de uma série de atividades diversas ou concomitantes que ocorrem sobrepostas ou em justaposição, e se realizam a partir de elementos formais correspondentes. Estas atividades podem ser divididas em diferentes escalas e camadas de análise e, de acordo com os parâmetros que se estabelecerem, vão proporcionar leituras particulares conforme a escolha e a quantidade de enquadramentos que se deseja realizar. Neste trabalho, considera‐se imprescindível a escala de enquadramento da microbacia hidrográfica municipal e a seguinte hierarquia de camadas de análise do sítio urbano: relevo, hidrografia, tecido, traçado e infraestruturas urbanas. 1.3.1. Tecido Urbano
O tecido urbano deve ser entendido como a representação gráfica do sítio urbano, designando, portanto, a expressão física da forma urbana (COELHO, 2011). A leitura do tecido urbano é uma atividade meticulosa, na qual as perguntas e inquietações acerca dos 48
motivos e sentidos sobre o conjunto da forma urbana permitem identificar o sentido histórico, a noção de memória e a revelação da identidade deste ou daquele lugar, desta ou daquela cidade. Conforme afirma Coelho (2013. p. 24): Aceitar que o objeto urbano, a cidade física como um todo, tem a capacidade de ser interpretado e compreendido, implica que não se perca de vista que a reflexão sobre a forma da cidade nasce da sua experiência e portanto de um universo que se presta à comparação. Assim, a interpretação da cidade como realidade material deve compreender duas abordagens: a análise da sua forma num momento determinado e a sua justificação a partir dos acontecimentos que lhe deram origem.
Os processos que moldam a forma do tecido urbano e dele se apropriam são múltiplos e atuam diversamente na ação do tempo. Segundo Coelho (2013, p. 18): A produção da cidade resulta de uma infinidade de intervenientes com interesses divergentes, se não mesmo opostos, em tempos diferentes. [...] A questão da complexidade do tecido urbano não pode ser dissociada do modo de produção e este da questão do tempo. [...] Com exceção dos tecidos resultantes de operações urbanas muito recentes, todos revelam esse processo sedimentar que geralmente se pode representar através do estabelecimento de fases marcantes na conformação dos tecidos.
A identificação de uma fase marcante do tecido urbano coloca‐se como uma evidência de memória e atributo de sua identidade. O conjunto do tecido, formado por uma diversidade de elementos urbanos – a rua, a praça, a igreja, o quarteirão, as pontes e viadutos, os edifícios e os bairros etc, guardam memória quanto aos seus diferentes momentos de formação, ao mesmo tempo em que manifestam sua diversidade. Nas palavras de Coelho (2013, p. 21): O entendimento da riqueza do tecido urbano resulta da configuração dos seus vários componentes que, apesar da particularidade de cada um por si, contribuem para que um tecido tenha homogeneidade formal da qual resulta a compreensão da sua identidade. A capacidade de entendimento de um tecido requer não o seu conhecimento concreto, mas o reconhecimento dos elementos que o compõem e, nessa medida, a sua identidade resulta da relação articulada dos elementos entre si, de tal modo que a sua contribuição para a composição de um tecido lhe confira características distintas de outros. A identidade não depende apenas da constância formal de cada um dos seus elementos, mas também da sua relação, podendo dois tecidos distintos e com identidade partilhar elementos semelhantes.
Assim, cabe ressaltar que não é apenas a correta identificação do conjunto de elementos que compõem a identidade de tal ou qual tecido urbano, mas antes que se 49
poderá verificar, a partir de uma observação do conjunto do tecido, um funcionamento específico, peculiar, que será distinto de outro tecido, ainda que, em ambos os tecidos, alguns dos elementos sejam similares em forma. Ao mesmo tempo, é preciso ter cautela para definir e categorizar a constituição dos elementos estruturadores do tecido. Conforme afirma Navarro (2009, p. 43): Construir erroneamente a identidade de algo, simplificá‐la ou dá‐la por suposta, estabelece fronteiras desnecessárias que só dificultam um posterior encontro mais preciso entre esse algo e sua própria realidade. Daí que se prefira o exercício de construir a identidade mais como um conjunto de perguntas adequadamente formuladas, do que como uma lista de respostas tomadas como corretas.
A fase mínima ou sentido histórico de um tecido urbano, que possibilita a caracterização de sua identidade, só é possível a partir de um processo de segmentação: um corte, uma dissecação, que implica em apresentar lâminas justapostas, com elementos diferentes, ou a partir de uma série sintética de temporalidade. Segundo Coelho (2013, p. 24‐28): O tecido de qualquer cidade só por exceção constitui uma massa contínua e uniforme. As vicissitudes da sua história traduzem‐se em realidades que distinguem diversas partes que em si mesmas apresentam características comuns. A cada uma destas partes, onde os diversos componentes se apresentam com as mesmas características e articulados de uma mesma maneira, podemos chamar de “tecido homogêneo”. (...) A segmentação do tecido, qualquer que seja o critério utilizado, deve garantir na mais pequena parcela a manutenção de suas características e da natureza do objeto material (...) No entanto, podemos também abordar os tecidos homogêneos a partir de processos de amostragem, recolhendo segmentos que contenham as características fundamentais de determinado tecido homogêneo. Esta maior abstração permite evidenciar as características físicas do tecido ao remeter para um plano secundário a relação integral dos elementos que o compõem.
A segmentação do tecido urbano implica, portanto, uma decomposição sistêmica, no sentido de esquadrinhar uma resolução apta à análise e que seja minimamente precisa quanto à escala dos elementos urbanos específicos elencados (Figura 1.8). Constituem situações distintas, ainda que similares, analisar, por exemplo, a forma urbana de um bairro a partir das suas determinações históricas ou as transformações nos elementos estruturadores de um tecido metropolitano. Para Coelho (2013, p. 28‐31):
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Certas características formais dos tecidos são mais facilmente compreensíveis a partir da sua decomposição, isto é, a partir da abstração dos principais sistemas que os compõem ou da própria desagregação dos seus elementos urbanos. (...) A particularidade da dinâmica do tecido urbano advém da natureza dos espaços que o compõem, constituídos por uma infinidade de unidades autônomas e com interesses próprios – as parcelas – e um espaço coletivo que as estrutura – o espaço público. É esta realidade que justifica a diversidade do tecido urbano, mas também a dificuldade do seu controle como objeto.
Figura 1.8 – Decomposição sistêmica do tecido urbano ‐ Colina da Penha Fonte: elaborado pelo autor
Frente às diversas escalas de tecido urbano, bem como das várias possibilidades de abordagem e complexidade, definiu‐se neste estudo uma decomposição que considera 51
especialmente as relações do traçado urbano. Este se define, basicamente, pelos eixos viários públicos em interface com as parcelas privadas. A partir do traçado serão analisadas as articulações entre infraestruturas metropolitanas com tecidos locais, e a relação de ambos com a hidrografia do sítio precedente, conforme será verá no capítulo 4. 1.3.2. Traçado Urbano
O traçado urbano apresenta‐se como um dos elementos determinantes do tecido urbano e constituinte direto da estruturação da cidade, tanto na sua urdidura de infraestruturas – espaços longitudinais, vetoriais ou regionais, quanto na trama de espaços transversais, locais, urbanos, também chamados de tecidos homogêneos ou locais. No contexto da metrópole contemporânea, o tecido urbano, enquanto figura conceitual da qual se decompõe o traçado, apresenta, em primeiro lugar, essas duas escalas concomitantes, ao mesmo tempo rede metropolitana de infraestruturas e multiplicidade de tecidos locais. Daí serem oportunos os termos urdidura e trama14, que designa as linhas horizontais e verticais de um tecido, no qual a estrutura só se torna possível a partir da articulação entre ambas (Figura 1.9). Nesse contexto, a microbacia hidrográfica inserida no tecido urbano seria uma escala intermediária de análise, onde a rede de infraestruturas metropolitanas constitui a escala macro, e a multiplicidade de tecidos locais, a escala micro. Coelho (2013, p. 31) define o traçado urbano como a decomposição dimensional do tecido e diferenciação entre espaços públicos e privados: O traçado, conceito abstrato e bidimensional, é obtido por um processo redutor, ao retirar ao tecido urbano uma das suas três dimensões. Remete para a representação do espaço público e da estrutura parcelar, indiferenciando os vários elementos que os materializam. Ao primeiro componente – o espaço público, estruturador das parcelas individuais, podemos chamar de Traçado Urbano; ao segundo menos perceptível na globalidade, mas pelo contrário mais sujeito ao processo evolutivo, podemos simplesmente chamar de Parcelário. O conceito de traçado remete no entanto a uma configuração concreta – um desenho finito e dimensionável em todos os seus pormenores. Os dois componentes do traçado podem ser representados de modo muito contrastados, por forma a permitir uma leitura tão clara quanto possível de ambos e da relação estabelecida entre eles. 14
Urdidura e trama são termos oriundos da tecelagem, e designam a base mecânica da indústria têxtil.
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Figura 1.9 – urdidura e trama Fonte: elaborado pelo autor
Desse modo, cabe diferenciar os espaços que constituem o parcelário maior – quadra, quarteirão, ou bloco – espaços de permanência, públicos ou privados, do leito carroçável, ou seja, ruas, vias e calçadas – espaços de fluxo e circuitos de movimentação. Tais espaços de fluxo caracterizam o conjunto do traçado urbano e, ao mesmo tempo, sua relação com o relevo. Nesse sentido, o traçado urbano incorpora as sucessivas experiências de contato que a ocupação urbana realiza. Conforme afirma Schutzer (2012b, p. 124‐125): O primeiro contato que uma cidade estabelece com seu território pode ser verificado através do traçado urbano. A conformação das ruas originando quadras e sua extensão pelo território é uma das primeiras relações que se configuram entre o meio ambiente e a cidade. Ela define a localização geográfica, a forma das quadras, regula a disposição dos edifícios que conformam os espaços livres, interliga os espaços da cidade, define hierarquias e limites urbanos.
O traçado é determinado, sobretudo, pela forma do relevo, do sítio precedente. Nesse sentido, o traçado desenha o relevo, mas também é condicionado por este, na medida em que a topografia e acidentes diversos vão limitar as possibilidades de intervenção. Além disso, configurações específicas de relevo, como planícies, encostas e topos de colina, determinarão formas correlatas de traçado. Segundo Fernandes (2013, p. 38): A unidade do traçado urbano, e consequentemente a unidade morfológica da cidade, é alcançada quando se estabelece a junção de partes distintas através de relações de continuidade, de estrutura e de articulação que, formando um objeto indivisível, se torna consequentemente complexo [...] 53
Ao empreender a leitura dos traçados urbanos a partir da sua relação com o relevo destacam‐se primeiramente os acidentes topográficos que de uma forma abrupta marcam o território e que pela sua morfologia constituem obstáculos que impedem ou condicionam a implementação das malhas, como modelos ideais ou simplesmente o prolongamento dos traçados. (...) Os planaltos e os fundos de vale largos permitem o assentamento dos traçados, mas possuem condicionantes naturais com características semelhantes, escarpas ou encostas, que constituem um impedimento para a extensão das malhas quando estas se baseiam em sistemas geométricos regulares.
O traçado urbano se consolida e se transforma continuamente por meio da sua reiteração ou modificação conforme a ação do tempo, e implica mudanças significativas no comportamento do ciclo hidrológico da bacia hidrográfica convertida em sítio urbano. Tal traçado será mais ou menos poroso, no sentido de apresentar conexões e ramificações no seu conjunto, bem como uma capacidade de vazão relativa às dimensões disponibilizadas no relevo em função da demanda de transportes. Segundo Schutzer (2012b, p. 134): Então, quais poderiam ser as características ambientais do traçado urbano? Estando este traçado assentado sobre um sítio, um território, ou seja, sobre um suporte geográfico que interage com todo o ciclo hidrológico, teria aquele condições de impor ou definir influências marcantes sobre o meio ambiente? Levantam‐se algumas questões, que vão um pouco além da proposição formal entre o orgânico ou o regular (ortogonal, grelha, hipodâmico, como se queira chamar). Uma delas ou a primeira, é a questão sobre a tendência da continuidade do traçado; a segunda questão importante tem relação com a densidade e a largura de vias; e a terceira refere‐se às características físicas intrínsecas do sistema viário quanto ao tipo de piso e sua relação com os processos naturais.
Assim, o traçado conforma as principais linhas que compõem a bacia hidrográfica, na medida em que esta se converte em sítio urbano, ao mesmo tempo em que é condicionado pela forma específica deste sítio. Todavia, tal traçado não é homogêneo quanto à natureza e comportamento dos seus fluxos, e revela características diferentes conforme a inserção considerada frente a um tecido urbano maior. Ou seja, um tecido urbano relativo a uma microbacia municipal, por exemplo, apresentará no seu traçado escalas diferentes de infraestruturas, que poderão ser caracterizadas como locais, por estarem contidas nesse tecido, ou terão um aporte maior que esse mesmo tecido, atravessando‐o e não estando finalizadas neste, indicando assim outras escalas de território, chamadas aqui de metropolitana e regional. 54
1.3.3. Infraestruturas urbanas
No traçado urbano, primeiramente, o espaço das infraestruturas pode ser definido como o do movimento e da passagem. Enquanto base e suporte, tal espaço define‐se como imóvel, fixo ou estanque, e possui localização, lugar ou ponto específico. Porém, a função desse espaço se realiza apenas na medida em que é utilizado, tanto por automóveis quanto por pessoas, para deslocamentos entre um ponto e outro. Segundo Santos (2012, p. 3): O espaço da infraestrutura é estrutura e cenografia; armadura configuradora da cidade, mas também formada pelo coreográfico fluir coletivo. Nesse fluir, espaços outros ganham representatividade e significado; já não apenas as ruas e boulevards da cidade metrópole, mas também outros múltiplos fora, singularidades na confluência de redes de conexão e familiaridade construídos entre o global e o local.
As infraestruturas que fazem parte do traçado urbano são tão diversas quanto determinantes. Estradas, pontes, viadutos, ferrovias, cabos e torres de suprimento elétrico, canais e rios, conectam‐se e sobrepõem‐se uns aos outros, caracterizando o aspecto complexo das várias camadas do traçado, como um palimpsesto. Conforme afirma Santos (2012, p. 3): O projeto e construção do caminho, da estrada, da ferrovia, da linha elétrica não se esgotam na resolução de problemas de circulação e ligação entre dois pontos no espaço, dois lugares de um território, dois terminais de um circuito electromagnético. A obra infraestrutural incorpora em si uma dimensão programática indissociável de uma determinada forma de entender, transformar e modelar o território pela atividade humana. Ao projeto da infraestrutura, como desígnio tecnológico, associa‐se um desígnio político e cultural que caracterizará os modelos de desenvolvimento urbano e de organização do território ao longo do século XX.
Atualmente, na cidade contemporânea, tais infraestruturas podem ser definidas como artefatos de controle e vazão dos mais diversos tipos de fluxos: de transporte, de matérias primas, bens, mercadorias e pessoas, sistemas de transmissão de dados, informações, telecomunicações e energia – elétrica, gás, eólica, entre outras; sistemas de abastecimento de água e de vazão de efluentes, entre outros. Tais sistemas coexistem em variadas situações, apesar da tendência progressiva de, quando da sua produção, seguirem uma lógica de padronização. É nesse contexto que se dá o comentário de Santos (2012, p. 3):
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A espacialização das atuais redes de circulação, comunicação e abastecimento é expressa de forma diferenciada e dicotômica na cidade e no território, entre aderência e desconexão, entre a extrema polarização e a fratura, exigindo do seu desenho uma aproximação intermediária, mediadora, intersticial que amplifique as possibilidades de interação entre a escala global (das redes) e a escala local (dos tecidos). É esta cidade que, construída segundo racionalidades múltiplas, onde a natureza fragmentária e individual da decisão, impede visões totalizantes ou unitárias, exige uma atenção particular aos mecanismos de comunicação entre atores, sistemas e espaços.
Assim, as infraestruturas urbanas comportam, na sua forma, aspectos diversos dos interesses que definiram sua implantação, e também o enfoque de paradigmas tecnológicos específicos. É nesse sentido que Santos coloca a questão dos eventos determinantes do percurso histórico da cidade (2012, p. 4): Neste percurso, as estações ferroviárias emergem como símbolos identitários da cidade infraestrutural do século XIX; as pontes, auto‐ estradas e barragens protagonizam a imagem do progresso no século XX; na alvorada do século XXI, ainda é difícil descortinar quais são as suas catedrais infraestruturais, mas parecem vir a ser mais diluídas, disseminadas e atomizadas, de menor visibilidade e, por isso, de mais difícil inteligibilidade enquanto realidades espaciais e arquiteturais. Em todo o caso, e em qualquer momento deste percurso, há níveis subterrâneos (Williams, 2008) de grande ubiquidade que, apesar de inconspícuos, suportam e acolhem dispositivos tecnológicos determinantes para o funcionamento, organização e controlo da cidade. São, aliás, estratos impregnados de uma densa paisagem mental, cultural e ideológica que, recombinando artificialidade e natureza, constroem a outra face da moeda dos artefatos arquitetônicos que nos habituamos a celebrar como monumentos – superestruturas – da nossa civilização.
As próprias características de uma infraestrutura urbana já constituem os indícios da escala e do grau de modificações nas condições geográficas precedentes, e produz um sentido específico de território. Segundo Franco (2005, p. 16): A incorporação das infra‐estruturas viabiliza, ampara e impulsiona o uso do território em escala compatível com sua dimensão, a partir do momento em que torna disponíveis os meios de deslocamento, de acesso aos lugares, de abastecimento, de obtenção de energia, de comunicação etc. Sua implantação requer ações de grande envergadura, dependentes de vultosos recursos financeiros, o que preceita a elaboração de ações coordenadas que direcionem os esforços necessários à sua corporificação enquanto produto social decorrente de um projeto coletivo.
Assim, as infraestruturas urbanas são factíveis de análise a partir de pelo menos três escalas. Primeiro, uma escala local, do objeto simples, unitário, uma rua, uma ponte, uma 56
avenida, um canal, escala na qual o objeto articula‐se com seu tecido adjacente no sentido de ser determinante a este e ao mesmo tempo determinado. Segundo, uma escala intermediária, do objeto composto, articulado, em pelo menos, dois componentes: ruas e avenida, viaduto e rua, ponte e rio. Terceiro, uma escala externa ou contextual, na qual os fluxos, ainda que atravessem o tecido e interfiram internamente neste, correm incessantemente para fora, e onde os diversos elementos infraestruturais estão articulados, ora existindo em justaposição, ora em sobreposição. Santos coloca a questão das escalas de infraestruturas em outros termos (2012, p. 8): Infraestruturas: artefatos espaciais e tecnológicos que suportam a circulação de veículos e o fluxo de pessoas, bens, e informação. [...] Espaços infraestruturais: realidade espacial tridimensional, interior ou exterior, conformada na relação direta e contígua com a infraestrutura, incluindo áreas que lhe são afetadas, como servidões e espaços‐canal. [...] Redes infraestruturais: sistemas de suporte e serviço às atividades desenvolvidas sobre o território, de configuração reticular, compreendendo a dimensão física da infraestrutura e a dimensão organizativa e tecnológica.
De todo modo, considerar diferentes escalas de infraestruturas urbanas é imprescindível para o entendimento das diferentes escalas de cidade, bem como as diferentes escalas de bacia hidrográfica correspondente, ou seja, a medida de sítio sobre qual a cidade se assenta. As infraestruturas metropolitanas se articulam particularmente com os tecidos urbanos locais, internos à cidade, e dependendo das suas condicionantes físicas, fruto de prioridades elencadas quando do seu desenho, podem desempenhar função de barreiras e mesmo cisões no tecido urbano. Porém, na escala metropolitana, tais infraestruturas satisfazem outras conexões e organizam fluxos de outra escala, regional. É este sistema que possibilita uma circulação contínua e, em condições ideais, ininterrupta dos fluxos os mais diversos. Como observa Meyer (2000, p. 8): A hipótese de que as grandes infra‐estruturas urbanas ganharam a prerrogativa de funcionar como elemento “agregador” do território metropolitano está se tornando evidente. Deixando de ser apenas “redes abstratas que enfeixam conexões funcionais”, a infra‐estrutura urbana contemporânea cumpre a função básica de organizar os sistemas e subsistemas urbanos, estruturando a metrópole, garantindo as continuidades ameaçadas pela fragmentação e organizando os fluxos que evitam a dispersão funcional.
Desse modo, a interface entre bacia hidrográfica e sítio urbano guarda esse duplo aspecto de análise: as microbacias internas à cidade fazem parte de uma grande bacia, 57
externa e que engloba essa mesma cidade, e estão inseridas em uma rede de infraestruturas metropolitanas. Inversamente, as mesobacias são atravessadas por infraestruturas regionais, e mesmo condicionadas por estas, tornando‐se objeto de exploração. É o caso do aproveitamento hidrelétrico, da exploração mineral, do abastecimento de água e de irrigação agrícola, onde a bacia é, ao mesmo tempo, suporte, fonte e matéria prima para tais atividades. De todo modo, o conjunto de infraestruturas que configura o sítio urbano modifica radicalmente as várias escalas de bacia hidrográfica, conferindo a esta um caráter complexo e problemático, uma vez que a hidrografia e o relevo são objeto de intervenções que alterarão completamente suas características precedentes ou originais. Cabe agora a análise, tanto na escala metropolitana da rede infraestruturas quanto na escala local do tecido urbano, como se dá essa transformação. Os próximo capítulos, 2 e 3, apresentam, respectivamente, um estudo de caso em três escalas de bacia. No capítulo 2, será apresentada brevemente a Bacia Hidrográfica do Tietê, como uma escala macro e regional da geomorfologia do Estado de São Paulo e, numa escala intermediária, de mesobacia, na interface entre a Bacia do Alto Tietê e a Região Metropolitana de São Paulo. Em ambas as escalas, o Rio Tietê é o principal elemento estruturador do sítio e também objeto de intervenções determinantes na sua transformação, sendo que o enfoque se dará destacando algumas situações relevantes para o entendimento da articulação entre relevo, hidrografia e infraestruturas metropolitanas. No capítulo 3 será discutida a inserção da microbacia do Córrego Tiquatira, afluente do Rio Tietê, na região da Penha no Município de São Paulo, e como, dentro de um processo histórico local, as infraestruturas metropolitanas determinaram a transformação dessa porção de território. O capítulo 4 apresenta o processo metodológico para análise da microbacia do Tiquatira em função do tecido urbano em que está inserida. A microbacia é a unidade de medida que define a interface entre a trama e a urdidura do tecido urbano sobre o sítio precedente, ou seja, entre as escalas macro – do caráter metropolitano e micro – dos aspectos locais.
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2. BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO TIETÊ E O SÍTIO URBANO DE SÃO PAULO
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Atualmente, no caso da cidade de São Paulo, a interface entre metrópole e bacia hidrográfica apresenta‐se como uma questão complexa, devido ao imbricado amálgama que se estabeleceu entre hidrografia e infraestruturas urbanas, uma vez que a primeira foi radicalmente modificada em função da segunda. O objetivo deste capítulo consiste, portanto, em identificar quais são os principais momentos que caracterizaram essa transformação, e entender como se dá a interface entre a Bacia do Alto Tietê e o sítio urbano da Região Metropolitana de São Paulo. O enfoque se dará na articulação entre relevo, hidrografia e sistema viário, no contexto de uma rede de infraestruturas urbanas instaladas em um sítio precedente ao longo do tempo. A primeira parte deste capítulo consiste de um panorama geral da geomorfologia do estado de São Paulo, uma escala macro e regional, no qual o Rio Tietê desponta como principal vetor hídrico, e é objeto de uma divisão particular do conjunto da sua bacia, baseada em premissas político‐administrativas. Com base nessa divisão, será focada, a sub‐ bacia hidrográfica do Alto Tietê, uma escala intermediária, que possui limites quase concomitantes com a Região Metropolitana de São Paulo. Numa escala micro, será considerada a sub‐bacia Pinheiros‐Penha como sendo a única que faz interface com todas as outras, desempenhando, neste escopo, a função de centralidade do sítio urbano atual. Ainda, essa sub‐bacia caracteriza parte significativa de São Paulo, enquanto capital e maior município da metrópole. 60
De modo geral, pretende‐se demonstrar, sucintamente, como o relevo e a hidrografia, enquanto componentes da bacia hidrográfica, desempenharam um papel protagonista quando das sucessivas etapas de instalação das infraestruturas urbanas, em especial as viárias, no sítio urbano de São Paulo. Se por um lado é possível afirmar que o sítio precedente condicionou a estruturação da cidade, também se pode considerar, por outro lado, que tal sítio apenas definiu uma série de obstáculos a serem vencidos, a fim de garantir uma plena utilização do solo urbano. É esse duplo aspecto do sítio precedente ou original, ao mesmo tempo condicionante e condicionado, que define a problemática que irá configurar o tecido urbano, representação do sítio. Como já foi exposto, o estudo urbano de uma bacia hidrográfica não se basta enquanto esta for entendida apenas como uma unidade geomorfológica, ainda que modificada pela ação antrópica e transformada em sítio urbano, embora este seja o ponto de partida para o entendimento do relevo e da hidrografia como componentes que condicionam a formação e consolidação da cidade. A segunda parte deste capítulo consiste de um embasamento histórico, no sentido de quantificar e qualificar as principais causas que ocasionaram o modo de ocupação específico dessa mesma cidade. Torna‐se também imprescindível traçar uma argumentação que considere a bacia do Alto Tietê em função das suas várias partes, ou seja, a sua situação não só como conjunto de sub‐bacias, mas, principalmente em função das ligações entre núcleos urbanos. Pois é justamente esta articulação entre diferentes núcleos que gera uma espécie de polarização, que vai direcionar as sucessivas etapas do crescimento da cidade, e que definirá a configuração urbana da bacia hidrográfica. 61
2.1. BACIA HIDROGRÁFICA DO TIETÊ E A GEOMORFOLOGIA DE SÃO PAULO O Rio Tietê, cujo hidrônimo é de origem tupi e significa “água verdadeira” (junção dos termos ti e eté), é um dos principais afluentes do Rio Paraná15, portanto sua bacia pode ser considerada como maior de nível 2, segundo o método de Pfafstetter (Figura 2.1), configurando‐se como o principal elemento da estruturação hídrica do Estado de São Paulo16. Atualmente, em nível regional, o Tietê é utilizado de modo diverso, tanto para aproveitamento hidrelétrico quanto para o transporte hidroviário, bem como para recreação e lazer, abastecimento de água etc, desempenhando uma importante rota de distribuição de commodities agropecuárias para o mercado interno e externo. Em nível urbano e local, o Tietê atravessa a maior metrópole da América do Sul, a cidade de São Paulo, capital do estado, metrópole esta que polui o rio diariamente com o lançamento de resíduos sólidos, esgotos domésticos e industriais. Além disso, diversas outras cidades consolidaram‐se ao longo do seu curso. No percurso do Rio Tietê, desde a Serra do Mar, à sudeste, em direção ao interior, sentido noroeste, sucedem‐se diferentes quadros de relevo, em geral amorreados e acidentados. (AB’SABER, 1957, p.61). A porção sudeste do estado apresenta compartimentos de relevo e altimetria bem diversificada, onde as escarpas da Serra do Mar atuam como elemento de transição entre a faixa litorânea e a porção sul‐oriental do Planalto
15 Entre as regiões hidrográficas do Brasil, a Bacia do Paraná possui um enorme potencial elétrico, devido tanto ao volume de água quanto ao seu terreno acidentado. Além disso, revela uma caráter excepcional: o Aquífero Guarani, que constitui um dos maiores aquíferos do mundo e é a maior reserva subterrânea de água da América do Sul. É um corpo hídrico transfronteiriço que abrange parte dos territórios do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Possui um volume acumulado de 37.000 km³ e área estimada de 1.087.000 km². Na parte brasileira estende‐se por oito estados: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Dados In: . Acesso: 07 outubro 2015. 16 O Rio Tietê teve um papel histórico fundamental na conquista bandeirante do interior, no chamado bandeirismo de monções, com destino a Mato Grosso e Goiás, e antigamente era conhecido como Anhembi, por conta de uma espécie de ave comumente vista em suas margens. 62
Atlântico Brasileiro, passando por regiões serranas e um “Mar de morros” 17, constituindo uma diferença de altura média de 700 metros 18.
