ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS: A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015)

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE  PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO      LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA      ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS:  A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015)                    São Paulo  2016 

 

LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA              ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS:  A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015)      Dissertação  apresentada  ao  Programa  de  Pós‐Graduação em Arquitetura e Urbanismo  da  Universidade  Presbiteriana  Mackenzie,  para  obtenção  do  título  de  mestre  em  Arquitetura e Urbanismo.  Orientadora:  Prof.  Drª.  Angélica  Tanus  Benatti Alvim    São Paulo  2016  2   

                       

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LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA  ENTRE HIDROGRAFIA E INFRAESTRUTURAS URBANAS:  A microbacia hidrográfica do Tiquatira no município de São Paulo (1930‐2015)    Dissertação  apresentada  ao  Programa  de  Pós‐Graduação em Arquitetura e Urbanismo  da  Universidade  Presbiteriana  Mackenzie,  para  obtenção  do  título  de  mestre  em  Arquitetura e Urbanismo.  Orientadora:  Prof.  Dr.  Angélica  Tanus  Benatti Alvim      Aprovado em 29 de Fevereiro de 2016,  BANCA EXAMINADORA 

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Para Innocencia Gonçalves da Silva, a vó Nô                          5   

AGRADECIMENTOS    A  Luiz  Gonzaga  da  Silva,  pai,  que  dedicou  sua  vida  profissional  à  ciência  das  águas  e  das  infraestruturas hídricas, e me incentivou a cursar o mestrado, contribuindo, com olhar crítico  e atento, nas várias etapas de produção e revisão da pesquisa.  A  Lenilélia  Abbamonte  da  Silva,  mãe,  educadora  amante  da  arte,  conhecedora  do  diálogo  com as pessoas, me ensinando sensibilidade, diplomacia, fruição e graça.  A Juliana Okuda Campaneli, companheira, sempre acompanhando entusiasmada, no olho do  furacão, os percalços, avanços, reflexões e descobertas dessa pesquisa.  A  Daisaku  Ikeda,  mestre  budista  e  filósofo  do  mundo,  que  me  auferiu  a  têmpera  para  observar, refletir e lapidar constantemente a vivência contínua que constituí a memória, o  conhecimento e a sabedoria da vasta e insondável experiência humana na Terra. “Observe  cuidadosamente. Reflita profundamente. Execute num instante”.  A  Angélica  Tanus  Benatti  Alvim,  orientadora,  pela  paciência  e  dedicação  com  que  me  ensinou  a  disciplina  e  a  responsabilidade  da  pesquisa  acadêmica,  e  também  sobre  o  comprometimento do pesquisador na instituição em que atua.  A  todos  os  participantes  do  grupo  de  pesquisa  Questões  Urbanas:  Design,  Arquitetura,  Planejamento  e  Paisagem,  por  todas  as  vivências  e  troca  de  experiências  nas  visitas  em  campo nas regiões da Penha e do Itaim Paulista. Em especial a Mauro Claro, líder do grupo e  às queridas colegas Maria Cecília Sampaio Freira Namur, Violêta Kubrusly e Ana Paulo Calvo,  pessoas  visionárias  de  uma  das  mais  belas  e  sólidas  pontes  possíveis:  o  encontro  entre  Universidade e Comunidade.  A  equipe  que  produziu  o  projeto  “Qualificação  Urbano‐Ambiental  em  Áreas  de  Risco:  Córrego  Tijuco  Preto  –  Itaim  Paulista”  para  o  “Atelier  Ensaios  Urbanos”,  proposto  pela  Secretaria  Municipal  de  Desenvolvimento  Urbano  do  Município  de  São  Paulo.  Em  especial  aos queridos colegas capixabas Heraldo Ferreira Borges e Flávia Botechia, que desde então  tanto me enriqueceram com suas experiências quanto ao “olhar a cidade”, ao mesmo tempo  método,  meditação  e  prática,  caligrafia  cartográfica.  E  a  querida  colega  Beatriz  Rocha,  6   

“caçula da graduação”: a seriedade da estudante que faz com excelência aquilo que deve ser  bem feito.  As  queridas  colegas  e  professoras  Denise  Antonucci  e  Larissa  Ferrer  Branco  que  me  aceitaram e instruíram durante o estágio acadêmico na disciplina de Urbanismo V.  A todo o corpo discente do Departamento de Pós‐Graduação em Arquitetura e Urbanismo  da  Universidade  Presbiteriana  Mackenzie  e,  em  especial  aos  professores  com  quem  tive  contato direto: Carlos Guilherme Mota, Valter Caldana, Célia Regina Morette Meireles, Paulo  Roberto Righi, Gilda Collet Bruna, Isabel Villac, Cândido Malta Campos, Nadia Somekh, Abílio  Guerra, Eunice Helena Abascal, Ana Gabriela Goudinho Lima, Rafael Antônio Cunha Perrone,  José Geraldo Simões Júnior e Heliana Angotti‐Salgueiro.  A  Coordenação  de  Aperfeiçoamento  de  Pessoal  de  Ensino  Superior  ‐  CAPES,  fundação  do  Ministério  da  Educação  (MEC)  da  República  Federativa  do  Brasil,  pela  oportunidade  e  benefício  de  realizar  essa  pesquisa,  em  financiamento  conjunto  com  a  Universidade  Presbiteriana Mackenzie, na modalidade bolsista de dedicação integral.  A todas as amizades, colegas, encontros e encantarias que não foram citados diretamente,  mas que fazem parte desse tecido urbano que é a vida, a “Rede de Indra”, e do qual essa  pesquisa é apenas um nó, madrepérola, ou um fio de seda.   

 

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RESUMO    Este  estudo  discute  a  relação  entre  água  e  cidade,  entre  rios  e  ruas,  e  analisa  a  formação,  transformação  e  consolidação  do  sítio  urbano  de  São  Paulo  a  partir  de  uma  unidade  da  geografia  física,  a  bacia  hidrográfica.  Consideram‐se  as  diferentes  escalas  de  inserção da bacia no território, e destacam‐se, como componentes principais da pesquisa, a  hidrografia,  o  relevo  e  as  infraestruturas  urbanas.  Neste  contexto,  a  área  da  microbacia  hidrográfica do Córrego Tiquatira, na região da Penha foi escolhida como estudo de caso. O  ano de 1930 foi definido como momento inicial do recorte temporal, por revelar, com base  na cartografia SARA Brasil, a riqueza do sítio precedente e o caráter de convivência entre o  núcleo urbano dessa região e o conjunto dos cursos d’água. Atualmente, porém, o quadro é  o  inverso,  e  o  relevo  –  em  especial  os  fundos  de  vale  e  os  anfiteatros  de  nascentes  –  foi  completamente transformado em prol da criação de solo urbano útil, e a hidrografia do sítio  precedente convertida, quase que integralmente, em um sistema viário, parte de uma rede  de  infraestruturas  metropolitanas.  Este  estudo  é  composto  de  duas  partes:  a  primeira  apresenta uma conceituação sobre bacia hidrográfica e sua conversão em sítio urbano, no  capítulo  1;  contextualiza  brevemente  a  transformação  do  sítio  urbano  de  São  Paulo  em  função do rio Tietê e seus afluentes, no capítulo 2; e discorre sobre a formação histórica da  região da Penha, destacando alguns fatores relevantes na sua transformação e consolidação  urbana,  no  capítulo  3.  A  segunda  parte,  capítulo  4,  descreve  a  construção  do  método  utilizado para a análise da microbacia hidrográfica inserida no tecido urbano, destacando a  relação  entre  a  hidrografia,  o  relevo,  os  tecidos  locais  e  a  rede  de  infraestruturas  metropolitanas, e evidenciando os conflitos existentes nessa articulação.    PALAVRAS CHAVE: bacia hidrográfica, rede de infraestruturas metropolitanas, sítio urbano,  São Paulo, microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira.   

 

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LISTA DE FIGURAS    Figura 1.1 – A bacia hidrográfica – hidrografia, relevo e escoamento das águas  Figura 1.2 – A bacia hidrográfica – sub‐bacias  Figura 1.3 – O ciclo hidrológico  Figura 1.4 – As bacias de drenagem dos principais oceanos e mares do mundo  Figura 1.5 – Codificação de bacias hidrográficas Nível 1  Figura 1.6 – Esquema de hierarquia de canais de uma bacia hidrográfica  Figura 1.7 – Balanço hídrico, escoamento e geometria  Figura 1.8 – Decomposição sistêmica do tecido urbano ‐ Colina da Penha  Figura 1.9 – Urdidura e trama  Figura 2.1 – A bacia hidrográfica do Paraná  Figura 2.2 – Esquema geomorfológico do Estado de São Paulo  Figura 2.3 – A bacia Hidrográfica do Rio Tietê  Figura 2.4 – Hidrografia da região de São Paulo  Figura 2.5 – Rede ferroviária estadual (espaço regional)  Figura 2.6 – Sub‐bacias do Alto Tietê  Figura 2.7 – Hidrografia da bacia do Alto Tietê  Figura 2.8 – O Plano de Avenidas a partir do Mapa SARA Brasil  Figura 2.9 – Crescimento da mancha urbana de São Paulo  Figura 2.10 – Mancha Urbana  1952 e obras de infraestrutura em andamento  Figura 2.11 – Mancha Urbana em 1962 e obras de infraestrutura concluídas  9   

Figura 2.12 – Mancha Urbana em 1983 e obras de infraestrutura em andamento  Figura 2.13 – Mancha Urbana em 1995 e obras de infraestrutura em andamento  Figura 3.1 – Hidrografia do município de São Paulo  Figura 3.2 – Hipsometria do município de São Paulo  Figura 3.3 – Bacias hidrográficas do município de São Paulo  Figura 3.4 – Inserção da microbacia Tiquatira na Zona Leste do Município de São Paulo  Figura 3.5 – Microbacia do Tiquatira  Figura 3.6 – Hydra  Figura 3.7 – Parque Tiquatira e colinas: à esquerda, Cangaíba, à direita, Penha, 2012  Figura 3.8 – Viaduto Cangaíba e o Tiquatira canalizado, 1986   Figura 3.9 – Colina da Penha e o Viaduto, 1986  Figura 3.10 – Freguesia da Penha, entre São Paulo e o aldeamento de São Miguel do Ururaí  Figura 3.11 – Vista da Colina da Penha com o rio Aricanduva em primeiro plano, 1817  Figura 3.12 – Estação Guaiaúna, com fábrica ao fundo, 1940  Figura  3.13  –  Palacete  Rodovalho,  igreja  da  Penha  e  a  passarela  de  acesso  ao  ramal  ferroviário, 1905  Figura 3.14 – Vila Guilhermina, 1942  Figura 3.15 – Vila Esperança, 1942  Figura 3.16 – Rua Padre Antônio Benedito, 1979  Figura 3.17 – Centro Esportivo da Penha, 1934  Figura 3.18 – Zona Agrícola do Vale do Tiquatira, cheia do Rio Tietê, 1941  Figura 3.19 – Atividades Econômicas nas várzeas do Tietê, 1941  10   

Figura 3.20 – Colina da Penha, 2014  Figura 3.21 – Projeto de urbanização do fundo de vale do Córrego Tiquatira  Figura 3.22 – Parque Tiquatira e Avenida Governador Carvalho Pinto, 2015  Figura 3.23 – Oito situações de assentamentos precários entre na foz do Tiquatira  Figura 3.24 – Viaduto Cangaíba, 1986  Figura 3.25 – Viaduto Cangaíba, 2015  Figura 3.26 – Vista da extinta Favela Tiquatira, 2010  Figura 3.27 – Avenida Calim Eid e Córrego do Franquinho, 2015  Figura 3.28 – Córrego Ponte Rasa, 2015  Figura 3.29 – Avenida Pedra Preta e Córrego Ponte Rasa, 2015  Figura 4.1 – Elaboração da base cartográfica de 1930 ‐ procedimento de subtração  Figura 4.2 – Elaboração da base cartográfica de 2015 ‐ procedimento de adição  Figura 4.3 – LÂMINA 1: MICROBACIA DO CÓRREGO TIQUATIRA – HIPSOMETRIA, 1930  Figura 4.4 – LÂMINA 2: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 1930  Figura 4.5 – LÂMINA 3: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 2015  Figura 4.6 – LÂMINA 4: IDENTIFICAÇÃO DE NASCENTES ‐ HIDROGRAFIA, 1930   Figura 4.7 – LÂMINA 5: INFRAESTRUTURAS METROPOLITANAS ‐  CONFLITOS, 2015  Figura 4.8 – LÂMINA 6: FOTO AÉREA ‐ REPRESENTAÇÃO DO TECIDO URBANO, 2015  Figura 4.9 – Nascente 7 do Córrego Tiquatira ‐ tampão e as bocas de lobo, 2014  Figura 4.10 – Faixa de alta tensão atravessando a Avenida Cangaíba, 2011  Figura 4.11 – Faixa de alta tensão atravessando margeando a Rua Rocha Fraga, 2010  Figura 4.12 – Tábua com as 35 situações de conflito entre nascentes e tecidos locais  11   

Figura 4.13 – Tábua com as 49 situações de conflito na rede de infraestruturas  metropolitanas  Figura 4.14 – Hipóteses de hidrografia    LISTA DE TABELAS    Tabela 2.1 – Crescimento populacional e aumento da frota de automóveis  Tabela 4.1 – Hidrografia – quantidades e porcentagens totais  Tabela 4.2 – Infraestruturas – quantidades e porcentagens totais    LISTA DE QUADROS    Quadro 3.1 – Fases de formação e consolidação da região da Penha  Quadro 3.2 – Obras de infraestrutura nos principais cursos d’água da microbacia do Tiquatira  Quadro 4.1 – Matriz analítica para elaboração cartográfica  Quadro 4.2 – Procedimentos de análise  Quadro 4.3 – Conflitos entre bacia hidrográfica e infraestruturas    Quadro 4.4 – Matriz analítica da Hidrografia ‐ inserção e situação das nascentes  Quadro 4.5 – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas   

 

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SUMÁRIO   PRÓLOGO .............................................................................................................................. 15  INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 20  1.  INTERFACE ENTRE BACIA HIDROGRÁFICA E SÍTIO URBANO ............................................ 29  1.1. BACIA HIDROGRÁFICA: CARACTERIZAÇÃO, COMPONENTES E ESCALAS ....................... 31  1.1.1. Critérios de classificação da bacia hidrográfica ...................................................... 34  1.1.2. Componentes da bacia hidrográfica: hidrografia e relevo ..................................... 38  1.1.3. Compartimentos da bacia hidrográfica: cumeeiras, encostas e fundos de vale .... 42  1.2. PROBLEMÁTICA DA BACIA HIDROGRÁFICA CONVERTIDA EM SÍTIO URBANO .............. 44  1.3. DECOMPOSIÇÃO ANALÍTICA DO SÍTIO URBANO ........................................................... 48  1.3.1. Tecido Urbano ......................................................................................................... 48  1.3.2. Traçado Urbano ....................................................................................................... 52  1.3.3. Infraestruturas urbanas .......................................................................................... 55  2. BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO TIETÊ E O SÍTIO URBANO DE SÃO PAULO ..................... 59  2.1.  BACIA HIDROGRÁFICA DO TIETÊ E A GEOMORFOLOGIA DE SÃO PAULO ..................... 62  2.2. SUB‐BACIA DO ALTO TIETÊ E A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO .................. 69  2.2.1. Rio Tietê: objeto de projetos de infraestruturas urbanas ...................................... 72  2.2.2. Marginal Tietê: retificação e canalização do rio ..................................................... 79  2.2.3. As obras de fundo de vale nas sub‐bacias do Rio Tietê: replicação de uma  experiência ........................................................................................................................ 82  13   

3. MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ................ 86  3.1. AS MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ............................. 88  3.2.  A MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NA REGIÃO DA PENHA ...................... 93  3.2.1.  A microbacia urbana como urbanismo de colinas ................................................. 96  3.2.2.  Microbacia rural: o núcleo urbano original da colina da Penha ............................ 97  3.2.3.  Microbacia urbana: a implantação da infraestrutura ferroviária ........................ 103  3.2.4.  Microbacia metropolitana: o sistema automobilístico ........................................ 108  3.3.  A TRANSFORMAÇÃO DOS FUNDOS DE VALE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA ......... 115  3.4. SITUAÇÃO ATUAL DA MICROBACIA DO TIQUATIRA .................................................... 120  3.5. TRANSFORMAÇÃO URBANA DA MICROBACIA DO TIQUATIRA: CONSIDERAÇÕES ...... 125  4. MICROBACIA URBANA DO TIQUATIRA: EVIDENCIANDO CONFLITOS ............................. 127  4.1. COMPLEXIDADE E FRAGMENTAÇÃO NAS ESCALAS E TEMPO DO TECIDO URBANO ... 129  4.2. MÉTODO DE ANÁLISE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA .............................................. 133  4.3. IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS DA MICROBACIA ..................................................... 146  4.4. DISCUSSÃO DOS CONFLITOS ........................................................................................ 153  4.5. RESULTADOS DA ANÁLISE ............................................................................................ 155  CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 166  REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 172  APÊNDICE ............................................................................................................................ 177   

 

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          PRÓLOGO  do grego πρόλογος ‐ prólogos, pelo latim prologos, “o que se diz antes”                         