Figura 2.1 – Bacia hidrográfica do Paraná – Rio da Prata Fonte: elaborado pelo autor (ref. Kmusse, 201019)
Em comparação, a porção noroeste do estado apresenta uma composição mais regular e uniforme dos seus principais elementos – planícies fluviais, colinas, altas “cuestas” intermediárias e os chamados chapadões do oeste paulista. Nessa observação do esquema morfológico do estado de São Paulo, o Rio Tietê destaca‐se, no conjunto de elementos, como o de maior extensão linear. Nasce em Salesópolis, município localizado na Serra do Mar, a aproximadamente 1120 metros de altitude, e, ainda que se encontre a apenas 22 km do litoral, o relevo condiciona o seu deslocamento no sentido do interior paulista, 17 Segundo Ab’Saber (1957), extensas áreas de morros mamelonares, ou “meias laranjas da bacia do Paraíba” (p. 61). 18 Ainda que as alturas máximas em relação ao nível do mar ultrapassem os 1100 metros. 19 Disponível em . Acesso: 12 outubro 2015. 63
percorrendo 1136 km até desaguar à foz, no lago formado pela barragem de Jupiá, no Rio Paraná (Figura 2.2).
Figura 2.2 – Esquema Morfológico do Estado de São Paulo: destaque para o rio Tietê e principais afluentes Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ab’Saber, 1957)
O Rio Tietê é também o maior rio de domínio estadual de São Paulo, sendo que o rio Grande e o rio Paranapanema, que conformam perímetros estaduais, são de domínio federal. O conjunto da bacia hidrográfica do Rio Tietê é dividido em seis sub‐bacias menores, (Figura 2.3), entendidas como regiões administrativas articuladas e definidas como Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRHIs (ALVIM, 2002, p. 142), entre estas a Bacia do Alto do Tietê20, onde se encontra a cidade de São Paulo. Nesta região, a hidrografia do 20 A Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo nº 7.663/1991, a “Lei de Águas Paulista”, define, entre seus princípios norteadores, a “adoção da bacia hidrográfica como unidade físico‐territorial de planejamento e gerenciamento”, conforme Artigo 3, Inciso II. Tal legislação teve como antecedente o primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo (1990), inaugurando o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, composto por três instâncias: deliberativa – Conselho Estadual de Recursos Hídricos ‐ CRH, e os Comitês de Bacias Hidrográficas ‐ CBH; técnica – Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos ‐ CORHI; e financeira – Fundo Estadual de Recursos Hídricos ‐ FEHIDRO. É neste quadro político administrativo que se insere a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Alto do Tietê – UGRHI‐06. Portal 64
sítio precedente guardava uma característica marcante, que era o desenho serpenteado dos principais cursos d’água (Figura 2.4). Conforme afirma Ab’Saber (1957, p. 65‐78): Em termos de fisiografia geral brasileira, a região de São Paulo é um pequeno compartimento topográfico, de grande individuação morfológica no extenso conjunto dos maciços antigos que constituem a porção sudeste do Planalto Atlântico. [...] Trata‐se de uma área drenada pelo Alto Tietê, rede hidrográfica que nascendo dos maciços antigos das abas continentais da Serra do Mar, dá costas ao oceano, decaindo para o interior do Planalto, através de um gradiente bastante fraco, em busca do eixo hidrográfico da bacia sedimentar do Rio Paraná. [...] Nas grandes e largas calhas aluviais do Tietê e Pinheiros, assim como ao longo de seus afluentes principais, existiam, antes dos serviços de retificação, redes de drenagem típicas de planícies de soleira, fortemente submersíveis. Dominava de Osasco a Mogi das Cruzes, no Vale do Tietê, assim como no Pinheiros, drenagem extremamente sinuosa, com meandros divergentes labirínticos.
Figura 2.3 – Mapa da bacia Hidrográfica do Rio Tietê Fonte: elaborado pelo autor (ref. Agência Nacional das Águas, 2007 21)
do Departamento de Águas e Energia Elétrica – Consultas. Disponível em . Acesso: 26 novembro 2015. 21 In . Acesso: 12 outubro 2015. 65
Figura 2.4 – Hidrografia da região de São Paulo Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ab’Saber, 1957, p. 72)
No contexto do período colonial no Brasil (1500 – 1822), o Rio Tietê pode ser entendido, como um dos principais indutores históricos da ocupação do planalto paulista. A então vila de São Paulo de Piratininga do século XVII 22, localizada estrategicamente no topo da colina entre os Córregos do Anhangabaú e Moringuinho, hoje Bacia do Sapateiro, 22 Piratininga, em tupi significa “terra do peixe seco”, nome este que designava a situação das várzeas do Rio Tamanduateí. “baixada do tamanduá”, atraídos pela presença de formigas que vinham comer os peixes encalhados nas vazantes das enchentes periódicas do rio. 66
funcionava como porta de entrada ao planalto. A consolidação desse artefato urbano garantia um entreposto entre o interior paulista e o porto de Santos, pelo caminho do Rio Tamanduateí, e depois em direção ao Rio de Janeiro, seguindo a rota à montante do Tietê e Vale do Paraíba. Além disso, o sucesso de aldeamentos independentes e periféricos, como a Freguesia da Penha e São Miguel do Ururaí, à leste, aumentaram o domínio do território e estabeleceram as rotas originais que hoje configuram algumas das principais infraestruturas da cidade. Conforme afirma Franco (2005, p. 29‐32): O que explica São Paulo é o Tietê. Com seu curso surpreendente, correndo para as terras interiores, ao invés de descer para o mar, ele se tornou desde muito cedo um instrumento estratégico para o controle de vastas extensões territoriais. Através dele se pode facilmente atingir a ampla cadeia hidrográfica do rio Paraná, rumando então em direção às regiões platinas ou para os lados do Pantanal e da Amazônia ou ainda para as cabeceiras do São Francisco. [...] Observando o mapa topográfico da cidade, percebe‐se que o sítio se caracteriza por um arquipélago de colinas recortadas pelos vincos dos caminhos de drenagem. As águas, de maneira inversa à dispersão que caracteriza o processo de ocupação das terras, vão se reunindo pela sua estrutura capilar em direção aos eixos dos principais caminhos fluviais até atingirem o Rio Tietê, rio tronco de toda a bacia.
Outro indutor histórico fundamental da consolidação de São Paulo foi a implantação da ferrovia estadual no período imperial (1822 – 1889). A São Paulo Railway Company, configurada pelo conjunto de equipamentos de infraestrutura ferroviária em solo paulista, foi inaugurada em 1867, significando uma vitória sobre o obstáculo constituído então pela Serra do Mar (LAVANDER, MENDES, 2005, pág. 293). Esta implantação teve várias implicações regionais – tanto por sua futura extensão interestadual como pelas ramificações menores e mesmo urbanas que proliferou, implicando inclusive o registro e valorização dos terrenos lindeiros à orla ferroviária. No sítio urbano de São Paulo, a ferrovia foi ramificada em dois braços, oriundos de Sorocaba e Jundiaí, até o fluxo principal com o vetor Júlio Prestes ‐ Santos, e foi estruturada historicamente, sobretudo, em função de um espaço regional (Figura 2.5) vinculado a uma produção predominantemente agrícola no uso do território, e internacional de escoamento de exportação de comodities. A mineração e extração de ferro alimenta, ainda hoje, um sistema de exploração internacional, através do comércio e transporte marítimo intercontinental e consolidou, na segunda metade do século XIX, uma rede de infraestrutura 67
ferroviária brasileira. Faz parte desse quadro a produção agrícola, oriunda principalmente das fazendas de café do século XIX, incrementada pela produção de sal e algodão, entre 1967 e 1974 (LAVANDER, MENDES, 2005, pág. 32). Paralelamente, a economia de São Paulo recebeu também os insumos do desenvolvimento industrial que compensou a crise do café, no começo do século XX, e reconfigurou os fluxos de produção, sem, contudo, ter o componente de produção agrícola e rural defasado.
Figura 2.5 – Rede ferroviária estadual (espaço regional) Fonte: elaborado pelo autor (ref. Lavander e Mendes, 2005, p. 295)
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Em suma, a infraestrutura ferroviária foi implantada segundo dois fatores: objetivando uma ligação segmentada em entrepostos estratégicos; e baseando‐se nas melhores rotas relativas ao relevo, sendo que seu traçado foi definido a partir dos trechos com menores inclinações. Sob esse ponto de vista específico, pode‐se comparar a semelhança entre o traçado da ferrovia com o de uma hidrografia, onde o desenho dos meandros corresponde às linhas dos fundos de vale. Pelo seu caráter estrutural, desde o final do século XIX o Rio Tietê e sua várzea, na qual foi implantada a infraestrutura ferroviária, tem sido alvo de projetos, principalmente para sua utilização em função de um aproveitamento hidrelétrico em escala macro e regional, tendo sido preterida a sua utilização, no caso da cidade de São Paulo23, para abastecimento, uso e consumo de água em escala micro – local e urbana. Grande parte dos fundos de vale da Bacia do Alto Tietê foi ocupada e urbanizada, passando por diversas transformações, fruto de obras de infraestrutura. Na Região Metropolitana de São Paulo, tal conjuntura implicou que as características do sítio precedente fossem completamente modificadas, restando apenas fragmentos do que outrora fora uma bacia hidrográfica natural. 2.2. SUB‐BACIA DO ALTO TIETÊ E A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO O território da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê é definido como uma área de drenagem de aproximadamente 5.985 km² (Figura 2.6), que incorpora 40 municípios, sendo que 20 estão inteiramente contidos nela, 14 com o território parcialmente contido, mas com áreas urbanas contidas, e 6 municípios somente com áreas rurais – ou seja, que compõem a bacia, mas não pertencem à Região Metropolitana de São Paulo – RMSP. Esta, por sua vez, é composta por 39 municípios, sendo que 5 destes não tem a sua área urbana contida na bacia. Segundo Alvim (2002, p. 209): Apesar de não atuar na mesma área da RMSP, o Comitê do Alto Tietê é considerado como o “comitê metropolitano”, uma vez que os três municípios que não estão contidos no seu território de gestão (Santa Isabel, Ainda que as nascentes do Alto Tietê alimentem reservatórios de que contribuem para o abastecimento de água, a principal fonte é o Sistema Cantareira. 69 23
Guararema e Vargem Grande Paulista) representam apenas 0,45% da população total da RMSP, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2000, além de não estarem conurbados à mancha urbana da metrópole. Portanto, a área gerida pelo Comitê do Alto Tietê pode ser considerada a bacia metropolitana.
Figura 2.6 – Sub‐bacias do Alto Tietê Fonte: elaborado pelo autor. (ref. Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo, 2009, p. 48)
A área total da bacia é constituída por uma vasta rede de tributários relevantes para a história da região (Figura 2.7), e o seu conjunto é objeto de projetos de engenharia nas áreas energética, de abastecimento e hidráulica. Em suma, a bacia do Alto do Tietê compreende as terras drenadas pelo trecho do rio desde sua nascente, no município de Salesópolis, até o município de Santana do Parnaíba e, grosso modo, atravessa a mancha urbana da metrópole de leste à oeste, configurando seu principal vetor hídrico. Conforme afirma Ab’Saber (1957, p. 103): Nas porções enxutas da planície do Tietê, assim como nos terraços aluviais marginais e nas zonas de transição entre os terraços e os flancos mais suaves das colinas terciárias (seguindo “grosso modo” a orientação E‐W do Tietê), alinham‐se as instalações ferroviárias e as áreas industriais principais da cidade. As ferrovias seguiram as zonas de transição entre as planícies aluviais e as colinas mais suaves, superpondo‐se, muitas vêzes, nos principais tratos de terraços fluviais que a região de São Paulo apresenta. Essas áreas baixas e mal drenadas, que por muito tempo permaneceram abandonadas, isolando as principais colinas urbanizadas, constituem, hoje, 70
o sítio básico do parque industrial paulistano. Nota‐se, imediatamente, que a maior porcentagem dos bairros industriais e operários justapôs‐se aos terraços e planícies aluviais do Tietê e de seus afluentes. [...] Ao centro da larga e contínua planície do Tietê, seccionando indiferentemente meandros abandonados, diques marginais antigos e ligeiras depressões alagáveis, destaca‐se a silhueta inconfundível do canal de retificação. Desta forma, esboça‐se a recuperação geral do único elemento do relevo regional que ainda não participara da área urbanizada; e chega a ser impressionante a extensão dos espaços urbanos passíveis de recuperação, nesse trecho de baixadas aluviais.
Figura 2.7 – Hidrografia e sub‐bacias do Alto Tietê Fonte: elaborado pelo autor (ref. Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo, 2009, p. 16)
A Bacia do Alto Tietê, enquanto UGRHI, é dividida em seis sub‐bacias, definindo regiões político‐administrativas: Cabeceiras, Cotia‐Guarapiranga, Penha‐Pinheiros, Jusante Pinheiros‐Pirapora, Juqueri‐Cantareira e Billings‐Tamanduateí. Por seu duplo aspecto de centralidade – ao mesmo tempo histórica e economicamente consolidada, a região da sub‐ bacia Penha ‐ Pinheiros apresenta de modo nítido a sobreposição entre a cidade construída e o sítio precedente. Na RMSP, esta sub‐bacia possui a maior área urbanizada, tanto em proporção relativa quanto absoluta, e contêm a convergência dos principais elementos estruturadores do conjunto da bacia, o Rio Tietê e o Rio Pinheiros, além de maior parte das
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áreas dos fundos de vale dos seus principais afluentes, o Rio Tamanduateí, e os Córregos Aricanduva, Cabuçu‐de‐cima e Pirajuçara. Segundo Ab’Saber (1957, p. 13): A originalidade geográfica principal do sítio urbano de São Paulo reside na existência de um pequeno mosaico de colinas, terraços fluviais e planícies de inundação, pertencentes a um compartimento restrito e muito bem individualizado do relevo da porção sudeste do Planalto Atlântico Brasileiro. [...] Na realidade a área de relevo que interessa ao estudo do sítio urbano de São Paulo fica praticamente restringida ao sistema de colinas, terraços e planícies do ângulo interno de confluência dos rios Tietê e Pinheiros.
Em suma, a sub‐bacia hidrográfica Penha – Pinheiros, área contribuinte da bacia do Alto Tietê, pode ser definida como o compartimento de relevo central do sítio urbano de São Paulo, e está contida nos municípios de São Paulo, Taboão da Serra e Guarulhos. O papel de centralidade que desempenha deve‐se tanto ao caráter histórico do sítio urbano como também às estratégias de ocupação do relevo e conversão da hidrografia em um sistema de infraestruturas viárias, de escoamento de esgotos e de drenagem. Esta articulação revela uma das principais características da Região Metropolitana de São Paulo: a transformação completa do sítio precedente, em especial da hidrografia dos fundos de vale, convertida integralmente em solo urbano útil. 2.2.1. Rio Tietê: objeto de projetos de infraestruturas urbanas
Os projetos de intervenção nos cursos d’água da bacia hidrográfica do Alto Tietê podem ser observados desde o final do século XIX, quando foi instituída a Comissão de Saneamento das Várzeas, que elaborou, em 1893, o primeiro projeto de retificação do Rio Tamanduateí. Em 1894, a Comissão apresenta o “Projeto de Regularização do Rio Tietê e Dique Marginal”, cujas obras só teriam início mais de 40 anos depois (TRIPOLONI, 2008, p. 76). Em 1904 tem início as obras de intervenção nas várzeas do Tamanduateí e no vale do Anhangabaú, onde ambos os rios tornaram‐se objeto de projetos urbanos e obras de infraestrutura e saneamento (TRAVASSOS, 2004, p. 23‐29). Este conjunto de intervenções nos cursos d’água e nas áreas de várzea como um todo consistiu na formulação de um paradigma que pressupõe que quanto maior desempenho
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técnico dessas áreas, no sentido de minimizar as interferências do sítio precedente, maior será o aproveitamento urbano que se poderá realizar. Segundo Franco (2005, p. 54): Tão ou mais importante do que as novas frentes de urbanização, a intervenção nas várzeas equacionava de forma conjunta uma série de questões estruturais: saneamento, drenagem, abastecimento, geração de energia e circulação automotora. Seriam reunidas à ferrovia para ampliar a infra‐estrutura básica sem a qual o crescimento, sobretudo industrial, seria insustentável. Entre todos os sistemas implantados, o de transportes desempenharia o papel fundamental de possibilitar a articulação entre os setores produtivos e aglutinar a constelação de bairros definidos por um modelo de ocupação cada vez mais extensivo. [...] Nesse momento a questão já estava formulada: transformar o território das várzeas pela ocupação das infra‐estruturas necessárias para a modernização da cidade. Um projeto ficou estabelecido e, desde então, passou a ser perseguido, ainda que submetido aos conflitos e contradições inerentes a toda ação prolongada no tempo. [...] A decisão de transformar o sítio paulistano pela incorporação dos grandes sistemas de engenharia de escala regional evidencia que a geografia não foi um fator determinador na história da cidade. Na realidade, assim que os instrumentos para isto se tornaram disponíveis, os elementos naturais foram ressignificados por ações deliberadas, que direcionaram o crescimento de São Paulo a partir de interesses. Essas ações, muitas vezes, foram na contramão das condições naturais, como no caso da contenção do caminhamento das águas fluviais e da ocupação indiscriminada das áreas de várzeas.
Em São Paulo, este processo de transformação técnica das várzeas relacionou‐se diretamente ao desenho de novos traçados urbanos, concomitante à implantação de infraestruturas de caráter moderno e industrial, seja pelo modal específico da ferrovia na segunda metade do século XIX, seja pela produção automobilística crescente que impulsionava um aumento significativo do leito carroçável, em função do aumento do traçado urbano, principalmente a partir de 1930. Nas palavras de Franco (2005, p. 55): Esse processo permitiu que os sucessivos traçados pudessem ser amplamente negociados, revistos e alterados em função dos conflitos, interesses, acordos e medidas de natureza política e econômica. O debate aparente centrava‐se nas questões técnicas, no programa de uso dos recursos dos rios e nas formas de ocupação das áreas lindeiras: mais ou menos área verde, maior ou menor amplitude da área permeável, a eficiência em relação ao escoamento das águas pluviais, a extensão das desapropriações etc. Nos bastidores, a verdadeira disputa girava em torno da questão da valorização das terras próximas, decorrente da definição do traçado, da amplitude das desapropriações e da maneira de utilização dos recursos públicos.
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Durante a década de 1920, ocorreu um embate técnico na Escola Politécnica de Engenharia da Universidade de São Paulo24, sobre concepção de critérios e parâmetros para pautar o crescimento da cidade, portanto sua orientação para o futuro. Tal embate pode ser observado a partir de abordagens distintas que foram propostas para as intervenções que seriam realizadas nas várzeas do Tietê, e que tomou forma a partir de diferentes proposições projetuais. Em 1925, o engenheiro Francisco Saturnino de Brito, com a sua metodologia sanitarista e reconhecida experiência com implantação de sistemas de saneamento e drenagem, realizou o projeto básico para ocupação da várzea do Tietê, nos trechos entre Osasco e Penha. Tal projeto teve como principal premissa a consideração pelas áreas alagáveis do rio, prevendo seu transbordo e escoamento, bem como a factibilidade à navegação e, ainda que não tenha sido executado, tornou‐se uma referência conceitual de drenagem não estrutural. Porém, é o Plano de Avenidas proposto pelo engenheiro Francisco Prestes Maia em 1930 que paulatinamente passa a direcionar as obras de intervenção urbana, uma vez que ele também foi prefeito de São Paulo, governando entre 1938 e 1945. Este Plano teve por princípio um sistema radial de anéis concêntricos a partir do centro histórico de São Paulo, onde a expansão do traçado viário ocorre em função do crescimento urbano, ainda que, como afirma Franco, tal plano não fosse inédito, mas parte de um processo em curso na cidade (2005, p. 150‐151): Inicialmente elaborado 1930, a partir dos estudos do Plano de Irradiação realizado por Ulhoa Cintra em 1923, do qual Prestes Maia participou, o Plano só seria parcialmente implantado a partir da segunda gestão de Maia frente à Prefeitura (1961/1965). Trata‐se de um modelo abstrato, a ser sobreposto à cidade, estruturado por um sistema de vias radiais e perimetrais visando ordenar os fluxos, descongestionar a área central e, sobretudo, possibilitar a expansão sem limites da cidade. Esse modelo permitia, a partir do centro, a propagação crescente de sucessivos anéis viários, que, a cada momento, estabeleceriam novas fronteiras de crescimento da mancha urbanizada. Contraditoriamente, também reforçava o papel predominante do centro na organização de todos os setores da cidade. [...] Não se pode atribuir a Prestes Maia a originalidade na proposição do modelo radial perimetral, uma vez que o conceito já fazia parte do debate urbanístico da cidade desde o lançamento dos projetos anteriores.
No mesmo ano em que se apresentou o Plano de Avenidas foi realizado o levantamento cartográfico do município nas escalas 1: 20.000, 1: 5.000 e 1: 1.000, realizado 24 Conforme relata Alexandre Delijeakov no documentário Entre Rios, produzido em 2009, Direção de Caio Ferraz, disponível em , acesso em 17 Junho 2014. 74
pela Societá Anonima Rivelamenti Aerofotogrametrici – SARA Brasil, empresa italiana com sede em Roma, que venceu a licitação para execução do trabalho (MENDEZ, 2014). Tal registro destacou‐se, na época, como um marco da conquista aérea – com inovações no campo da aerofotogrametria, caracterizando uma técnica precisa na demarcação de limites que evidencia a justaposição entre relevo e sítio urbano, um objeto composto, no limiar da transformação. Conforme afirma Ab’Saber (1957, P. 57‐58): Tais séries de cartas constituem a documentação mais importante existente para estudos geomorfológicos de pormenor, já que apresenta escala suficientemente grande para que se possam referir e delimitar detalhes do relevo regional que forçosamente escapariam à representação em cartas de escala menor, tais como níveis de baixos terraços fluviais. Além disso, trata‐ se de cartas topográficas que guardam especial interesse para a análise das relações entre os elementos topográficos e a estrutura do organismo urbano.
A cartografia SARA Brasil revelou uma descrição detalhada e pormenorizada do sítio urbano de São Paulo no começo da década de 1930. É esse registro, da cidade que vai permitir a elaboração dos projetos subsequentes ao Plano de Avenidas enquanto lógica de expansão do sistema de transportes rodoviário. Ao mesmo tempo, esta cartografia apresenta a riqueza da hidrografia na época, onde a maioria dos rios, com os meandros então inalterados, davam suporte a outros tipos de ocupação, como atividades agrícolas, pesca, olarias etc, e compunham com o relevo um quadro de justaposição entre os núcleos urbanos, consolidados a partir dos topos de colinas, que se espraiavam nas encostas e findavam limítrofes às áreas de fundo de vale. Todavia, a análise de uma interpretação física do Plano de Avenidas a partir da cartografia SARA Brasil, torna evidente que a expansão da cidade se daria pelos fundos de vale. A implantação do terceiro anel periférico do plano corresponderia, na atualidade, ao anel viário formado pelas seguintes vias de fundo de vale existentes: marginais Tietê e Pinheiros, Avenida Afonso D’ Escranolle Taunay, Avenida dos Bandeirantes, Avenida Presidente Tancredo Neves, Rua das Juntas Provisórias e Avenida do Estado (Figura 2.8). Em suma, pode‐se afirmar que o viés prático do Plano de Avenidas, já utilizado na implantação do leito ferroviário, consistiu na preferência de áreas do relevo com menor declividade, no caso os fundos de vale, para abertura de vias de trânsito rápido.
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Figura 2.8 – O Plano de Avenidas sobre o Mapa SARA Brasil Fonte: elaborado pelo autor (ref. De Bem, 2009)
Uma parcela significativa das áreas do sítio urbano de São Paulo consiste de baixos terraços fluviais dos vales do Tietê, Pinheiros e seus afluentes, como também das suas planícies aluviais, ou seja, os fundos de vale e as várzeas. Esse duplo fator da expansão urbana, pautada em um sistema viário de trânsito rápido traçado preferencialmente em áreas de baixa declividade, configurar‐se‐á, a partir de 1930, como o modo predominante de implantação de infraestruturas urbanas viárias da cidade, uma vez realizadas as obras das marginais Pinheiros e Tietê. Sobre esse processo discorre Franco (2005, p. 62): As razões para a escolha das várzeas pode ser explicada principalmente pelas questões econômicas, técnicas e funcionais relacionadas com a própria lógica da produção industrial: sistema hídrico para o abastecimento de água e descarga dos dejetos; energia hidro‐elétrica para as máquinas; locais de moradia barata para a mão de obra; meios fluidos de circulação para as mercadorias. Cada requisito correspondeu a um sistema infra‐ estrutural específico. Uma discussão, que perpassa de forma reincidente a realização dessas obras, incide sobre a questão da circulação, uma das principais demandas da produção. As canalizações do Tamanduathey e do Tietê foram sempre associadas com projetos de sistemas viários marginais aos leitos retificados, eixos fundamentais na articulação dos setores 76
industriais. Na canalização do Pinheiros, obra originalmente motivada pelo sistema de abastecimento de energia, foram criadas avenidas. Mas o projeto também almejava construir uma alternativa para concorrer com o monopólio da lucrativa ligação entre São Paulo e Santos realizada pela SPR. As formas de circulação nunca estiveram restritas aos fluxos internos da cidade, dizendo respeito, sobretudo, às ligações regionais e ao acesso ao porto. As saídas e entradas de São Paulo, conforme visto anteriormente, correspondem à configuração do sistema de vales, meios naturais de escoamento da produção e contato com outras regiões. O nó articulador dos caminhos estava relacionado ao tronco do sistema, ou seja, as principais várzeas da bacia de São Paulo, do Tietê, Pinheiros e Tamanduathey. A eleição dessa estrutura espacial para a localização dos setores produtivos, em detrimento da constelação de colinas diversas pelo restante da bacia, faz sentido. O resultado foi a transformação das várzeas e dos terraços fluviais num espaço diferenciado pela elevada concentração de sistemas técnicos e de investimentos.
Figura 2.9 – Crescimento da mancha urbana de São Paulo Fonte: elaborado pelo autor (ref. Déak, 1999)
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No caso de São Paulo, o crescimento significativo da sua mancha urbana a partir da segunda metade do século XX (Figura 2.9) está diretamente relacionado com esse modo específico de fazer cidade, que se alheia e se sobrepõe ao sítio precedente em função de um aumento dos fluxos de transporte propiciados por uma expansão do traçado viário. Como consequência desse modo de crescimento, essa sobreposição desconsidera a própria memória do sítio, justamente os atributos originais que orientaram e definiram o estabelecimento dos núcleos urbanos originais. A imposição do crescimento da mancha urbana da Região Metropolitana de São Paulo em função da imposição de um sistema predominantemente rodoviário se deu em detrimento de outros modais de transporte. Ainda que, neste contexto, a evolução do conjunto de modais seja uma questão complexa, pode ser analisada a partir de um dado simples: a proporção entre crescimento populacional e aumento da frota de automóveis (Tabela 2.1). Assim, percebe‐se que, enquanto em 1950 a propriedade de veículos para transporte individual não era comum à maior parte da população, em 2010 tal frota corresponde praticamente à metade da população. Esse dado evidencia a prioridade que se tornou o automóvel da RMSP, e da consequente necessidade de crescimento viário que incorreu dessa prerrogativa.
Tabela 2.1 – Crescimento populacional e aumento da frota de automóveis Fonte: elaborado pelo autor25
De modo geral, o crescimento metropolitano orientado principalmente pela expansão do sistema rodoviário e da utilização do transporte automobilístico privado vai reconfigurar todo o sítio urbano de São Paulo. Nesse processo, a hidrografia do sítio precedente, bem como as áreas com menos declividade do relevo – os fundos de vale, adquirem um caráter estratégico, tornando‐se objeto de obras de infraestrutura urbana que serão realizadas da 25 Os dados de crescimento populacional são dos Censos Demográficos do IBGE. Disponível em . Acesso: 21 janeiro 2016. Para as quantidades de frotas de automóveis foram combinados os dados de Santos e Silveira (2001, p. 176‐177) e EMPLASA (2011). 78
macro à micro escala. Assim, se por um lado é possível afirmar que as obras pioneiras de retificação do Rio Tamanduateí e do Córrego Anhangabaú representaram a possibilidade técnica de transformação radical do sítio precedente, por outro lado é a partir das obras de retificação do Rio Tietê e seu principal afluente, o Rio Pinheiros, que tal prática vai se impor como uma constante na transformação da maioria dos fundos de vale do sítio urbano de São Paulo. 2.2.2. Marginal Tietê: retificação e canalização do rio
Em 1940 inicia‐se a retificação e canalização do Rio Tietê, com obras setoriais em Osasco, entre 1940 e 1941, Casa Verde – Freguesia do Ó, entre 1942 e 1943, Remédios, entre 1946 e 1948, Osasco – Presidente Altino, entre 1947 e 1948, Canal do Jaraguá, entre 1948 e 1949, e Vila Maria – Ponte Grande, entre 1948 e 1952. O mesmo processo de transformação técnica é aplicado ao Rio Pinheiros, que tem a totalidade da sua retificação concluída em 1957 (Figuras 2.10 e 2.11), desde a nascente com a barragem da represa Billings até sua foz no Tietê (SANTOS, 2014, p. 20). Paulatinamente, a vocação estabelecida por esse modo de intervenção nas áreas de várzea, de maior desempenho técnico para melhor aproveitamento urbano, foi progressivamente se articulando à uma lógica regional de distribuição dos fluxos, tendo sido preterida a sua utilização local. Segundo Franco (2005, p. 157‐158): Enquanto as ferrovias, concebidas como um sistema para atender exclusivamente ao fluxo de cargas regional, iam paulatinamente absorvendo as demandas intra‐urbanas26 de passageiros, com as marginais acontecia o contrário. Ao longo do tempo, o projeto foi se alterando até assumir o objetivo prioritário de atender aos fluxos regionais, em detrimento dos intra‐urbanos. Houve a compreensão geral de que as marginais teriam como vocação um papel estratégico com relação às necessidades da metrópole e do Estado. Com o declínio do sistema ferroviário, era fundamental garantir a manutenção dos corredores de acesso ao porto de Santos como garantia às exportações. [...] Como não poderia deixar de ser, a construção das marginais também incidiu sobre as formas de uso das áreas próximas ao seu trajeto. Ao acrescentar mais um 26 O termo “intraurbano” refere‐se à expressão utilizada pelo urbanista Flávio Vilaça no livro ”Espaço Intraurbano no Brasil” (2001) para designar espaços internos à cidade, em contraste com o espaço regional, que seria exterior à cidade, ainda que esta seja atravessada por seus diversos fluxos, por exemplo, produção agrícola ou aproveitamento hidrelétrico. 79
sistema técnico ao território das várzeas, reforçou as vantagens de locação, que desde muito cedo diferenciaram‐nas como local privilegiado para os mais distintos usos, inclusive para os setores habitacionais.
Figura 2.10 – mancha Urbana em 1952 e obras de infraestrutura em andamento Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 45)
Figura 2.11 – Mancha Urbana em 1962 e obras de infraestrutura concluídas Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 46)
Em menos de vinte anos, foram esquadrinhadas as mudanças decisivas para a ocupação extensiva de suas várzeas, aos custos de problemas que se tornaram cotidianos, de drenagem e saneamento. Essa rápida modificação da hidrografia e do relevo do sítio 80
urbano por obras de infraestrutura caracterizou uma situação peculiar de transformação, conforme afirma Ab’Saber (1957, P. 189): Passamos diretamente dos caminhos tropeiros para a era das rodovias, sem aquela série intermediária importante, correspondente aos diversos tipos de estradas carroçáveis, tão conhecidas na história dos transportes na Europa Ocidental. Em outras palavras, tendo passado diretamente do ciclo do muar para o ciclo do automóvel, sem transição normal do ciclo das diligências, assistimos a uma interferência radical na estrutura dos caminhos, fato que adquire maior contraste no interior da zona urbana metropolitana das cidades de crescimento recente muito rápido. Daí encontrarmos, em pleno interior da metrópole paulistana, herança dessa excepcional interferência na estrutura dos caminhos e estradas.
Essa ênfase na hegemonia de um sistema automobilístico propiciou o rápido crescimento, espraiado e horizontal, que passou a caracterizar a Região Metropolitana de São Paulo a partir da segunda metade do século XX. Conforme observa Franco (2005, p. 148): O sistema sobre rodas foi muito conveniente no caso de São Paulo. O ritmo acelerado de crescimento da cidade e as características do sítio, com topografia acidentada, adequavam‐se bem a um sistema de baixo grau de restrição e alto índice de mobilidade. O transporte sobre rodas proporcionou a ocupação de todos os tipos de áreas, tanto aquelas altamente recortadas do ponto de vista topográfico quanto as longínquas e rarefeitas, até então não atendidos pelo transporte ferroviário. Como conseqüência, o sistema sobre rodas viabilizou um novo modelo, baseado numa urbanização extensiva, descontínua e de baixa densidade.
Assim, a partir de um modelo de crescimento urbano que priorizou um sistema de transportes predominantemente automobilístico, ou seja, uma forma de ocupação urbana da bacia hidrográfica como um todo, o crescimento da cidade orientou‐se basicamente em dois fatores, ao mesmo tempo opostos e complementares. Primeiro, uma ocupação progressiva das planícies fluviais e áreas de várzea, a partir da transformação da hidrografia em um sistema de drenagem articulado às infraestruturas viárias. Segundo, um aumento e expansão da mancha urbana, que ocasionou a conurbação de diferentes núcleos urbanos. Esses dois fatores orientaram o crescimento urbano de São Paulo e possibilitaram a caracterização de um modus operandi, no qual o aproveitamento das condições mais favoráveis do relevo para implantação de infraestruturas de fluxos viários encontra nas áreas 81
de várzea e fundo de vale suas melhores expressões. Devido à baixa declividade desses eixos, bem como a capilaridade entre estes, a implantação das infraestruturas viárias derivou do traçado contínuo e ramificado da rede hidrográfica precedente. A etapa subsequente desse modus operandi, concreti zado nos dois maiores rios que atravessam a cidade, terá por objeto os fundos de vale dos afluentes do Tietê e do Pinheiros. O que se poderá observar, na maior parte dos casos desse modo de intervenção, é um padrão de traçado de infraestruturas que funciona em prol da circulação metropolitana e regional e em detrimento da circulação urbana e local. 2.2.3. As obras de fundo de vale nas sub‐bacias do Rio Tietê: replicação de uma experiência
Em 1974, com financiamento do Banco Nacional de Habitação – BNH, por meio do Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, a prefeitura do município de São Paulo, contratou um estudo de levantamento e diagnóstico sobre as condições de 130 microbacias hidrográficas municipais, cujos cursos d’água seriam objeto de uma série de obras: 60 km de canalização e 55 km de novas avenidas de fundo de vale (TRAVASSOS, p. 60). Este estudo teceu algumas recomendações quanto às bacias prioritárias como objeto de intervenção e reforçou a articulação entre obras de drenagem e sistema viário, determinando diretrizes para uma urbanização intensiva dos fundos de vale. Em 1982, a Empresa Paulista de Planejamento S. A. – EMPLASA, desenvolve o estudo “Drenagem de Águas Pluviais ‐ estudos de uso e ocupação do solo em bacias hidrográficas” e, em 1984, frente à problemática das enchentes, consequência da ocupação urbana dos fundos de vale e planícies alagáveis, o “Programa Emergencial de Controle de Enchentes na Região Metropolitana de São Paulo”. Neste Programa, ainda que a bacia hidrográfica tenha sido adotada como unidade de projeto, as ações propostas visavam apenas áreas críticas da bacia, ou seja, os fundos de vale, onde foram realizadas obras pontuais, como pequenas intervenções nos canais, implantação de microdrenagem, reurbanização e regularização de margens (TRAVASSOS, p. 73).
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Neste contexto, foi implantado em 1987 o Programa de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale – PROCAV I27. Ainda que não tenha evidenciado a bacia hidrográfica como uma unidade planejamento, tal Programa pode ser considerado emblemático na consolidação das práticas de ocupação de fundos de vale (Figura 2.12). Segundo Franco (2005, p. 156‐157): Os anéis viários também se sobrepõem aos fundos de vale, inclusive e sobretudo nas marginais. Essa constatação corrobora a idéia de que, se olharmos para a área da Grande São Paulo em sua totalidade, e desde o ponto de vista viário, percebe‐se que a metrópole se organiza a partir da rede de avenidas de fundo de vale correspondentes à estrutura tronco‐ alimentadora da bacia hidrográfica de São Paulo. Isto remete a um outro diagrama estruturante, muito distinto do de Prestes Maia.
Figura 2.12 – Mancha Urbana em 1983 e obras de infraestrutura em andamento Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 46)
Esse diagrama estruturante do qual fala Franco, distinto dos anéis concêntricos do Plano Prestes Maia, apresenta um desenho ramificado e capilar, similar à hidrografia do sitio precedente. É um traçado de infraestrutura viária que se assemelha também a uma espinha de peixe, analogia esta que guarda uma grande e perspicaz ironia histórica. A antiga vila de São Paulo de Piratininga, “terra do peixe seco”, foi batizada assim devido aos peixes que secavam ao sol depois de ficarem atolados, devido à vazante do Rio Tamanduateí. Porém, na 27 Decreto municipal nº 23.440, determinou a canalização de 27,9 km de nove córregos, 23,8 km de avenidas, remoção de 1.590 famílias e 995 imóveis das áreas de intervenção (BROCANELI, p. 277). 83
atualidade, é o sistema viário que, em escala metropolitana, dá a forma dos fundos de vale e comprime sua hidrografia em caixas de concreto estreitas e fundas. A terra do peixe seco, que antes era uma abundância de rios, transformou‐os em ruas, e o que era água fresca e corrente virou secura de um asfalto árido. Em 1994, foi definida uma segunda etapa para o Programa de obras de intervenção nos fundos de vale, o PROCAV II28, que consolidou um modo de ocupação urbana a partir da transformação dos cursos d’água, aumentando com isso a área útil da cidade, por meio da expansão das infraestruturas viárias de transporte (Figura 2.13). Por um lado, a hidrografia do sítio precedente foi convertida meramente em um sistema de drenagem, tendo sua área de movimentação compactada a partir de obras de engenharia estrutural. Por outro lado, foi preterida nessa escolha a alternativa por obras de drenagem não estrutural, que propiciariam maiores taxas de permeabilidade do solo, prevendo áreas de alagamento para as cheias sazonais dos rios e permitiriam o convívio entre cidade e rios.
Figura 2.13 – Mancha Urbana em 1995 e obras de infraestrutura em andamento Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 47)
28 35,4 km de canalização de córregos, 36,6 km de avenidas, construção de 8 reservatórios de contenção de águas pluviais – popularmente conhecidos como “piscinões”, realocação de 4.500 famílias e desapropriação de cerca de 900 imóveis nas áreas de intervenção, bem como a urbanização de 3 favelas e implantação de 29 praças públicas (BROCANELI, p. 279). 84
De modo geral, pode‐se concluir que a expansão da mancha urbana da Região Metropolitana de São Paulo se deu em proporção direta com a implantação de uma rede de infraestruturas urbanas, sobretudo viárias, que encontraram nos fundos de vale da bacia do Alto Tietê as melhores condições para sua multiplicação. Porém, essa ocupação extensiva do sítio precedente desconsiderou os atributos originais da relação entre hidrografia e relevo, por caracterizá‐los apenas como obstáculos, e não mais elemento relevante de uma justaposição minimamente integrada com o sítio precedente. Desse modo, a hidrografia foi suprimida em prol das infraestruturas, e a originalidade do sítio urbano de São Paulo, conforme relatada por Ab’Saber (1957), tornou‐se oculta para a própria cidade.
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3. MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
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Este capítulo pretende abordar o desenvolvimento da microbacia do Córrego Tiquatira inserida no sítio urbano do Município de São Paulo, mais especificamente na região das Subprefeituras Penha e Ermelino Matarazzo, na Zona Leste da cidade. Parte‐se do seguinte questionamento: como se dá, inicialmente, o processo histórico que permite identificar a transformação de uma microbacia hidrográfica em um sítio urbano particular? Quais foram as conjunturas determinantes que acabaram por gerar essa transformação? Por que a formação deste sítio urbano apresenta uma condição específica e diferente de outras localidades? Qual o papel das infraestruturas urbanas na transformação da microbacia? Em seguida, será necessário considerar o processo de metropolização que englobou essa localidade, a partir da segunda metade do século XX, e que modificou radicalmente a constituição superficial do sítio precedente. A primeira parte desse capítulo consiste de uma breve introdução sobre a configuração atual do município, frente ao seu relevo e hidrografia. A segunda parte, mais detalhada, aborda o processo de formação histórica da freguesia da Penha, o assentamento original do sítio urbano dessa região. A terceira parte apresenta o conjunto de transformações pelos quais passaram os fundos de vale dos principais cursos d’água que constituem a microbacia, os Córregos Tiquatira, Franquinho e Ponte Rasa, e como as intervenções realizadas corresponderam a obras bem diversas entre si.
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Atualmente, pode‐se dizer que a microbacia urbana é entendida mais como uma condicionante técnica do sítio do que lugar dotado de sentido histórico integral, devido à ausência de estudos e de uma metodologia clara que revele tal sentido. Reside ai um desafio aos estudos urbanos, marcadamente na cidade de São Paulo, dada a rica constituição do seu sítio precedente. Portanto, definir um percurso histórico para a série de transformações pelas quais passou a microbacia urbana do Tiquatira torna‐se assim uma etapa decisiva para entendimento do sentido desse lugar enquanto unidade territorial, mas também como parcela de um sistema maior que o condiciona e configura. 3.1. AS MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO São Paulo – capital e maior município da região metropolitana, consolidou‐se como o centro da Bacia Hidrográfica do Alto do Tietê, uma vez que no seu perímetro estão contidos muitos dos seus principais contribuintes. O município também contém a maior rede de infraestruturas urbanas da metrópole, e desempenha o importante papel de entreposto com as principais rotas regionais, seja para o interior do estado, seja para o Porto de Santos, seja pela contiguidade com o Aeroporto Internacional de Guarulhos. Desse modo, seu tecido urbano define‐se, basicamente, segundo as características, potencialidades e capacidade de suporte definidas pelo próprio sítio precedente. As várzeas do Rio Tietê e do Rio Pinheiros – planícies aluviais, constituem a coluna vertebral no conjunto do relevo do município. Nesse sentido, os vários vetores confluentes de fundo de vale desempenham papel fundamental na estruturação do traçado urbano do município, com destaque para os contribuintes de maior porte, como os Rios Tamanduateí, Aricanduva, Cabuçu‐de‐cima e Pirajussara, conforme se pode observar no mapa da hidrografia municipal (Figura 3.1). O relevo do município, por sua vez, pode ser representado a partir de níveis hipsométricos, e demonstra a conexão capilar e ramificada, configurada nas áreas de planície aluvial e baixos terraços fluviais, respectivamente 700‐725 e 725‐740 metros, relativos ao nível do mar (Figura 3.2). Além disso, ocorrem cotas hipsométricas mais altas, a saber: terraços fluviais de nível intermediário, entre 745 e 750 metros, altas colinas e 88
espigões secundários, entre 750 e 795 metros e plataformas interfluviais, entre 800 e 820 metros (AB’SABER, 1957). O município é composto por 161 microbacias hidrográficas, com 16 microbacias na região Leste, 19 na região Norte, 34 na região Centro, 23 na região Sul, além de bacias de contribuições diretas, relativas aos Rios Tietê, Tamanduateí, Pinheiros e Cabuçu de Cima, 15 na região Leste, 23 na região Norte, 28 na região Centro, 9 na região Oeste e 9 na região Sul (Figura 3.3). Grande parte destas bacias foi bastante modificada por um padrão de ocupação urbana fruto de um modo de intervenção definido pelas obras de infraestruturas de fundos de vale (principalmente PROCAV I e II). A Zona Leste do Município de São Paulo consiste, genericamente, na área circunscrita à sul do Rio Tietê – onde faz divisa com o Município de Guarulhos e a Zona Norte, à leste do Rio Tamanduateí e Córrego Ipiranga – onde faz divisa com a Zona Central e Sul, à norte do Rio do Oratório – onde faz divisa com os Municípios de São Caetano, Santo André e Mauá, e à oeste do Rio Três Pontes, onde faz divisa com o Município de Itaquaquecetuba. Diferentemente, a porção à extremo sudeste apresenta um conjunto de nascentes de cabeceira dos três principais afluentes do Tietê na Zona Leste: o Rio Aricanduva, o Córrego Jacu e o Rio Itaquera. Essa porção sudeste, por sua vez, faz divisa com os Municípios de Mauá e Ferraz de Vasconcelos. No contexto da Zona Leste, a microbacia do Tiquatira (Figura 3.4) pode parecer, a princípio, não tão relevante quanto à dos principais tributários, como a do Rio Aricanduva. Todavia, uma análise mais cuidadosa revela o contrário, devido ao posicionamento estratégico dessa bacia na confluência do principal meandro do Tietê no município. Na atualidade, tal confluência constitui uma interface com um conjunto de infraestruturas de caráter metropolitano e regional, a saber: sua circunscrição nos dois baços da ferrovia que atravessa a região; a Rodovia Ayrton Senna da Silva; a Ponte Grande, que transpõe o Tietê e faz conexão entre São Paulo e Guarulhos; e os viadutos Domingos Franciulli Netto e General Milton Taveira de Souza. Além disso, esta microbacia contêm uma série de exemplos notórios quanto a diversidade de modos de ocupação dos fundos de vale em função das obras de infraestrutura viária que transformaram a hidrografia do sítio precedente, como se poderá observar a seguir. 89
Figura 3.1 – Hidrografia do município de São Paulo Fonte: Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, 2012
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Figura 3.2 – Hipsometria do município de São Paulo Fonte: Atlas Ambiental do município de São Paulo, 2000
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Figura 3.3 – Bacias hidrográficas do município de São Paulo Fonte: Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, 2012
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Figura 3.4 – Inserção da microbacia Tiquatira na Zona Leste do Município de São Paulo Fonte: elaborado pelo autor
3.2. A MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NA REGIÃO DA PENHA Na região da Penha, na zona leste do município, a microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira se revela como principal elemento definidor do sítio e do relevo. É composta por três sub‐bacias, onde o Ribeirão do Franquinho e o Ribeirão Ponte Rasa constituem os dois contribuintes principais do Tiquatira. Afluente do Tietê – “água verdadeira”, o Tiquatira, do tupi “cobra grande”, tem mesmo a forma de uma pequena Hidra29 (Figura 3.5 e 3.6).
29 Uma espécie de animal cnidário de corpo cilíndrico e em forma de pólipo. 93
Figura 3.5 e 3.6 – Microbacia do Tiquatira e Hydra Fonte: Detalhe da Figura 3.3. Foto: Dan Levitis, 201130
Durante a década de 1980 na região da Penha foram implementados projetos urbanísticos de impacto regional e metropolitano. A canalização do córrego Tiquatira e a criação da avenida que o margeia, Avenida Governador Carvalho Pinto (Figura 3.7), ligando a marginal Tietê à Estrada de São Miguel (hoje Avenida São Miguel), foi uma obra que precedeu o Programa de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale – PROCAV I. Porém, a ênfase que foi dada ao projeto urbano e paisagístico, resultando no Parque Tiquatira, não encontrou continuidade quando das outras obras desse mesmo programa, podendo ser considerada uma exceção à prática estabelecida, onde o espaço público das áreas de várzea é dedicado exclusivamente ao leito carroçável. Ainda, numa escala micro, a inauguração do Viaduto Cangaíba (Figuras 3.8 e 3.9), em 1981, e a implantação do parque ao longo do Tiquatira (1988) provocaram uma maior integração dos distritos Cangaíba e Ponte Rasa ao tecido urbano da metrópole. Numa escala macro, a inauguração da Rodovia dos Trabalhadores (hoje Rodovia Ayrton Senna da Silva), em 1982, alternativa para o trajeto entre São Paulo, Vale do Paraíba e Rio de Janeiro, e a criação do Parque Ecológico do Tietê, indicaram uma nova inserção da Penha em escala regional. No caso das obras de retificação e canalização do Córrego do Franquinho, relativas ao PROCAV II, bem como a consequente abertura da Avenida Calim Eid, extensão da Avenida Governador Carvalho Pinto, optou‐se, diferentemente do projeto 30 Disponível em . Acesso: 24 janeiro 2016. 94
do Tiquatira, por suprimir quase que totalmente as faixas de margem de solo permeável, paralelas ao rio. Nesse sentido, o que deveria ser uma continuação de um espaço verde e uma área pública, conectando o rio Tietê aos distritos de Arthur‐Alvim e Itaquera, torna‐se uma barreira, um bloqueio, descontinuidade e fissura.