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              A  cidade  é  o  palco  onde  se  desenrola  o  drama  da  vida  cotidiana.  Uma  rua,  uma  avenida, uma ponte, uma casa, um edifício ou um bairro são expressões típicas desse palco,  e assim a cidade como um todo. Tal palco é construído sobre um sítio original, uma porção  do  relevo  terrestre  dotada  de  características  gerais,  atributos  e  particularidades.  Um  rio,  uma colina, um vale, uma várzea, um bosque ou uma serra são expressões possíveis desse  sítio,  e  vão  condicionar  o  modo  como  se  configura  a  cidade.  Atualmente,  as  metrópoles  contemporâneas  constituem  uma  das  expressões  mais  notáveis  da  capacidade  humana  de  transformar  o  sítio  precedente,  e  encontram  seu  complemento  direto  e  necessário  nas  grandes obras de caráter industrial e impacto regional, como usinas hidrelétricas e campos  de produção agrícola.  Na  cidade,  quem  protagoniza  o  drama  da  vida  cotidiana  são  as  pessoas,  o  gênero  humano, junto com toda a fauna e flora existente e possível. Porém, o estudo que se segue  será  focado  numa  reflexão  acerca  da  constituição  física  da  cidade  enquanto  expressão  cenográfica do palco. Pois, se o drama da vida na cidade se dá em função do movimento das  pessoas  e  da  dinâmica  das  máquinas  –  manifestando  um  caráter  transitório,  a  forma  resultante da cidade apresenta um caráter estático e factível de análise. É neste sentido que  se  torna  oportuna  a  máxima  de  Bertold  Brecht,  no  poema  Sobre  a  violência:  “do  rio  que  tudo arrasta,  diz‐se  que  é  violento.  Mas  ninguém  chama  violentas  as  margens  que  o  comprimem” (1973, p. 71). A cidade é uma expressão consistente dos processos da criação  humana em conjunto com as forças da natureza, e reflexo da ação humana constituída sobre  um lugar de pertença.  16   

Foi  com  maestria  que  o  escritor  Guimarães  Rosa  narrou  o  drama  da  pertença  e  da  natalidade entre o permanente e o transitório da vida humana, no conto A terceira margem  do rio: “nosso pai não voltou. Ele tinha ido à nenhuma parte. Só executava a invenção de se  permanecer  naqueles  espaços  do  rio,  de  meio  a  meio,  sempre  dentro  da  canoa,  para  dela  não  saltar,  nunca  mais”  (1967,  p.33).  O  rio,  sempre  em  movimento,  e  a  canoa  tornada  imóvel por uma âncora, coabitam. A cidade como uma ponte, um encontro, no tempo, de  partes distintas.  No conto Os construtores de pontes, de Rudyard Kipling, o motivo da narrativa se dá  no contraste entre o sítio original do rio Ganges, também divindade ancestral na cultura e  tradição  filosófica  da  Índia,  e  a  construção  de  uma  nova  civilização,  inglesa  e  ocidental,  simbolizada no advento tecnológico da ponte – a ligação entre dois mundos diferentes. Essa  empreitada é como que uma verdadeira batalha entre homem e divindade, entre natureza e  artifício. O rio é um obstáculo a ser vencido, e o homem esbarra nas forças da natureza e da  religião que o rio evoca. Em dado momento, uma cheia do Ganges, consequência das chuvas  de  verão,  ameaça  destruir  os  pilares  da  ponte,  e  a  cena  se  transfigura  numa  reunião  de  divindades.  Discutem  então  sobre  qual  seria  o  justo  desfecho  para  aquela  situação,  que  sintetizava  um  embate  entre  civilizações.  É  nessa  hora  que  o  rio  Ganges,  a  mãe  Gunga,  percebendo que deveria se submeter ao consenso das outras divindades, grita aos demais:  “então eu estou sozinha, seres celestiais? Devo abrandar meu caudal para não lhes derrubar  os  muros?  Acaso  Indra  há  de  secar  as  minhas  fontes  nas  colinas,  fazendo  com  que  eu  me  arraste humildemente? Devo sepultar‐me na areia para não os ofender?” (1898, p. 483). Por  fim, sob a justificativa da transitoriedade da obra humana, que sempre se desgasta na ação  do tempo, mãe Gunga cede, e as divindades acordam que prossigam as obras de construção  da ponte – integração entre as duas culturas.  Mas a preocupação de mãe Gunga tinha fundamento. Recentemente, no Brasil, em 5  de  Novembro  de  2015,  ocorreu  o  rompimento  da  barragem  de  Fundão  no  município  de  Mariana  (MG),  construída  na  foz  de  um  tributário  do  Rio  Doce,  e  servia  de  depósito  de  rejeitos provenientes da exploração de minério de ferro. A lama que desceu o rio, tóxica de  metais pesados, erradicou toda a sua fauna aquática. Atravessou os Estados de Minas Gerais  e  do  Espírito  Santo,  comprometendo  drasticamente  o  abastecimento  de  água  de  várias  cidades em seu curso, antes de alcançar o Oceano Atlântico, transformando em imensa lama  17   

marrom  o  verde  azul‐escuro  do  mar.  O  historiador  Luiz  Antônio  Simas  se  referiu  a  esse  desastre, na crônica As duas mortes do Rio Doce (2015), como sendo aquele provocado pelo  homem da técnica:  Heidegger  adorava  os  Rios,  de  Hölderlin,  sobretudo  quando  o  poeta  dizia  que  o  rio  peregrina  e  funda  a  ideia  de  natalidade.  (...)  Pertencimento,  em  suma. Desta sensação de que pertencemos ao rio e ao lugar por onde o rio  passa, e sempre fica, vem a sacralidade dos cursos das águas. Para aquele  que  Heidegger  chama  de  homem  da  técnica,  todavia,  o  rio  é  o  objeto  presentificado.  Serve  apenas  para  ser  manipulado  objetivamente,  em  virtude dos interesses materiais concretos dos homens. 

Essa  idéia  de  natalidade,  de  pertencimento  a  uma  terra  natal,  relaciona‐se  com  a  originalidade  do  sítio  precedente,  no  sentido  deste  possuir  características  intrínsecas  e  inalienáveis. Contudo, como será apresentado nesse estudo, a convivência passada do sítio  urbano  com  os  elementos  geográficos  preexistentes  foi  substituída  por  uma  ruptura  continuada em prol de uma concepção de cidade que ignora e se aliena das suas próprias  origens,  construída  pelo  mesmo  homem  da  técnica.  Esse  tipo  de  cidade  emudece  os  rios,  como versou João Cabral de Melo Neto no poema Rios sem discurso (1965, p.229‐230):  Quando um rio corta, corta‐se de vez  o discurso‐rio de água que ele fazia;  cortado, a água se quebra em pedaços,  em poços de água, em água paralítica.  Em situação de poço, a água equivale  a uma palavra em situação dicionária:  isolada, estanque no poço dela mesma,  e porque assim estancada, muda,  e muda porque com nenhuma comunica,  porque cortou‐se a sintaxe desse rio,  o fio de água por que ele discorria.  O curso de um rio, seu discurso‐rio,  chega raramente a se reatar de vez;  um rio precisa de muito fio de água  para refazer o fio antigo que o fez.  Salvo a grandiloquência de uma cheia  lhe impondo interina outra linguagem,  um rio precisa de muita água em fios  para que todos os poços se enfrasem:  se reatando, de um para outro poço,  em frases curtas, então frase e frase,  até a sentença‐rio do discurso único  em que se tem voz a seca ele combate. 

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Nas  cidades  dos  rios  sem  discurso,  as  obras  de  infraestruturas  urbanas  preteriram  o  sítio precedente, em prol de uma mais‐valia dos fluxos que atravessam a cidade. É esta mais‐ valia,  porém,  que  ocasiona  alguns  dos  principais  impactos  e  conflitos  que  caracterizam  a  metrópole contemporânea. Nesse sentido, a reflexão de Simas é fundamental para embasar  um estudo acerca da cidade dos rios sem discurso (2013, p.70):  A  lição  de  Exu  –  trabalhe  apenas  nos  tempos  vagos  –  soa  como  um  despropósito  dentro  da  lógica  produtivista  das  sociedades  atuais.  (...)  Tristes tempos em que um tênis de marca e o carro do ano viram totens, e  as  árvores,  pedras  e  rios,  antes  sagrados  –  morada  de  orixás,  inquices,  voduns, ancestrais e caboclos encantados –, são apenas coisas que podem  ser  modificadas,  extintas,  profanadas  ou  mantidas  de  acordo  com  a  demanda da produção. (...) Ao não escutar Exu, corremos o risco de Tempo  –  que  haverá  de  nos  julgar  na  Noite  Grande  –  nos  condene  como  o  povo  que sacralizou o carro e profanou os rios. 

 

 

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  INTRODUÇÃO  A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas 

 Mario Quintana   

 

 

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                Este estudo partiu de uma inquietação ou curiosidade inicial sobre as águas urbanas,  conceito  que  orientou  toda  a  reflexão  aprofundada  nesta  pesquisa.  Principiou  com  um  questionamento sobre a relação entre o sítio urbano de São Paulo e os seus cursos d’água, e  buscou  elencar  quais  foram  os  principais  processos  constituintes  que  a  determinaram,  e  como estes resultaram na sua configuração atual. Após um processo metodológico no qual  foram exploradas várias frentes de interesse1, tal pesquisa culminou em um foco de análise  que  destaca  dois  tipos  de  elementos  urbanos:  os  rios  e  as  ruas  da  cidade.  Nesse  sentido,  delineou‐se uma tentativa de estabelecer uma ponderação entre uma unidade de análise – a  bacia hidrográfica, e as infraestruturas urbanas como camada de cidade a ser analisada.  Este enfoque determinou a escolha do conceito de tecido urbano como uma matriz de  desenho  a  partir  da  qual  são  extraídas  as  camadas  e  categorias  para  análise  do  sítio.  Tal  escolha implicou também uma limitação metodológica quanto à capacidade e abrangência  da escala de analise e exigiu, portanto, um recorte conceitual para delimitação da sua área,  ou seja, a definição de um perímetro físico para caracterizar o objeto empírico. Assim, como  recorte conceitual adotou‐se uma unidade oriunda da geografia física, a bacia hidrográfica,  por conter tanto o elemento da hidrografia quanto do relevo, ambos indispensáveis para o  entendimento de como se dá a formação, transformação e consolidação de um estrato do  sítio urbano a partir das infraestruturas que a caracterizam.                                                               1   Entre  as  quais  a  gestão  de  políticas  públicas  urbanas  e  o  estudo  comparativo  de  unidades  territoriais internas e externas à cidade.  21   

Como  recorte  físico  foi  escolhido  o  perímetro  da  microbacia  hidrográfica  do  Córrego  Tiquatira,  afluente  do  Rio  Tietê  na  região  da  Penha,  por  apresentar  tanto  uma  quantidade  suficiente  de  variáveis,  quanto  uma  escala  de  análise  factível  de  reconhecimento.  Além  disso,  os  três  principais  cursos  d’água  que  configuram  a  bacia  passaram  por  processos  de  urbanização  bem  distintos,  revelando  tipologias  diversas  entre  si  e  que  possibilitam  uma  comparação  quanto  às  diferentes  formas  de  intervenção  realizadas  em  fundos  de  vale.  O  Parque  Tiquatira,  em  especial,  é  uma  obra  emblemática,  tanto  como  espaço  público  que  integra as colinas da Penha e do Cangaíba, quanto pelas situações inusitadas que apresenta,  principalmente na sua área de foz.  Como  recorte  temporal,  foi  definido  o  período  entre  1930  –  um  momento  passado,  caracterizado  pela  presença  visível  dos  cursos  d’água  e  do  convívio  destes  com  o  núcleo  urbano da Penha e os assentamentos circundantes, e 2015 – o momento presente, na qual  os cursos d’água foram transformados em componentes de um sistema viário, e tornaram‐ se quase que completamente ocultos para a própria cidade. No ano de 1930, ocorreram dois  eventos marcantes para a cidade de São Paulo: a publicação do Plano de Avenidas Prestes  Maia  –  que  contribuiu  decisivamente  para  a  formulação  das  diretrizes  que  pautariam  o  crescimento  da  cidade  em  função  do  aumento  do  traçado  viário,  e  o  levantamento  cartográfico  SARA  Brasil,  um  registro  pormenorizado  do  sítio  urbano  do  município  de  São  Paulo.  Pretende‐se lançar mão da concepção de sítio urbano a partir dos atributos físicos de  um sítio geográfico, mas, principalmente, na expressão do tecido urbano, enquanto conceito  que  configura  graficamente  a  cidade,  e  cuja  constituição  se  molda  em  função  do  relevo  desse sítio precedente, como uma echarpe de seda pousando sobre a pedra. Nesse sentido,  a  bacia  hidrográfica  é  uma  parcela  que  corresponde  ao  território  e,  na  medida  em  que  se  converte em sítio urbano, torna‐se também uma unidade em interface com a política, objeto  da  geografia  humana.  Essa  interface  implica  uma  multiplicidade  de  escalas  possíveis  de  observação do território – consequentemente do sítio urbano, e que serão encaradas aqui,  inicialmente,  de  modo  específico:  uma  escala  máxima  –  do  contexto  regional,  externo  aos  limites  da  cidade;  um  escala  intermediária  do  limite  metropolitano2  em  interface  com  o                                                               2  Totalidade da cidade como um conjunto de municípios de mancha urbana conurbada.  22   

limite  da  bacia  hidrográfica;  e  as  localidades  internas  a  um  município  como  uma  escala  mínima, constituídas por um conjunto de microbacias hidrográficas. Doravante, o conjunto  dos  processos  políticos  que  ocorrem  no  território  se  reflete  na  constituição  física  das  cidades3, bem como suas sucessivas transformações.  É  neste  contexto  que  uma  bacia  hidrográfica  passa  a  determinar  um  sítio  urbano,  sendo ocupada e servindo de suporte para a construção de uma ou mais cidades. No caso  específico do sítio urbano de São Paulo é possível caracterizar sua formação a partir de uma  tradição  construtiva  luso‐brasileira.  Assim,  a  bacia  hidrográfica  torna‐se  subsídio  fundamental  para  se  entender  não  só  uma  concepção  de  sítio  urbano  baseada  em  uma  unidade  geomorfológica,  mas  de  um  modo  tradicional  de  fazer  cidade  que  pode  ser  entendido  como  um  “urbanismo  de  colinas”  (LOBO,  SIMÕES  JUNIOR,  2012).  Mais  precisamente,  o  conceito  de  bacia  hidrográfica  oferece  uma  perspectiva  para  abordar  um  urbanismo “entre” colinas, uma vez que uma bacia é formada por, no mínimo, duas colinas.  Desse modo, o problema que se estabelece é o seguinte: como articular um processo  de análise do sítio urbano, ou seja, da cidade em interface com a bacia hidrográfica? Quais  são os componentes da bacia hidrográfica e como se articulam no sentido de condicionar a  caracterização física da cidade? E como se dá essa articulação no caso específico da cidade  de São Paulo, composta por uma série de infraestruturas que define esse sítio? Ainda, como  se dá essa articulação em uma escala mínima, ou seja, a partir de uma microbacia ou de sub‐ bacias  e  dos  tecidos  locais  que  contêm?  Com  base  nessas  questões,  pretende‐se  conduzir  uma  abordagem  interdisciplinar  entre  geomorfologia  e  sítio  urbano,  elucidando,  de  modo  sintético,  os  principais  aspectos  e  elementos  necessários  a  uma  abordagem  minimamente  consistente  dessa  conjuntura.  Este  estudo  pretende  assim  contribuir  para  um  enfoque  metodológico  no  qual  a  bacia  hidrográfica  se  revele  como  determinante  para  o  entendimento da constituição física da cidade.  A  problemática  de  pesquisa  consiste,  portanto,  em  definir,  identificar  e  analisar  os  conflitos  entre  o  sítio  precedente  e  os  diversos  tecidos  locais  que  conformam  o  tecido  urbano,  numa  escala  micro,  e  entre  os  tecidos  locais  e  a  rede  de  infraestruturas                                                               3  Com base nesse raciocínio, as cidades podem mesmo ser consideradas como centros nevrálgicos do  território, e também os maiores artefatos construídos pela humanidade, tanto por sua escala quanto  pela sua complexidade.  23   

metropolitanas que compõem a cidade de São Paulo, em escala macro. Nessa problemática,  a bacia hidrográfica se destaca como uma unidade do sítio urbano, e o conjunto das várias  sub‐bacias  que  a  compõem  caracterizam  uma  multiplicidade  de  situações,  que  guardam  similaridades estruturais entre si e expressam, ao mesmo tempo, atributos peculiares e uma  consistência inalienável, ainda que preterida, como será possível observar.  A interface entre água e cidade, entre bacia hidrográfica e território, tem se revelado  um  tema  multifacetado  e  problemático,  devido  aos  diversos  modos  de  apropriação  e  utilização dos recursos hídricos, todos fundamentais para a manutenção da vida urbana. A  água,  em  suas  várias  manifestações  –  rios,  cachoeiras,  lençóis  freáticos  e  precipitações  pluviais  –  serve  conjuntamente  ao  abastecimento  humano,  ao  saneamento  básico,  à  produção  e  suprimento  elétrico,  sendo  também  matéria  prima  tanto  no  campo  da  agricultura  quanto  da  indústria.  Porém,  é  justamente  essa  sobreposição  de  usos  que  evidencia,  nas  cidades,  disparidades  e  contradições.  Na  atualidade,  os  países  dito  desenvolvidos  já  apresentam  expoentes  de  obras  urbanas  que  possibilitam  situações  de  convívio entre os rios e a cidade circundante, de modo a preservar as suas orlas e garantir  um nível minimamente satisfatório de saneamento das suas águas4. Já nos países ditos em  desenvolvimento – incluso o Brasil, o quadro é oposto5.  Nas cidades brasileiras, entre estas a região metropolitana de São Paulo, é comum e  reiterado  o  despejo  de  esgotos  e  toda  espécie  de  resíduos  nos  cursos  d’água,  e  parte  significativa  de  suas  orlas  são  ocupadas  por  populações  de  alta  vulnerabilidade  social  e  residentes  em  assentamentos  precários.  Além  disso,  ocorrem  periódicos  casos  de 