Figura 3.7 – Parque Tiquatira e colinas: à esquerda Cangaíba, à direita, Penha, 2012 Foto: Fernando Mascaro
Figuras 3.8 e 3.9 – Viaduto Cangaíba e o Tiquatira canalizado ‐ a colina da Penha e o viaduto, 1986 Acervo: Casa da Imagem
Atualmente, o Córrego Ponte Rasa, diferentemente de Tiquatira e Franquinho, não recebeu obra de infraestrutura determinante, mantendo em algumas de suas partes os meandros naturais que caracterizaram todo o conjunto da hidrografia paulista. Os três córregos, portanto, apresentam um objeto de análise rico em termos de diversidade quanto ao tratamento dos seus principais cursos d’água, e suas repercussões, tanto no conjunto da bacia, quanto no caráter das infraestruturas implantadas e consequente traçado. As sub‐bacias do Tiquatira, Franquinho e Ponte Rasa apresentam, portanto, um relevante contraste ao longo dos seus eixos, devido às diferenças entre uma série de 95
situações morfológicas. A hidrografia do Córrego Ponte Rasa, apesar de ter sido objeto de algumas obras pontuais de infraestrutura, conserva ainda seu traçado natural e de pequenos meandros, onde é possível observar áreas de margem abertas e com alguma vegetação, o que torna oportuna a possibilidade para um futuro projeto urbano, com um tratamento paisagístico na extensão de todo esse curso d’água. Uma intervenção que considere, com relação aos cursos d’água, um modo de ocupação dos fundos de vale diferente do que se estabeleceu até agora, donde as possibilidades de medidas de drenagem não estrutural, que incluem a concepção toda uma rede de espaços públicos e valorização da hidrografia e do relevo do sítio precedente não sejam preteridas em favor de obras de drenagem estrutural, na qual o traçado urbano ocorre prioritariamente em função de um leito carroçável destinado, predominantemente, aos automóveis. 3.2.1. A microbacia urbana como urbanismo de colinas
Uma abordagem oportuna para a análise de como se dá o processo de ocupação urbana de uma microbacia hidrográfica consiste em considerá‐la enquanto um conjunto de colinas. Mais especificamente, considerar o assentamento humano que se dá sobre a microbacia como uma ocupação urbana de colinas, encostas e fundos de vales. No contexto da colonização portuguesa da região de São Paulo, tal enfoque remete a toda uma tradição do fazer construtivo. Localizada como um entreposto do sítio histórico de São Paulo de Piratininga e os assentamentos coloniais de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, à norte, e São Miguel do Araraí, à leste, a ocupação da microbacia do Tiquatira na região da Penha principia como um urbanismo de colinas de tradição luso brasileira, conforme afirmam Lobo e Simões Júnior (2012, p. 17‐18): A expressão “cidade de colina” é de acepção luso‐brasileira, associada à tradição urbanística de se escolherem sítios elevados para a fundação de urbes. Pode ser entendida como decorrente de uma série de princípios e normativas norteadores da prática portuguesa, quando da criação de urbes novas, política esta aplicada tanto em Portugal, na época de reconquista de territórios aos mouros (a partir do século XVIII), quanto na política de expansão do império colonial português, ocorrida a partir do século XV em territórios da África, Ásia e América. [...] Difere, portanto, do entendimento de “ocupação de encostas”, expressão mais usualmente utilizada no Brasil, mas com significado mais distinto, pois em geral aplicada a urbanizações 96
informais como favelas e loteamentos ilegais. O termo encosta, na verdade, refere‐se a uma parcela específica da colina – a de suas laterais, não contemplando nem a área do topo, nem a da base da colina, que são precisamente os locais de maior interesse de estudo nas cidades de colina. É no topo que se situa a “cidade alta”, a “acrópole”, o território que é, na verdade, a parte mais relevante da ocupação urbana de Colina, onde se construíam as igrejas, os edifícios públicos e as residências senhoriais. Opondo‐se assim à “cidade baixa”, em geral junto à orla ribeirinha – onde ficava o porto, os estabelecimentos comerciais e as residências populares – firmando a dualidade cidade alta/ cidade baixa como o principal paradigma da urbanística portuguesa. [...] As encostas mereciam, portanto, um status secundário neste processo, uma vez que eram efetivamente ocupadas num momento posterior ao estabelecimento do núcleo urbano. [...] Razões de segurança e de visão estratégica da engenharia militar portuguesa recomendavam a escolha de sítios elevados para a fundação de urbes. As encostas eram efetivamente ocupadas a partir do momento em que a urbe ia se consolidando e as ligações viárias entre a parte alta e a baixa impunham a construção de ladeiras. É por essas ladeiras, em geral vencendo diagonalmente as curvas de nível, que pedestres, animais e veículos de carga transitariam, favorecendo assim a implantação de construções ao longo do trajeto e, desta maneira, induzindo a ocupação da encosta.
São os preceitos de uma tradição luso‐brasileira de construção de novas urbes, portanto, que vão definir os elementos fundadores de ocupação urbana da microbacia do Tiquatira. O topo da colina da Penha e a rota com os outros núcleos – seja por terra, pelo caminho dos tropeiros, seja por água, seguindo o curso do rio Tietê, apresentam‐se como os elementos originais de estruturação desse sítio. É a partir dessa estruturação original que se vai produzir o traçado urbano subsequente e local, rarefeito no início, mas que vai se multiplicando continuamente com o tempo, ocasionando ora mudanças de caráter nas suas partes ou conjunto, ora tendo sua resiliência demonstrada na resiliência de certos estratos. 3.2.2. Microbacia rural: o núcleo urbano original da colina da Penha
O primeiro descortinar da colina da Penha na história da colonização portuguesa do planalto paulista se dá no contexto das missões jesuíticas e bandeirantes, que principiam com a fundação do Colégio de São Paulo em 24 de Janeiro de 1554 (BONTEMPI, 1969; JESUS, 2006). A primeira missão consiste na bandeira defensiva de 1561, liderada pelo padre Manuel de Paiva e o bandeirante irmão Gregório Serrão, uma força ideológica de convencimento e persuasão dos povos ameríndios, visando sua catequização, e uma força 97
bruta de violência e dominação a fim de conquistá‐los e submetê‐los a um regime de escravização. Duas questões centrais para o sucesso deste assentamento se combinaram para fazer dessa colina – uma das quatro que compõem a bacia hidrográfica do Tiquatira, como o entreposto fundamental para conquista das terras à leste do sítio histórico de São Paulo de Piratininga. A primeira consistiu de uma necessidade não apenas de defesa local do assentamento, mas, sobretudo, de suas cercanias, a começar por “Piratininga”, ou seja, a área baixa das várzeas do rio Tamanduateí, e também mais além, nas planícies do Anhembi, nome pelo qual era conhecido o Rio Tietê. A segunda questão, inversamente, diz respeito à subida do rio, num movimento de avanço e ataque, no encalço e captura de índios, onde o serpentado Rio Tietê, não caudaloso, mas navegável, possibilitou a entrada estratégica no território. Conforme afirma Bontempi (1969, p. 15): Àquela época algumas outras bandeiras fazem a mesma subida do rio e contemplam a mesma Colina, lindeira das aldeias da Conceição dos Guarulhos e de São Miguel de Uraraí, operantes nas redondezas da Vila, umas para a defesa do Colégio, outras para o apresamento dos índios e ainda outras para catequizá‐los, e todas volteando o Outeiro ainda sem nome, mas já conhecido.
A ocupação da colina formou o núcleo urbano original que viria a caracterizar e agremiar os diversos assentamentos que principiaram por ocorrer na região da bacia hidrográfica do Tiquatira. Tal formação pode ser definida a partir de dois momentos precursores principais – formação e consolidação, e dividida em cinco fases (BONTEMPI 1969, p. 21‐104). A primeira fase consiste da formação de um assentamento rural, quando se inicia o descortinamento da colina da Penha, já descrito, que vai de 1560 a 1620. A segunda fase, das sesmarias precursoras, ocorre quando o bandeirante fixa‐se à terra e, por lavrá‐la, torna‐se colono. É ai que a bacia do Tiquatira passa, primeiramente, de um conjunto indiferenciado de colinas para uma propriedade rural, que vai ser utilizada a partir das suas condicionantes de relevo e hidrografia. A terceira fase, de fundação e consolidação, ocorre como um rápido interlúdio, entre 1668 a 1687, guardando uma idiossincrasia quanto à formação da sua identidade ou sentido histórico. Conforme afirma Bontempi (1969, p. 32): No caso da Penha, será muito mais fácil compreender o sentido de sua formação histórica se aprofundadas forem as suas origens lendárias. Aqui, 98
Lenda e História travam‐se intimamente no mesmo fenômeno do misticismo seiscentista, são as duas faces da mesma realidade etnográfica.
É na terceira fase de formação do bairro que se dá a lenda dos bandeirantes, evento que ocorreu periodicamente e ao qual pode ser definido, segundo Bontempi, como “auto‐ transladação indicativa” (p.34). A versão mais comum da lenda conta sobre um viajante francês que levava consigo uma imagem da Virgem trazida de sua pátria natal, que pernoitou na sesmaria do bandeirante licenciado Mateus Nunes de Siqueira, onde também estava o padre Jacinto Nunes de Siqueira e Domingos Leme. Após sua partida, o viajante percebeu que a Virgem não estava com ele, e voltou à buscá‐la. Tendo‐a encontrado, partiu novamente, porém, mais uma vez, a Virgem não estava consigo e, tendo retornado de novo ao lugar prévio, notou que o evento se repetira. Assim, conforme afirma Arroyo (1954, p. 174‐175), o viajante: Homem de fé profunda, reconheceu, nesse fato, que a Virgem escolhera a Penha para seu trono e morada. Construiu‐lhe uma pequena capela no lugar escolhido pela mão de Deus. A notícia correu e o povo, aos poucos começou a venerar a imagem miraculosa, e paulatinamente o bairro começou a popular‐se, de sorte que em 1796, a Penha pode ser elevada à categoria de paróquia, desmembrada da Freguesia da Sé.
Contudo, Bontempi reitera que o nome da Santa de São Paulo resultou da paulatina alteração do vocativo francês “Notre Dame de France” (1969, p.63). De todo modo, tal evento passou a ser conhecido como invocação à Nossa Senhora Penha de França e, entre a lenda e a história, o que se pode inferir dessa narrativa é a consolidação de um marco religioso que teria por função institucionalizar uma das duas instâncias de poder31, segundo as quais se organizou a progressiva ocupação desse território. Assim, pode‐se dizer que a origem jesuítica e bandeirante de muitas vilas e povoados teve esse duplo aspecto, de principiar por um curral e uma ermida, onde o culto à Virgem ou Nossa Senhora congregava o nome do conjunto de povoações fundadas nessa região. A fundação da freguesia Nossa Senhora Penha de França é circunstancial enquanto evento fundador de um modo de vida calcado nas diretrizes e fundamentos ditados pela Igreja Católica Apostólica Romana, cujas estruturas e práticas concretas “estabeleceram as relações de compadrio, de parentesco, de vizinhança, com toda a cumplicidade que implicam” (JESUS, 2006, p.17). Por um lado, em termos regionais, havia uma hierarquia de 31 A outra estância de poder, militar, era desempenhada pelos bandeirantes. 99
mando, centrada na supremacia eclesiástica e no poder do papado; por outro, no aspecto local, as paróquias e freguesias circunscreveram um plano de existência cotidiana nos bairros em que eram fundadas, orientando os costumes, a moral e mesmo a ordenação física do lugar.
Figura 3.10 – Freguesia da Penha, entre São Paulo e o aldeamento de São Miguel do Ururaí Fonte: elaborado pelo auto (ref. Jesus, 2006, p. 30)
O segundo momento precursor da ocupação da microbacia do Tiquatira a partir do outeiro32 da Penha caracteriza‐se pelas seguintes fases: a quarta fase, com integração do povoado às ordens e posturas da Câmara de São Paulo, entre 1687 a 1796 (Figura 3.10), e a quinta fase, com caracterização civil, entre 1796 a 1901, quando o bairro torna‐se freguesia e assume um caráter próprio e peculiar. Podemos, assim, utilizar esses dois momentos precursores – formação e consolidação, divididos em cinco fases distintas, para caracterizar 32 Altar, do latim autāre. 100
o sítio urbano da região da Penha que primeiro se assentou em uma das colinas da microbacia do Tiquatira.
Quadro 3.1 – Fases de formação e consolidação da região da Penha Fonte: elaborado pelo autor
Entre os séculos XVII e XIX, a colina se tornaria caminho obrigatório para bandeirantes, tropeiros e viajantes que se deslocavam entre São Paulo, Vale do Paraíba e Rio de Janeiro. A colina da Penha (Figura 3.11), situada às margens do rio Tietê e cercada pelos ribeirões Aricanduva, Guaiaúna e Tiquatira, seria “um pouso ameno e aprazível” (SANTARCANGELO, 2005), de onde se descortinava toda a Vila de São Paulo de Piratininga. A condição de lugar de passagem transformaria a colina em pouso para os viajantes, com serviços de comércio e aluguel de animais de carga e montaria, hospedagem, alimentação e fornecimento de viveres.
Figura 3.11 – Vista da Colina da Penha com o rio Aricanduva em primeiro plano, 1817 Aquarela: Thomas Ender
101
O desenvolvimento dos núcleos originais da cidade de São Paulo – Penha, Freguesia do Ó, Santana e Pinheiros, complementares e concomitantes ao centro histórico, teve por aspecto comum este fator de atração propiciado pela disposição de um equipamento de serviços diferenciado, ainda que fosse considerado modesto. Este processo é descrito por Langenbuch (1971, p. 128): Uma vez definida a vocação da área, em termos mais amplos, como propícia à expansão urbana, caracterizaria os antigos povoados como pontos mais convenientes do que áreas vizinhas, onde nada havia que pudesse servir aos moradores iniciais. [...] Nas décadas seguintes tais processos de polarização suburbana, em torno de povoados aparentemente insignificantes, serão bastante comuns.
De todo modo, até meados do século XIX, a Penha era um bairro rural, um aglomerado economicamente isolado da Vila de São Paulo33, de pequena população, com algumas casas de taipa ao redor da capela, algumas vendas e serviços. E para além do pequeno núcleo existiam lavouras e pastagens, onde se desenvolvia uma prática agropastoril de subsistência. O excedente dessa produção era comercializado com o centro da Vila de São Paulo, à qual chegava no lombo de mulas. Segundo Jesus (2006, p. 82): A prática agropastoril dos camponeses penhenses era favorecida pela presença de água em abundância, de solo fértil, de clima favorável e de pastagens naturais. O que permitia aos pequenos proprietários da região plantar cana de açúcar, algodão, vinha, trigo, mandioca, milho, café, hortaliças, entre tantos outros, e criar gado bovino, porcos, aves, equinos, mulas para transporte.
Em suma, as condicionantes espaciais garantiram à região da Penha certa autonomia em relação ao centro de São Paulo, e primeiro se consolidaram na microbacia do Tiquatira enquanto conjunto de propriedades rurais, ao mesmo tempo em que o topo da colina da Penha era considerado como centro religioso da região. Esse ajustamento determinou tanto os processos sociais que dinamizavam o território, quanto os produtos espaciais resultantes desse modo de produção, hegemônico na colônia, fundado basicamente em um patriarcado rural e caracterizado por processos sociais de subordinação e acomodação (FREIRE, 1936, p. 11). A chegada da ferrovia vai alterar profundamente este quadro, levantando a questão: quais foram os aspectos determinantes ocasionados pela implantação da ferrovia neste 33 Separados por uma distância de aproximadamente dez quilômetros, passando pelo vale do rio Aricanduva, caminho do Tatuapé (atual Av. Celso Garcia), várzea do rio Tamanduateí e ladeira do Carmo. 102
contexto, ao mesmo tempo vetor de crescimento urbano e industrial, e como estes transformaram a região? 3.2.3. Microbacia urbana: a implantação da infraestrutura ferroviária
A partir do século XIX, toda a província de São Paulo, até então predominantemente rural, será impactada por dois eventos determinantes, um político e um técnico. O primeiro, em 1822, ocorre a mudança de regime do Brasil, e a vila colonial de São Paulo se torna cidade imperial. Na transição para o Império, o centro de gravidade desse modo de produção desloca‐se, paulatinamente, para as cidades, que se tornam "um ambiente incipiente conflitos e diferenciações, com novas subordinações" (FREIRE, 1936, p. 15). Segundo, a inauguração da ferrovia estadual São Paulo Railway Company, 1867, frente à expansão do ciclo econômico do café. A ferrovia, que ligava São Paulo ao interior da província, também alcançava o porto de Santos, no litoral. Infraestrutura de caráter regional, sua implantação foi impulsionada pelo sucesso da então economia cafeeira de exportação no interior paulista, atividade essa que determinou as mudanças políticas na passagem do Brasil colônia para o império, bem como a consolidação da conquista do planalto paulista pela cultura da civilização ocidental: Essa história começa com um silvo de trem. São Paulo estava deixando de ser uma cidade de tropeiros. Agora, o café chegava a Santos mais rapidamente. A viagem de fazenda para a capital é rápida e confortável. Será possível, sem grande transtorno, passar parte do ano em São Paulo e, por que não?, morar na capital (TOLEDO, 1981, p. 78).
Em 1875, foi inaugurado o trecho da ferrovia entre São Paulo e Mogi das Cruzes (Figura 3.12), chamada na época de Estrada do Norte de São Paulo, que passou a servir vários bairros à leste do centro, sendo um deles a Penha. Em 1890, por não apresentar lucros significativos, a ferrovia foi resgatada pelo Governo Federal Provisório e incorporada à Estrada de Ferro Central do Brasil. Conforme afirma Jesus (2006, p. 90‐91): Na Penha, os trilhos da Central do Brasil primeiro foram assentados sobre as várzeas de dois tributários do rio Tietê, os rios Aricanduva e Guaiaúna, local onde foram instaladas as duas estações Carlos de Campos, na várzea de contato entre os dois rios, e Vila Matilde, na várzea do rio Guaiaúna. [...] Da estação ferroviária Carlos de Campos partiu o ramal da Penha. Esse 103
tinha aproximadamente um quilômetro. Iniciava‐se logo após a estação, fazia uma curva para o norte e subia aproximadamente trinta metros de inclinação em direção ao topo da colina da Penha. Seu ponto final era a Estação da Penha que se encontrava aproximadamente a 150 metros das portas da antiga matriz da Nossa Senhora Penha de França. [...] A construção do ramal da Penha era justificada pelo grande fluxo de romeiros em finais de semana durante as festividades na localidade.
Figura 3.12 – Estação Guaiaúna, com fábrica ao fundo, 1940 Acervo: Memorial Penha de França
A implantação da ferrovia ocasionou uma valorização dos terrenos das áreas de várzea, razão essa também pela qual o ramal da Penha adquiriu um caráter economicamente estratégico de integrar a colina a esse novo circuito de desenvolvimento imobiliário (Figura 3.13). Em consonância à nova tecnologia, foi instituída a primeira legislação de posturas relativas à mensuração e regularização dos lotes, na qual a diretriz básica concernia ao alinhamento imediato das terras de ordem comunal. Segundo Jesus (2006, p. 76‐77): Definir os limites e propriedades dos terrenos era fator primordial para o processo de urbanização. Sem esses limites não se poderia arruar. [...] O alinhamento, que definiu os limites entre o público e o privado, proporcionou grande expectativa de valorização contínua e rápida das terras paulistanas. [...] Assim, muitos terrenos foram conservados e mantidos fora do mercado na expectativa de uma futura valorização. E esta valorização sempre acabava correlacionada a instalações de infraestruturas como, por exemplo, as vias férreas. 104
Figura 3.13 – Palacete Rodovalho, igreja da Penha e a passarela de acesso ao ramal ferroviário, 1905 Acervo: Memorial Penha de França
A presença da ferrovia nas planícies do rio Tietê estimulou a implantação de olarias e indústrias de mineração, ambas atividades de extração e transformação de material geológico das áreas de várzea, afim de atender a crescente mercado de material de construção local. Sobrepondo‐se aos assentamentos rurais da região, principiou‐se uma ocupação ao longo da linha férrea, articulada à nova demanda produtiva que se consolidava, urbana e industrial, por conta da reconfiguração do território estimulada pela infraestrutura ferroviária. Por outro lado, no caso das colinas do Tiquatira, essa nova dinâmica impactou algumas atividades econômicas anteriormente estabelecidas, principalmente as que se beneficiavam dos viajantes e transeuntes que passavam pelo caminho de São Miguel: As ferrovias provocaram uma valorização das faixas de terra por elas percorridas em detrimento daquelas que ladeavam estradas de tropa, anteriormente privilegiadas. [...] Os aglomerados prejudicados, sem nunca terem sido muito progressistas, viram as suas possibilidades de desenvolvimento bastante tolhidas (LANGENBUCH, 1971, p. 149).
A progressiva implantação da linha férrea Central do Brasil, a partir da segunda metade do século XIX, terá uma série de implicações que poderão ser observadas tanto no conjunto da cidade de São Paulo quanto na região da Penha. No caso desta, observa‐se uma 105
permanência da maior parte das chácaras produtoras de hortifrutigranjeiros até a década de 1920. Porém, a partir daí, a indução de crescimento urbano proporcionado pela ferrovia favoreceu também uma ocupação de uso industrial e de habitações proletárias e populares, sendo que todo este complexo instalou‐se nas áreas de planície aluvial do Tietê e seus afluentes. Nas palavras de Jesus (2006, p. 87): Assim, como meio de transporte de pessoas e mercadorias, a ferrovia tornou‐se importante agente reorganizador do espaço paulistano. Sua implementação resultou em: alterações nos traçados de antigos caminhos; alterações nas rotas e na tipologia dos meios de comunicação com a cidade; nova configuração dos aglomerados urbanos; ocupação de novas áreas e ampliação dos limites da cidade; necessidades de novas infraestruturas como iluminação pública e calçamento de vias; com a possibilidade e intensificação do trabalho distante de casa, proporcionou mudança na rotina de vida dos moradores; deslocamento de serviços e descentralização das funções antes atribuídas somente ao centro da cidade; facilitou a especulação imobiliária e a valorização da terra como mercadoria; representou um importante agente de mudanças no bojo das relações sócio‐espaciais e econômicas das localidades por onde adentrava.
Em 1926 foi inaugurada a variante Poá da ferrovia Central do Brasil, bifurcando à nordeste do ramal principal, antes da estação Guaiaúna e margeando as colinas da Penha e do Cangaíba, seguindo pela várzea do rio Tietê até a cidade de Mogi das Cruzes, onde tornava a se encontrar com o ramal principal. Assim, pela primeira vez, o conjunto das quatro colinas constituintes da microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira encontrava‐se envolto por um sistema infraestrutural ferroviário, que viria a impulsionar a ocupação dos fundos de vale. No entanto, o ramal da Penha, que primeiro fortaleceu a centralidade da colina frente às novas prerrogativas de transporte, perdeu importância com a chegada dos bondes elétricos na região, em 1902, e foi desativado em 1904. Segundo Jesus (2006, p.119): Tamanha foi a importância das linhas de bonde que, mesmo sendo morosos, proporcionaram uma intensa valorização das áreas próximas à Avenida Celso Garcia e também a extinção do ramal da Penha da Central do Brasil. As linhas de bondes elétricos que se dirigiam à Praça Oito de Setembro, no centro da Penha, cortavam, em seu percurso, bairros industrializados como o Brás e o Belém e terminavam (ou iniciavam) na atual estação Roosevelt.
Até a década de 1930 havia poucos loteamentos na Penha e os existentes, por exemplo, Vila Esperança e Vila Guilhermina (Figuras 3.14 e 3.15) tinham o aspecto de muitos dos loteamentos operários na cidade: ruas de terra, casas dispersas, hortas para consumo 106
particular, falta d´água, pequenas igrejas e população imigrante. Para Langenbuch (1971, p. 203): O caráter pouco compacto da cidade contínua visível, porém a maioria dos antigos bairros isolados se vê ligada entre si ou à cidade por novos loteamentos. Assim, por exemplo, a Penha se acha quase ligada à cidade por uma série de loteamentos, se bem que os vazios não tenham desaparecido totalmente.
Figura 3.14 – Vila Guilhermina, 1942 Acervo: Memorial Penha de França
Figura 3.15 – Vila Esperança, 1942 Acervo: Memorial Penha de França
Com a ferrovia e os bondes, as relações comerciais entre o centro e o bairro da Penha se intensificaram: a produção de hortifrutigranjeiros das chácaras da colina chegava aos mercados do centro de São Paulo por trens e bondes. Para grande parte da população, o bonde era o transporte prioritário, pois ia do topo da colina até o centro da cidade, ao contrário do trem, situado no sopé da colina e que só chegava até o bairro do Brás. À medida que a relação centro ‐ bairro se intensificava, os sistemas produtivos locais se alteravam: a agricultura familiar deu lugar à assalariada e as chácaras foram progressivamente loteadas, forçando a migração dos espaços de cultivo para áreas mais distantes. 107
3.2.4. Microbacia metropolitana: o sistema automobilístico
A consolidação do sistema de bondes na cidade de São Paulo se deu quase que simultaneamente à outro modal de transporte, o ônibus (Figura 3.16). Em 1935, já havia 62 linhas municipais, número superior ao de linhas de bonde. A chegada desse modal teve impacto direto na expansão da ocupação urbana da Zona Leste de São Paulo, com ônibus ligando a Penha ao Centro de São Paulo e a Guarulhos, Vila Esperança, Vila Matilde, Jardim Popular e São Miguel Paulista, estruturando relações funcionais entre os “subúrbios‐ estação” (LANGENBUCH, 1971, p. 228), onde o adensamento urbano residencial é determinado em função da ferrovia.
Figura 3.16 – Rua Padre Antônio Benedito, 1979 Acervo: Memorial Penha de França
Na Penha, a partir da década de 1930 e no contexto da cidade de São Paulo, se torna cada vez mais explícita a escolha por um modal determinante para sua expansão, no caso o modelo rodoviarista baseado no automóvel, seja individual ou coletivo. Segundo Franco (2005, p. 147): A máquina automotiva concretiza o desejo de liberdade e mobilidade ilimitada. Permite uma nova comunhão com a natureza a partir do momento em que viabiliza o acesso aos locais onde os sistemas restritivos não chegam. Proporciona uma possibilidade de se afastar, momentaneamente, da grande cidade. O automóvel inicia, portanto, uma nova etapa de construção da autonomia do ser humano em relação às formas de estar no espaço. Foi um passo importante para a construção de 108
uma condição de independência, iniciada pelo sistema de locomoção e, posteriormente, complementada pelas telecomunicações.
A escolha desse modelo rodoviarista, junto com a expansão industrial, vai impactar profundamente o conjunto da região da Penha, lançando as bases para a transformação do território, antes predominantemente rural, em urbano e metropolitano. A ocupação das colinas do Tiquatira, impulsionada pelos dois modais de transporte, trem e ônibus, e pela progressiva implantação das infraestruturas ferroviárias e viárias, ocasionou uma dinâmica imobiliária na qual várias chácaras que compunham o quadro rural da região passaram ora a ser loteadas para habitação, ora convertidas em plantas industriais. Nas bases e encostas das colinas assentaram‐se populações de baixa ou nenhuma renda, enquanto o topo da colina da Penha, especialmente, concentrava boa parte dos equipamentos institucionais, comerciais e de serviços que a diferenciavam das outras colinas circundantes. Porém, esse avanço na capacidade de mobilidade e a expansão das áreas ocupadas e da população da região não se converteram automaticamente em incremento do conjunto de infraestruturas urbanas, como observa Jesus (2006, p. 143‐159): Até os anos trinta, ainda predominava a população carente, vivendo em residências simples, à beira de estradas de terra poeirentas no inverno e lamacentas no verão, casas de taipa de chão pisado, sem eletricidade, com água de poço entre plantações e animais domésticos soltos. [...] Era, assim, um subúrbio que mesclava posturas e elementos modernos, que se estabeleciam conforme as necessidades dos seus moradores de vanguarda e que tentavam reproduzir nas localidades os confortos e maneiras de viver dos seus correlatos na cidade de São Paulo, com posturas e elementos vinculados ao seu passado rural. Este é o caráter essencial do subúrbio penhense, a transição entre rural e urbano.