                                                             4   Vide a reportagem Oito exemplos de que é possível despoluir os rios urbanos, escrita por Romullo  Baratto  para  o  periódico  Archdailly.  Disponível  em  . Acesso: 16 janeiro 2015.                                     5   A  comparação  de  dados  fornecidos  em  diferentes  pesquisas  apresenta  discrepâncias.  Uma  delas,  elaborada pelo Banco Mundial em 2012, coloca o Brasil em 101º posição no ranking  mundial, com  81,33% de acesso ao saneamento básico. Disponível em .  Acesso em 16 janeiro 2015. Outra, divulgada pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial  Brasileiro  para  Desenvolvimento  Sustentável,  com  ano  base  2011,  atingiu  indicador  de  0,581,  “indicador que está abaixo não só do apurado em países ricos da América do Norte e da Europa como  também  de  algumas  nações  do  Norte  da  África,  do  Oriente  Médio  e  da  América  Latina  em  que  a  renda  média  é  inferior  ao  da  população  brasileira”.  Disponível  em  . Acesso em 16 janeiro 2015. A segunda pesquisa é considerada como mais verossímil, frente  a  uma  análise  mais  atenta  e  ponderada  da  situação  dos  rios  urbanos  das  principais  metrópoles  brasileiras.  24   

enchentes,  em  consequência  dos  sazonais  períodos  de  chuvas,  fruto  de  uma  ocupação  extensiva  das  áreas  de  várzea  e  por  conta  de  uma  impermeabilização  gradativa  do  solo.  Somam‐se a esses fatores o desmatamento de matas ciliares, indispensáveis à manutenção  do ciclo das águas, bem como a utilização dos recursos hídricos para além das possibilidades  de recarga das chamadas bacias de cabeceira.  Com  base  nesse  raciocínio,  o  sítio  urbano  da  microbacia  do  Tiquatira  foi  escolhido  como objeto deste estudo tanto pela sua rica hidrografia, hoje preterida em função de um  sistema  de  infraestruturas  viárias,  quanto  pela  intrínseca  articulação  que  realiza  com  seu  principal  vetor  hídrico,  o  rio  Tietê.  De  modo  geral,  podemos  afirmar  que  a  articulação  das  sub‐bacias  do  Tietê  ocorre  em  três  escalas:  regional,  relativa  ao  Estado;  metropolitana,  inserida na região da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê; e local, das várias sub‐bacias sobre a  qual se assentam as diversas localidades internas ao município, ou seja, as microbacias.  Parte‐se  do  pressuposto,  no  caso  da  cidade  de  São  Paulo,  que  as  determinações  regionais  impressas  na  rede  de  infraestruturas  metropolitanas  determinam  o  modus  operandi  dos  tecidos  locais  e  da  hidrografia,  onde  o  objetivo  consiste  unicamente  em  possibilitar, determinar e controlar uma continuidade de fluxos, principalmente de bens de  consumo e mercadorias. Nessa lógica, a locomoção, deslocamento e transporte de pessoas é  preterida  em  detrimento  das  máquinas  automobilísticas,  e  relegada  a  um  plano  suplementar, assim como muitas das características do sítio precedente, em especial a sua  hidrografia. Evidente que as máquinas automobilísticas também transportam pessoas, mas  no  caso  de  São  Paulo  foi  determinante  a  escolha  de  um  modo  de  transporte  hegemônico  pautado pelo status quo dos automóveis individuais, portanto bens de consumo.  Esta investigação sobre a dialética entre hidrografia e infraestruturas urbanas a partir  de uma microbacia hidrográfica resultou de uma metodologia em três frentes. A primeira, a  revisão bibliográfica, revelou que essa temática já foi abordada por diferentes autores e com  ênfase em diferentes contextos e escalas específicas em cada caso. Doravante, considerando  esse repertório, foi possível perceber que existe um aspecto inédito neste tipo de enfoque,  que  consiste  em  uma  caracterização  mais  minuciosa  das  microbacias  hidrográficas,  em  especial das suas nascentes, enfoque este que pode contribuir e complementar esse quadro 

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de  conhecimento  sobre  a  interface  entre  bacia  hidrográfica  e  sítio  urbano,  e  que  será  apresentado no decorrer deste trabalho.  A segunda frente diz respeito a uma série de pesquisas de campo, orientada por dois  enfoques.  Um  enfoque  etnográfico,  no  sentido  de  interagir  com  as  pessoas  que  utilizam  a  cidade  e  entender  como  se  dá  o  condicionamento  desta  em  função  daquelas,  e  a  apropriação  dessas  em  função  daquela.  E  um  segundo  enfoque,  cartográfico,  em  que  se  buscou aprofundar a leitura e decodificação da cidade enquanto objeto de registro, desenho  e representação. Esses exercícios de vivência e observação possibilitaram um entendimento  específico  sobre  as  dinâmicas  predominantes  que  caracterizam  a  região  de  estudo,  e  uma  atenção especial às minúcias e peculiaridades do lugar.  A  terceira  frente  de  trabalho  consistiu  de  várias  etapas  de  calibragem  dos  conceitos  balizadores da metodologia, buscando um balanço conjunto à fundamentação teórica, a fim  de  garantir  uma  estrutura  minimamente  consistente  para  a  pesquisa.  Assim,  devido  ao  caráter  inter  e  multidisciplinar  do  urbanismo,  o  escopo  principal  dessa  abordagem  estabeleceu a definição do objeto empírico a partir de uma decomposição em quatro blocos  temáticos.  Um  primeiro  bloco,  abordando  as  definições  conceituais  de  bacia  hidrográfica,  sítio  urbano,  tecido,  traçado  e  infraestruturas.  Um  segundo  bloco,  sobre  a  constituição  geomorfológica do sítio urbano de São Paulo. Um terceiro bloco, sobre o processo histórico  da  região  da  Penha  sob  a  ótica  da  formação,  transformação  e  consolidação  da  ocupação  urbana. E um quarto bloco, sobre a problemática interescalar e a construção do método de  análise da rede de infraestruturas metropolitanas que atravessa a microbacia hidrográfica do  córrego Tiquatira.  A  fundamentação  teórica  na  qual  se  baseia  este  estudo  foi  definida  por  uma  revisão  bibliográfica dos quatro blocos temáticos apresentados. Primeiro, o bloco de caracterização  da unidade geográfica da bacia hidrográfica (STRAHLER, 1957; PFAFSTETTER, 1989; CORATO,  BOTELHO, 2001; SACRAMENTO, 2001; ALBUQUERQUE, 2003; ARTILHEIRO, 2006; REIS, 2011;  SOUZA  e  DA  SILVA,  2012;  MINISTÉRIO  DO  MEIO  AMBIENTE;  2014).  Segundo,  o  bloco  de  problematização  da  conversão  da  bacia  do  Alto  Tietê  em  sítio  urbano  de  São  Paulo  (AB’SABER, 1957; LANGENBUCH, 1971; SÃO PAULO, 1984; DEÁK e SCHIFFER, 1999; SANTOS e  SILVEIRA, 2001; MEYER, 2000; ALVIM, 2003; TRAVASSOS, 2004; FRANCO, 2005; TUCCI, 2006;  26   

BROCANELI, 2007; TRIPOLONI, 2008; DE BEM, 2009; FUSP, 2009; GORSKY, 2010; MONTEIRO  JÚNIOR,  2011;  SHUTZER,  2012;  SANTOS,  2014).  Terceiro,  o  bloco  histórico  sobre  o  sítio  urbano de São Paulo e a região da Penha (FREIRE, 1936; ARROYO, 1954; BONTEMPI, 1969;  TOLEDO,  1981;  MARQUES,  1988;  SANTARCANGELO,  2004;  JESUS,  2006;  LOBO  e  SIMÕES  JUNIOR;  2012,  MENDEZ,  2014).  E  quarto,  o  bloco  metodológico  para  análise  do  tecido  urbano  (INDOVINA,  2004;  NAVARRO,  2009;  SANTOS,  2012;  COELHO,  2013;  FERNANDES,  2013; ANASTACIA, 2013).  Os  quatro  blocos  temáticos  também  definiram  o  escopo  e  divisão  dos  capítulos.  O  primeiro capítulo apresenta a interface entre bacia hidrográfica e sítio urbano. Principia com  uma  caracterização  geográfica  do  conceito  de  bacia  e  quais  são  os  critérios  para  sua  classificação,  apresenta  seus  componentes  –  relevo  e  hidrografia,  e  compartimentos  –  cumeeiras,  encostas  e  fundos  de  vale.  A  partir  disso,  delineia‐se  uma  introdução  sobre  a  problemática  de  conversão  da  bacia  em  sítio  urbano,  e  quais  são  algumas  das  implicações  para  a  cidade  que,  assentada  sobre  o  sítio,  se  transforma.  Em  seguida,  é  proposto  um  esquema  geral  de  metodologia  de  decomposição  do  sítio  urbano  em  tecido,  traçado  e  infraestruturas urbanas, a fim de definir categorias iniciais para sua análise.  O segundo capítulo consiste de uma breve caracterização da bacia hidrográfica do Alto  Tietê  e  o  Sítio  Urbano  de  São  Paulo  em  três  escalas.  A  escala  regional,  na  qual  o  rio  Tietê  desponta como principal vetor hídrico do Estado. A escala metropolitana, assentada na área  da  sub‐bacia  do  Alto  Tietê.  E  a  escala  urbana,  que  relata  como  o  crescimento  da  cidade  ocasionou uma série de modificações na hidrografia do sítio precedente. O rio Tietê, tomado  como  objeto  de  projetos  de  infraestruturas  urbanas,  moldou  um  modo  de  intervenção  determinante  para  o  conjunto  de  cursos  d’água  da  cidade,  as  obras  viárias  nos  fundos  de  vale, e modificou completamente a sub‐bacia do Alto Tietê, tornando‐a parte integrante da  rede de infraestruturas metropolitanas.  O terceiro capítulo apresenta o objeto de estudo, a microbacia hidrográfica do Córrego  Tiquatira,  no  contexto  do  Município  de  São  Paulo  e  da  região  da  Penha.  Delineia‐se  um  percurso histórico no qual o sítio urbano se assenta nessa bacia pautado por uma tradição  oriunda  da  colonização  portuguesa  definida  como  urbanismo  de  colinas.  A  partir  daí,  foi  proposta uma periodização para esse modo de ocupação, dividida em três fases. Uma fase  27   

inicial,  de  formação  do  núcleo  original  da  Penha  e  a  microbacia  definida  com  um  uso  predominantemente  rural.  Uma  fase  intermediária,  de  intensificação  do  processo  de  urbanização na microbacia, que se dá pela implantação da ferrovia nessa região. E uma fase  atual, expressa por uma multiplicação e segmentação do traçado urbano na microbacia, com  a implantação de infraestruturas viárias, de caráter regional e metropolitano, que responde  à demanda de um sistema de transportes predominantemente automobilístico. Em seguida,  destaca‐se  a  transformação  dos  fundos  de  vale  dessa  microbacia,  definidos  pelos  seus  principais  cursos  d’água,  os  Córregos  Tiquatira,  Franquinho  e  Ponte  Rasa,  e  quais  são  as  diferenças e peculiaridades que se revelam quando da sua comparação.  O  quarto  capítulo  conduz  uma  análise  da  transformação  do  tecido  urbano  da  microbacia  do  Tiquatira,  no  período  entre  1930  e  2015,  e,  a  partir  da  interface  entre  a  hidrografia  e  infraestruturas  urbanas,  identifica  e  discute  conflitos  dessa  porção  de  sítio  urbano.  Para  tanto,  será  demonstrada  a  construção  do  método  de  análise,  que  tem  por  etapa  inicial  a  decomposição  do  tecido  urbano  em  traçado,  hidrografia  e  infraestruturas  urbanas.  A  etapa  intermediária  discute  os  principais  aspectos  das  diversas  tipologias  de  infraestruturas metropolitanas. A etapa final consiste na identificação dos diversos conflitos  que existem entre hidrografia e infraestruturas, baseada na análise da situação atual das 35  nascentes  que  compõem  a  hidrografia  da  microbacia  do  Tiquatira,  e  de  49  situações  elencadas  da  rede  de  infraestruturas  metropolitanas  na  qual  essa  bacia  está  inserida.  Os  resultados dessa análise foram parametrizados e quantificados objetivamente, propiciando  dados com razoável precisão para a conclusão da pesquisa.   

 

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          1.  INTERFACE ENTRE BACIA HIDROGRÁFICA E SÍTIO URBANO       

 

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                A  bacia  hidrográfica  consiste  de  uma  porção  de  superfície  que,  como  um  recipiente,   comporta  o  fluxo,  drenagem  e  escoamento  das  águas  que  a  ela  se  destinam,  sejam  submersas,  emergentes  de  lençóis  freáticos,  sejam  as  águas  pluviais.  É  um  dado  físico  do  território6,  entendido  como  espaço  geográfico  constituinte  e  organizado  politicamente  (ALVIM, 2003, FRANCO, 2005, SCHUTZER, 2012). Nesse sentido, a bacia hidrográfica, ainda  que seja um dado físico, fruto de um processo geológico cuja formação remonta a milhares  de anos. Atualmente, o conceito de bacia hidrográfica deve ser considerado a partir de um  escopo  de  ação  humana  –  deliberada  ou  intencional,  que  a  utiliza,  modifica  e  transforma  conforme  as  necessidades  e  as  alternativas  disponíveis.  Assim  a  bacia  hidrográfica  é  parte  integrante  de  processos  de  ação  humana  que  interferem  no  território  e  o  deformam  continuamente.  Este  primeiro  capítulo  busca  definir  a  bacia  hidrográfica,  os  seus  componentes  constituintes  as  escalas  de  inserção  no  território.  Em  seguida,  será  proposta  a  problematização da bacia enquanto suporte de uma porção de cidade, fator este que implica                                                               6   Segundo  Santos  (2001,  p.  11‐19),  o  território  pode  ser  definido  como  “uma  união  indissolúvel  de  sistemas  de  objetos  e  sistemas  de  ações,  e  suas  formas  híbridas,  as  técnicas”  e,  num  sentido  mais  restrito, o “nome político para o espaço de um país”, podendo mesmo ser definido a partir de outros  limites  físicos  ou  político‐administrativos.  Tais  limites  condicionam  os  modos  de  organização  do  território, e são delimitados por uma ação política. Derivada do grego antigo, Politéia, o conceito de  Política  foi  utilizado  originalmente  para  denominar  todos  os  procedimentos  relativos  a  Polis,  ou  cidade‐Estado, e posteriormente passou a indicar o conjunto da ações ligadas à idéia de governança  e Estado.  30   

sua  conversão  em  sítio  urbano.  Para  tanto,  foi  definido  um  critério  de  análise  orientado  pelas  noções  de  tecido,  traçado  e  infraestruturas  urbanas,  que  permitem  um  modo  de  apreciação específico para este objeto de estudo. Com base nessas noções, torna‐se possível  identificar  o  conjunto  de  infraestruturas  que  incidem  sobre  a  bacia,  deformando‐a,  e  que  configuram atributos estruturais ao sítio urbano. Ainda, este conjunto de infraestruturas se  articula  de  diversas  formas  com  a  bacia,  segundo  as  características  de  cada  tipologia,  e  ocorrem em diferentes escalas do tecido.    1.1. BACIA HIDROGRÁFICA: CARACTERIZAÇÃO, COMPONENTES E ESCALAS    

  Figura 1.1 – bacia hidrográfica ‐ hidrografia, relevo e escoamento das águas  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Júnior, 2011, p. 245)   

Bacia  hidrográfica  é  a  designação  para  uma  área  com  perfil  côncavo,  que  funciona  como  receptora  das  águas  pluviais,  confluindo  estas  águas  dos  pontos  mais  altos  para  os  mais baixos, sendo drenadas por um curso d’água principal, e descarregadas por uma saída  determinante, conhecida como foz (Figura 1.1). As bacias se justapõem nas chamadas linhas  divisoras de águas ou linhas de cumeada, que podem ser definidas topograficamente a partir  dos pontos mais altos entre um perfil e outro, e constituem, portanto, uma área de interface  entre  bacias  (SCHUTZER,  2012b).  As  áreas  mais  baixas,  por  sua  vez,  são  definidas  como 

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fundos  de  vale,  e  o  eixo  longitudinal  que  segue  sua  declividade  é  chamado  talvegue7.  Por  conta disso, a bacia hidrográfica pode ser dividida desde os rios maiores até seus elementos  mínimos – os afluentes primários, podendo ser decomposta em sub‐bacias (Figura 1.2).   