A partir da década de 1930, com o incremento dos processos de industrialização e urbanização implicaram novas formas de sociabilidade, que em muito diferia da concepção católica e tradicional que havia anteriormente caracterizado e orientado as dinâmicas do antigo núcleo rural. Agora, em contraposição, despontava a Era do cinema e do rádio, do footing aos fins de semana, dos esportes. O futebol invadia todos os espaços: portas de fábricas, quintais, ruas, terrenos e várzeas. Além do futebol, muito do lazer dos paulistanos estava nas várzeas e nos rios: piqueniques, brincadeiras, passeios de barco, remo, natação. Os inúmeros rios garantiam a diversão, e a Penha se tornaria famosa pelo “côcho do Tietê”, a primeira piscina do rio, criada no Centro Esportivo da Penha (Figura 3.17), em 1929: 109
O desenvolvimento de atividades esportivas na Penha apresentou‐se como reflexo da modernização das práticas sociais presentes nos processos de industrialização e urbanização da cidade de São Paulo. Acreditamos que tais práticas ao mesmo tempo em que reforçavam as relações sociais da localidade, também proporcionavam a desestruturação dos antigos valores sociais estabelecidos ao longo de séculos. Assim como aconteceu com o cinema, o esporte passou a inserir novos conteúdos na vida cotidiana da localidade e mostrou‐se eficiente na capacidade de centralizar práticas sociais. [...] Na Penha dos anos de 1930, entre os esportes mais praticados se destacavam o futebol varzeano, a natação, a molha, a bocha e o remo (JESUS, 2006, p. 152).
Figura 3.17 – Centro Esportivo da Penha, 1934 Acervo: Memorial Penha de França
Com a expansão dos loteamentos, os ônibus se fortaleceram como transporte coletivo ‐ pois o bonde só chegava ao centro da colina ‐ e firmaram a tendência à dispersão. A Penha tornou‐se o ponto de chegada e saída de ônibus que acessavam localidades vizinhas, como Guarulhos e São Miguel Paulista, onde não havia trens ou bondes. Ao longo das vias que levavam a essas localidades, como as Avenidas Amador Bueno da Veiga, Gabriela Mistral e Cangaíba, surgiam mais loteamentos. A condição de ponto de ligação com outras localidades transformaria a Penha progressivamente em um sub‐centro, provocando crescimento e diversificação do comércio e serviços que, até meados do século XX, voltaram‐se ao turismo religioso. 110
Até a década de 1940, parte da atividade agrícola sobrevivia nas várzeas (Figuras 3.18), onde o capital imobiliário ainda não via vantagens para investir (Tiquatira, baixo Aricanduva, oeste da Estrada do Cangaíba, Vale do Guaiaúna e parte da planície da Av. Celso Garcia). Havia ainda outras atividades econômicas consolidadas nas várzeas do Tietê, como portos de extração de areia e cascalho, olarias, estaleiros para construção e manutenção de barcos (Figura 3.19).
Figura 3.18 – Zona Agrícola do Vale do Tiquatira, cheia do Rio Tietê, 1941 Acervo: Memorial Penha de França
A partir daí, o processo de metropolização da cidade de São Paulo, fruto de uma compactação da área edificada (LANGENBUCH, 1971, p. 276) e consequente conurbação urbana, vai se constituir como um momento de significativa transformação da paisagem, no qual as relações centro e periferia vão se sobrepor, por meio de uma rede viária cada vez mais consolidada, baseada principalmente no automóvel e no caminhão. Segundo Jesus (2006, p. 181): Na década de 1940, as velhas tradições culturais da localidade, estabelecidas durante a constituição do bairro rural, que se mantiveram, apesar das mudanças ocorridas com o avanço da urbanização e a transformação da Penha em subúrbio, entram em franca decadência, somada ao fim do isolamento físico e do uso rural do solo da localidade, decorre a integração da Penha à cidade de São Paulo – agora como bairro paulistano propriamente, para, na década de 1950, deixar de se comportar como unidade, isto é, perde gradativamente sua identidade para transformar‐se em fragmento de metrópole. 111
Entre as décadas de 1950 e 1980 a população da região da Penha (compreendendo Arthur Alvim, Cangaíba, Penha e Vila Matilde) passaria de 105.000 para 475.000 habitantes (JESUS, 2006). A intensa industrialização da cidade de São Paulo, as correntes migratórias e o modelo urbanístico adotado por sucessivas administrações, intensificariam a dicotomia centro‐periferia, a ausência de infraestrutura e ocupação proletária e irregular.
Figura 3.19 – Atividades Econômicas nas várzeas do Tietê na região da Penha, 1941 Acervo: elaborado pelo autor (ref. documento Memorial Penha de França)
112
Durante esse período, a Penha viveria a consolidação decorrente das transformações ocasionadas pela política rodoviarista do prefeito Francisco Prestes Maia. As avenidas de ligação entre a Penha e o centro (Rangel Pestana e Celso Garcia) já enfrentavam grandes congestionamentos. A solução adotada por Prestes Maia foi a criação de uma via axial que cruzaria todo o eixo leste da cidade até o centro, a Radial Leste. As obras foram iniciadas em 1957, mas só em 1966 a Radial Leste34 alcançaria a região da Penha. Boa parte das áreas utilizadas para a construção da avenida fazia parte da faixa patrimonial da Estrada de Ferro Central do Brasil, o que facilitou sua construção. A implantação dessa via estimularia a especulação imobiliária e a ocupação da região leste, que se tornaria a mais populosa da cidade. Em 1957, com a retificação do rio Tietê, também seria concluída a Marginal Tietê35, via expressa margeando o rio, que interligaria as regiões oeste, norte e leste da cidade. Na década de 1970, segundo Jesus (2006), apenas 40% das ruas da região eram asfaltadas, os sistemas de ensino, saúde e transporte eram precários e o saneamento básico deficiente. As migrações e o loteamento de todos os terrenos disponíveis provocaram a fixação da população pobre em favelas, sob viadutos, na beira de córregos, em áreas sujeitas a erosão – ao longo do Córrego Tiquatira, trechos da Avenida Gabriela Mistral, sob o viaduto Cangaíba, ao longo da avenida Assis Ribeiro e trechos da Av. Cangaíba (SANTARCANGELO, 2005). Com a extinção das chácaras, a criação de um centro de abastecimento de hortifrutigranjeiros passou a ser uma reivindicação dos moradores, o que levou à criação do Mercado Municipal da Penha, em 1970. Nesse ano, também foram inaugurados o Teatro Martins Penna e o Centro Cultural da Penha, um dos equipamentos culturais ainda hoje relevantes na região. Em 1986, foi inaugurada a estação Penha do metrô, ao lado do ramal ferroviário já existente e como parte da primeira linha que se direcionou para a zona leste da cidade. Na 34 A Radial Leste é, depois da Marginal Tietê, o principal eixo viário de conexão entre a Zona Leste e a Zona Central. No sentido oeste‐leste, é composta pela Avenida Alcântara Machado, pela Rua Melo Freire, pela Avenida Conde de Frontin, pela Avenida Antônio Estevão de Carvalho, pela Rua Dr. Luis Aires, até chegar ao Terminal Corinthians Itaquera. Na sequência, continua como Avenida José Pinheiro Borges, depois Rua Copenhague, quanto encontra a Estrada de Poá. 35 A Marginal Tietê é uma via expressa que conecta as Rodovias Presidente Castelo Branco, Anhanguera e Bandeirantes, à oeste, e as Rodovias Presidente Dutra e Ayrton Senna da Silva à leste. Além das pistas expressas centrais, a Marginal Tietê se conecta à várias avenidas paralelas à via expressa, e é transposta por diversas pontes. 113
década de 1980, o bairro começou a se verticalizar, com o surgimento de muitos prédios residenciais e comerciais, além de condomínios fechados. Na década de 1990, observa‐se uma mudança significativa na colina da Penha, fruto de um aumento dos índices de ocupação do solo, com construções muito mais altas do que as tradicionais edificações de um a dois pavimentos. O outeiro, antes marco indiscutível na topografia, começava a ser escondido pelos prédios (Figura 3.20). Em 1992, na região central da Penha, inaugurou‐se o Shopping Penha, no lugar do antigo terminal de ônibus. O metrô e o shopping reforçaram a identidade da região, que é hoje um dos maiores centros comerciais da zona leste da cidade. O terminal, por outro lado, foi transferido para terreno adjacente ao do mercado municipal, mantendo a conexão intermunicipal com o município de Guarulhos e com outros bairros da Zona Leste, rota consolidada pela implantação da Avenida Governador Carvalho Pinto, em 1988.
Figura 3.20 – Colina da Penha, 2014 Foto: André Lopes36
A abertura da Avenida Governador Carvalho Pinto junto com a retificação do Córrego Tiquatira foi uma experiência relevante para as intervenções em fundos de vale, pois, junto com essas duas obras de infraestrutura, foi previsto um equipamento de uso público – o Parque Tiquatira, que contou com a realização de projeto paisagístico encomendado pela Secretaria Municipal de Planejamento ‐ SEMPLA. O próximo item do capítulo vai discutir as 36 Disponível em . Acesso: 26 novembro 2015. 114
transformações na microbacia do Tiquatira a partir dessa intervenção e das situações que derivaram desta, assim como os impactos e conflitos que foram ocasionados nessa porção de território. 3.3. A TRANSFORMAÇÃO DOS FUNDOS DE VALE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA O Programa de Aproveitamento de Fundo de Vale do Córrego Tiquatira, apresentado pela Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura do Município de São Paulo – TIQUATIRA SEMPLA, em 1984, pode ser considerado um projeto emblemático e, ao mesmo tempo, de exceção, para a série de obras que viria a caracterizar o então Programa de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale – PROCAV I, lançado em 1987. No contexto do processo histórico da cidade de São Paulo, a canalização dos cursos d’água consagrou‐se como o modo de intervenção predominante realizado nas ocupações de fundos de vale. Desde a retificação do Tamanduateí no começo do século XX até a canalização dos rios Tietê e Pinheiros e abertura das vias marginais, na segunda metade do século, a partir de 1950, o que se observa é a transformação dos fundos de vale em um sistema articulado de transportes e drenagem: A urbanização de São Paulo dá‐se sobre um sítio caracterizado pela compartimentação marcada por colinas e fundos de vales. Estas compartimentação apresenta‐se tanto na escala macro onde os rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí definem os grandes compartimentos, quanto nas escalas menores em que os córregos, hierarquicamente, vão compondo um sistema intrincado de colinas e fundos de vale. [...] No entanto, com a política municipal de canalização dos córregos e utilização dos leitos para a implantação do sistema viário, a ocupação do sítio urbano deu‐se sem a diferenciação dos compartimentos com a decorrente impermeabilização exacerbada do solo e a modificação de todo o sistema de drenagem. As intervenções no sistema de drenagem sem uma solução global integrada resultaram no agravamento das enchentes que se disseminam em toda área urbana. (SÃO PAULO, 1984, p. 6).
O diagnóstico realizado pelo Programa contemplava toda a microbacia, porém, curiosamente, somente sua área de foz, ou seja, a sub‐bacia do Córrego Tiquatira foi objeto 115
de análise e intervenção, sendo que os córregos que constituem suas duas nascentes – Franquinho e Ponte Rasa, não foram objeto de nota. Essa dicotomia entre as três áreas da microbacia perdura até a atualidade, uma vez que esse primeiro conjunto de intervenções veio a se configurar como exemplo notório em termos de articulação entre obras de infraestrutura e as chamadas Áreas de Proteção Permanente37. Este parâmetro definiu que áreas de mananciais e compartimentos específicos de coberturas vegetais deveriam ser objeto de preservação e restritivas com relação à ocupação urbana, entre elas as orlas ribeirinhas, que deveriam ter uma faixa mínima não edificada e predominantemente permeável entre 15 e 40 metros para cada lado eixo principal do rio, ou seja, a linha de talvegue. Desse modo, a intervenção do Tiquatira resguardou um mínimo de proporção entre leito viário, uma média de 50 metros de espaços públicos e áreas de drenagem, no conjunto da ocupação desse fundo de vale. Segundo o projeto piloto, tais ações seriam factíveis de implantação em outras áreas similares: Se analisadas as propostas de intervenção efetuadas para o Fundo de Vale do Tiquatira, pode‐se concluir que também se viabilizam ao serem implementadas em outros locais, mesmo que em córregos de menor porte e que não apresentam níveis de enchente tão críticos. Aliás, isso seria recomendável, uma vez que esta iniciativa revestir‐se‐ia também de um caráter preventivo. (SÃO PAULO, 1984, p. 5).
Atualmente, existe uma concordância quanto à defasagem que havia entre a legislação proposta para as áreas de preservação e a realidade: na década de 1980, uma parcela considerável das margens dos cursos d’água já se encontrava ocupada por assentamentos precários, habitados por populações de baixa ou nenhuma renda. Em 1984, só na microbacia do Tiquatira, nove áreas foram mapeadas como sendo favelas ou invasões: Outro fator que compromete as áreas de fundo de vale no Município são as invasões por favelas, com a decorrente problemática urbana, desde as condições precárias de habitação até o impedimento da limpeza dos córregos com o agravamento dos pontos de enchente. (SÃO PAULO, 1984, p. 6).
Desse modo, é possível perceber que o que estava implícito no modus operandi do projeto piloto Tiquatira era um melhor aproveitamento e otimização da área do fundo de vale da sub‐bacia, definida a partir de quatro demandas: 1) saneamento do Córrego 37 Marco regulatório instituído, primeiramente, a partir da Lei Federal 4.771/ 1965, o então Código Florestal. 116
Tiquatira, com a instalação de coletores troncos de esgoto em função da sua compartimentação e retificação; 2) melhor controle da drenagem dos períodos de cheia, devido à precipitação de águas pluviais; 3) a remoção de parte da população assentada nas planícies aluviais, definidas como áreas de risco por conta das cheias do rio; 4) implantação de leito carroçável, ligando uma via estrutural da metrópole, a marginal Tietê, com outra importante via de ligação regional, a Avenida São Miguel, antigo caminho dos tropeiros. É nesse contexto que se dá uma das apresentações públicas do projeto, conforme afirma Marques (1988, p. 10‐11): A atenção para o Tiquatira nasceu na gestão do prefeito Mário Covas. Na época, a Secretaria de Vias Públicas pretendia manter o córrego no leito existente, com pequenas correções, aumentando o canal, mantendo‐o livre e deixando que inundasse as margens (desapropriadas), para que o fluxo do Tietê fosse retardado. [...] Porém, diante da preocupação com invasões na área desapropriada, foi recomendado aos projetistas que as vias encostassem ao máximo nas áreas lindeiras. A área interna, perto do córrego, ficaria aos cuidados de associações de bairro. Essas diretrizes eram comuns às Secretarias de Vias Públicas e de Planejamento, controladoras dos projetos. No desenrolar dos estudos, a SABESP entrou em contato com as secretarias solicitando que o córrego fosse canalizado, adequando o projeto à instalação de coletores de esgoto ao longo da via. Além disso, previa‐se que, caso não fosse canalizado, o córrego poderia transformar‐se em depósito de objetos por parte da população ribeirinha, o que implicaria em desassoreamentos periódicos. Decidiu‐se então, já na atual administração, canalizá‐lo e construir duas vias expressas de 3 km de extensão, com três faixas de três metros cada uma.
Conforme se nota, a questão da canalização do córrego foi uma prerrogativa, assim como a construção das vias de leito carroçável, no sentido de equacionar as demandas identificadas. Também se ouviu do arquiteto Sérgio Teperman, responsável pelo projeto urbanístico encomendado pela SEMPLA, em visita e entrevista realizada no começo de 2015 38
, que a implantação do parque se deu nesse meio fio entre a canalização do córrego e a
abertura de vias de fundo de vale39. Deve se ressaltar essa questão frente ao desenho urbano do Parque Tiquatira, a fim de entender a sua especificidade (Figura 3.21). Na 38 Atividade realizada pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas: Design, Arquitetura, Planejamento e Paisagem. 39 Vale ressaltar que a canalização da foz do Tiquatira, no trecho de encontro com o Rio Tietê até a altura da Avenida Gabriela Mistral, que implicou também na obra do antigo Viaduto General Milton Tavares de Souza, hoje Ponte Domingos Franciulli Netto, bem como o Viaduto Cangaíba, constituíram um conjunto de obras preliminares, uma vez que o Viaduto Cangaíba foi construído em 1981 e o então Viaduto Domingos já se encontra em obras em 1984. 117
atualidade, não se encontra exemplo similar de tal prática no tratamento dos fundos de vale, tanto no município de São Paulo como noutros da metrópole, pois nenhuma intervenção se igualou a essa em extensão linear. O Parque Tiquatira destacou‐se como um novo equipamento para a cidade, que propiciou uma área maior de espaço público, ao mesmo tempo em que garantiu uma configuração preventiva quanto à drenagem e ao saneamento dessa área de várzea. Inversamente, a cidade, assumindo um aspecto regional, condiciona a localidade do Parque, priorizando um sistema de transportes orientados para um aumento do leito carroçável e maior vazão de automóveis (Figura 3.22), conforme afirma Marques (1988, p. 12): “Os diversos setores que compõem o parque resultaram dos trechos em que a área foi seccionada pelo plano viário, correspondendo às quadras que foram criadas pelas intersecções entre as vias marginais”. Atualmente, o Parque do Tiquatira é o principal elemento de interface entre os distritos da Penha e Cangaíba, uma vez que está instalado em todo o eixo de fundo de vale que conjuga ambas as colinas. Porém, ainda que possua características adequadas à uma obra de fundo de vale, mantendo uma faixa exclusiva predominantemente permeável e contando com densa vegetação40, apresenta a problemática de ter o conjunto da sua área subordinado às exigências de continuidade de um traçado urbano que priorizou o leito carroçável, ocasionando fragmentação do espaço público como um todo, uma vez que segmenta o parque em várias parcelas.
40 Ironicamente, a iniciativa para o plantio e manutenção das 17.685 árvores, que hoje compõem a flora do parque, não partiram de iniciativa do poder público, mas privado. Disponível em . Acesso 14 dezembro 2015. 118
Figura 3.21 – Projeto de urbanização do fundo de vale do Córrego Tiquatira Fonte: Tiquatira Sempla, 1984
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Figura 3.22 – Parque Tiquatira e Avenida Governador Carvalho Pinto, 2015 Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas
3.4. SITUAÇÃO ATUAL DA MICROBACIA DO TIQUATIRA O uso dos espaços públicos residuais deixados pelos projetos viários, principalmente as cabeceiras de pontes, não é incomum na paisagem urbana das metrópoles brasileiras. Do Viaduto Cangaíba até a foz do Córrego Tiquatira no encontro com o Rio Tietê, as oito situações de assentamento precário constituem uma visão cotidiana e mesmo banal (Figura 3.23). Por tratar‐se de trecho em desnível pronunciado, o viaduto, que vence o vale do Córrego Tiquatira, também deixou grandes espaços residuais em sua parte inferior. Construído pela Prefeitura de São Paulo a partir de projeto de 1977, teve suas obras concluídas em 1980 (Figura 3.24). Note‐se que as favelas que se localizam em seus baixios e suas áreas laterais, conhecidas pelos nomes de Bueru, Jaú e Jahú‐Cangaíba (Figura 3.23, respectivamente áreas 1, 2 e 4), consolidam‐se nos dois anos posteriores à conclusão das obras, em 1982 41. A relação física entre favela e viaduto é de sobreposição: infraestrutura ora é teto, ora parede, ora chão, ora toda “casa” ou, simplesmente, “abrigo” (Figura 3.25).
41 Atualmente o conjunto consiste nas áreas 1 a 5 com cerca de 1.285 domicílios e ocupa uma área de cerca de 40.000 m². 120
42
Figura 3.23 – Oito situações de assentamentos precários entre o Viaduto Cangaíba e a foz do Tiquatira Fonte: elaborado pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas, 2015
Situação similar é a da gleba Kampala (Figura 3.23, área 8), que se localiza no encontro da linha ferroviária da CPTM com os viadutos Domingos Franciulli Netto e General Milton Taveira de Souza, ocupada de modo intermitente por favelas desde 2008. A área pertence à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – CDHU, e abrigou parte da Favela Tiquatira entre 2008 e 2010 (Figura 3.26). Essa favela ocupava, além de uma faixa da gleba Kampala, também a margem do Córrego Tiquatira, até o Rio Tietê, bem como uma área adjacente ao norte43. De modo geral, a situação do conjunto de assentamentos precários na foz do Tiquatira é uma justa expressão do enorme déficit habitacional que atinge o município de São Paulo e o Brasil44. 42 A Favela a Bueru (área 1), data de 1982 e tem aproximadamente 700 domicílios; a Jaú (área 2), de 1987, possui 300 domicílios registrados; a Jahú‐Cangaíba (área 4), também de 1987, 150; a Paratigi, data de 1975 e tem 40 domicílios (área 6); Gabriela Mistral data de 1989 e hoje tem cerca de 170 domicílios (área 7). Demais áreas constam no corpo do texto. As oito áreas totalizam então 1360 domicílios instalados. Dados obtidos pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas na Secretaria de Habitação do Município de São Paulo – SEHAB, 2015. 43 Em abril de 2010, a CDHU identificou 506 edificações e cadastrou 528 famílias que, durante os meses de maio a dezembro desse ano, foram removidas. Atualmente 487 delas recebem auxílio moradia (aluguel social), enquanto aguardam o atendimento habitacional definitivo na própria área. No entanto, em maio de 2014, a área volta a ser ocupada e hoje cerca de 600 (outras) famílias moram no local. A nova favela chama‐se Kampala – também conhecida como “Amassa‐sapo” e ocupa a totalidade da gleba pertencente à CDHU, que solicitou reintegração de posse e aguarda a respectiva decisão judicial. 44 O déficit habitacional do município de São Paulo é de cerca de 600 mil unidades, e o da Região Metropolitana por volta de 800 mil unidades, segundo dados da Fundação João Pinheiro. Disponível em: . Acesso: 24 janeiro 2016. 121
Figura 3.24 – Viaduto Cangaíba, 1986 Fonte: Acervo Museu da Cidade de São Paulo, foto de Israel dos Santos Marques
Figura 3.25 – Viaduto Cangaíba, 2015 Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas
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Figura 3.26 – Vista da extinta Favela Tiquatira, 2010 Fonte: CDHU
O Córrego do Franquinho, por sua vez, foi objeto do Programa de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale – PROCAV II, lançado pela Prefeitura em 1994. As obras, iniciadas em 1995, só foram completadas em 2006, decorrendo um processo moroso até à sua consecução. A Avenida Calim Eid, que segue junto ao Córrego do Franquinho, encontra, na sua ponta mais ao leste, o Túnel Águia de Haia, que permite a transposição da linha férrea, conectando‐a com a Radial Leste, e também o Viaduto Milton Leão, que transpõe a Radial, conectando a Avenida Calim Eid à Avenida Itaquera. Este córrego pode ser definido como o “Tiquatira preterido”, em contraste ao Tiquatira oficial, uma vez que, tendo sido objeto de projeto equivalente no que diz respeito ao tratamento de fundo de vale, pode se considerar que foi obra entregue à cidade de forma deficitária. As chamadas faixas exclusivas de preservação permanente junto à orla do rio foram desconsideradas, sendo que em alguns setores a infraestrutura viária corre junto à seção de concreto, sendo suprimida do leito carroçável até mesmo a calçada (Figura 3.27).
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Figura 3.27 ‐ Avenida Calim Eid e Córrego do Franquinho Fonte: Google Street View
O Córrego Ponte Rasa, desde sua nascente, paralelo à Avenida Águia de Haia, segue por entre fundos de lote e frentes de rua, cruza a Avenida São Miguel na metade do seu traçado, e apresenta um desnível de 4 a 5 metros na sua foz de encontro com o Tiquatira. Ainda que boa parte do seu traçado guarde as linhas originais do sítio precedente, várias obras pontuais de infraestrutura foram realizadas em diversos dos seus trechos. Porém não configuram monta frente ao desenho descontínuo e fragmentado que define esse curso d’água como um todo. Atualmente, pode‐se afirmar que o tratamento dado a esse curso d’água e suas áreas de margem é de descaso, indiferença e banalização (Figuras 3.28 e 3.29).
Figura 3.28 ‐ Córrego Ponte Rasa, 2015 Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas
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Figura 3.29 ‐ Avenida Pedra Preta e Córrego Ponte Rasa, 2015 Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas
No contexto da microbacia hidrográfica do Tiquatira, o Córrego Ponte Rasa é o que demonstra caráter mais inusitado e peculiar com relação aos outros dois cursos d’água, por ainda não ter sido objeto de obra de infraestrutura determinante, que tenha reconfigurado seu traçado como um todo, como ocorreu nos casos do Franquinho e Tiquatira. Doravante, as orlas desse curso d’água apresentam uma série de situações urbanas peculiares e específicas, fruto de uma ocupação deliberada e desigual. Em vários pontos do traçado desse curso d’água constam assentamentos precários ou irregulares, o que define uma problemática já conhecida. 3.5. TRANSFORMAÇÃO URBANA DA MICROBACIA DO TIQUATIRA: CONSIDERAÇÕES Os fundos de vale da microbacia hidrográfica do Tiquatira seguem uma prerrogativa que determinou o crescimento da cidade de São Paulo como um todo, e que teve por escala máxima construção da Marginal Tietê, obra que, subsequentemente, desdobrou‐se em padrão de intervenção para os principais afluentes desse rio. Tal padrão, de aproveitamento máximo das áreas de várzea, modificou sua condição hidrográfica em prol de uma funcionalidade da baixa declividade do relevo, a fim de sua utilização em função das baixas taxas de inclinação dessas áreas para implantação de infraestruturas ferroviárias e viárias. 125
Nesse contexto, os principais cursos d’água da microbacia, convertidos em infraestruturas de fundo de vale, se articulam a outras obras complementares, de transposição – pontes, túneis e viadutos, compondo o quadro de obras nos principais cursos d’água de microbacia do Tiquatira (Quadro 3.2).