  Figura 1.2 – A bacia hidrográfica – sub‐bacias  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Albuquerque, Guerra, 2003, p.4)   

Essa decomposição opera uma idéia de estrutura, no sentido de haver uma hierarquia  para  uma  série  de  situações  articuladas.  Assim,  ainda  que  a  bacia  hidrográfica  possa  ser  entendida  como  uma  unidade  fundamental  de  análise,  também  pode  ser  dividida  em  unidades  menores,  onde  cada  sub‐bacia  desempenha  uma  função  comum  enquanto  unidade  geomorfológica,  mas  também  um  papel  específico,  no  sentido  da  sua  posição  em  função de outras bacias, bem como do sítio urbano em que está inserida. Doravante, torna‐ se  relevante  contextualizar  a  bacia  hidrográfica  como  sendo  parte  de  um  sistema  maior,  geográfico  e,  portanto,  constituinte  de  uma  territorialidade  múltipla.  Esse  tipo  de  enfoque  para  o  conceito  de  bacia  hidrográfica  e  sub‐bacias  implica  uma  sequência  de  diferentes  escalas, cabendo diferenciar seu aspecto continental e regional do aspecto metropolitano e                                                               7  Do alemão talweg, “o caminho do vale”.  32   

urbano‐local.  Doravante,  a  bacia  pode  ser  entendida  como  um  conceito  formalmente  consistente,  bem  como  uma  unidade  de  medida  para  analisar  diferentes  escalas  de  território, conforme afirma Schutzer (2012b, p. 271‐272):  A  bacia  hidrográfica,  quer  seja  ela  de  primeira,  de  segunda,  terceira  ou  quarta  ordem,  constitui  uma  unidade  natural,  cujo  elemento  integrador  está  representado  pelos  leitos  fluviais  ou  canais  de  drenagem  naturais.  Embora ela se constitua num sistema natural cujo referencial é a água, não  se  torna  automaticamente  um  único  sistema  ambiental,  seja  do  ponto  de  vista natural (quando se levam em conta os demais elementos da natureza,  como  relevo,  solos,  subsolo,  flora  e  fauna),  seja  do  ponto  de  vista  social,  quando se consideram as atividades econômicas e político‐administrativas.  Tanto os primeiros quanto os segundos quase nunca estão atrelados a esse  referencial,  pois  têm  uma  dispersão  territorial  que  muitas  vezes  extrapola  os  limites  territoriais  da  bacia.  Mas  é  sobre  essa  porção  territorial  que  assumem  um  referencial  geográfico  marcado  pela  interação  processual  entre  todos  os  elementos.  [...]  Como  estratégia  de  gestão  territorial  e  de  educação  ambiental,  é  também  estimulante,  pois  delimita  uma  unidade  que pode ser monitorada em um único ponto, seu ponto de saída. [...] Para  este ponto converge tudo o que ocorre na bacia em termos da qualidade de  seus  elementos  e  processos,  como  a  erosão  da  água,  o  escoamento  superficial, os processos erosivos e o assoreamento dos córregos, ou seja, o  volume  de  água  e  o  de  material  transportado  por  ela.  Trata‐se,  assim,  de  um  importante  instrumental  para  a  aplicação  de  conceitos  relativos  à  fisiologia da paisagem, ou seja, aos fatores relativos ao seu funcionamento,  na escala de gestão do uso e ocupação do solo. 

No  contexto  de  um  comportamento  territorial,  a  bacia  hidrográfica  deve  ser  considerada segundo o ciclo hidrológico, que designa o movimento das águas na superfície e  atmosfera  terrestre8.  Tal  ciclo  ocorre  por  fenômenos  diversos,  mas,  sobretudo,  complementares,  nos  quais  as  bacias  hidrográficas  aparecem  como  componente  determinante  do  relevo,  a  partir  das  linhas  de  cumeada,  e  seguindo  para  as  linhas  de  talvegue. Nos continentes, a água precipitada pode seguir diferentes caminhos e apresenta  comportamentos  específicos:  ora  infiltra,  percola  e  flui  lentamente  entre  as  partículas  e  espaços vazios dos solos e rochas, podendo ficar armazenada por um período muito variável,  formando  os  chamados  aquíferos  subterrâneos;  ora  aflora  na  superfície  e  formando                                                               8  No planeta Terra, a água é a única substância que existe, em circunstâncias naturais (no sentido de  corriqueira, casual ou ordinária), nos três estados da matéria: sólido, líquido e gasoso. A coexistência  destes três estados implica que existam transferências contínuas de água de um estado a outro, que  está presente tanto nos oceanos, como nos continentes e na atmosfera. Esta sequência fechada de  fenômenos pelos quais a água passa denomina‐se de ciclo hidrológico. Este movimento é alimentado  pela força da gravidade e pela energia do sol, que provocam a evaporação das águas dos oceanos e  continentes, e também precipitações, na forma de chuva, granizo, orvalho e neve (REIS, 2011).  33   

nascentes,  fontes  e  pântanos  ou  alimentando  rios,  lagos  e  cursos  d’água;  escoa  sobre  a  superfície, no caso em que a precipitação é maior do que a capacidade de absorção do solo;  evapora  retornando  à  atmosfera;  congela  formando  as  camadas  de  gelo  nos  cumes  das  montanhas e geleiras (Figura 1.3). 

  Figura 1.3 – O ciclo hidrológico  Fonte: elaborado pelo autor   

1.1.1. Critérios de classificação da bacia hidrográfica 

A  precipitação,  escoamento  e  drenagem  de  águas  pluviais  que  ocorrem  na  bacia  hidrográfica articulam‐se tanto com a vegetação quanto com a taxa de permeabilidade e do  tipo  de  solo,  e  ocasionam  situações  específicas  de  descarga  e  recarga  entre  águas  superficiais e subterrâneas. Nesse sentido, as bacias hidrográficas podem ser caracterizadas  a  partir  do  modo  como  fluem  as  águas  (Figura  1.4):  exorreicas,  quando  as  águas  drenam  direta  ou  indiretamente  para  o  mar;  endorreicas,  quando  as  águas  acomodam‐se  em  um  lago ou mar fechado; criptorreicas, quando as águas adentram o interior de rochas calcárias,  gerando lagos subterrâneos e ocasionando a formação dos lençóis freáticos; arreica, quando  o rio seca em determinado momento do seu percurso (SOUZA, DA SILVA, DIAS, 2012).  34   

  Figura 1.4 – As bacias de drenagem dos principais oceanos e mares do mundo  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Citynoise, 20079)   

Pfafstetter (1985, p. 19) desenvolveu um método de codificação e subdivisão de bacias  hidrográficas partindo da escala continental. Com base neste método, em 1998, a Secretaria  Nacional de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente coordenou um trabalho de  classificação e codificação das bacias hidrográficas da America do Sul10, em nível de detalhe  compatível  com  a  base  de  escala  utilizada,  1:  1.000.000,  e  utilizando  dez  algarismos,  diretamente  relacionados  com  a  área  de  drenagem  dos  cursos  d’água  (Figura  1.5).  Desse  modo, guardando exceção para a bacia que deságua no lago Titicaca (endorréica), no Chile,  foi determinada a subdivisão de nível 1 do continente11. 

                                                             9  In . Acesso: 12 outubro 2014.  10  A América do Sul compõe o maior conjunto continental de bacias hidrográficas exorreicas, relativo  à  área  terrestre  de  contribuição  direta  em  função  do  Oceano  Atlântico.  E  o  Brasil  responde  pela  maior  quantidade  destas  bacias.  Atualmente,  o  território  brasileiro  é  dividido  em  12  regiões  hidrográficas, definidas segundo resolução nº 32/ 2003 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos –  CNRH. Este conselho é a instância máxima da hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento dos  Recursos Hídricos do Brasil, e foi instituído pela Lei nº 9.433/ 1997.  11   Para uma subdivisão de nível 2 do continente, parte‐se da foz ou exutório, ponto de descarga  da  bacia a ser dividida, à montante, identificando todas as confluências e distinguindo o rio principal dos  seus tributários. Os maiores tributários, de acordo com o critério de área drenada, correspondem à  metade das sub‐bacias, no caso de número par, e metade menos um, no caso de número ímpar. Os  demais tributários são considerados menores.  35   

  Figura 1.5 – Codificação de bacias hidrográficas Nível 1  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ministério do Meio Ambiente, 2014, p. 186)   

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Em  suma,  a  bacia  hidrográfica  pode  ser  caracterizada  tanto  como  uma  unidade  geomorfológica  que  pode  ser  decomposta  em  n  sub‐bacias,  quanto  um  sistema  capilar  e  ramificado que funciona segundo o escoamento acumulativo das águas. A bacia hidrográfica  consiste,  portanto,  de  um  padrão  de  comportamento  do  ciclo  hidrológico  em  função  do  relevo,  que  ocorre  dentro  de  um  perímetro  compartimentado  do  território,  e  pode  ser  analisada a partir de diferentes escalas. Nesse sentido, uma questão relevante consiste no  uso  dos  prefixos  sub  e  micro,  que  indicam  escalas  de  bacia.  Na  articulação  entre  relevo,  hidrografia  e  sítio  urbano,  a  bacia  incorpora  esta  multiplicidade  de  escalas  onde  uma  área  coesa  de  movimento  das  águas  torna‐se  a  unidade  de  medida  do  território.  Segundo  Anastacia (2013, p. 8):  A  linha  de  água  é  o  corredor  contínuo,  o  resultado  do  que  acontece  a  montante.  A  corrente  do  rio  se  refere  a  uma  realidade  ampla  que  liga  a  cidade ao seu espaço geográfico convidando à reflexão à escala regional e  urbana em simultâneo; portanto, qualquer análise ou projeto que considera  o curso fluvial implica e contém diversos níveis. O elemento geográfico rio  pode  assim  ser  medida  para  um  projeto  trans‐escalar,  que  leva  em  consideração  a  questão  da  água  na  cidade  e  a  bacia  hidrográfica  como  instrumento  de  gestão  intermunicipal  e  regional.  [...]  Tanto  a  natureza  quanto  a  atividade  humana  de  urbanização  constroem  paisagens  específicas para os diferentes segmentos do rio. O fluxo torna‐se o prazo de  medida  entre  as  dinâmicas  naturais  e  humano‐urbana,  lugar  e  meios  de  análise  e  projeto  para  a  cidade  que  “se  dissolve  em  uma  conflagração  ou  um  emaranhado  de  áreas,  em  sua  geometria  variável  que  desafia  a  geografia, serpenteando em todas as direções” (tradução nossa). 

O levantamento bibliográfico realizado por Corato e Botelho (2001, p. 4) analisou uma  série  de  trabalhos  publicados  em  eventos  acadêmicos,  buscando  definir:  1)  uma  conceituação  para  os  termos  bacia  hidrográfica,  sub‐bacia  e  microbacia;  2)  determinar  um  intervalo  de  área  predominantemente  utilizado;  3)  reunir  objetivos  e  finalidades  dessas  pesquisas; 4) e realizar a verificação de usos destes termos. Entre os resultados, destaca‐se a  falta de fundamentação e critérios de nomenclatura:  Constatou‐se  através  deste  levantamento  que  o  número  de  artigos  utilizando microbacia foi muito pouco expressivo. Esperava‐se um número  maior, principalmente a partir de 1987, quando foi criado o Plano Nacional  de Microbacias Hidrográficas (PNMH). [...] Foi possível perceber a tendência  da  microbacia  para  planejamento  e  manejo  do  solo,  e  isso  pode  ser  justificado pelo termo ter sido criado justamente para fins de planejamento  e  manejo  do  solo,  através  do  PNMH.  Infelizmente,  não  houve  uma  preocupação  por  parte  dos  autores  em  definir  microbacia  hidrográfica,  dificultando a formalização de um conceito comum para o termo.  37   

Faz‐se  necessário  então  estabelecer  parâmetros  para  a  classificação  das  escalas  de  bacia, frente a essa insuficiência de critérios. Utilizando o método de Pfafstetter, podemos  considerar  como  macrobacias  as  continentais  de  nível  1,  e  bacias  estaduais  ou  de  caráter  regional de nível 2. O conceito de sub‐bacia, por outro lado, pode ser considerado como uma  terminologia relativa, pois não apresenta uma enunciação da bacia propriamente, mas antes  implica a existência de uma bacia maior, na qual a bacia menor atua como componente de  divisão e deve ser entendida em função da primeira.  Assim, podemos definir mesobacias como sub‐bacias dos afluentes que encontram as  bacias  de  nível  2.  No  caso  brasileiro,  tais  bacias  são  de  domínio  federal,  fronteiriças  entre  estados, ou que atravessam mais de um estado, e bacias de domínio estadual que perfazem  uma  área  intermunicipal.  Finalmente,  poderíamos  definir  como  microbacias  aquelas  circunscritas em um limite municipal, que são sub‐bacias de um rio maior que atravessa esse  dado  município.  Tais  microbacias  podem  mesmo  ser  intermunicipais,  desde  que  estejam  inseridas em um contexto metropolitano que as englobe. Em suma: microbacias (municipais  ou intermunicipais) deságuam em mesobacias (metropolitanas, estaduais ou regionais) que  deságuam em macrobacias (nacionais ou continentais).    1.1.2. Componentes da bacia hidrográfica: hidrografia e relevo 

A  bacia  hidrográfica  pode  ser  decomposta  segundo  dois  componentes  geomorfológicos  principais,  a  hidrografia  e  o  relevo.  Cada  um  destes  componentes  possuí  características distintas, porém complementares. Compete à hidrografia, definida a partir de  condicionantes do relevo, o desenho mais ou menos linear do conjunto dos cursos d’água,  bem  como  as  manchas  que  definem  lagos  e  reservatórios.  Já  o  relevo  se  constitui  como  a  totalidade  da  superfície  do  território,  e  tem  a  sua  forma  definida  por  uma  série  de  circunstâncias, que vão desde o tipo de solo que o compõe até as interferências naturais ou  artificiais às quais é submetido continuamente na ação do tempo.  A hidrografia é uma linha de pesquisa da geografia física que, junto com a hidrologia,  estuda  as  águas  do  planeta  Terra.  Todo  o  conjunto  de  componentes  dos  recursos  hídricos  compõe  o  quadro  de  abordagem  da  hidrografia,  desde  os  oceanos,  rios,  lagos,  lagoas,  38   

arquipélagos, golfos, baías, cataratas até obras de infraestruturas como usinas hidrelétricas,  barragens  e  represas,  canais  e  eclusas  etc  (ARTILHEIRO,  2006).  No  caso  das  obras  de  infraestrutura,  ressalta‐se  a  capacidade  destas  em  provocar  mudanças  significativas  na  forma e comportamento desses componentes dos recursos hídricos. Mais especificamente,  podemos definir hidrografia a partir de seu significado literal, ou seja, a partir de suas raízes  linguísticas:  hydrus,  do  latim,  significa  “cobra  de  água”  ou  “hidra”  12,  e  grafé,  do  grego,  “escrita”,  “registro”  e  “estudo”.  O  termo  hidrografia  refere‐se  então  tanto  a  uma  idéia  de  ramificação  e  capilaridade  dos  rios  quanto  a  uma  noção  de  desenho  ou  traço  que  estes  efetuam enquanto cursos d’água.  Com  base  nesse  raciocínio,  foi  proposto  por  Strahler  (1957,  p.  914)  um  sistema  de  hierarquia de canais, que denomina os menores efluentes de uma bacia – aqueles que não  recebem nenhuma contribuição, como canais de ordem 1. A junção de dois canais de ordem  1 forma um canal de ordem 2, e assim por diante, de modo que a junção de dois canais de  mesma ordem F definem um terceiro canal, de ordem N, na razão N = F + 1. Na junção de  dois canais de ordens diferentes, se mantêm a ordem do maior canal que segue à jusante  (Figura  1.6).  Neste  sistema,  o  canal  principal  da  bacia  é  aquele  de  maior  ordem.  Sequenciando  este  sistema  encontram‐se  os  oceanos  do  planeta  Terra  como  os  estuários  das bacias continentais, e caracterizam uma ordem máxima de bacia hidrográfica.   

O  relevo  é  o  conjunto  de  saliências  e  reentrâncias  da  superfície  terrestre,  tradicionalmente  objeto  de  estudo  de  dois  ramos  da  geografia  física,  a  geologia  –  responsável  por  estudar  a  constituição,  estrutura,  formação  e  mudanças  que  ocorrem  na  litosfera  ou  costra  terrestre,  e  a  geomorfologia  –  palavra  derivada  do  grego  geos  –  Terra,  morfé – forma, e logos – estudo ou conhecimento.  A  geomorfologia  classifica,  descreve  e  explica  a  origem  e  as  diferentes  formas  de  relevo  como  sendo  resultado  da  ação  de  forças  diversas  no  decorrer  do  tempo  e  das  eras  geológicas, e que acabam por definir a constituição fisiológica das bacias hidrográficas. Tais  forças, que interferem no relevo e o transformam, são chamadas de agentes, e divididas em  dois  tipos:  agentes  internos  –  endógenos,  que  atuam  no  relevo  de  dentro  para  fora,                                                               12   Uma espécie de animal cnidário de corpo cilíndrico e em forma de pólipo. Na mitologia grega, era  um animal fantástico com um corpo de dragão e sete cabeças de serpente.  39   

deformando‐o, como vulcanismo, a movimentação das placas tectônicas e abalos sísmicos, e  também agentes modeladores externos, como as chuvas – ação pluviométrica, o gelo – ação  glacial, mares – ação marítima, rios – ação fluviométrica ou hidrométrica, animais e vegetais  – ação biológica, ação dos fatores climáticos – intemperismo. Os ventos, especialmente em  regiões  litorâneas  e  desérticas,  atuam  constantemente  na  modificação  do  relevo  e,  junto  com  os  cursos  d’água,  realizam  um  ininterrupto  trabalho  de  erosão  e  sedimentação  (REIS,  2011). 

  Figura 1.6 – Esquema de hierarquia de canais de uma bacia hidrográfica  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Júnior, 2011, p. 251)   

O relevo, por sua vez, pode ser caracterizado, primeiramente, por uma topologia, no  seu  duplo  sentido,  geométrico  –  o  estudo  das  noções  de  proximidade,  como  limite  e  vizinhança,  e  topográfico  –  por  meio  da  descrição  detalhada  de  um  local.  Num  segundo  momento,  o  relevo  é,  além  de  topográfico  e  geométrico,  também  geomorfológico  –  constituinte de diferentes tipos de solo, com elementos hidrográficos e vegetais, e apresenta  uma  grande  diversidade  de  formações:  veredas,  campos,  florestas,  colinas,  desfiladeiros, 

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chapadas, escarpas, montanhas, serras, depressões, vales, várzeas, estepes etc. Relevo que  se modifica e se sedimenta desde alhures do tempo. Para Schutzer (2012b, p. 311):   O  relevo  conta  sempre  uma  história,  a  da  evolução  das  paisagens,  antes  somente  naturais,  agora  predominantemente  humanas.  Nessa  sua  qualidade de escombro de uma história, ele nos revela os mecanismos de  seu  desenvolvimento  futuro,  mecanismos  estes  que  estão  atuando  continuamente,  portanto,  inclusive  no  presente.  Dessa  forma,  tentamos  deixar  claro  que  a  natureza  deve  ser  entendida  como  um  recurso,  mas  também, e sobretudo, como um processo. 