Quadro 3.2 – Obras de infraestrutura nos principais cursos d’água da microbacia do Tiquatira Fonte: elaborado pelo autor
Assim, a microbacia urbana do Tiquatira segue, majoritariamente, o padrão de retificação e canalização de cursos d’água, preterindo suas características originais em prol de um máximo aproveitamento do solo urbano e da factibilidade de instalação de infraestruturas viárias em função das condições do relevo. Contudo, ainda que similares, as expressões desse modo comum de se fazer cidade e de se intervir nos fundos de vale são diversas e peculiares. Neste sentido, o próximo capítulo fará uma discussão sobre as similaridades e diferenças das várias situações que compõem a interface entre hidrografia e infraestruturas urbanas na microbacia do Tiquatira.
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4. MICROBACIA URBANA DO TIQUATIRA: EVIDENCIANDO CONFLITOS
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Este capítulo discute a interface da microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira convertida em sítio urbano, analisa quais são os conflitos resultantes dessa transformação, e como o conjunto desses conflitos se expressa como condição urbana da microbacia. Se em 1930 essa área era basicamente um núcleo rural, em 2015 encontra‐se inserida numa complexa rede de infraestruturas metropolitanas. Antes, o que havia era uma convivência entre sítio precedente e os compartimentos urbanos circundantes, e o atributo intrínseco dos fundos de vale, bem como dos anfiteatros de nascentes, era sua destinação exclusiva aos cursos d’água que neles residiam. Porém, atualmente, grande parte dos rios foi relegada à invisibilidade, e no seu lugar o que se avista são ruas, avenidas e viadutos, implicando uma descaracterização completa do sítio precedente. Todavia, ainda que invisível, a questão da memória do sítio, no caso da cidade de São Paulo, ou seja, a história do assentamento urbano sobre a bacia hidrográfica do sítio precedente, se revela oportuna e problemática. Oportuna, pois o sítio de São Paulo, mar de morros, como definiu Ab’Saber (1957) apresenta uma rica constituição hidrográfica e de relevo, fruto de um processo geológico longínquo e ancestral. Problemática, devido a um fator de ocupação urbana, ao mesmo tempo acelerado e desenfreado, que consistiu de um aproveitamento máximo da capacidade de suporte desse mesmo sítio, aumentando a área útil do solo urbano e modificando radicalmente sua constituição original. É nesse contexto 128
que se dará a análise da microbacia do Tiquatira em função do tecido urbano da região da Penha. A primeira parte deste capítulo caracteriza as três escalas de inserção do tecido urbano. Uma escala macro, metropolitana, que é configurada por infraestruturas de caráter regional, como vias de ligação rodoviária, ferroviária e de suprimento elétrico. Uma escala intermediária, da microbacia hidrográfica, que revela os atributos intrínsecos do sítio precedente ao qual o tecido urbano se acopla. E uma escala micro, dos pequenos estratos de tecido, que guardam particularidades e minúcias locais. Junto com uma noção de tempo, essa caracterização parte dos conceitos de complexidade e fragmentação como pressupostos a serem esclarecidos para a compreensão da multiplicidade de escalas e tempos do tecido urbano. A segunda parte do capítulo descreve o processo metodológico elaborado para a análise do tecido urbano a partir da sua decomposição sistêmica em relevo, hidrografia e traçado urbano, bem como a demarcação de uma série temporal mínima, 1930 e 2015. Com base nesses pressupostos, foi realizada uma produção cartográfica baseada em cinco procedimentos gráficos: subtração, adição, raio‐x, tabulação e rastreamento. Tal produção revela a transformação do tecido urbano, das suas quantidades e qualidades, e permite identificar uma série de conflitos entre hidrografia, relevo e infraestruturas urbanas, e que definem propriamente a problemática de uma microbacia urbana. Finalmente, a terceira parte do capítulo discute os conflitos elencados pelo método de análise e, na sequência, apresenta os resultados obtidos. 4.1. COMPLEXIDADE E FRAGMENTAÇÃO NAS ESCALAS E TEMPO DO TECIDO URBANO Na cidade contemporânea, ações cotidianas como morar e se locomover, ir ao trabalho ou voltar de um passeio, constituem, na sua totalidade, uma densa e extensa rede de fluxos os mais diversos. Essa rede torna‐se possível a partir de um conjunto de infraestruturas instalado previamente, e pode ser caracterizada por uma tripla condição: alternativas de deslocamento, transposição de obstáculos, e várias opções de caminho para 129
um mesmo destino, e mesmo entre vários destinos. Portanto, andar a pé em um bairro ou entre bairros, dirigir um carro, utilizar um ônibus ou trem, atravessar uma passarela, uma ponte ou um viaduto, são atividades que se realizam em função das infraestruturas disponíveis. Tal rede de infraestruturas urbanas responde condicionalmente a um sítio precedente, ao qual se instala mediante uma série de possibilidades e restrições, que variam ao longo do tempo. O sítio precedente ou original em questão, constituído de relevo e hidrografia, pode ser caracterizado como geográfico, no qual as ações humanas são indiferentes à sua constituição ou, antes, que ainda não se modificou determinantemente pela ação humana. Assim, os atributos originais desse sítio condicionarão a transformação do tecido urbano: o relevo, com sua superfície contínua, ondulando entre níveis altos e baixos de altimetria; e a hidrografia, fios d’água capilares que nascem nos ponto altos do relevo e sempre seguem abaixo, acumulando em cursos maiores, sendo como que o negativo do relevo, uma radiografia das suas cavidades, sejam essas encostas de colinas ou vales. No caso de São Paulo, um desenho chamado de “espinha de peixe”. A rede de infraestruturas urbanas articula‐se por elementos de transposição viária e hidrográfica, no caso pontes, túneis e viadutos, artefatos técnicos estes que possibilitam a formação de um sistema minimamente coeso, ramificado e aberto de entrada e saída de fluxos. Essas obras de arte de engenharia talvez sejam o primeiro indício de uma escala metropolitana das infraestruturas urbanas, uma vez que conjugam a superação do obstáculo físico, seja um rio, seja um entre morros, viabilizando a conexão entre duas localidades. Além disso, as próprias vias de fundo de vale, tornadas objeto de infraestruturas ao mesmo tempo viárias e de drenagem, condicionam a hidrografia a esse sistema de fluxos, na maior parte das vezes diminuindo drasticamente a permeabilidade do solo e procedendo por um estreitamento máximo do traçado. Porém, a continuidade ininterrupta de fluxos da rede metropolitana se dá à custa de uma série de interrupções locais, mais ou menos abruptas, criando mesmo novas barreiras e obstáculos, os quais se fazem sentir, principalmente, nos deslocamentos de pedestres. Essa dicotomia entre impactos provocados por infraestruturas que foram implantadas em função apenas da escala metropolitana pode ser entendida como uma limitação ou insuficiência 130
projetual. Todo modo, implica um processo de fragmentação do território e mesmo uma irredutível complexidade. A estes últimos dois termos cabe, porém, certo cuidado. Para Indovina (2004, p. 20): Na medida em que os fenômenos territoriais estão em causa, é extremamente importante olhar para a escala: por um lado, na base, está o ‘fragmento’. Esta é uma extrema simplificação (a qual pode ser consciente ou não): o assunto que está sendo analisado pode ser autônomo ou mesmo misterioso, como pequenos achados arqueológicos de uma civilização desconhecida. Neste caso o objeto encontrado não pode ser reconhecido e interpretado corretamente porque não pode ser relacionado com o seu contexto mais amplo. Por outro lado, no topo da escala nós encontramos ‘complexidade’, um conceito que não pode legitimar a existência de algo desconhecido e tenciona a necessidade para uma análise aprofundada. Tudo é um fragmento, mas nem tudo pode ser fragmentado. O fragmento é assim porque é parte de um todo; se tudo é um fragmento, nada é um fragmento. Complexidade não é caos: é uma ordem de múltiplas conexões e relações. A fim de entendê‐las, suas funções e causas, é necessário entender processos, dinâmicas e especificações.
As várias causas que se sobrepõem quando de uma constituição específica de um tecido urbano são, portanto, fruto de uma diversidade de situações, que ocorrem tanto na escala metropolitana quanto na escala local. Nas palavras de Coelho (2014, p. 13‐15): O estado de um tecido num fragmento de tempo é tanto o resultado de idéias e materializações intencionais como de acontecimentos involuntários e pré‐existências históricas e geográficas. Uma colina, um rei, um terremoto ou um regulamento desenham a forma da cidade, mas também as banais operações do dia‐a‐dia, como a simples construção de um telheiro que avança sobre a rua ou a mais insignificante parcela paralisada por uma disputa de propriedade. [...] Se a cidade contêm muitos tempos simultaneamente, há que perceber como estes se expressam. Esta questão está ligada a própria natureza do tecido e à sua constituição. Qualquer fragmento urbano é composto por distintas parcelas privadas, para além da parcela que as estrutura e que constitui, na cidade ocidental, o espaço público.
É o espaço público, portanto, que estrutura o tecido urbano e conecta suas várias parcelas, decompondo‐se em espaços de circulação e permanência, definidos pelos diferentes tipos de traçado de infraestruturas e parcelário decorrente. No tecido urbano, essa categoria de espaço pode ser decomposta, basicamente, entre leito carroçável, calçamento e o conjunto de parcelas destinadas à ocupação pública, como praças e parques. Na interface entre esses dois componentes é possível perceber uma espécie de espaço intermediário, que permite uma observação pormenorizada dos conflitos existentes entre o 131
sítio precedente e os pequenos estratos de tecido local, e entre esse tecidos locais e a rede de infraestruturas metropolitanas. O espaço intermediário, que se dá enquanto interface entre o leito carroçável e parcelas públicas, pode ser caracterizado a partir de aspectos observáveis na sua dupla natureza, que propicia o trânsito, seja de automóveis, seja de pedestres, e que permite ao mesmo tempo permanência. Assim, haveria caráter ora intersticial, que costura diferentes partes do tecido urbano e está adequado à escala tanto de trânsito quanto de permanência do pedestre, e um caráter ora residual, na qual tanto o trânsito quanto a permanência do pedestre se dá de maneira conflituosa e problemática. Nesse sentido, o componente traçado urbano, relevante para o estudo da interface entre infraestruturas e hidrografia, expressa uma natureza ao mesmo tempo oposta e complementar, e implica um aspecto regional e local ao mesmo tempo, conforme a escala de tecido analisada. Segundo Coelho (2014, p. 13): Uma rua ou uma praça, ainda que numa abordagem analítica possam constituir um espaço uno e coerente, só podem ser verdadeiramente entendidos enquanto espaços dependentes do edificado que o define. Na mesma ordem das idéias, um quarteirão, como espaço de agregação de espaços privados, livres e construídos, também só pode ser verdadeiramente entendido a partir dos limites rigorosos impostos pelo espaço público, quaisquer que sejam os elementos urbanos que o configurem.
Fruto da decomposição do tecido urbano, o traçado contêm dois tipos de eixos: longitudinais, designando espaços regionais e de alcance metropolitano; e transversais, definidos por espaços locais. Tais eixos configuram as duas escalas de tecido urbano, macro e micro, e tem por figuras conceituais, respectivamente, a metrópole como um todo e a diversidade das localidades urbanas como parte mínima. Entre essas duas figuras, a microbacia hidrográfica funciona como escala intermediária ou de interface, e propicia, por sua configuração física e geomorfológica, um limite que permite o recorte de uma medida territorial objetiva. Configura‐se assim, para um mesmo tecido, uma escala de urdidura, sobreposta verticalmente e longitudinal, uma escala de trama, transversal e justaposta horizontalmente, e uma escala da microbacia hidrográfica, que intercepta as duas primeiras e as unifica.
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A análise do sítio geográfico precedente também se demonstra fundamental para a questão da temporalidade do tecido urbano, uma vez que condiciona as escolhas de assentamento e determina, doravante, sua posterior transformação. A década de 1930, seja para a região da Penha seja para o conjunto da metrópole de São Paulo, apresenta‐se como emblemática frente às escolhas de expansão urbana e desenvolvimento metropolitano, onde o modelo rodoviarista e o axioma da indústria automobilística se impuseram como parâmetros definitivos e correspondem à atual estruturação do traçado urbano. 4.2. MÉTODO DE ANÁLISE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA Com o propósito de identificar os conflitos da microbacia hidrográfica do Tiquatira e suas diversas escalas, a análise do objeto de estudo será apresentada com base em um método que teve como instrumento fundamental a representação gráfica do sítio urbano. Esta define, geométrica e geograficamente, os limites e perímetros que condicionam o conjunto o sítio enquanto microbacia hidrográfica modificada por infraestruturas. De modo que existe todo um manancial de questões possíveis relevantes à investigação e pesquisa acadêmica, e que podem ser realizadas mediante diferentes enfoques. Mesmo os autores citados como referência para enfoque aqui realizado (FRANCO, 2005, NAVARRO, 2009, SANTOS, 2012, SCHUTZER, 2012a, ANASTACIA 2013, COELHO, 2013, FERNANDES, 2013) apresentam métodos bem distintos de análise dos seus objetos, ainda que possam se observar similaridades em seus procedimentos, em especial a ênfase nos atributos do sítio precedente como determinantes na constituição do tecido urbano. Neste sentido, o estudo da microbacia hidrográfica do córrego Tiquatira a partir do tecido urbano oferece a possibilidade de caracterizar essa localidade por uma ótica nova. Parte‐se do pressuposto de que o relevo e a hidrografia atuam como elementos determinantes e diretamente articulados com as diversas etapas de ocupação do solo e implantação das infraestruturas que definem esse mesmo tecido. Inversamente, tais elementos serão objetos de intervenção a fim de multiplicar essas mesmas infraestruturas, e
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terão suas características e aspecto precedentes radicalmente modificados. Demonstrar essa dualidade, e ao mesmo tempo, dicotomia, é o objetivo da análise que se segue. A segmentação do tecido urbano em estratos menores e a sua decomposição a partir do traçado permitem identificar como os tecidos homogêneos ou locais se conjugam com as infraestruturas de caráter regional e metropolitano. Para tanto, foi criada uma matriz analítica (Quadro 4.1) que pretende esboçar o processo metodológico de segmentação e decomposição do tecido urbano da microbacia hidrográfica do córrego Tiquatira na região da Penha. Nessa matriz, os elementos ou camadas em destaque constituem categorias de análise que permitem a identificação do conjunto de infraestruturas determinantes, e possibilitam assim a problematização quanto aos seus atributos intrínsecos, bem como situação atual e potencialidades futuras. Nessa matriz, o procedimento de decomposição sistêmica apresentado no capítulo 1 foi utilizado como referência para elencar as categorias de análise principais, a saber, o relevo – hipsometria e bacia hidrográfica, a hidrografia, as infraestruturas viárias, de transposição, de retificação e canalização de fundo de vale, de suprimento elétrico e ferroviária.
Quadro 4.1 – Matriz analítica para elaboração cartográfica Fonte: Imagem produzida pelo autor
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A hidrografia e as infraestruturas viárias foram escolhidas como as principais categorias de análise, por se mostrarem as mais expressivas e corriqueiras na configuração do tecido, seguindo‐se à rede de suprimento elétrico e ferroviária. Neste estudo, outras infraestruturas que ocorrem articuladas às mencionadas, como as de esgoto, saneamento básico e abastecimento de água, não foram consideradas. Essa limitação, todavia, não impede nem inviabiliza o processo metodológico. Antes, podem ser incorporadas a este em um momento futuro. A análise da transformação do tecido urbano torna‐se possível a partir de duas cartografias de momentos distintos, mas equivalentes em escala e representação, e possibilita uma periodização da sua transformação. O levantamento cartográfico SARA Brasil45, realizado no ano de 1930, apresenta uma relevância documental significativa que, devido à especificidade, clareza e detalhamento do seu desenho, serve como referência e ponto de partida para uma rica análise do tecido urbano do município de São Paulo. O segundo levantamento cartográfico referencial escolhido para periodização, que irá representar o momento atual, é o Mapa Digital da Cidade46, disponibilizado publicamente na internet, em arquivos eletrônicos, pela Prefeitura do Município de São Paulo. Nesse estudo, essas duas fontes documentais foram chamadas de cartografia‐referência, e serviram de base para a produção cartográfica que integra o processo metodológico exposto. Para analisar a transformação pela qual passou a microbacia do Tiquatira, tendo em vista seu tecido urbano, foram elaboradas as bases cartográficas, na escala 1: 50.000 e enquadramento para leitura no formato livro47. Essa escala de resolução foi escolhida como adequada tanto por agrupar um número mínimo de infraestruturas quanto pela possibilidade de revelarem detalhes e minúcias nas relações formais entre estes elementos. A produção dessa série cartográfica foi elaborada segundo dois procedimentos, de subtração, para a cartografia‐referência de 1930, e de adição, para a cartografia‐referência de 2015. Objetivou‐se como produto uma imagem digital, o que implicou um processo 45 Foram utilizadas as cópias em arquivo digital da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 46 Disponível em . Acesso em 26 setembro 2015. 47 No caso o papel A4 (21 x 29, 7 cm). 135
cuidadoso e de meticulosa atenção. Ainda, deve‐se frisar o processo de georreferenciamento48 de ambas as cartografias, guardadas as diferenças técnicas entre épocas, a fim de destacar um rigor de representação e verossimilhança almejado neste estudo. O procedimento de subtração ocorre tendo como base a cartografia‐referência de 2015, uma imagem vetorial, enquanto que a cartografia de 1930 é constituída por imagens matriciais 49. Por meio da digitalização dos vários mapas físicos do SARA Brasil, foi possível sobrepor as duas cartografias e, desse modo, reproduzir as informações de 1930 em formato vetorial (Figura 4.1). O resultado desse procedimento proporciona uma equivalência entre as cartografias de 1930 e 2015, que até então não existia, sendo apenas potencial, e que, atualizada, permite uma comparação minimamente objetiva entre os dois momentos do tecido urbano.
Figura 4.1 – Elaboração da base cartográfica de 1930 ‐ procedimento de subtração Fonte: Imagem produzida pelo autor
48 Georreferenciamento ou georreferenciação de uma imagem ou um mapa ou qualquer outra forma de informação geográfica é tornar suas coordenadas conhecidas num dado sistema de referência. 49 Ambas as imagens, matricial e vetorial, fazem parte da Informática e dependem de programas de computadores para sua manipulação. A imagem matricial, do inglês raster, é a representação em duas dimensões de uma imagem a partir um conjunto finito de pontos definidos por valores numéricos, formando uma matriz matemática ou malha de pontos, onde cada ponto é um pixel. Já a imagem vetorial consiste de entidades de desenho como retas, pontos, curvas polígonos simples, etc. É possível mudar as dimensões de uma imagem vetorial sem perda de qualidade, já a definição de uma imagem raster é comprometida com a ampliação. 136
Já o procedimento de adição, utilizado para a produção da cartografia de 2015, foi realizado considerando as mesmas premissas de sobreposição entre imagens vetoriais e matriciais. Porém, inversamente, a necessidade desse procedimento se dá pela constatação de insuficiência e desatualização da cartografia‐referência de 2015, uma vez que observou‐ se a ausência ou supressão de várias informações relevantes para a análise da interface entre infraestruturas e hidrografia. Foi utilizado o recurso de fotos aéreas do Google Earth, no caso imagem matriciais, para desenhar os elementos ausentes em imagem vetorial (Figura 4.2).
Figura 4.2 – Elaboração da base cartográfica de 2015 ‐ procedimento de adição Fonte: Imagem produzida pelo autor
Dentre as tipologias destacadas na produção cartográfica, as infraestruturas viárias de ligação metropolitana ou regional talvez sejam as que possuam o critério mais peculiar, e baseou‐se mais em aspectos comportamentais, de articulação entre os elementos, do que como objetos isolados (fragmentos). Assim, foram escolhidas – compondo a mesma rede viária de infraestruturas metropolitanas, tanto vias expressas ou de trânsito rápido e arteriais 50, como marginal Tietê, a Radial Leste e a Avenida Governador Carvalho Pinto, 50 Na definição da engenharia de tráfego: Código de Trânsito Brasileiro de 1997. 137
quanto cumeeiras de colina e com alta concentração de atividades de comércio e serviços, e também as vias de fundo de vale. Além disso, algumas vias intermediárias, de encosta de colina, que apresentam um caráter estratégico de distribuição dos fluxos e ligação com os eixos principais, também foram elencadas. Tais vias se revelaram como elementos de urdidura da rede de infraestruturas metropolitanas, tais vias vencem as declividades das encostas, atravessam as colinas e, consequentemente, a microbacia hidrográfica.
A série cartográfica apresentada neste capítulo é composta por seis lâminas. Na Lâmina 1 (Figura 4.3), apresenta‐se o sítio geomorfológico em 1930 – com hipsometria, hidrografia e perímetro de microbacia hidrográfica, conforme reprodução a partir dos dados dos mapas SARA Brasil. Nas Lâminas 2 e 3 (Figuras 4.4 e 4.5), o traçado urbano em 1930 e 2015, demonstra a transformação do tecido urbano, destacando o conjunto de infraestruturas metropolitanas e locais, bem como a hidrografia. Nas Lâminas 4 e 5 (Figuras 4.6 e 4.7), foi realizado outro duplo procedimento. Primeiro, um “negativo” ou “raio‐x”, tanto da hidrografia em 1930, quanto das infraestruturas de caráter metropolitano em 2015. Segundo, uma marcação ou tabulação, no sentido de evidenciar uma série de situações para análise. Na Lâmina 4, foram definidas como objeto de análise todas as nascentes dos córregos Tiquatira (numeradas com a letra T), Franquinho (letra F) e Ponte Rasa (letra P). Na Lâmina 5, foram escolhidos diversos segmentos da rede de infraestruturas metropolitanas e sua interface com a microbacia hidrográfica. Na Lâmina 6 (Figura 4.8), uma foto aérea de satélite, imagem ‐ matricial ‐ genérica mancha urbana, sintetiza o estrato do tecido urbano escolhido para análise. Assim, a série de lâminas ou bases cartográficas produzidas derivam do conjunto de procedimentos utilizados (Quadro 4.2), sendo que os procedimentos de abordagem problemática serão expostos no item seguinte.
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Figura 4.3 – LÂMINA 1: HIPSOMETRIA, HIDROGRAFIA E MICROBACIA DO CÓRREGO TIQUATIRA, 1930 Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 51
51
Folhas 27‐28, 28‐29‐30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56.
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Figura 4.4 – LÂMINA 2: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 1930 Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 52
52
Folhas 27‐28, 28‐29‐30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56.
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Figura 4.5 – LÂMINA 3: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 2015 Fonte: elaborado pelo autor a partir do Mapa Digital da Cidade 53
53
Folhas 57, 58, 59, 60, 61, 62, 110, 111, 142, 143, 146.
141
Figura 4.6 – LÂMINA 4: IDENTIFICAÇÃO DE NASCENTES ‐ HIDROGRAFIA, 1930 Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 54
54
Folhas 27‐28, 28‐29‐30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56.
142
Figura 4.7 – LÂMINA 5: INFRAESTRUTURAS METROPOLITANAS ‐ CONFLITOS, 2015 Fonte: elaborado pelo autor a partir do Mapa Digital da Cidade 55
55
Folhas 57, 58, 59, 60, 61, 62, 110, 111, 142, 143, 146.
143
Figura 4.8 – LÂMINA 6: FOTO AÉREA ‐ REPRESENTAÇÃO DO TECIDO URBANO, 2015 Fonte: Google Earth
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Quadro 4.2 – Procedimentos de análise Fonte: elaborado pelo autor
A escolha de cores distintas para representação do rio Tietê e dos seus demais afluentes, na cartografia de 1930, buscou destacar a riqueza natural do sítio precedente ou original em função da hidrografia. O rio Tietê, representado em tonalidade mais escura de azul, difere e se destaca dos seus afluentes, a fim de evidenciar a riqueza do desenho serpentado, caráter comum de um traçado de meandros relativo a todos esses rios. Tal desenho reverbera como uma condição natural, no sentido de ancestral, tanto do rio Tietê dos seus afluentes quanto do relevo como um todo, os fundos de vale do “mar de colinas” descrito por Aziz Ab’Saber. Já na cartografia de 2015, o que se revela é uma fragmentação e desaparecimento da hidrografia enquanto um sistema coeso, proporcional entre nascentes e extensão dos cursos d’água principais, bem como a quase completa supressão dos traçados de meandros. Essa situação demonstra como a transformação do tecido urbano ocorreu desconsiderando o sítio precedente enquanto dotado de riqueza geográfica, tratando‐o meramente como obstáculos a serem vencidos. Assim, o tecido urbano que se apresenta na atualidade implica uma descaracterização radical do sítio precedente ou original, ao mesmo tempo em que é uma expressão um modo máximo de aproveitamento da capacidade de ocupação urbana a partir da multiplicação do traçado viário. Mesmo que às custas de uma série de problemas e conflitos locais, os quais ocorrem justamente pela desatenção com caráter perene do sítio original.
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4.3. IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS DA MICROBACIA A comparação entre as Lâminas 2 e 3 e 4 e 5 revela uma mudança radical no conjunto da rede hidrográfica. O que no passado, 1930, era um sistema coeso e proporcionalmente ramificado, em 2015 apresenta‐se como invisível e fragmentado. Tal constatação conduziu a uma busca para se observar e caracterizar a extensão dessa mudança, tendo como foco as várias nascentes que compõem a microbacia do Tiquatira. Foram identificadas 13 nascentes para análise no córrego Ponte Rasa, 12 no córrego do Franquinho e 10 no córrego Tiquatira, totalizando as chamadas 35 situações de conflito entre tecido local e sítio precedente. Considerou‐se não ser necessário utilizar rigorosamente o método de Strahler (1957) e Pfafstetter (1989), para definição dessa problemática, uma vez que são métodos que interessam mais à projetos e análise de engenharia, mas cabe dizer que as nascentes, consideradas de modo mais genérico, são de nível 1 e 2 segundo Strahler, e as bacias correspondentes de nível 4, 5 e 6 segundo Pfafstetter. Justamente, entende‐se que a abordagem de estudos urbanos deve ser levada para além de apenas o caráter de cálculo, e englobar, principalmente, as diferentes proporções das camadas que compõem a cidade. Antes, o que se coloca é a necessidade de se tratar a problemática das águas inseridas no contexto do tecido urbano, a partir dos seus elementos mínimos, que possuem minúcias e particularidades. Assim, ainda que muitos desses elementos tenham sido objetos de obras que buscaram suplantá‐los totalmente, subsistem numa camada inferior desse mesmo tecido, como uma história que permanece obscura, mas factível de se revelar. Para essa análise, foi utilizado o procedimento de rastreamento, comparando as Lâminas 3 e 4, e buscando confirmação por meio de contato visual, ou seja, imagens disponíveis no Google Street View, que oferece a possibilidade de uma fotografia de um certo número de pontos locais quaisquer do traçado urbano. Ainda que tal método implique certas limitações, de modo geral se mostrou eficaz e ao mesmo tempo eficiente, por conta da ferramenta Google Street View ir de encontro ao conceito de traçado urbano, contribuindo para sua análise. Particularmente, dois elementos observáveis por fotografia, as bocas de lobo e os tampões de esgoto e galeria de águas pluviais, ofereceram pistas 146
valiosas para identificar a provável localização de maior parte dos córregos ocultos na atualidade (Figura 4.9).