Dentre os vários agentes modeladores externos, é a ação humana – antrópica, aquela  que,  em  grande  medida,  por  seu  caráter  progressivo  e  continuado,  vai  modificar  e  transformar a constituição do relevo, conforme afirma Schutzer (2012a, p. 61):  A ocupação humana em um território qualquer sempre implica na alteração  plástica da fisionomia da paisagem e na modificação, sutil ou mais drástica,  da intensidade dos processos de funcionamento da natureza. A história da  relação  entre  sociedade  e  natureza  tem  sido,  assim,  a  história  da  substituição de um meio natural herdado por uma sociedade para um meio  cada  vez  mais  artificializado.  A  ocupação  humana,  dessa  maneira,  sempre  implica em impactos no meio físico, e esse impacto é mais intenso quanto  maior  o  adensamento  populacional  e  o  padrão  tecnológico  dessa  sociedade.  A  essa  modificação  da  morfologia  da  paisagem  humanizada  e  dos processos naturais que nela ocorrem é que se denomina hoje ‘impactos  ambientais’,  ou  seja,  as  alterações  no  ambiente  de  utilização  do  homem  que,  hoje,  em  face  de  sua  intensidade,  interferem  na  qualidade  desse  ambiente.  [...]  Todas  essas  modificações  acontecem  sobre  uma  superfície  de contato que plasticamente é conhecida como relevo. 

A modificação do relevo a partir da ação antrópica também pode ser entendida como  uma  série  histórica,  um  processo  de  transformação  contínua  que  se  dá  entre  natureza  e  sociedade, entre relevo e cidade. Segundo Schutzer (2012b, p. 14):  Pode‐se dizer que antigamente a cidade se relacionava com um sítio e dele  escolhia  seus  melhores  compartimentos  para  ocupar.  Hoje,  as  grandes  cidades ocupam todos os sítios de uma região. Ela ocupa e se relaciona com  todo  o  território.  Chega  a  se  estender,  portanto,  sobre  todos  os  compartimentos  de  relevo  existentes.  A  relação  entre  superfície  e  processos  naturais  passa  a  ser  intermediada  pelas  obras  (objetos)  e  pelos  usos urbanos: a emissão de calor, por exemplo, se dá principalmente pelos  objetos construídos e não  mais pela vegetação e pelo solo; o escoamento  superficial  é  intermediado  pelo  asfalto,  pelas  calçadas,  e  canalizações  de  córregos  e  rios;  a  infiltração  da  água  no  solo  quase  desaparece  em  determinados  compartimentos  etc.  [...]  O  que  está  na  confluência  dessas  duas espacialidades – a da natureza e a da sociedade – e que serve como  base de uso e/ ou como recurso à ocorrência tanto dos processos naturais  41   

quanto da sociedade urbana é um suporte geográfico, ou seja, um relevo. É  nele  que  estão  marcados  e  impressos  os  movimentos  da  natureza  e  da  sociedade. 

Assim,  a  hidrografia  e  o  relevo  são  tanto  condicionantes  pré‐existentes  do  território  quanto  elementos  passíveis  de  transformação  e  reconfiguração.  Suas  particularidades  podem ser mais ou menos alteradas conforme estes componentes do relevo são adaptados  à  ocupação  urbana,  o  que  também  irá  implicar  modos  diversos  de  acoplamento  de  infraestruturas.  Neste  sentido,  a  bacia  hidrográfica  deve  ser  pensada  considerando  as  diferentes etapas de intervenções e modificações do território.    1.1.3. Compartimentos da bacia hidrográfica: cumeeiras, encostas e fundos de vale 

A bacia hidrográfica pode ser dividida em compartimentos segundo as especificidades  físicas  que o  conjunto  das  suas  formas  apresenta.  Para  os  fins  deste  trabalho,  definiremos  três compartimentos específicos, que consideram apenas bacias hidrográficas definidas por  colinas, e não por outros elementos geomorfológicos, como escarpas ou montanhas. Assim,  em primeiro lugar, temos os patamares de topo de colina, que delineiam linhas de cumeeira  e  tem  por  principal  característica  certa  tabularidade,  que  os  tornam  extremamente  favoráveis à ocupação urbana. Em segundo lugar, o compartimento de encostas de colinas e  anfiteatros  de  nascentes,  caracterizado  por  taludes  inclinados  e  platôs  intermediários.  Em  terceiro  lugar,  o  compartimento  de  fundos  de  vale,  que  delineiam  linhas  de  talvegue  e  configuram as áreas mais baixas da bacia, que podem ser definidas pelo delta de inundação  dos  seus  respectivos  cursos  d’água.  Esse  último  compartimento  guarda  certas  peculiaridades, conforme observa Schutzer (2012b, p. 289):  O fundo do vale é o local natural do escoamento superficial. É onde se situa  o  canal  de  drenagem  principal  da  bacia.  É  a  área  que  recebe,  armazena  e  transporta  a  água  para  fora  do  sistema  da  bacia.  Nele,  o  lençol  freático  geralmente  está  bem  próximo  à  superfície.  Dos  processos  referentes  à  água,  a  infiltração  e  a  filtragem  não  possuem  tanta  significância,  pois  o  pacote  de  solo  enxuto  é  raso.  Sua  principal  função  é  exatamente  o  movimento concentrado da água. Por isso, a preservação do canal contra a  ocupação  de  suas  margens  e  contra  seu  tamponamento  é  fundamental  para a manutenção da qualidade do sistema ambiental de uma localidade.  No fundo de vale o armazenamento da água por meio das lagoas naturais  ou  do  represamento  artificial  é  interessante  para  a  diminuição  da  42   

velocidade do escoamento superficial, colaborando para o retardamento da  chegada da água às outras bacias situadas à jusante; como também para o  próprio uso da água para abastecimento ou como recurso paisagístico. Por  ser  uma  área  receptora  de  sedimentos,  o  assoreamento  deve  ser  controlado e monitorado. 

A bacia hidrográfica possui uma constituição física que pode ser decomposta segundo  seus  componentes  constituintes  –  hidrografia  e  relevo,  e  também  compartimentada  segundo particularidades referentes às suas porções formais – cumeeiras, encostas e fundos  de vale. Toda essa elaboração parte de um referencial estritamente geográfico quanto à sua  natureza.  Porém,  é  a  apropriação  urbana  de  uma  bacia  hidrográfica  que  vai  implicar  uma  série  de  uso  e  transformações  correlatas  a  essas  mesmas  particularidades  de  forma,  ora  reconhecendo nelas pré‐existências relevantes, ora promovendo modificações deliberadas e  indiferentes quanto a essas mesmas pré‐existências.  Percebe‐se que, na atualidade, as modificações realizadas por ação antrópica tornam‐ se  cada  vez  mais  determinantes  na  configuração  do  território.  Assim,  apenas  parâmetros  geográficos tornam‐se insuficientes para a análise de um modo de apropriação da bacia. É  nesse sentido que se dá a afirmação de Mello (2005, p. 208) com relação aos fundos de vale  que passaram por processos de urbanização intensivos, e que modificaram completamente  sua constituição:  Uma  vez  radicalmente  transformada  essa  parcela  do  território,  torna‐se  impreciso denominá‐la por um termo que reporte apenas a uma condição  geográfica.  As  várzeas  são  plenamente  construídas  e  alijadas  de  sua  condição natural. Assim, seria correto denominá‐las território concentrado  de  sistemas  técnicos.  [...]  As  sucessivas  fases  de  pesado  investimento  nas  áreas  de  várzeas  conferem  um  inestimável  valor  às  intervenções  às  quais  foram submetidas, identificadas como valores de permanência decorrentes  do processo de transformação do território. 

Desse  modo,  podemos  considerar  que  os  diferentes  compartimentos  da  bacia  hidrográfica  desempenham  aptidões  específicas  quanto  às  características  formais  que  a  constituem.  E  que,  com  a  instalação  do  artefato  urbano,  serão  acrescentados  novos  parâmetros e também conflitos relativos a essa sobreposição de usos e apropriações.   

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1.2. PROBLEMÁTICA DA BACIA HIDROGRÁFICA CONVERTIDA EM SÍTIO URBANO    Toda  e  qualquer  cidade  está  acomodada  sobre  um  sítio  precedente,  portanto  a  uma  bacia  hidrográfica  caracterizada  por  um  relevo  específico,  e  que  também  é  parte  de  um  ecossistema – conjunto formado por todas as comunidades bióticas que vivem e interagem  em  determinada  região  e  pelos  fatores  abióticos  que  atuam  sobre  essas  comunidades,  ao  qual seria diferenciada a presença humana de outras espécies animais e vegetais. Segundo  Schutzer (2012a, p. 61):  Todos  os  objetos  artificiais  introduzidos  na  paisagem  pelo  homem,  como  estradas,  cidades,  complexos  industriais,  represas  e  hidrelétricas,  se  dão  sobre  um  suporte  material  que  tem  uma  base  física  e  uma  condição  ecológica.  Toda  uma  série  de  alterações  plásticas  nessa  superfície,  aliadas  às  alterações  na  roupagem  natural  de  sua  cobertura  para  uma  outra  artificial,  ou  mesmo  agrária,  modificam  a  qualidade  dos  processos  de  funcionamento  dessa  paisagem.  [...]  É  por  isso  que  podemos  admitir  uma  imbricação  importante  no  estudo  do  relevo  com  os  estudos  de  impactos  ambientais na atualidade. 

O sítio urbano – constituinte de uma topografia, tipo de solo, vegetação e hidrografia  específicos, é definido, segundo Ab’Saber como “um pequeno quadro de relevo que aloja um  organismo  urbano”  (1957,  p.15).    A  ação  antrópica  sobre  um  sítio  precedente  ou  original  ocasiona perturbações morfológicas, seja por um padrão de arruamento, seja pela taxa de  impermeabilização  do  solo,  bem  como  da  região  que  demanda  para  seu  abastecimento  e  mesmo  pelo  desmatamento  da  cobertura  vegetal.  Será  definida  como  sítio  urbano  esta  modificação  do  relevo  produzida  por  uma  ação  humana  de  assentamento  e  voltada  a  um  modo de organização coletiva do território13.  O  crescimento  do  sítio  urbano  pode  gerar  duas  situações  completamente  distintas.  Primeira  situação,  onde  o  crescimento  é  dirigido  aos  elementos  urbanos  fundamentais,  e                                                               13  No início do século XX, a taxa da  população mundial residente  em cidades era de cerca de 15%.  Atualmente, em países desenvolvidos, por exemplo, os Estados Unidos, a taxa de urbanização chega  a 94%. Na América Latina e no Caribe, a taxa de crescimento populacional é de 3 % a 5% ao ano.  No  Brasil,  em  2010,  para  uma  população  de  190  milhões  de  habitantes,  a  taxa  de  população  urbana  registrada  foi  de  84%;  na  década  de  1960,  a  taxa  era  de  cerca  de  44%  (Tucci,  2006,  p.  399).  Este  rápido crescimento da taxa de população urbana, que no caso brasileiro dobrou nos últimos 50 anos,  evidencia o processo de crescimento acelerado pelo qual passaram várias cidades.  44   

constrói com esses uma relação convergente, de simbiose, com o relevo e a hidrografia. Na  segunda  situação,  o  crescimento  se  alheia  aos  elementos  da  estrutura  inicial,  e  confunde,  dissimula  ou  mesmo  os  destrói  impune  e  imponentemente,  criando  uma  superposição  divergente e contraditória, conforme explica Navarro (2009, p. 17):  O  tipo  de  crescimento  dirigido  aos  elementos  urbanos  fundadores  ou  preexistentes  contribui  para  dar  claridade  às  qualidades  territoriais,  aumentando  a  identificação  da  cidade  com  o  sítio  e  vice‐versa.  Pelo  contrário,  o  tipo  de  crescimento  que  se  alheia  destes  elementos,  que  não  tenha  levado  em  conta  os  elementos  fundadores  ou  prévios,  ou  simplesmente  não  os  conhece,  gera  bloqueios,  contrastes,  constrições  à  geografia  natural,  e  também  disfunções  na  geografia  artificial,  no  seu  conjunto,  ainda  que  logre  determinados  êxitos  parciais.  Este  segundo  tipo  de  crescimento  urbano  não  contribui  para  clarificar  as  qualidades  territoriais,  mas  bem  pelo  contrário,  gerando  dualidades  de  significado,  ambivalências  e  indecisões  futuras,  assim  como  diminui  a  identificação  da  cidade  com  o  sítio  e  vice‐versa.  [...]  No  primeiro  tipo  de  crescimento,  ao  que  podemos  chamá‐los  pelo  sentido  que  adquirem  na  direção  de  continuidade  com  o  passado,  crescimentos  convergentes,  a  paisagem  é  construída  como  algo  comum,  a  cidade  não  é  identificável  como  algo  separado do meio físico, senão inclusa como algo que o potencializa. [...] No  segundo  tipo  de  crescimento,  chamado  divergente,  a  paisagem  é  fruto  de  um conflito permanente e não resultante entre cidade e suporte, e onde a  cidade é vista como um inimigo da paisagem natural, nem identificável nem  fundida com o urbano, em constante estado de nostalgia impossível. 

Um sítio urbano principia num lugar, e por uma razão de assentamento. A formação de  uma  cidade  implica  a  definição  de  qualidades  territoriais  –  por  que  ocupar  essa  cumeeira,  aquela  colina  ou  o  vale  do  outro  lado  do  rio?  A  escolha  desses  atributos  vai  determinar  a  configuração de elementos urbanos fundamentais da cidade – por exemplo, a rua principal  instalada  no  topo  da  colina  ou  áreas  portuárias  junto  a  planícies  aluviais,  elementos  estes  que  constituirão  a  identidade  primeira  do  sítio  urbano.  Posteriormente,  tais  elementos  podem  ser  conservados  ou  suprimidos,  dependendo  de  como  se  dá  a  transformação  da  cidade,  considerando  taxas  de  crescimento  populacional  e  implantação  de  diferentes  tecnologias de infraestruturas. Neste processo, os critérios de ocupação do sítio precedente  –  principalmente  nos  países  em  desenvolvimento,  têm  desconsiderado  aspectos  fundamentais do comportamento do ciclo hidrológico, causando sucessivos impactos a este  e  ocasionando  modificações  no  balanço  hídrico  e  no  escoamento  das  águas  pluviais  em  função  da  geometria  da  bacia,  por  conta  de  modos  específicos  de  ocupação  do  solo  e  implantação das infraestruturas urbanas (Figura 1.7). Como observa Tucci (2006, p. 400):  45   

Pontes  e  taludes  de  estradas  que  obstruem  o  escoamento,  redução  da  seção de escoamento e de aterros, deposição e obstrução de rios, canais e  condutos de lixos e sedimentos, projetos e obras de drenagem inadequados  [...] caracterizam ações pontuais onde o prejuízo público é dobrado, já que  além  de  não  se  resolver  o  problema,  os  recursos  são  gastos  de  forma  equivocada. 

  Figura 1.7 – Balanço hídrico, escoamento e geometria  Fonte: elaborado pelo autor (ref. TUCCI, 2006, p. 402) 

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Tais  condições  de  interferência  do  ciclo  hidrológico,  como  enchentes  e  a  poluição  contínua das águas, consequência de um crescimento divergente da cidade, são decorrentes  de  modos  específicos  de  uso  e  ocupação  do  solo  que  se  fazem  conflituosos  com  a  bacia  hidrográfica, que é, ao mesmo tempo, sistema de drenagem, conjunto dos recursos hídricos  e unidade de planejamento urbano‐ambiental.  A problemática das enchentes e saneamento  das águas no sítio urbano só será solucionada frente à medidas de planejamento, desenho e  projeto urbano que considerem as diferentes escalas de bacias hidrográficas e medidas de  controle da ação das águas no sítio urbano.  O organismo urbano cria superfícies impermeáveis e causa uma série de alterações no  relevo que não existiam anteriormente, modificando o funcionamento da bacia hidrográfica.  Segundo Tucci (2006, p. 417) as medidas de controle do escoamento podem ser classificadas  em  três  tipologias,  de  acordo  com  sua  ação  na  bacia  hidrográfica  e  diferentes  escalas  de  perímetros. Primeiro, uma medida de controle distribuído, ou na fonte, um tipo de controle  que  atua  sobre  lotes,  praças  e  passeios.  Segundo,  medidas  de  microdrenagem,  que  age  sobre  o  hidrograma  resultante  de  um  ou  mais  loteamentos.  Terceiro,  medidas  de  macrodrenagem,  relativas  aos  principais  cursos  d’água  do  sítio  urbano.  Sob  um  outro  aspecto,  as  medidas  de  controle  do  escoamento  das  águas  que  utilizam  dispositivos  que  permitem  infiltração  e  percolação  mais  próximas  o  possível  das  condições  precedentes  ou  naturais,  são  caracterizadas  como  não  estruturais.  Entre  estes  dispositivos,  podemos  destacar:  planos  de  infiltração,  valos  de  infiltração,  bacias  de  percolação  e  dispositivos  hidráulicos permeáveis (TUCCI, 2006, p. 418‐419).  Outro  modo  de  lidar  com  o  controle  do  escoamento  das  águas  consiste  de  medidas  ditas  estruturais,  que  partem  do  princípio  do  armazenamento  das  águas  por  meio  de  dispositivos  como  tanques,  lagos  e  pequenos  reservatórios  abertos  ou  enterrados,  entre  outros.  Tais  medidas  são  denominadas  de  controle  à  jusante  e,  diferente  de  medidas  de  controle  compartilhado,  que  opera  lote  a  lote,  prevê  custos  menores  de  operação  e  manutenção  e  facilidade  na  execução  da  obra.  Por  outro  lado,  a  relação  entre  terrenos  disponíveis e locais de implantação se revela problemática, pois tais obras, em muitos casos,  desconsideram  o  caráter  de  projeto  e  inserção  urbana  e  acabam  por  se  apresentar  como  infraestruturas que não se articulam com seu entorno (TUCCI, 2006, p. 422).  47   

Os diferentes tipos de medidas de controle de escoamento das águas no sítio urbano  atuam  sobre  as  bacias  hidrográficas  de  modos  peculiares  e  diversos,  mas  apresentam  um  quadro  no  qual  o  funcionamento  da  bacia  ocorre  variada  e  continuamente,  devido  à  constante movimentação da água  no ciclo hidrológico.  Porém, mais do que as medidas de  controle, o que ainda caracteriza as cidades dos países em desenvolvimento é a insuficiência  de  uma  gestão  compartilhada  que  consiga  equacionar  minimamente  problemas  urbanos,  como enchentes sazonais e a ação cotidiana de poluição dos cursos d’água.    1.3. DECOMPOSIÇÃO ANALÍTICA DO SÍTIO URBANO    Conforme  exposto,  o  sítio  urbano  designa  a  constituição  física  de  uma  porção  do  território, no qual se encontram articulados os conceitos de hidrografia, relevo e cidade. O  advento  da  cidade  implica  um  sistema  de  estruturação  do  relevo  e  da  hidrografia,  onde  ambos  vão  desempenhar  uma  ação  condicionante  de  contexto,  mas  também  serão  objeto  de  apropriação,  intervenção  e  modificação  de  ações  antrópicas  direcionadas  segundo  diferentes técnicas e motivações. Tal sítio é, portanto, resultado de uma série de atividades  diversas  ou  concomitantes  que  ocorrem  sobrepostas  ou  em  justaposição,  e  se  realizam  a  partir  de  elementos  formais  correspondentes.  Estas  atividades  podem  ser  divididas  em  diferentes  escalas  e  camadas  de  análise  e,  de  acordo  com  os  parâmetros  que  se  estabelecerem, vão proporcionar leituras particulares conforme a escolha e a quantidade de  enquadramentos que se deseja realizar. Neste trabalho, considera‐se imprescindível a escala  de enquadramento da microbacia hidrográfica municipal e a seguinte hierarquia de camadas  de análise do sítio urbano: relevo, hidrografia, tecido, traçado e infraestruturas urbanas.     1.3.1. Tecido Urbano 

O  tecido  urbano  deve  ser  entendido  como  a  representação  gráfica  do  sítio  urbano,  designando,  portanto,  a  expressão  física  da  forma  urbana  (COELHO,  2011).  A  leitura  do  tecido urbano é uma atividade meticulosa,   na  qual  as  perguntas  e  inquietações  acerca  dos  48   

motivos  e  sentidos  sobre  o  conjunto  da  forma  urbana  permitem  identificar  o  sentido  histórico, a noção de memória e a revelação da identidade deste ou daquele lugar, desta ou  daquela cidade. Conforme afirma Coelho (2013. p. 24):  Aceitar  que  o  objeto  urbano,  a  cidade  física  como  um  todo,  tem  a  capacidade de ser interpretado e compreendido, implica que não se perca  de vista que a reflexão sobre a forma da cidade nasce da sua experiência e  portanto  de  um  universo  que  se  presta  à  comparação.  Assim,  a  interpretação  da  cidade  como  realidade  material  deve  compreender  duas  abordagens:  a  análise  da  sua  forma  num  momento  determinado  e  a  sua  justificação a partir dos acontecimentos que lhe deram origem. 

Os processos que moldam a forma do tecido urbano e dele se apropriam são múltiplos  e atuam diversamente na ação do tempo. Segundo Coelho (2013, p. 18):  A  produção  da  cidade  resulta  de  uma  infinidade  de  intervenientes  com  interesses divergentes, se não mesmo opostos, em tempos diferentes. [...]  A  questão  da  complexidade  do  tecido  urbano  não  pode  ser  dissociada  do  modo  de  produção  e  este  da  questão  do  tempo.  [...]  Com  exceção  dos  tecidos  resultantes  de  operações  urbanas  muito  recentes,  todos  revelam  esse processo sedimentar que geralmente se pode representar através do  estabelecimento de fases marcantes na conformação dos tecidos. 

A identificação de uma fase marcante do tecido urbano coloca‐se como uma evidência  de  memória  e  atributo  de  sua  identidade.  O  conjunto  do  tecido,  formado  por  uma  diversidade  de  elementos  urbanos  –  a  rua,  a  praça,  a  igreja,  o  quarteirão,  as  pontes  e  viadutos,  os  edifícios  e  os  bairros  etc,  guardam  memória  quanto  aos  seus  diferentes  momentos  de  formação,  ao  mesmo  tempo  em  que  manifestam  sua  diversidade.  Nas  palavras de Coelho (2013, p. 21):  O  entendimento  da  riqueza  do  tecido  urbano  resulta  da  configuração  dos  seus vários componentes que, apesar da particularidade de cada um por si,  contribuem  para  que  um  tecido  tenha  homogeneidade  formal  da  qual  resulta  a  compreensão  da  sua  identidade.  A  capacidade  de  entendimento  de  um  tecido  requer  não  o  seu  conhecimento  concreto,  mas  o  reconhecimento  dos  elementos  que  o  compõem  e,  nessa  medida,  a  sua  identidade  resulta  da  relação  articulada  dos  elementos  entre  si,  de  tal  modo que a  sua contribuição para a composição de um tecido lhe confira  características  distintas  de  outros.  A  identidade  não  depende  apenas  da  constância  formal  de  cada  um  dos  seus  elementos,  mas  também  da  sua  relação,  podendo  dois  tecidos  distintos  e  com  identidade  partilhar  elementos semelhantes. 

Assim,  cabe  ressaltar  que  não  é  apenas  a  correta  identificação  do  conjunto  de  elementos  que  compõem  a  identidade  de  tal  ou  qual  tecido  urbano,  mas  antes  que  se  49   

poderá  verificar,  a  partir  de  uma  observação  do  conjunto  do  tecido,  um  funcionamento  específico,  peculiar,  que  será  distinto  de  outro  tecido,  ainda  que,  em  ambos  os  tecidos,  alguns  dos  elementos  sejam  similares  em  forma.  Ao  mesmo  tempo,  é  preciso  ter  cautela  para definir e categorizar a constituição dos elementos estruturadores do tecido. Conforme  afirma Navarro (2009, p. 43):  Construir  erroneamente  a  identidade  de  algo,  simplificá‐la  ou  dá‐la  por  suposta,  estabelece  fronteiras  desnecessárias  que  só  dificultam  um  posterior encontro mais preciso entre esse algo e sua própria realidade. Daí  que se prefira o exercício de construir a identidade mais como um conjunto  de  perguntas  adequadamente  formuladas,  do  que  como  uma  lista  de  respostas tomadas como corretas. 

A  fase  mínima  ou  sentido  histórico  de  um  tecido  urbano,  que  possibilita  a  caracterização de sua identidade, só é possível a partir de um processo de segmentação: um  corte,  uma  dissecação,  que  implica  em  apresentar  lâminas  justapostas,  com  elementos  diferentes,  ou  a  partir  de  uma  série  sintética  de  temporalidade.  Segundo  Coelho  (2013,  p.  24‐28):  O tecido de qualquer cidade só por exceção constitui uma massa contínua e  uniforme.  As  vicissitudes  da  sua  história  traduzem‐se  em  realidades  que  distinguem  diversas  partes  que  em  si  mesmas  apresentam  características  comuns.  A  cada  uma  destas  partes,  onde  os  diversos  componentes  se  apresentam  com  as  mesmas  características  e  articulados  de  uma  mesma  maneira, podemos chamar de “tecido homogêneo”. (...) A segmentação do  tecido,  qualquer  que  seja  o  critério  utilizado,  deve  garantir  na  mais  pequena  parcela  a  manutenção  de  suas  características  e  da  natureza  do  objeto  material  (...)  No  entanto,  podemos  também  abordar  os  tecidos  homogêneos a partir de processos de amostragem, recolhendo segmentos  que  contenham  as  características  fundamentais  de  determinado  tecido  homogêneo.  Esta  maior  abstração  permite  evidenciar  as  características  físicas  do  tecido  ao  remeter  para  um  plano  secundário  a  relação  integral  dos elementos que o compõem. 

A segmentação do tecido urbano implica, portanto, uma decomposição sistêmica, no  sentido  de  esquadrinhar  uma  resolução  apta  à  análise  e  que  seja  minimamente  precisa  quanto  à  escala  dos  elementos  urbanos  específicos  elencados  (Figura  1.8).  Constituem  situações distintas, ainda que similares, analisar, por exemplo, a forma urbana de um bairro  a  partir  das  suas  determinações  históricas  ou  as  transformações  nos  elementos  estruturadores de um tecido metropolitano. Para Coelho (2013, p. 28‐31): 

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Certas  características  formais  dos  tecidos  são  mais  facilmente  compreensíveis a partir da sua decomposição, isto é, a partir da abstração  dos  principais  sistemas  que  os  compõem  ou  da  própria  desagregação  dos  seus  elementos  urbanos.  (...)  A  particularidade  da  dinâmica  do  tecido  urbano advém da natureza dos espaços que o compõem, constituídos por  uma  infinidade  de  unidades  autônomas  e  com  interesses  próprios  –  as  parcelas – e um espaço coletivo que as estrutura – o espaço público. É esta  realidade  que  justifica  a  diversidade  do  tecido  urbano,  mas  também  a  dificuldade do seu controle como objeto. 

  Figura 1.8 – Decomposição sistêmica do tecido urbano ‐ Colina da Penha  Fonte: elaborado pelo autor   

Frente  às  diversas  escalas  de  tecido  urbano,  bem  como  das  várias  possibilidades  de  abordagem  e  complexidade,  definiu‐se  neste  estudo  uma  decomposição  que  considera  51   

especialmente  as  relações  do  traçado  urbano.  Este  se  define,  basicamente,  pelos  eixos  viários públicos em interface com as parcelas privadas. A partir do traçado serão analisadas  as  articulações  entre  infraestruturas  metropolitanas  com  tecidos  locais,  e  a  relação  de  ambos com a hidrografia do sítio precedente, conforme será verá no capítulo 4.    1.3.2. Traçado Urbano 

O  traçado  urbano  apresenta‐se  como  um  dos  elementos  determinantes  do  tecido  urbano  e  constituinte  direto  da  estruturação  da  cidade,  tanto  na  sua  urdidura  de  infraestruturas – espaços longitudinais, vetoriais ou regionais, quanto na trama de espaços  transversais,  locais,  urbanos,  também  chamados  de  tecidos  homogêneos  ou  locais.  No  contexto da metrópole contemporânea, o tecido urbano, enquanto figura conceitual da qual  se decompõe o traçado, apresenta, em primeiro lugar, essas duas escalas concomitantes, ao  mesmo tempo rede metropolitana de infraestruturas e multiplicidade de tecidos locais. Daí  serem oportunos os termos urdidura e trama14, que designa as linhas horizontais e verticais  de um tecido, no qual a estrutura só se torna  possível a partir da articulação entre ambas  (Figura 1.9). Nesse contexto, a microbacia hidrográfica inserida no tecido urbano seria uma  escala  intermediária  de  análise,  onde  a  rede  de  infraestruturas  metropolitanas  constitui  a  escala macro, e a multiplicidade de tecidos locais, a escala micro.  Coelho  (2013,  p.  31)  define  o  traçado  urbano  como  a  decomposição  dimensional  do  tecido e diferenciação entre espaços públicos e privados:  O  traçado,  conceito  abstrato  e  bidimensional,  é  obtido  por  um  processo  redutor, ao retirar ao tecido urbano uma das suas três dimensões. Remete  para  a  representação  do  espaço  público  e  da  estrutura  parcelar,  indiferenciando  os  vários  elementos  que  os  materializam.  Ao  primeiro  componente  –  o  espaço  público,  estruturador  das  parcelas  individuais,  podemos  chamar  de  Traçado  Urbano;  ao  segundo  menos  perceptível  na  globalidade,  mas  pelo  contrário  mais  sujeito  ao  processo  evolutivo,  podemos  simplesmente  chamar  de  Parcelário.  O  conceito  de  traçado  remete  no  entanto  a  uma  configuração  concreta  –  um  desenho  finito  e  dimensionável  em  todos  os  seus  pormenores.  Os  dois  componentes  do  traçado podem ser representados de modo muito contrastados, por forma  a  permitir  uma  leitura  tão  clara  quanto  possível  de  ambos  e  da  relação  estabelecida entre eles.                                                               14

 Urdidura e trama são termos oriundos da tecelagem, e designam a base mecânica da indústria têxtil. 

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  Figura 1.9 – urdidura e trama  Fonte: elaborado pelo autor   

Desse modo, cabe diferenciar os espaços que constituem o parcelário maior – quadra,  quarteirão, ou bloco – espaços de permanência, públicos ou privados, do leito carroçável, ou  seja, ruas, vias e calçadas – espaços de fluxo e circuitos de movimentação. Tais espaços de  fluxo  caracterizam  o  conjunto  do  traçado  urbano  e,  ao  mesmo  tempo,  sua  relação  com  o  relevo. Nesse sentido, o traçado urbano incorpora as sucessivas experiências de contato que  a ocupação urbana realiza. Conforme afirma Schutzer (2012b, p. 124‐125):  O primeiro contato que uma cidade estabelece com seu território pode ser  verificado  através  do  traçado  urbano.  A  conformação  das  ruas  originando  quadras e sua extensão pelo território é uma das primeiras relações que se  configuram  entre  o  meio  ambiente  e  a  cidade.  Ela  define  a  localização  geográfica,  a  forma  das  quadras,  regula  a  disposição  dos  edifícios  que  conformam  os  espaços  livres,  interliga  os  espaços  da  cidade,  define  hierarquias e limites urbanos. 

O traçado é determinado, sobretudo, pela forma do relevo, do sítio precedente. Nesse  sentido, o traçado desenha o relevo, mas também é condicionado por este, na medida em  que  a  topografia  e  acidentes  diversos  vão  limitar  as  possibilidades  de  intervenção.  Além  disso,  configurações  específicas  de  relevo,  como  planícies,  encostas  e  topos  de  colina,  determinarão formas correlatas de traçado. Segundo Fernandes (2013, p. 38):  A unidade do traçado urbano, e consequentemente a unidade morfológica  da  cidade,  é  alcançada  quando  se  estabelece  a  junção  de  partes  distintas  através  de  relações  de  continuidade,  de  estrutura  e  de  articulação  que,  formando um objeto indivisível, se torna consequentemente complexo [...]  53   

Ao empreender a leitura dos traçados urbanos a partir da sua relação com o  relevo  destacam‐se  primeiramente  os  acidentes  topográficos  que  de  uma  forma  abrupta  marcam  o  território  e  que  pela  sua  morfologia  constituem  obstáculos  que  impedem  ou  condicionam  a  implementação  das  malhas,  como modelos ideais ou simplesmente o prolongamento dos traçados. (...)  Os  planaltos  e  os  fundos  de  vale  largos  permitem  o  assentamento  dos  traçados,  mas  possuem  condicionantes  naturais  com  características  semelhantes, escarpas ou encostas, que constituem um impedimento para  a extensão das malhas quando estas se baseiam em sistemas geométricos  regulares.   

O  traçado  urbano  se  consolida  e  se  transforma  continuamente  por  meio  da  sua  reiteração ou modificação conforme a ação do tempo, e implica mudanças significativas no  comportamento  do  ciclo  hidrológico  da  bacia  hidrográfica  convertida  em  sítio  urbano.  Tal  traçado será mais ou menos poroso, no sentido de apresentar conexões e ramificações no  seu conjunto, bem como uma capacidade de vazão relativa às dimensões disponibilizadas no  relevo em função da demanda de transportes. Segundo Schutzer (2012b, p. 134):  Então, quais poderiam ser as características ambientais do traçado urbano?   Estando este traçado assentado sobre um sítio, um território, ou seja, sobre  um  suporte  geográfico  que  interage  com  todo  o  ciclo  hidrológico,  teria  aquele  condições  de  impor  ou  definir  influências  marcantes  sobre  o  meio  ambiente?  Levantam‐se  algumas  questões,  que  vão  um  pouco  além  da  proposição  formal  entre  o  orgânico  ou  o  regular  (ortogonal,  grelha,  hipodâmico, como se queira chamar). Uma delas ou a primeira, é a questão  sobre  a  tendência  da  continuidade  do  traçado;  a  segunda  questão  importante  tem  relação  com  a  densidade  e  a  largura  de  vias;  e  a  terceira  refere‐se  às  características  físicas  intrínsecas  do  sistema  viário  quanto  ao  tipo de piso e sua relação com os processos naturais. 