Figura 4.9 – Nascente 7 do Córrego Tiquatira ‐ tampão e as bocas de lobo, 2014 Fonte: Google Street View
Assim, foram utilizados dois componentes de análise para verificar a transformação que ocorreu no traçado urbano na relação entre infraestruturas locais e hidrografia, e como o sítio precedente foi transformado em função dos tecidos locais: 1) a INSERÇÃO atual das nascentes no tecido urbano da microbacia: se são fundo de lote [A], se são becos [B], se são frente de rua ou viela [C], se ora são fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela [D]; 2) a SITUAÇÃO dessas nascentes: se são abertas, porém foram objeto de infraestrutura parcial [A], se estão tamponadas [B], se estão aterradas [C], se ora estão abertas, ora tamponadas, ora aterradas [D]. Tais componentes propiciaram uma segunda matriz analítica, que sintetiza a análise da série de nascentes que compõem o sítio urbano da microbacia hidrográfica do córrego Tiquatira, e consta no APÊNDICE deste estudo. A lâmina 3 apresenta o tecido urbano a partir do seu traçado atual, destacando a urdidura das infraestruturas metropolitanas e a trama segmentada de tecidos homogêneos ou locais. Junto a estes elementos compõe‐se uma hidrografia aparente ou superficial desconexa, portanto fragmentada, fruto do tamponamento e aterramento de grande parte das nascentes da rede hidrográfica. A lâmina 5, por sua vez, repete o procedimento de raio‐X utilizado para a lâmina 4. Desse modo, percebe‐se como o sítio precedente, antes uma 147
conjunto coeso de colinas e rios, foi transformado e tornou‐se invisível em função de um aproveitamento máximo do solo urbano, caracterizado por uma rede de infraestruturas metropolitanas. Repetiu‐se também o procedimento de tabulação na Lâmina 5, elencando situações de infraestrutura que configuram a rede metropolitana. Não se procurou definir um enfoque muito rígido na segmentação dessa rede, mas antes apresentar as principais articulações, e ressaltar o atributo de funcionamento conjunto que a caracteriza. Desse modo, foram elencadas 49 situações para análise das infraestruturas metropolitanas em interface com a bacia hidrográfica e com os tecidos locais. Diferentemente do procedimento anterior, foram escolhidas situações para além do perímetro direto da microbacia, considerando que esta é uma unidade que a rede metropolitana engloba e incorpora. Elencadas as situações na Lâmina 5, foram definidos seis componentes de análise: 1) o TIPO de infraestrutura, se viária de ligação regional e metropolitana [A], se viária de fundo de vale [B], se viária de transposição [C]; 2) POSIÇÃO NA BACIA, se fundo de vale [A], se encosta [B], se cumeeira [C]; 3) SITUAÇÃO na rede de infraestruturas, se “nó” ou sobreposição [A], se “linha” ou fluxo [B]; 4) INSERÇÃO relativa à microbacia do Tiquatira, se interna ou protagonista [A], se borda ou limite [B], se externa ou contextual [C]; 5) CONFLITOS entre bacia hidrográfica e infraestruturas, se de prioridade regional [A], se de consideração local [B]; 6) ARTICULAÇÕES, ou seja, quantidade de conexões entre situações. A análise dessas situações também consta no APÊNDICE deste estudo. Enquanto as quatro primeiras categorias de análise são de caracterização objetiva, a quinta categoria de análise – conflitos entre bacia hidrográfica e infraestruturas, apresentou‐ se como a mais problemática quanto à sua definição, porque crítica, e carece de comentário mais detalhado (Quadro 4.3). Foram definidos como conflitos ocasionados por prioridades regionais obras que só consideraram a infraestrutura pelo seu caráter metropolitana, em detrimento dos tecidos locais, e que, portanto, implicam problemáticas em macro escala. Tais conflitos envolvem várias camadas de elementos urbanos, como habitação, transporte, áreas públicas e institucionais, e configuram situações complexas, geradas em longo prazo.
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Quadro 4.3 – Conflitos entre bacia hidrográfica e infraestruturas Fonte: elaborado pelo autor
Esses conflitos ocasionados pela prioridade regional implicam que as vias públicas, ruas e avenidas, se apresentem como deficitárias na sua interface com os tecidos locais, no sentido de não se realizarem as potencialidades de espaços intermediários ‐ intersticiais entre os espaços de fluxo, representados pelo traçado urbano público, e os espaços de permanência, definidos pelo parcelário, ora público ora privado. Este espaço intersticial seria aquele que permitiria pequenos momentos de permanência em meio ao espaço de fluxos, propiciados por projetos urbanos a nível local, que incluíssem um mínimo de elementos de memória do sítio precedente, bem como mobiliário urbano adequado e vegetação. Outro aspecto relevante quanto a esse desenho urbano deficitário, que não teve por parâmetro projetos de escala local, pode ser observado na proporção em que se distribuem as faixas de leito carroçável, para pedestres, ciclistas, automóveis, hidrografia e vegetação. Nessas situações, o caráter predominante que se manifesta é a prioridade para os automóveis, subordinando os outros agentes de fluxo a espaços que poderiam ser definidos como residuais. Já os conflitos oriundos de obras com consideração local – entre os quais o Parque Tiquatira aparece como elemento mais emblemático, foram definidos como vias públicas que, ainda que de caráter metropolitano e regional, se articulam com o tecido local, propiciando um mínimo de espaços intersticiais, mas que não deixam de apresentar outras problemáticas, em micro escala, decorrentes da interface com a rede metropolitana. Em suma, a sobreposição entre o sítio precedente e assentamento urbano, bem como entre urbano e regional, entre local e metropolitano, evidencia a complexidade de articulação das diferentes camadas que configuram o conjunto da cidade. No sítio urbano da microbacia do Tiquatira, as interfaces entre estas camadas se apresentam como 149
problemáticas e conflituosas, onde tanto o seu caráter atual quanto as características que o precederam não são evidentes, tendo sido mesmo, em muitos casos, suplantadas em prol de uma utilização extensiva do leito carroçável e da sua multiplicação e ramificação como um todo. A presença de linhas de alta tensão, destinadas ao suprimento elétrico da região, corta o território tanto no sentido longitudinal à microbacia do Tiquatira, quanto no sentido transversal, e parece seguir uma lógica de implantação totalmente distinta dos outros tipos de infraestruturas metropolitanas. A linha principal, norte‐sul, conecta duas subestações de energia elétrica, a norte no Município de Guarulhos e a Sul no Município de Santo André, e também se estende no sentido leste de São Paulo. Desde a confluência dos córregos Franquinho, Ponte Rasa e Tiquatira, com dois eixos transpassando o parque Ecológico do Tietê ‐ é a principal causa da conformação de estreitas e longas áreas de vazios urbanos em toda a região 56. As torres de alta tensão demandam grandes áreas para sua instalação, que a princípio não deveriam ser ocupadas devido ao raio de interferência das ondas eletromagnéticas, potencialmente perigosas à saúde humana, de modo que se definiram faixas de servidão exclusiva. Porém, a realidade não reflete a aplicação desse limite, pois essas faixas quase nunca são respeitadas e as áreas do entorno das torres são geralmente ocupadas. Isso se deve também ao fato de as linhas não acompanharem um eixo viário que as estruture, e assim as áreas para instalação das torres tem diversas configurações: fundos de lote, canteiros de avenidas e terrenos murados (Figuras 4.10 e 4.11).
56 De responsabilidade compartilhada entre governo do Estado e Prefeitura municipal. 150
Figura 4.10 – Faixas de alta tensão atravessando a Avenida Cangaíba, 2011 Fonte: Google Street View
Figura 4.11 – Faixas de alta tensão margeando a Rua Rocha Fraga, 2010 Fonte: Google Street View
Essa rede específica é dotada de uma grande potencialidade: não só possibilitaria uma nova camada de conexão na rede de infraestruturas metropolitanas, mas também faria uma costura urbana dos equipamentos ao longo do território e dos pequenos vazios subutilizados, reduzindo a carência de espaços públicos, chamados aqui de intermediários intersticiais. Porém, inversamente, o que se observa na atualidade é a abundância de espaços intermediários residuais, conforme será confirmado nos resultados da análise. Considerando que tal rede se acopla ao relevo de modo muito distinto e diverso das infraestruturas viárias – que impactam diretamente a superfície do relevo e da hidrografia, optou‐se por não realizar estudo pormenorizado dos seus pontos de conflito, não por serem muitos, mas por apresentarem uma configuração mais simples, no contexto das 151
problemáticas da bacia. Existe uma dicotomia entre teoria e prática muito visível no uso que se dá entre tecido local e infraestrutura metropolitana e regional, uma vez que, no caso das faixas exclusivas de suprimento elétrico a prática não segue a regra. Sob outra ótica, reitera‐se que essa rede de suprimento elétrico possui um potencial ainda mal observado e aceito, por parte das administrações públicas, mas no qual, talvez, resida a capacidade de pensar alternativas viáveis para um aumento significativo dos espaços intermediários intersticiais, factíveis de transformar, ainda que sutilmente, o quadro duro e árido que tanto se observa na analise da hidrografia quanto das infraestruturas urbanas. Atualmente, junto às infraestruturas de suprimento elétrico, o sistema de infraestrutura ferroviária é o que menos impacta diretamente na configuração da microbacia urbana do Tiquatira. Ainda que, em um momento precedente, até a década de 1930, esta tenha sido a infraestrutura de caráter metropolitano e regional determinante para a configuração do sítio urbano, pode‐se dizer que, na atualidade, desempenha uma função apenas contextual no conjunto da urdidura do traçado urbano. Isso se deve, sobretudo, à presença, junto aos dois braços da ferrovia, de infraestruturas viárias seguindo paralelas à mesma. Assim, junto à linha 12 – Lilás, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM, segue a Avenida Doutor Assis Ribeiro, e junto às Linhas 3 – Vermelha do Metrô e 11 – Laranja da CPTM, segue a Radial Leste. No caso da microbacia urbana do Tiquatira, a linha 12 atravessa sua área de foz, seguindo paralela a um trecho da Avenida Gabriela Mistral, sendo transposta pelos viadutos Domingos Franciulli Netto e General Milton Taváres de Souza, que conectam a Avenida Governador Carvalho Pinto à Marginal Tietê. De modo geral, a ferrovia se comporta como uma barreira perimetral, criando situações pontuais de pequenas infraestruturas destinadas à sua transposição, como túneis e passarelas para pedestres. Porém, diferentemente da rede de infraestruturas de suprimento elétrico, a ferrovia guarda um traçado rígido e de difícil transposição, razão pela qual se resolveu abordar a sua problemática, no contexto dessa análise específica e das situações elencadas, como subordinada ao traçado viário. 152
4.4. DISCUSSÃO DOS CONFLITOS A partir dos componentes de análise das nascentes e infraestruturas, foram montadas fichas de análise que constituem o Apêndice deste estudo. Nestas, é possível perceber o parâmetro principal que possibilita evidenciar os conflitos: a proporção entre os espaços destinados para automóveis e para as pessoas no leito carroçável – rua, calçada, lote ou edificação. E, no caráter geral dessa interface entre espaços de fluxo de permanência, o que se observa é uma desproporção entre escala humana, coadjuvante, e a escala dos automóveis, protagonista. Conforme os desenhos das caixas de rua – seções esquemáticas, as situações de conflito da rede de infraestruturas metropolitanas podem ser divididas em quatro categorias: ordinárias, inusitadas, complexas e excepcionais, em função do conjunto de elementos que configura o espaço público viário do leito carroçável: solo permeável ou impermeável, hidrografia, e o parcelário ‐ lotes e edificações, como a fronteira entre o público e o privado. As situações ordinárias de conflitos (6, 7, 11, 13, 14, 19, 20, 22, 24, 26, 29, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 46) são aquelas relativas às vias que desempenham função direta na rede de infraestruturas metropolitanas, mas são de constituição mais simples, o que caracteriza uma maior inserção no tecido local. Porém, tais vias estão submetidas à prioridade regional de um volume de fluxo metropolitano de automóveis, explorando ao máximo a capacidade de suporte do tecido local. Para pedestres, essas vias atuam como lugares que poderiam ser definidos como áridos, inóspitos ou pouco convidativos, tanto para o deslocamento quanto para a permanência. Situações ordinárias de conflito operam, portanto, um comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de automóveis em escala metropolitana. As situações inusitadas são aquelas em que as infraestruturas de transposição – túneis e viadutos (3, 4, 5 e 31), e de suprimento elétrico – torres (44), estão muito próximas e mesmo em contato direto com os tecidos locais. Nesses casos, edificações ou assentamentos precários se apropriam dos espaços públicos residuais ocasionados por obras de infraestruturas que priorizaram, quando do seu projeto e implantação, apenas a questão metropolitana ou regional de trânsito rápido e passagem de automóveis. Situações 153
inusitadas são, portanto, aquelas em que habitações, em geral assentamentos precários, convivem lado a lado com as infraestruturas metropolitanas. As situações ditas complexas também guardam em si um caráter inusitado, mas se distinguem, sobretudo, ou pela escala macro de inserção no tecido, pois configuram grandes áreas (8, 9, 10, 15, 16, 17, 18, 30, 32, 40, 41 e 42), ou pela diversidade de infraestruturas articuladas. Assim, o Elevado da Penha – Viaduto Engenheiro Alberto Brada, surge como uma constante em quatro situações distintas, mas segmentadas (8, 9, 10 e 16), bem como a Radial Leste, que aparece em seis situações. (16, 17, 18, 30, 31, 32). As infraestruturas de fundo de vale, mesmo aquelas que poderiam ser definidas como ordinárias, também foram consideradas constituintes de situações complexas, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale (23, 25, 28, 37, 43 e 45). Esse tipo de situação ocorre tanto dentro como fora da microbacia, e reitera o padrão e o destino comum dessas áreas quando das intervenções de que foram objeto. A Avenida Governador Carvalho Pinto e o Parque Tiquatira (21), bem como a Estrada de Mogi das Cruzes (27) e a Ladeira da Penha (21), foram consideradas infraestruturas metropolitanas que apresentam na sua configuração uma consideração local por razões diversas. Como já foi dito, o Parque Tiquatira é uma notável exceção à prática que se estabeleceu nas obras de fundo de vale, sendo mais um elemento integrador entre as colinas da Penha e Cangaíba do que um elemento de divisão. Seu caráter compartilhado conjuga as diferenças que existem em ambas as colinas, e também realiza uma integração com os diversos tecidos locais. A Estrada de Mogi das Cruzes, ainda que numa escala transversal menor, possui um canteiro central arborizado e com pista de pedestres, caracterizando‐se com um boulevard que oferece uma alternativa a mais para o pedestre, em termos de deslocamento e lazer. Finalmente, a Ladeira da Penha, devido ao seu caráter histórico, ao seu acentuado declive, e também pela presença de edifícios habitacionais com comércios no rés‐do‐chão, apresenta uma consideração local que poderia ser definida como de resiliência da memória, ainda que esteja submetida de maneira saturada aos fluxos metropolitanos que a atravessam. Obras de transposição que servem exclusivamente à fluxos metropolitanos e regionais (2, 47, 48 e 49) também foram consideradas excepcionais, bem como o Parque Ecológico do 154
Tietê (1). Este último apresenta um caráter peculiar, sendo, ao mesmo tempo, componente de obra de infraestrutura viária regional – a Rodovia Ayrton Senna da Silva, e uma grande área de lazer pública. Nesse caso, e conflito de consideração local se dá justamente, pela apropriação do parque pela população, principalmente da Zona Leste, ainda que seu acesso seja deficitário de conexões com os tecidos locais adjacentes. O caráter básico das situações de conflitos entre tecidos locais e a hidrografia do sítio precedente, por sua vez, consiste dos vários modos que se ocultaram as nascentes da microbacia, na qual os anfiteatros foram quase que completamente loteados e ocupados. Em alguns casos, subsistem mesmo assentamentos precários nas orlas e sobre as nascentes (P01 e P09). Uma vez que o modo de intervenção que configurou os tecidos locais foi baseado no critério de ocultar as nascentes como que a todo custo, reduzindo ao máximo sua interferência em prol do aumento de solo urbano útil, pode‐se afirmar que nascentes que subsistem ainda a céu aberto constituem casos de exceção (P01 e P11). Assim, na maior parte das situações de conflitos, ocorre como que um esquecimento que torna a cidade alheia à sua própria memória. 4.5. RESULTADOS DA ANÁLISE O método de análise baseou‐se na série cartográfica elaborada neste capítulo, bem como nas fichas que compõem o APÊNDICE. Estas peças gráficas forneceram subsídios valiosos que revelaram minúcias e particularidades das situações estudadas, mas também, e, sobretudo, um caráter comum: a repetição à exaustão de um modo de fazer cidade e de se esconder os rios. Ironicamente, esse padrão, realizado quase que completamente, está também exaurido, sendo uma condição que limita uma potencialidade da cidade contida na sua própria memória. Inversamente, esta condição indica um caminho pelo qual a cidade pode, no futuro, se reinventar. Neste sentido, um primeiro resultado da análise consiste na reafirmação do caráter estratégico de projeto urbano tanto da rede de infraestruturas metropolitanas quanto da hidrografia dos tecidos locais.
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Os resultados da análise sintetizam o método utilizado, fruto dos procedimentos elencados nas matrizes analíticas, que buscaram evidenciar os conflitos e particularidades de cada uma das situações. Com relação à problemática sintetizada na matriz analítica da hidrografia das nascentes (Quadro 4.4), os dados mais significativos demonstram duas constantes, que permitem indicar uma caracterização geral. Quanto à inserção no traçado, 40,00% são frente de rua ou viela, e 37,14% realizam percursos fragmentados entre fundos de lote, frente de rua ou viela e becos. Quanto à situação desses cursos d’água, 68,57% são nascentes tamponadas, ou seja, praticamente 3/4 do total (Tabela 4.1). Tais valores indicam objetivamente a supressão da hidrografia enquanto elemento determinante do tecido, conforme se pôde observar nas comparações entre as Lâminas 2, 3, 4 e 5. Quanto à matriz analítica das infraestruturas (Quadro 4.5), da rede de infraestruturas metropolitanas em interface com a microbacia do Tiquatira, possível perceber, como caráter determinante, a discrepância de valores entre os conflitos ditos de prioridade regional (91,84%) e os de consideração local (8,16%). Assim, é possível afirmar que apenas uma quantidade ínfima das principais vias estruturantes do traçado urbano da região da microbacia do Tiquatira apresenta quantidades mínimas para o que se chamou de espaços intersticiais, que permitiriam, a partir de atributos oriundos de elementos urbanos específicos, momentos de permanência nos espaços de fluxos. Em compensação, os espaços residuais, aos quais se destinam pedestres, ciclistas e hidrografia são comuns e rotineiros nesse mesmo traçado, sendo preteridos em prol de um leito carroçável destinado hegemonicamente aos automóveis (Tabela 4.2). De modo geral, foi possível observar como a implantação progressiva de uma rede de infraestruturas foi vencendo, periodicamente, muitos dos obstáculos que caracterizam atributos originais do sítio precedente e, de um modo peculiar, realizou toda potencialidade desse sítio, no sentido de torná‐lo integralmente útil (MELLO, 2005, SANTOS, 2014). Doravante, essa realização implica toda uma problemática – das prioridades eleitas quando da conversão da bacia hidrográfica em sítio urbano, e quais suas consequências ou efeitos na articulação entre este e os tecidos locais, numa escala menor, e entre os tecidos locais e a rede de infraestruturas metropolitanas, numa escala maior. 156
Quadro 4.4a – Matriz analítica da Hidrografia ‐ inserção e situação das nascentes Fonte: elaborado pelo autor
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Quadro 4.4b – Matriz analítica da Hidrografia ‐ inserção e situação das nascentes Fonte: elaborado pelo autor
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Quadro 4.5a – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas Fonte: elaborado pelo autor
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Quadro 4.5b – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas Fonte: elaborado pelo autor
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Tabela 4.1 – Hidrografia – quantidades e porcentagens totais Fonte: elaborado pelo autor
Tabela 4.2 – Infraestruturas – quantidades e porcentagens totais Fonte: elaborado pelo autor
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Figura 4.12 – Tábua com as 35 situações de conflito entre nascentes e tecidos locais Fonte: elaborada pelo autor
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Figura 4.13 – Tábua com as 49 situações de conflito na rede de infraestruturas metropolitanas Fonte: elaborada pelo autor
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Observando a tábua de desenhos com o conjunto das 49 situações de conflito na rede de infraestruturas metropolitanas e as 35 situações de conflito nas nascentes da microbacia (Figuras 4.12 e 4.13), fica muito clara a discrepância de proporção entre o elemento humano, a hidrografia e as máquinas automobilísticas na totalidade do traçado urbano. Esse exercício de observação a partir dos desenhos dessas “caixas de rua” revelou, ainda que de modo esquemático, as características dessa interface entre o leito carroçável, calçamento e o parcelário, que constituem o espaço público do traçado urbano. São seções de desenho verticais complementares ao desenho do traçado, horizontal e visto de cima. Todo modo, o desenho foi o principal método utilizado nessa pesquisa, tanto para a observação da originalidade do sítio urbano da microbacia do Tiquatira quanto para a análise dos conflitos entre hidrografia e infraestruturas urbanas. Ou seja, as principais questões e inquietações da pesquisa foram equacionadas a partir do desenho, ao mesmo tempo registro e memória.
Figura 4.14 – Hipóteses de hidrografia Fonte: elaborada pelo autor
O método de localização das nascentes proposto nessa pesquisa difere daquele utilizado pela Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica e que foi divulgado recentemente como nova camada disponível no GeoSampa, banco de dados similar ao Mapa Digital da 164
Cidade. Nessa pesquisa a referência foram os mapas SARA Brasil de 1930, enquanto que na outra foi utilizado o método dos Talvegues, que são as linhas de fundo de vale, e que hoje equivale ao sistema de drenagem mapeado. Comparando ambos os desenhos (Figura 4.14), percebe‐se diferenças bem evidentes quanto ao número de nascentes mesmo e sua localização. De modo que vale dizer: localizar nascentes é um trabalho minucioso e estratégico, e acredito que não chegamos num método definitivo para dizer, com certeza, se tal e tal nascente ainda existem e com que desenho, uma vez que muitas se tornaram subterrâneas. De modo que tanto uma cartografia quanto a outra, enquanto instrumentos de representação, apresentam hipóteses de hidrografia, o que vale pesquisa mais aprofundada, dado não é assunto esgotado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Conforme foi exposto neste estudo, o sítio urbano e a bacia hidrográfica sobrepõem‐se como diferentes camadas de um mesmo território. A cidade se consolida a partir dessa relação de assentamento sobre o relevo e a hidrografia e, ainda que seja condicionada por estes, acaba por transformá‐los. Na região metropolitana de São Paulo, essa transformação se deu em função da apropriação de grande parte dos fundos de vale a fim de transformá‐ los em eixos viários. Nesse processo, tais compartimentos de relevo, delineados por cursos d’água, foram encarados basicamente como obstáculos que, uma vez superados, propiciaram um maior aproveitamento do solo urbano, bem como da sua capacidade de suporte, proporcional à implantação de novas infraestruturas. Porém, na maioria das intervenções, não foram considerados aspectos de integração local, e tanto a hidrografia quanto áreas originalmente alagáveis tiveram seus mecanismos naturais de permeabilidade do solo e transbordo preteridos, e foram completamente modificadas por obras de drenagem estrutural. Nessa lógica, a conversão da hidrografia e do relevo em um sistema ao mesmo tempo de drenagem e de transportes priorizou o leito carroçável para a utilização predominantemente automobilística, e moldou uma rede de espaços públicos que são, na escala local, em grande parte dos casos, inapropriados à permanência de pessoas e deficitários à passagem de pedestres.