Assim, o traçado conforma as principais linhas que compõem a bacia hidrográfica, na  medida em que esta se converte em sítio urbano, ao mesmo tempo em que é condicionado  pela forma específica deste sítio. Todavia, tal traçado não é homogêneo quanto à natureza e  comportamento  dos  seus  fluxos,  e  revela  características  diferentes  conforme  a  inserção  considerada  frente  a  um  tecido  urbano  maior.  Ou  seja,  um  tecido  urbano  relativo  a  uma  microbacia  municipal,  por  exemplo,  apresentará  no  seu  traçado  escalas  diferentes  de  infraestruturas,  que  poderão  ser  caracterizadas  como  locais,  por  estarem  contidas  nesse  tecido,  ou  terão  um  aporte  maior  que  esse  mesmo  tecido,  atravessando‐o  e  não  estando  finalizadas  neste,  indicando  assim  outras  escalas  de  território,  chamadas  aqui  de  metropolitana e regional.  54   

1.3.3. Infraestruturas urbanas 

No  traçado  urbano,  primeiramente,  o  espaço  das  infraestruturas  pode  ser  definido  como o do movimento e da passagem. Enquanto base e suporte, tal espaço define‐se como  imóvel,  fixo  ou  estanque,  e  possui  localização,  lugar  ou  ponto  específico.  Porém,  a  função  desse espaço se realiza apenas na medida em que é utilizado, tanto por automóveis quanto  por pessoas, para deslocamentos entre um ponto e outro. Segundo Santos (2012, p. 3):  O  espaço  da  infraestrutura  é  estrutura  e  cenografia;  armadura  configuradora  da  cidade,  mas  também  formada  pelo  coreográfico  fluir  coletivo.  Nesse  fluir,  espaços  outros  ganham  representatividade  e  significado;  já  não  apenas  as  ruas  e  boulevards  da  cidade  metrópole,  mas  também  outros  múltiplos  fora,  singularidades  na  confluência  de  redes  de  conexão e familiaridade construídos entre o global e o local. 

As  infraestruturas  que  fazem  parte  do  traçado  urbano  são  tão  diversas  quanto  determinantes. Estradas, pontes, viadutos, ferrovias, cabos e torres de suprimento elétrico,  canais  e  rios,  conectam‐se  e  sobrepõem‐se  uns  aos  outros,  caracterizando  o  aspecto  complexo  das  várias  camadas  do  traçado,  como  um  palimpsesto.  Conforme  afirma  Santos  (2012, p. 3):  O  projeto  e  construção  do  caminho,  da  estrada,  da  ferrovia,  da  linha  elétrica não se esgotam na resolução de problemas de circulação e ligação  entre  dois  pontos  no  espaço,  dois  lugares  de  um  território,  dois  terminais  de  um  circuito  electromagnético.  A  obra  infraestrutural  incorpora  em  si  uma  dimensão  programática  indissociável  de  uma  determinada  forma  de  entender,  transformar  e  modelar  o  território  pela  atividade  humana.  Ao  projeto  da  infraestrutura,  como  desígnio  tecnológico,  associa‐se  um  desígnio  político  e  cultural  que  caracterizará  os  modelos  de  desenvolvimento urbano e de organização do território ao longo do século  XX. 

Atualmente, na cidade contemporânea, tais infraestruturas podem ser definidas como  artefatos de controle e vazão dos mais diversos tipos de fluxos: de transporte, de matérias  primas,  bens,  mercadorias  e  pessoas,  sistemas  de  transmissão  de  dados,  informações,  telecomunicações e energia – elétrica, gás, eólica, entre outras; sistemas de abastecimento  de  água  e  de  vazão  de  efluentes,  entre  outros.  Tais  sistemas  coexistem  em  variadas  situações,  apesar  da  tendência  progressiva  de,  quando  da  sua  produção,  seguirem  uma  lógica de padronização. É nesse contexto que se dá o comentário de Santos (2012, p. 3): 

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A  espacialização  das  atuais  redes  de  circulação,  comunicação  e  abastecimento é expressa de forma diferenciada e dicotômica na cidade e  no território, entre aderência e desconexão, entre a extrema polarização e  a  fratura,  exigindo  do  seu  desenho  uma  aproximação  intermediária,  mediadora, intersticial que amplifique as possibilidades de interação entre  a escala global (das redes) e a escala local (dos tecidos). É esta cidade que,  construída segundo racionalidades múltiplas, onde a natureza fragmentária  e individual da decisão, impede visões totalizantes ou unitárias, exige uma  atenção particular aos mecanismos de comunicação entre atores, sistemas  e espaços. 

Assim,  as  infraestruturas  urbanas  comportam,  na  sua  forma,  aspectos  diversos  dos  interesses que definiram sua implantação, e também o enfoque de paradigmas tecnológicos  específicos.  É  nesse  sentido  que  Santos  coloca  a  questão  dos  eventos  determinantes  do  percurso histórico da cidade (2012, p. 4):  Neste  percurso,  as  estações  ferroviárias  emergem  como  símbolos  identitários  da  cidade  infraestrutural  do  século  XIX;  as  pontes,  auto‐ estradas  e  barragens  protagonizam  a  imagem  do  progresso  no  século  XX;  na  alvorada  do  século  XXI,  ainda  é  difícil  descortinar  quais  são  as  suas  catedrais  infraestruturais,  mas  parecem  vir  a  ser  mais  diluídas,  disseminadas e atomizadas, de menor visibilidade e, por isso, de mais difícil  inteligibilidade  enquanto  realidades  espaciais  e  arquiteturais.  Em  todo  o  caso,  e  em  qualquer  momento  deste  percurso,  há  níveis  subterrâneos  (Williams,  2008)  de  grande  ubiquidade  que,  apesar  de  inconspícuos,  suportam  e  acolhem  dispositivos  tecnológicos  determinantes  para  o  funcionamento,  organização  e  controlo  da  cidade.  São,  aliás,  estratos  impregnados  de  uma  densa  paisagem  mental,  cultural  e  ideológica  que,  recombinando artificialidade e natureza, constroem a outra face da moeda  dos  artefatos  arquitetônicos  que  nos  habituamos  a  celebrar  como  monumentos – superestruturas – da nossa civilização. 

As próprias características de uma infraestrutura urbana já constituem os indícios  da  escala  e  do  grau  de  modificações  nas  condições  geográficas  precedentes,  e  produz  um  sentido específico de território. Segundo Franco (2005, p. 16):  A incorporação das infra‐estruturas viabiliza, ampara e impulsiona o uso do  território  em  escala  compatível  com  sua  dimensão,  a  partir  do  momento  em que torna disponíveis os meios de deslocamento, de acesso aos lugares,  de  abastecimento,  de  obtenção  de  energia,  de  comunicação  etc.  Sua  implantação requer ações de grande envergadura, dependentes de vultosos  recursos  financeiros,  o  que  preceita  a  elaboração  de  ações  coordenadas  que  direcionem  os  esforços  necessários  à  sua  corporificação  enquanto  produto social decorrente de um projeto coletivo. 

Assim, as infraestruturas urbanas são factíveis de análise a partir de pelo menos três  escalas.  Primeiro,  uma  escala  local,  do  objeto  simples,  unitário,  uma  rua,  uma  ponte,  uma  56   

avenida, um canal, escala na qual o objeto articula‐se com seu tecido adjacente no sentido  de  ser  determinante  a  este  e  ao  mesmo  tempo  determinado.  Segundo,  uma  escala  intermediária,  do  objeto  composto,  articulado,  em  pelo  menos,  dois  componentes:  ruas  e  avenida, viaduto e rua, ponte e rio. Terceiro, uma escala externa ou contextual, na qual os  fluxos,  ainda  que  atravessem  o  tecido  e  interfiram  internamente  neste,  correm  incessantemente para fora, e onde os diversos elementos infraestruturais estão articulados,  ora existindo em justaposição, ora em sobreposição. Santos coloca a questão das escalas de  infraestruturas em outros termos (2012, p. 8):  Infraestruturas:  artefatos  espaciais  e  tecnológicos  que  suportam  a  circulação de veículos e o fluxo de pessoas, bens, e informação. [...] Espaços  infraestruturais:  realidade  espacial  tridimensional,  interior  ou  exterior,  conformada  na  relação  direta  e  contígua  com  a  infraestrutura,  incluindo  áreas  que  lhe  são  afetadas,  como  servidões  e  espaços‐canal.  [...]  Redes  infraestruturais: sistemas de suporte e serviço às atividades desenvolvidas  sobre  o  território,  de  configuração  reticular,  compreendendo  a  dimensão  física da infraestrutura e a dimensão organizativa e tecnológica. 

De  todo  modo,  considerar  diferentes  escalas  de  infraestruturas  urbanas  é  imprescindível  para  o  entendimento  das  diferentes  escalas  de  cidade,  bem  como  as  diferentes  escalas  de  bacia  hidrográfica  correspondente,  ou  seja,  a  medida  de  sítio  sobre  qual  a  cidade  se  assenta.  As  infraestruturas  metropolitanas  se  articulam  particularmente  com  os  tecidos  urbanos  locais,  internos  à  cidade,  e  dependendo  das  suas  condicionantes  físicas, fruto de prioridades elencadas quando do seu desenho, podem desempenhar função  de  barreiras  e  mesmo  cisões  no  tecido  urbano.  Porém,  na  escala  metropolitana,  tais  infraestruturas  satisfazem  outras  conexões  e  organizam  fluxos  de  outra  escala,  regional.  É  este sistema que possibilita uma circulação contínua e, em condições ideais, ininterrupta dos  fluxos os mais diversos. Como observa Meyer (2000, p. 8):  A  hipótese  de  que  as  grandes  infra‐estruturas  urbanas  ganharam  a  prerrogativa  de  funcionar  como  elemento  “agregador”  do  território  metropolitano  está  se  tornando  evidente.  Deixando  de  ser  apenas  “redes  abstratas  que  enfeixam  conexões  funcionais”,  a  infra‐estrutura  urbana  contemporânea  cumpre  a  função  básica  de  organizar  os  sistemas  e  subsistemas  urbanos,  estruturando  a  metrópole,  garantindo  as  continuidades  ameaçadas  pela  fragmentação  e  organizando  os  fluxos  que  evitam a dispersão funcional. 

Desse  modo,  a  interface  entre  bacia  hidrográfica  e  sítio  urbano  guarda  esse  duplo  aspecto  de  análise:  as  microbacias  internas  à  cidade  fazem  parte  de  uma  grande  bacia,  57   

externa e que engloba essa mesma cidade, e estão inseridas em uma rede de infraestruturas  metropolitanas.  Inversamente,  as  mesobacias  são  atravessadas  por  infraestruturas  regionais, e mesmo condicionadas por estas, tornando‐se objeto de exploração. É o caso do  aproveitamento  hidrelétrico,  da  exploração  mineral,  do  abastecimento  de  água  e  de  irrigação agrícola, onde a bacia é, ao mesmo tempo, suporte, fonte e matéria prima para tais  atividades.  De  todo  modo,  o  conjunto  de  infraestruturas  que  configura  o  sítio  urbano  modifica  radicalmente as várias escalas de bacia hidrográfica, conferindo a esta um caráter complexo  e  problemático,  uma  vez  que  a  hidrografia  e  o  relevo  são  objeto  de  intervenções  que  alterarão completamente suas características precedentes ou originais. Cabe agora a análise,  tanto  na  escala  metropolitana  da  rede  infraestruturas  quanto  na  escala  local  do  tecido  urbano, como se dá essa transformação.  Os próximo capítulos, 2 e 3, apresentam, respectivamente, um estudo de caso em três  escalas de bacia. No capítulo 2, será apresentada brevemente a Bacia Hidrográfica do Tietê,  como uma escala macro e regional da geomorfologia do Estado de São Paulo e, numa escala  intermediária,  de  mesobacia,  na  interface  entre  a  Bacia  do  Alto  Tietê  e  a  Região  Metropolitana  de  São  Paulo.  Em  ambas  as  escalas,  o  Rio  Tietê  é  o  principal  elemento  estruturador  do  sítio  e  também  objeto  de  intervenções  determinantes  na  sua  transformação, sendo que o enfoque se dará destacando algumas situações relevantes para  o entendimento da articulação entre relevo, hidrografia e infraestruturas metropolitanas. No  capítulo  3  será  discutida  a  inserção  da  microbacia  do  Córrego  Tiquatira,  afluente  do  Rio  Tietê,  na  região  da  Penha  no  Município  de  São  Paulo,  e  como,  dentro  de  um  processo  histórico  local,  as  infraestruturas  metropolitanas  determinaram  a  transformação  dessa  porção de território.  O  capítulo  4  apresenta  o  processo  metodológico  para  análise  da  microbacia  do  Tiquatira  em  função  do  tecido  urbano  em  que  está  inserida.  A  microbacia  é  a  unidade  de  medida  que  define  a  interface  entre  a  trama  e  a  urdidura  do  tecido  urbano  sobre  o  sítio  precedente,  ou  seja,  entre  as  escalas  macro  –  do  caráter  metropolitano  e  micro  –  dos  aspectos locais. 

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2. BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO TIETÊ E O SÍTIO URBANO DE SÃO PAULO   

 

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                Atualmente,  no  caso  da  cidade  de  São  Paulo,  a  interface  entre  metrópole  e  bacia  hidrográfica apresenta‐se como uma questão complexa, devido ao imbricado amálgama que  se  estabeleceu  entre  hidrografia  e  infraestruturas  urbanas,  uma  vez  que  a  primeira  foi  radicalmente  modificada  em  função  da  segunda.  O  objetivo  deste  capítulo  consiste,  portanto,  em  identificar  quais  são  os  principais  momentos  que  caracterizaram  essa  transformação,  e  entender  como  se  dá  a  interface  entre  a  Bacia  do  Alto  Tietê  e  o  sítio  urbano  da  Região  Metropolitana  de  São  Paulo.  O  enfoque  se  dará  na  articulação  entre  relevo,  hidrografia  e  sistema  viário,  no  contexto  de  uma  rede  de  infraestruturas  urbanas  instaladas em um sítio precedente ao longo do tempo.  A primeira parte deste capítulo consiste de um panorama geral da geomorfologia do  estado  de  São  Paulo,  uma  escala  macro  e  regional,  no  qual  o  Rio  Tietê  desponta  como  principal  vetor  hídrico,  e  é  objeto  de  uma  divisão  particular  do  conjunto  da  sua  bacia,  baseada em premissas político‐administrativas. Com base nessa divisão, será focada, a sub‐ bacia  hidrográfica  do  Alto  Tietê,  uma  escala  intermediária,  que  possui  limites  quase  concomitantes  com  a  Região  Metropolitana  de  São  Paulo.  Numa  escala  micro,  será  considerada a sub‐bacia Pinheiros‐Penha como sendo a única que faz interface com todas as  outras,  desempenhando,  neste  escopo,  a  função  de  centralidade  do  sítio  urbano  atual.  Ainda, essa sub‐bacia caracteriza parte significativa de São Paulo, enquanto capital e maior  município da metrópole.  60   

De modo geral, pretende‐se demonstrar, sucintamente, como o relevo e a hidrografia,  enquanto  componentes  da  bacia  hidrográfica,  desempenharam  um  papel  protagonista  quando  das  sucessivas  etapas  de  instalação  das  infraestruturas  urbanas,  em  especial  as  viárias,  no  sítio  urbano  de  São  Paulo.  Se  por  um  lado  é  possível  afirmar  que  o  sítio  precedente  condicionou  a  estruturação  da  cidade,  também  se  pode  considerar,  por  outro  lado, que tal sítio apenas definiu uma série de obstáculos a serem vencidos, a fim de garantir  uma plena utilização do solo urbano. É esse duplo aspecto do sítio precedente ou original, ao  mesmo tempo condicionante e condicionado, que define a problemática que irá configurar o  tecido urbano, representação do sítio.  Como  já  foi  exposto,  o  estudo  urbano  de  uma  bacia  hidrográfica  não  se  basta  enquanto  esta  for  entendida  apenas  como  uma  unidade  geomorfológica,  ainda  que  modificada pela ação antrópica e transformada em sítio urbano, embora este seja o ponto  de  partida  para  o  entendimento  do  relevo  e  da  hidrografia  como  componentes  que  condicionam a formação e consolidação da cidade.  A segunda parte deste capítulo consiste de um embasamento histórico, no sentido de  quantificar e qualificar as principais causas que ocasionaram o modo de ocupação específico  dessa  mesma  cidade.  Torna‐se  também  imprescindível  traçar  uma  argumentação  que  considere a bacia do Alto Tietê em função das suas várias partes, ou seja, a sua situação não  só como conjunto de sub‐bacias, mas, principalmente em função das ligações entre núcleos  urbanos. Pois é justamente esta articulação entre diferentes núcleos que gera uma espécie  de  polarização,  que  vai  direcionar  as  sucessivas  etapas  do  crescimento  da  cidade,  e  que  definirá a configuração urbana da bacia hidrográfica.              61   

2.1.  BACIA HIDROGRÁFICA DO TIETÊ E A GEOMORFOLOGIA DE SÃO PAULO     O Rio Tietê, cujo hidrônimo é de origem tupi e significa “água verdadeira” (junção dos  termos ti e eté), é um dos principais afluentes do Rio Paraná15, portanto sua bacia pode ser  considerada  como  maior  de  nível  2,  segundo  o  método  de  Pfafstetter  (Figura  2.1),  configurando‐se  como  o  principal  elemento  da  estruturação  hídrica  do  Estado  de  São  Paulo16.  Atualmente,  em  nível  regional,  o  Tietê  é  utilizado  de  modo  diverso,  tanto  para  aproveitamento hidrelétrico quanto para o transporte hidroviário, bem como para recreação  e lazer, abastecimento de água etc, desempenhando uma importante rota de distribuição de  commodities  agropecuárias  para  o  mercado  interno  e  externo.  Em  nível  urbano  e  local,  o  Tietê  atravessa  a  maior  metrópole  da  América  do  Sul,  a  cidade  de  São  Paulo,  capital  do  estado, metrópole esta que polui o rio diariamente com o lançamento de resíduos sólidos,  esgotos  domésticos  e  industriais.  Além  disso,  diversas  outras  cidades  consolidaram‐se  ao  longo do seu curso.  No  percurso  do  Rio  Tietê,  desde  a  Serra  do  Mar,  à  sudeste,  em  direção  ao  interior,  sentido  noroeste,  sucedem‐se  diferentes  quadros  de  relevo,  em  geral  amorreados  e  acidentados.  (AB’SABER,  1957,  p.61).  A  porção  sudeste  do  estado  apresenta  compartimentos de relevo e altimetria bem diversificada, onde as escarpas da Serra do Mar  atuam como elemento de transição entre a faixa litorânea e a porção sul‐oriental do Planalto 

                                                             15   Entre  as  regiões  hidrográficas  do  Brasil,  a  Bacia  do  Paraná  possui  um  enorme  potencial  elétrico,  devido tanto ao volume de água quanto ao seu terreno acidentado. Além disso, revela uma caráter  excepcional:  o  Aquífero  Guarani,  que  constitui  um  dos  maiores  aquíferos  do  mundo  e  é  a  maior  reserva  subterrânea  de  água  da  América  do  Sul.  É  um  corpo  hídrico  transfronteiriço  que  abrange  parte dos territórios do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Possui um volume acumulado  de  37.000  km³  e  área  estimada  de  1.087.000  km².  Na  parte  brasileira  estende‐se  por  oito  estados:  Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e  São Paulo. Dados In: . Acesso: 07 outubro 2015.  16   O  Rio  Tietê  teve  um  papel  histórico  fundamental  na  conquista  bandeirante  do  interior,  no  chamado  bandeirismo  de  monções,  com  destino  a  Mato  Grosso  e  Goiás,  e  antigamente  era  conhecido como Anhembi, por conta de uma espécie de ave comumente vista em suas margens.  62   

Atlântico  Brasileiro,  passando  por  regiões  serranas  e  um  “Mar  de  morros”  17,  constituindo  uma diferença de altura média de 700 metros 18. 