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Na escala metropolitana, a rede de infraestruturas que configura o sítio urbano se conjuga e sobrepõe à bacia hidrográfica quando do seu traçado, e foi impulsionada por uma prerrogativa de utilização máxima do solo e de expansão de um sistema de transportes que priorizou o automóvel individual, em detrimento dos modais de transporte coletivo. O aproveitamento das áreas de várzea incluiu sobrepujar os limites da hidrografia precedente, deformando completamente a sua forma original, com a retificação dos meandros, fruto de um processo geomorfológico de longa data. No lugar, instalou‐se um amálgama técnico que não deixou margens para o caráter perene e ancestral dos cursos d’água, mas, antes, potencializou ao máximo uma retícula mais ou menos cartesiana, orientada por um traçado viário que prioriza o deslocamento automobilístico em detrimento do deslocamento de pedestres e da permanência das pessoas no espaço público. Aqui, enfim, cabe diferenciar os termos “precedente” e “original”, utilizados nessa pesquisa, ambos referindo‐se à memória do sítio. Ainda que usados como sinônimos, o termo precedente é relativo a um momento passado específico, no caso o ano de 1930. Do mesmo modo, poderíamos falar de um sítio precedente anterior à 1930, dado que nesse ano diversas obras de alteração do relevo e da hidrografia já haviam sido realizadas. O termo original, diferentemente, designa os atributos intrínsecos do sítio, o que tal sítio tem de peculiar e significativo, por exemplo, a gente dizer que o sítio urbano de São Paulo um “mar de colinas”, como observou o professor Aziz Ab’Saber, ou quando designamos o conjunto de áreas baixas desse sítio urbano como “espinhas de peixe”, ou seja, são atributos originais do sítio, e não apenas um momento pontual. O termo original indaga sobre a origem do sítio, sobre qual seria o seu caráter perene e ancestral, fruto de um processo geológico milenar. Quanto à escala intermediária, no caso da microbacia hidrográfica do córrego Tiquatira, na região da Penha à leste do município de São Paulo, pode‐se afirmar que, no passado, houve uma convivência entre cidade e rios. Isso por conta da baixa taxa de ocupação e impermeabilização dos fundos de vale bem como das encostas das colinas e anfiteatros de nascentes, componentes do relevo utilizados predominantemente para atividades agrícolas, no caso do microbacia do Tiquatira, e de extração mineral, no caso das várzeas do Tietê. Este uso específico das encostas e fundos de vale definiu um reconhecimento destes compartimentos do relevo como elementos do sítio original relevantes na constituição urbana, caracterizando uma situação de simbiose entre a bacia 168
hidrográfica e o sítio urbano. Além disso, o rio Tietê congregava atividades de lazer e esporte, como natação e remo, o que o caracterizava como elemento fundamental e indutor de uma cultura urbana congregada ao sítio original. Na atualidade, porém, os processos de urbanização tem realizado uma continuada ruptura entre o sítio original e a cidade que nele se assenta, no sentido das bacias hidrográficas terem se tornado, no conjunto dos seus componentes, apenas obstáculos condicionantes do sítio urbano. Assim, os cursos d’água foram relegados à invisibilidade e tornaram‐se ocultos para a própria cidade, e o que antes era uma vivência integrada, hoje se manifesta como uma memória descompassada. Na escala micro ou local, o que se observa é que a presença de nascentes57 não impediu a construção, mas, ao contrário, tornou‐se um padrão de obra de infraestrutura viária, convertendo as nascentes dos rios em ruas. Isso tornou‐se possível basicamente pelo recurso de canalização e tamponamento de grande parte dos talvegues, linhas inferiores das cavidades dos fundos de vale, distanciando em alguns metros as superfícies viárias e os córregos subterrâneos. Outra questão relevante consiste nas diferenças metodológicas que foram observadas quanto a definição das nascentes, referentes às bases cartográficas que foram expostas neste estudo. Ficaram evidentes os contrastes quanto às informações contidas no Mapa Digital da Cidade ‐ MDC, o Mapa Hidrográfico do Município de São Paulo, contido no Plano Municipal de Gestão do Sistema de Águas Pluviais de São Paulo ‐ PMGSAP‐SP (capítulo 3 ‐ Figuras 3.1, 3.3 e 3.5), em comparação com as bases que foram elaboradas no capítulo 4 a partir dos mapas SARA Brasil. Cada uma dessas bases apresenta diferentes nascentes para os principais cursos d’água da microbacia hidrográfica do Tiquatira, sendo que o MDC é a que apresenta menos informações e maior insuficiência metodológica, praticamente ignorando o conjunto das nascentes. O PMGSAP‐SP utiliza o conceito de talvegue para definição das nascentes, mas não identifica quais seriam os cursos d’água permanentes e aqueles que seriam sazonais, provenientes de cheias decorrentes da precipitação fluvial. Quanto aos mapas SARA Brasil ‐ principal fonte primária desta pesquisa, ainda que tenha se destacado a sua relevância enquanto registro histórico do sítio urbano, deve‐se considerar a possibilidade de que, devido ao caráter rural e espraiado da microbacia do 57 Cursos d’água de nível 1 e 2 segundo Strahler (1957) e bacias 4, 5 e 6 segundo Pfafstetter (1985). 169
Tiquatira em 1930, alguns cursos d’água possam ter sido esquecidos ou suplantados por conta de observações não tão minuciosas. Portanto, entende‐se que, para uma definição mais precisa e assertiva das nascentes da microbacia, uma etapa posterior de pesquisa se faz necessária, e consiste na análise pormenorizada de todos os talvegues, investigando‐os in loco. Além disso, entrevistas com habitantes que residem de longa data junto aos locais de possíveis nascentes seriam oportunas, bem como a busca por fotos antigas, para se comprovar onde estão de fato esses cursos d’água menores. Deve‐se considerar ainda que, devido à movimentação de terra quando dos processos de urbanização, algumas dessas nascentes tenham desaparecido completamente. Desse modo recomenda‐se um aprofundamento, por parte das instituições responsáveis, quanto aos parâmetros utilizados para o registro da hidrografia municipal, especialmente para as nascentes, no sentido de verificar as hipóteses de hidrografia aqui confrontadas. Uma reflexão final dessa pesquisa é: o quanto cada uma dessas hipóteses de hidrografia é verdadeira ou falsa. Não apenas enquanto dado técnico, mas, sobretudo, no sentido da gente se perguntar: como reconquistar, na forma de futuro possível, a riqueza dessa hidrografia, que diz respeito a uma terra natal, um lugar de pertença? Onde hoje existe apenas um sistema de drenagem subterrâneo, um monte de canos, um sistema viário ao rés‐do‐chão, um monte de carros. No fundo, a rua é líquida. Os carros, metal pesado. É realmente bem irônico que uma rede metropolitana de caráter tão complexo, cujo traçado guarda uma sobreposição tão encaixada com a bacia hidrográfica e com o sítio precedente como um todo, se manifeste, localmente, como lugares ora banais ora inóspitos, e isso mesmo nas porções de traçado em que atividades comerciais e de serviços acontecem de modo mais intenso. Enfim, são N inquietações que surgem quando nos atentamos ao desenho de uma cidade imperfeita, que foi construída rapidamente na urgência das demandas. Imperfeita no sentido das incongruências e contradições observadas entre a originalidade do sítio precedente, hoje perdida e fragmentada, e a complexidade da rede de infraestruturas metropolitanas que constituem o tecido urbano. Em suma, este estudo buscou contribuir para o reconhecimento do sítio urbano da microbacia do Tiquatira, tão extensa, diversificada e rica de detalhes, mas que foi tratada 170
como tabula rasa frente aos imperativos de um crescimento populacional e econômico calcado na expansão da rede de infraestruturas metropolitanas. Porém, quando vistos em minúcias e particularidades da escala local, percebe‐se que tais imperativos criaram conflitos que definem, na atualidade, a problemática desse lugar. Assim, tendo em vista que a cidade é um ente dinâmico, espera‐se que ações tanto de pesquisa quanto de planejamento futuro possam utilizar os dados sucintamente relatados aqui, e enriquecê‐los com outros enfoques e pontos de vista.
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REFERÊNCIAS
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APÊNDICE O Apêndice é composto por 84 fichas de análise das situações de conflito entre sítio urbano e bacia hidrográfica, sendo 49 situações elencadas da rede infraestruturas metropolitanas e 35 nascentes identificadas na microbacia. A rede de infraestruturas metropolitanas, numa escala macro, provoca conflitos nos tecidos locais, e estes, por réplica em escala micro, são a causa de conflitos nas nascentes da microbacia. Cada ficha é composta por uma foto de Google Street View, uma caracterização tópica e o desenho esquemático de uma seção transversal das vias analisadas – as “caixas de rua”.
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SITUAÇÃO 1
DESCRIÇÃO: Rodovia Ayrton Senna da Silva e Parque Ecológico Tietê TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação excepcional, mas de consideração local, devido à apropriação do parque pela população, ainda que seu acesso seja deficitário de conexões com os tecidos locais adjacentes CONEXÕES: 2 ‐ 40 – 41 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 3.500 178
SITUAÇÃO 2
DESCRIÇÃO: Ponte Grande, ligando os municípios de Guarulhos e São Paulo, transposição do rio Tietê e da Ferrovia TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação excepcional, obra de transposição que serve exclusivamente à
fluxos metropolitanos e regionais CONEXÕES: 1 ‐ 4 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 1.800 179
SITUAÇÃO 3
DESCRIÇÃO: Viadutos Domingos Franciulli Netto e General Milton Taváres de Souza TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: borda ou limite CONFLITOS: situação inusitada, em que assentamentos precários convivem lado a lado com uma infraestrutura metropolitana de transposição CONEXÕES: 1 ‐ 3 ‐ 4 ‐ 6 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 400 180
SITUAÇÃO 4
DESCRIÇÃO: Avenida Gabriela Mistral, margeando a ferrovia TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação inusitada, em que assentamentos precários convivem lado a lado com uma infraestrutura metropolitana de transposição CONEXÕES: 2 ‐ 3 ‐ 6 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 181
SITUAÇÃO 5
DESCRIÇÃO: Viaduto Cangaíba, ligando as colinas da Penha e Cangaíba TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação inusitada, em que assentamentos precários convivem lado a lado com uma infraestrutura metropolitana de transposição CONEXÕES: 7 ‐ 21 ‐ 22 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 800 182
SITUAÇÃO 6
DESCRIÇÃO: Avenida Gabriela Mistral, à meia encosta, junto ao Terminal Penha TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 4 ‐ 7 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 300 183
SITUAÇÃO 7
DESCRIÇÃO: Avenida Cangaíba, na colina da Penha TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 5 ‐ 6 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 300 184
SITUAÇÃO 8
DESCRIÇÃO: Avenida Airton Pretini, paralela ao Viaduto Engenheiro Alberto Badra TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 1 ‐ 9 ‐ 10 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 900 185
SITUAÇÃO 9
DESCRIÇÃO: Avenida Celso Garcia, antigo Caminho dos Tropeiros, ligando a colina da Penha ao centro de São Paulo TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 8 ‐ 10 ‐ 12 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 1.000 186
SITUAÇÃO 10
DESCRIÇÃO: Viaduto Engenheiro Alberto Badra e córrego Aricanduva canalizado TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale, mas também à escala de inserção no tecido, e à diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 8 ‐ 9 ‐ 11‐ 12 ‐ 16 ARTICULAÇÕES: 5
escala 1: 600 187
SITUAÇÃO 11
DESCRIÇÃO: Rua Guaiaúna, margeando o setor sudoeste da colina da Penha TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 10 ‐ 12 – 15 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 188
SITUAÇÃO 12
DESCRIÇÃO: Rua Coronel Rodovalho, conhecida como Ladeira da Penha TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: consideração local, que poderia ser definida como de resiliência da memória, devido ao seu caráter histórico, ao seu acentuado declive, e também pela presença de edifícios habitacionais com comércios no rés‐do‐chão, ainda que esteja submetida de maneira saturada aos fluxos metropolitanos de máquinas automotivas que a atravessam CONEXÕES: 7 ‐ 9 ‐ 11 ‐ 13 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 300 189
SITUAÇÃO 13
DESCRIÇÃO: Rua Padre Antonio Benedito, conexão entre a Avenida Penha de França e a a Rua Doutor Assis Ribeiro TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 7 ‐ 12 ‐ 14 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 250 190
SITUAÇÃO 14
DESCRIÇÃO: Avenida Amador Bueno da Veiga TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 13 ‐ 19 ‐ 20 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 191
SITUAÇÃO 15
DESCRIÇÃO: Piscinão do córrrego Rincão, margeado pela Avenida Doutor Orêncio Vidigal, e Rua Alvinópolis TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale, mas também à escala de inserção no tecido, e à diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 11 ‐ 17 ‐ 1 8‐ 19 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 1.000 192
SITUAÇÃO 16
DESCRIÇÃO: Viaduto Engenheiro Alberto Badra, transpondo a Radial Leste (Avenida Conde de Frontin e córrego Aricanduva canalizado TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 10 ‐ 17 ‐ 42 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 800 193
SITUAÇÃO 17
DESCRIÇÃO: Viaduto Carlos de Campos, transpondo a ferrovia e ligando a Rua Alvinópolis à Radial Leste TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 15 ‐ 19 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 600 194
SITUAÇÃO 18
DESCRIÇÃO: Viaduto Dona Matilde, transpondo a Radial Leste, servindo de alça para a Vila Guilhermina TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 15 ‐ 16 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 700 195
SITUAÇÃO 19
DESCRIÇÃO: Rua Maria Carlota e Avenida Padre dos Olivetanos, ligando o Viaduto Dona Matilde à Avenida Amador Bueno da Veiga TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 14 ‐ 18 ‐ 20 ‐ 25 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 500 196
SITUAÇÃO 20
DESCRIÇÃO: Avenida São Miguel, ligando a Avenida Amador Bueno da Veiga à Avenida Governador Carvalho Pinho e Avenida Dom Hélder Câmara TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 14 ‐ 19‐ 23 ‐ 24 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 400 197
SITUAÇÃO 21
DESCRIÇÃO: Avenida Governador Carvalho Pinto, margeando o Parque Linear do córrego canalizado Tiquatira TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: consideração local, uma notável exceção à prática que se estabeleceu nas obras de fundo de vale, sendo mais um elemento integrador entre as colinas da Penha e Cangaíba do que um elemento de divisão, na qual seu caráter compartilhado conjugando as diferenças que existem em ambas as colinas quanto ao desenho dos respectivos tecidos locais CONEXÕES: 3 ‐ 4 ‐ 5 ‐ 23 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 800 198
SITUAÇÃO 22
DESCRIÇÃO: Avenida Cangaíba TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 5 ‐ 37 ‐ 38 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 199
SITUAÇÃO 23
DESCRIÇÃO: Cruzamento entre Avenidas São Miguel, Governador Carvalho Pinto e Dom Hélder Câmara, e confluência dos córregos Franquinho e Ponte Rasa com Tiquatira TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale CONEXÕES: 20 ‐21 ‐ 25 ‐ 26 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 400 200
SITUAÇÃO 24
DESCRIÇÃO: Conexão complementar entre Avenidas Amador Bueno da Veiga e São Miguel, conectando também Avenidas Dom Hélder Câmara e Calim Eid TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 23 ‐ 24 ‐ 27 ‐ 28 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 300 201
SITUAÇÃO 25
DESCRIÇÃO: Conexão complementar entre Avenidas Amador Bueno da Veiga e São Miguel, conectando também Avenidas Dom Hélder Câmara e Calim Eid TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale CONEXÕES: 23 ‐ 24 ‐ 26 ‐ 28 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 400 202
SITUAÇÃO 26
DESCRIÇÃO: Avenida São Miguel, trecho contíguo ao córrego Ponte Rasa TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 23 ‐ 25 ‐ 27 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 400 203
SITUAÇÃO 27
DESCRIÇÃO: Estrada de Mogi das Cruzes TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: consideração local, pois possui um canteiro central arborizado e com pista de pedestres, e caracteriza com um boulevard que oferece uma alternativa a mais para o pedestre, em termos de deslocamento e lazer CONEXÕES: 25 ‐26 ‐ 33 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 400 204
SITUAÇÃO 28
DESCRIÇÃO: Avenida Calim Eid, margeando o córrego do Franquinho, canalizado TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale CONEXÕES: 25 ‐ 30 ‐ 31 ‐ 32 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 500 205
SITUAÇÃO 29
DESCRIÇÃO: Rua Itinguçú TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 24 ‐ 30 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 300 206
SITUAÇÃO 30
DESCRIÇÃO: Viaduto Itinguçú, transpondo a Radial Leste (Rua Doutor Luís Aires), e conectando a Rua Itinguçú com a Avenida Paraguassu Paulista TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 28 ‐ 29 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 500 207
SITUAÇÃO 31
DESCRIÇÃO: Túnel Águia de Haia, transpondo a ferrovia e conectando as Avenidas Águia de Haia e Radial Leste TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 28 ‐ 32 ‐ 33 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 208
SITUAÇÃO 32
DESCRIÇÃO: Viaduto Milton Leão, transpondo a Radial Leste, conectando as Avenidas Calim Eid e Águia de Haia à Avenida Itaquera TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 28 ‐ 31 ‐ 33 ‐ 47 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 800 209
SITUAÇÃO 33
DESCRIÇÃO: Avenida Águia de Haia, margeando a nascente do córrego Ponte Rasa, realizando uma ligação perimetral entre as Avenidas Radial Leste e São Miguel, cruzando também a Estrada de Mogi das Cruzes TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 27 ‐ 31 ‐ 34 ‐ 35 ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 300 210
SITUAÇÃO 34
DESCRIÇÃO: Avenida Paranaguá TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 33 ‐ 35 ‐ 37 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 211
SITUAÇÃO 35
DESCRIÇÃO: Avenida Boturussu TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 34 ‐ 37 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 300 212
SITUAÇÃO 36
DESCRIÇÃO: Avenida Olavo Egídio de Souza Aranha TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 38 ‐ 40 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 350 213
SITUAÇÃO 37
DESCRIÇÃO: Rua Reverendo José de Azevedo Guerra, margeando córrego Sem Nome, canalizado, e ligando a rua Doutor Assis Ribeiro à Avenida Paranaguá TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale CONEXÕES: 34 ‐ 35 ‐ 40 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 400 214
SITUAÇÃO 38
DESCRIÇÃO: Avenidas Cangaíba e Danfer, Rua Monsenhor Meireles TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 36 ‐ 39 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 250 215
SITUAÇÃO 39
DESCRIÇÃO Rua Rubens Fraga de Toledo Arruda, ligando a Avenida Cangaíba à Rua Doutor Assis Ribeiro TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 22 ‐ 38 ‐ 40 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 216
SITUAÇÃO 40
DESCRIÇÃO Rua Doutor Assis Ribeiro, túnel da Rua Cinco transpondo a ferrovia e ligando o Jardim Piratininga à colina do Cangaíba TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 1 ‐ 39 ‐ 41 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 400
217
SITUAÇÃO 41
DESCRIÇÃO Rua Doutor Assis Ribeiro, túnel da Rua Quatiara transpondo a ferrovia e ligando o Jardim Piratininga à colina do Cangaíba TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 1 ‐ 40 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 500 218
SITUAÇÃO 42
DESCRIÇÃO Avenida Aricanduva, margeando o rio de mesmo nome, canalizado TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale, mas também à escala de inserção no tecido, e à diversidade de infraestruturas articuladas entre si CONEXÕES: 16 ‐ 44 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 700
219
SITUAÇÃO 43
DESCRIÇÃO Avenida Doutor Bernardo Brito Fonseca de Carvalho, margeando o córrego Gamelinha TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale CONEXÕES: 18 ‐ 44 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 400 220
SITUAÇÃO 44
DESCRIÇÃO Avenida Itaquera TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 42 ‐ 43 ‐ 45 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 400 221
SITUAÇÃO 45
DESCRIÇÃO Avenida Itaquera TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale CONEXÕES: 43 ‐ 44 ‐ 46 ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300 222
SITUAÇÃO 46
DESCRIÇÃO Avenida Itaquera TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em escala metropolitana CONEXÕES: 45 ‐ 47 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 300 223
SITUAÇÃO 47
DESCRIÇÃO Viaduto Milton Leão TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação excepcional, obra de transposição que serve exclusivamente à
fluxos metropolitanos e regionais CONEXÕES: 32 ‐ 46 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 400 224
SITUAÇÃO 48
DESCRIÇÃO Avenida Miguel Ignácio Curi TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação excepcional, obra de transposição que serve exclusivamente à
fluxos metropolitanos e regionais CONEXÕES: 32 ‐ 47 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 800
225
SITUAÇÃO 49
DESCRIÇÃO Viaduto Marcos Zlotnik a Rodovia Ayrton Senna da Silva e a Rodovia Hélio Smidt TIPO de infraestrutura: viária de transposição POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual CONFLITOS: situação excepcional, obra de transposição que serve exclusivamente à
fluxos metropolitanos e regionais CONEXÕES: 1 ‐ 2 ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 600 226
NASCENTE PONTE RASA 01
DESCRIÇÃO: Nascente do córrego Ponte Rasa, com montante na faixa de servidão permanente da Petrobrás, fundo de lote da FATEC continua com diversos tipos de ocupação, inclusive assentamentos precários INSERÇÃO no tecido local: se ora são fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: aberta, porém foi objeto de infraestrutura parcial
escala 1: 500 227
NASCENTE PONTE RASA 02
DESCRIÇÃO: Nascente com montante no terreno da Escola Estadual Marinha do Brasil, e segue aterrada junto à faixa de cabos de alta tensão INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 300 228
NASCENTE PONTE RASA 03
DESCRIÇÃO: Nascente com montante na rua Japacari, segue pela Rua Engenheiro Osvaldo Andreani, depois Avenida Lagoa Mirim, quando encontra o córrego Ponte Rasa INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250 229
NASCENTE PONTE RASA 04
DESCRIÇÃO: Nascente com montante provável na Praça Maria Teresa da Silva, cruza as Ruas Nova Friburgo, Itapiruna, Arlete, e encontra o córrego Ponte Rasa no meio da quadra INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada
escala 1: 250 230
NASCENTE PONTE RASA 05
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante de traçado contínuo à Rua Santa Silveira, segue pela Rua Francisco Mairink, quando encontra o córrego Ponte Rasa INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 231
NASCENTE PONTE RASA 06
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Antônio de Albuquerque INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 232
NASCENTE PONTE RASA 07
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Humberto Dantas INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250 233
NASCENTE PONTE RASA 08
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Balsa Nova INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: aterrada
escala 1: 250 234
NASCENTE PONTE RASA 09
DESCRIÇÃO: Nascente entre as Ruas Manuel Mendes Ribeiro e Imperial, e cruza a Rua Gentil Braga à jusante, quando encontra o córrego Ponte Rasa INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada
escala 1: 250 235
NASCENTE PONTE RASA 10
DESCRIÇÃO: Nascente com montante no terreno da Escola Municipal de Ensino Fundamental Francisco de Mont'Alverne Frei, seguindo paralelo à Rua São Célso, cruzando a Avenida São Miguel, seguindo pela Rua Marangone, quando encontra o córrego Ponte Rasa INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250 236
NASCENTE PONTE RASA 11
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Galvão da Fontoura à montante, segue paralela à Rua Jerônimo Cabaral, depois entre as Ruas Quartel de São João e Rua Mateus Lourenço de Carvalho, cruzando a Rua Gentil Braga à jusante, quando encontra o córrego Ponte Rasa INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 250 237
NASCENTE PONTE RASA 12
DESCRIÇÃO: Nascente com montante paralelo à Travessa Lúcio Paulis, segue entre as Ruas Raimundo Mattiuzzo e Entre Rios INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 200 238
NASCENTE PONTE RASA 13
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Cristovão Camargo INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 300 239
NASCENTE FRANQUINHO 01
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante de traçado contínuo à Rua Padre José Vieira de Matos, cruza a Radial Leste à jusante, quando encontra o córrego do Franquinho INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 400 240
NASCENTE FRANQUINHO 02
DESCRIÇÃO: Nascente com montante provável no terreno do Centro de Educação Integral Oswaldo Aranha B. de Mello segue pela Avenida Padre Sena Freitas e cruza a Radial Leste à jusante, quando encontra o córrego do Franquinho INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 350 241
NASCENTE FRANQUINHO 03
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante, dobrando à jusante ‐ provável ‐ na Rua Boicorá INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 242
NASCENTE FRANQUINHO 04
DESCRIÇÃO: Nascente Avenida Hermilo Alves à montante, segue paralela à Rua Manuel Alves Ferreira e cruza a Rua Praia de Mucuripe INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 243
NASCENTE FRANQUINHO 05
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante, cruza a Avenida Nicolau Jacinto e segue paralela à Rua Rio Mearim, cruza a Avenida Calim Eid à jusante, quando encontra o córrego do Franquinho INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 300 244
NASCENTE FRANQUINHO 06
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Nea à montante, cruza a Avenida Calim Eid à jusante, quando encontra o córrego do Franquinho INSERÇÃO no tecido local: beco SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250 245
NASCENTE FRANQUINHO 07
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Breno Aciole INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 300 246
NASCENTE FRANQUINHO 08
DESCRIÇÃO: Nascente com Travessa João Jufre à montante, dobrando à jusante na Rua Papaia INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 247
NASCENTE FRANQUINHO 09
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Impatá à montante, cruza as Ruas Ferdinando Bertoni, Caçada Real, Travessa Angelo Ravanel, Ruas André Torresoni, Heloísa Ferraz Cesário de Castilho, Municipal, Amélia de Freitas Beviláqua, Coronel Estelita Ribas e segue pela Rua Corim, quando encontra o córrego do Franquinho INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 300 248
NASCENTE FRANQUINHO 10
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Coronel Américo Fontenele INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 300 249
NASCENTE FRANQUINHO 11
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Lorenzo Perosi INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 300 250
NASCENTE FRANQUINHO 12
DESCRIÇÃO: Nascente com montante equivalente à Rua Maidú, dobra na Rua São Quintino, depois na Rua Doná Rosa Santana, e depois na Rua Axoxè, cruza a Avenida Dom Hélder Câmara e encontra o córrego do Franquinho INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 251
NASCENTE TIQUATIRA 01
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Sargento Resende INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 252
NASCENTE TIQUATIRA 02
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Laurentina Jorge Ribeiro à montante, segue pela Travessa Ângelo Arroyo, depois Rua Professora Dúlce de Almeida, cruza a Avenida Governador Carvalho Pinto e encontrar o córrego Tiquatira INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada
escala 1: 200 253
NASCENTE TIQUATIRA 03
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua do Direito à montante, cruza lote privado, segue pela Rua Tarumã, cruza a Avenida Governador Carvalho Pinto e encontra o córrego Tiquatira INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 250 254
NASCENTE TIQUATIRA 04
DESCRIÇÃO: Nascente com montante equivalente à Rua Cláudio Barnabé, cruza a Rua Odete, depois a Avenida Governador Carvalho Pinto, e encontra o córrego Tiquatira INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 350 255
NASCENTE TIQUATIRA 05
DESCRIÇÃO: Nascente com montante provável no terreno da Escola Professor José de Campos Camargo, segue entre as Ruas Enéas de Barros e Cumanaxos, depois segue a Rua Carlos Frederico Leis INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250 256
NASCENTE TIQUATIRA 06
DESCRIÇÃO Nascente com montante equivalente à Rua Faustino Paganini, dobra na Rua Antônio Paganini, e depois na Rua Firmiano Cardoso INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 350 257
NASCENTE TIQUATIRA 07
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Brita, segue pela Rua Bangué, depois Oldham, e dobra na Rua Manual José Viana INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 258
NASCENTE TIQUATIRA 08
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Travessa Neide INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200 259
NASCENTE TIQUATIRA 09
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Ritchmont, dobra a Rua Oxford, cruza a Avenida Governador Carvalho Pinto e encontra o córrego Tiquatira INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250 260
NASCENTE TIQUATIRA 10
DESCRIÇÃO: Nascente com montante na Rua Maria Teresa Assunção, dobra na Rua Cequilho, e segue paralelo à Rua Guilherme Rudge INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 400 261
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