  Figura 2.1 – Bacia hidrográfica do Paraná – Rio da Prata  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Kmusse, 201019)   

Em comparação, a porção noroeste do estado apresenta uma composição mais regular  e  uniforme  dos  seus  principais  elementos  –  planícies  fluviais,  colinas,  altas  “cuestas”  intermediárias e os chamados chapadões do oeste paulista. Nessa observação do esquema  morfológico  do  estado  de  São  Paulo,  o  Rio  Tietê  destaca‐se,  no  conjunto  de  elementos,  como  o  de  maior  extensão  linear.  Nasce  em  Salesópolis,  município  localizado  na  Serra  do  Mar, a aproximadamente 1120 metros de altitude, e, ainda que se encontre a apenas 22 km  do  litoral,  o  relevo  condiciona  o  seu  deslocamento  no  sentido  do  interior  paulista,                                                               17  Segundo Ab’Saber (1957), extensas áreas de morros mamelonares, ou “meias laranjas da bacia do  Paraíba” (p. 61).  18  Ainda que as alturas máximas em relação ao nível do mar ultrapassem os 1100 metros.  19   Disponível  em  .  Acesso:  12  outubro 2015.   63   

percorrendo 1136 km até desaguar à foz, no lago formado pela barragem de Jupiá, no Rio  Paraná (Figura 2.2). 

  Figura 2.2 – Esquema Morfológico do Estado de São Paulo: destaque para o rio Tietê e principais afluentes  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ab’Saber, 1957)   

O Rio Tietê é também o maior rio de domínio estadual de São Paulo, sendo que o rio  Grande  e  o  rio  Paranapanema,  que  conformam  perímetros  estaduais,  são  de  domínio  federal. O conjunto da bacia hidrográfica do Rio Tietê é dividido em seis sub‐bacias menores,  (Figura 2.3), entendidas como regiões administrativas articuladas e definidas como Unidades  de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRHIs (ALVIM, 2002, p. 142), entre estas a Bacia  do Alto do Tietê20, onde se encontra a cidade de São Paulo. Nesta região, a hidrografia do                                                               20   A  Política  Estadual  de  Recursos  Hídricos  do  Estado  de  São  Paulo  nº  7.663/1991,  a  “Lei  de  Águas  Paulista”, define, entre seus princípios norteadores, a “adoção da bacia hidrográfica como unidade  físico‐territorial de planejamento e gerenciamento”, conforme Artigo 3, Inciso II. Tal legislação teve  como  antecedente  o  primeiro  Plano  Estadual  de  Recursos  Hídricos  do  Estado  de  São  Paulo  (1990),  inaugurando  o  Sistema  Integrado  de  Gerenciamento  de  Recursos  Hídricos,  composto  por  três  instâncias:  deliberativa  –  Conselho  Estadual  de  Recursos  Hídricos  ‐  CRH,  e  os  Comitês  de  Bacias  Hidrográficas ‐ CBH; técnica – Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos ‐ CORHI; e  financeira – Fundo Estadual de Recursos Hídricos ‐ FEHIDRO. É neste quadro político administrativo  que se insere a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Alto do Tietê – UGRHI‐06. Portal  64   

sítio precedente guardava uma característica marcante, que era o desenho serpenteado dos  principais cursos d’água (Figura 2.4). Conforme afirma Ab’Saber (1957, p. 65‐78):   Em  termos  de  fisiografia  geral  brasileira,  a  região  de  São  Paulo  é  um  pequeno  compartimento  topográfico,  de  grande  individuação  morfológica  no extenso conjunto dos maciços antigos que constituem a porção sudeste  do  Planalto  Atlântico.  [...]  Trata‐se  de  uma  área  drenada  pelo  Alto  Tietê,  rede hidrográfica que nascendo dos maciços antigos das abas continentais  da Serra do Mar, dá costas ao oceano, decaindo para o interior do Planalto,  através de um gradiente bastante fraco, em busca do eixo hidrográfico da  bacia sedimentar do Rio Paraná. [...] Nas grandes e largas calhas aluviais do  Tietê  e  Pinheiros,  assim  como  ao  longo  de  seus  afluentes  principais,  existiam,  antes  dos  serviços  de  retificação,  redes  de  drenagem  típicas  de  planícies de soleira, fortemente submersíveis. Dominava de Osasco a Mogi  das  Cruzes,  no  Vale  do  Tietê,  assim  como  no  Pinheiros,  drenagem  extremamente sinuosa, com meandros divergentes labirínticos. 

  Figura 2.3 – Mapa da bacia Hidrográfica do Rio Tietê  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Agência Nacional das Águas, 2007 21) 

                                                                                                                                                                                           do  Departamento  de  Águas  e  Energia  Elétrica  –  Consultas.  Disponível  em  . Acesso: 26 novembro 2015.  21   In  .  Acesso: 12 outubro 2015.  65   

  Figura 2.4 – Hidrografia da região de São Paulo  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ab’Saber, 1957, p. 72)   

No  contexto  do  período  colonial  no  Brasil  (1500  –  1822),  o  Rio  Tietê  pode  ser  entendido, como um dos principais indutores históricos da ocupação do planalto paulista. A  então vila de São Paulo de Piratininga do século XVII  22, localizada estrategicamente no topo  da  colina  entre  os  Córregos  do  Anhangabaú  e  Moringuinho,  hoje  Bacia  do  Sapateiro,                                                               22  Piratininga, em tupi significa “terra do peixe seco”, nome este que designava a situação das várzeas  do Rio Tamanduateí. “baixada do tamanduá”, atraídos pela presença de formigas que vinham comer  os peixes encalhados nas vazantes das enchentes periódicas do rio.  66   

funcionava  como  porta  de  entrada  ao  planalto.  A  consolidação  desse  artefato  urbano  garantia um entreposto entre o interior paulista e o porto de Santos, pelo caminho do Rio  Tamanduateí, e depois em direção ao Rio de Janeiro, seguindo a rota à montante do Tietê e  Vale do Paraíba. Além disso, o sucesso de aldeamentos independentes e periféricos, como a  Freguesia da Penha e São Miguel do Ururaí, à leste, aumentaram o domínio do território e  estabeleceram as rotas originais que hoje configuram algumas das principais infraestruturas  da cidade. Conforme afirma Franco (2005, p. 29‐32):  O que explica São Paulo é o Tietê. Com seu curso surpreendente, correndo  para as terras interiores, ao invés de descer para o mar, ele se tornou desde  muito  cedo  um  instrumento  estratégico  para  o  controle  de  vastas  extensões  territoriais.  Através  dele  se  pode  facilmente  atingir  a  ampla  cadeia  hidrográfica  do  rio  Paraná,  rumando  então  em  direção  às  regiões  platinas  ou  para  os  lados  do  Pantanal  e  da  Amazônia  ou  ainda  para  as  cabeceiras do São Francisco. [...] Observando o mapa topográfico da cidade,  percebe‐se  que  o  sítio  se  caracteriza  por  um  arquipélago  de  colinas  recortadas pelos vincos dos caminhos de drenagem. As águas, de maneira  inversa à dispersão que caracteriza o processo de ocupação das terras, vão  se reunindo pela sua estrutura capilar  em direção aos eixos dos principais  caminhos fluviais até atingirem o Rio Tietê, rio tronco de toda a bacia.   

Outro  indutor  histórico  fundamental  da  consolidação  de  São  Paulo  foi  a  implantação  da  ferrovia  estadual  no  período  imperial  (1822  –  1889).  A  São  Paulo  Railway  Company,  configurada  pelo  conjunto  de  equipamentos  de  infraestrutura  ferroviária  em  solo  paulista,  foi inaugurada em 1867, significando uma vitória sobre o obstáculo constituído então pela  Serra  do  Mar  (LAVANDER,  MENDES,  2005,  pág.  293).  Esta  implantação  teve  várias  implicações regionais – tanto por sua futura extensão interestadual como pelas ramificações  menores e mesmo urbanas que proliferou, implicando inclusive o registro e valorização dos  terrenos lindeiros à orla ferroviária.  No  sítio  urbano  de  São  Paulo,  a  ferrovia  foi  ramificada  em  dois  braços,  oriundos  de  Sorocaba e Jundiaí, até o fluxo principal com o vetor Júlio Prestes ‐ Santos, e foi estruturada  historicamente, sobretudo, em função de um espaço regional (Figura 2.5) vinculado a uma  produção predominantemente agrícola no uso do território, e internacional de escoamento  de  exportação  de  comodities.  A  mineração  e  extração  de  ferro  alimenta,  ainda  hoje,  um  sistema  de  exploração  internacional,  através  do  comércio  e  transporte  marítimo  intercontinental e consolidou, na segunda metade do século XIX, uma rede de infraestrutura  67   

ferroviária  brasileira.  Faz  parte  desse  quadro  a  produção  agrícola,  oriunda  principalmente  das  fazendas  de  café  do  século  XIX,  incrementada  pela  produção  de  sal  e  algodão,  entre  1967 e 1974 (LAVANDER, MENDES, 2005, pág. 32). Paralelamente, a economia de São Paulo  recebeu também os insumos do desenvolvimento industrial que compensou a crise do café,  no  começo  do  século  XX,  e  reconfigurou  os  fluxos  de  produção,  sem,  contudo,  ter  o  componente de produção agrícola e rural defasado. 

  Figura 2.5 – Rede ferroviária estadual (espaço regional)  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Lavander e Mendes, 2005, p. 295)

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Em suma, a infraestrutura ferroviária foi implantada segundo dois fatores: objetivando  uma  ligação  segmentada  em  entrepostos  estratégicos;  e  baseando‐se  nas  melhores  rotas  relativas  ao  relevo,  sendo  que  seu  traçado  foi  definido  a  partir  dos  trechos  com  menores  inclinações.  Sob  esse  ponto  de  vista  específico,  pode‐se  comparar  a  semelhança  entre  o  traçado da ferrovia com o de uma hidrografia, onde o desenho dos meandros corresponde  às linhas dos fundos de vale.  Pelo seu caráter estrutural, desde o final do século XIX o Rio Tietê e sua várzea, na qual  foi  implantada  a  infraestrutura  ferroviária,  tem  sido  alvo  de  projetos,  principalmente  para  sua  utilização  em  função  de  um  aproveitamento  hidrelétrico  em  escala  macro  e  regional,  tendo sido preterida a sua utilização, no caso da cidade de São Paulo23, para abastecimento,  uso e consumo de água em escala micro – local e urbana. Grande parte dos fundos de vale  da  Bacia  do  Alto  Tietê  foi  ocupada  e  urbanizada,  passando  por  diversas  transformações,  fruto  de  obras  de  infraestrutura.  Na  Região  Metropolitana  de  São  Paulo,  tal  conjuntura  implicou  que  as  características  do  sítio  precedente  fossem  completamente  modificadas,  restando apenas fragmentos do que outrora fora uma bacia hidrográfica natural.     2.2. SUB‐BACIA DO ALTO TIETÊ E A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO    O território da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê é definido como uma área de drenagem  de  aproximadamente  5.985  km²  (Figura  2.6),  que  incorpora  40  municípios,  sendo  que  20  estão inteiramente contidos nela, 14 com o território parcialmente contido, mas com áreas  urbanas contidas, e 6 municípios somente com áreas rurais – ou seja, que compõem a bacia,  mas  não  pertencem  à  Região  Metropolitana  de  São  Paulo  –  RMSP.  Esta,  por  sua  vez,  é  composta  por  39  municípios,  sendo  que  5  destes  não  tem  a  sua  área  urbana  contida  na  bacia. Segundo Alvim (2002, p. 209):  Apesar  de  não  atuar  na  mesma  área  da  RMSP,  o  Comitê  do  Alto  Tietê  é  considerado  como  o  “comitê  metropolitano”,  uma  vez  que  os  três  municípios que não estão contidos no seu território de gestão (Santa Isabel,                                                                 Ainda  que  as  nascentes  do  Alto  Tietê  alimentem  reservatórios  de  que  contribuem  para  o  abastecimento de água, a principal fonte é o Sistema Cantareira.  69    23

Guararema  e  Vargem  Grande  Paulista)  representam  apenas  0,45%  da  população total da RMSP, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2000,  além  de  não  estarem  conurbados  à  mancha  urbana  da  metrópole.  Portanto,  a  área  gerida  pelo  Comitê  do  Alto  Tietê  pode  ser  considerada  a  bacia metropolitana. 

  Figura 2.6 – Sub‐bacias do Alto Tietê  Fonte: elaborado pelo autor. (ref. Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo, 2009, p. 48)   

A área total da bacia é constituída por uma vasta rede de tributários relevantes para a  história da região (Figura 2.7), e o seu conjunto é objeto de projetos de engenharia nas áreas  energética, de abastecimento e hidráulica. Em suma, a bacia do Alto do Tietê compreende as  terras  drenadas  pelo  trecho  do  rio  desde  sua  nascente,  no  município  de  Salesópolis,  até  o  município de Santana do Parnaíba e, grosso modo, atravessa a mancha urbana da metrópole  de leste à oeste, configurando seu principal vetor hídrico. Conforme afirma Ab’Saber (1957,  p. 103):  Nas porções enxutas da planície do Tietê, assim como nos terraços aluviais  marginais  e  nas  zonas  de  transição  entre  os  terraços  e  os  flancos  mais  suaves das colinas terciárias (seguindo “grosso modo” a orientação E‐W do  Tietê), alinham‐se as instalações ferroviárias e as áreas industriais principais  da  cidade.  As  ferrovias  seguiram  as  zonas  de  transição  entre  as  planícies  aluviais  e  as  colinas  mais  suaves,  superpondo‐se,  muitas  vêzes,  nos  principais  tratos  de  terraços  fluviais  que  a  região  de  São  Paulo  apresenta.  Essas  áreas  baixas  e  mal  drenadas,  que  por  muito  tempo  permaneceram  abandonadas, isolando as principais colinas urbanizadas, constituem, hoje,  70   

o sítio básico do parque industrial paulistano. Nota‐se, imediatamente, que  a  maior  porcentagem  dos  bairros  industriais  e  operários  justapôs‐se  aos  terraços e planícies aluviais do Tietê e de seus afluentes. [...] Ao centro da  larga e contínua planície do Tietê, seccionando indiferentemente meandros  abandonados,  diques  marginais  antigos  e  ligeiras  depressões  alagáveis,  destaca‐se  a  silhueta  inconfundível  do  canal  de  retificação.  Desta  forma,  esboça‐se  a  recuperação  geral  do  único  elemento  do  relevo  regional  que  ainda  não  participara  da  área  urbanizada;  e  chega  a  ser  impressionante  a  extensão  dos  espaços  urbanos  passíveis  de  recuperação,  nesse  trecho  de  baixadas aluviais.   

  Figura 2.7 – Hidrografia e sub‐bacias do Alto Tietê  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo, 2009, p. 16)   

A  Bacia  do  Alto  Tietê,  enquanto  UGRHI,  é  dividida  em  seis  sub‐bacias,  definindo  regiões  político‐administrativas:  Cabeceiras,  Cotia‐Guarapiranga,  Penha‐Pinheiros,  Jusante  Pinheiros‐Pirapora,  Juqueri‐Cantareira  e  Billings‐Tamanduateí.  Por  seu  duplo  aspecto  de  centralidade – ao mesmo tempo histórica e economicamente consolidada, a região da sub‐ bacia Penha ‐ Pinheiros apresenta de modo nítido a sobreposição entre a cidade construída  e  o  sítio  precedente.  Na  RMSP,  esta  sub‐bacia  possui  a  maior  área  urbanizada,  tanto  em  proporção  relativa  quanto  absoluta,  e  contêm  a  convergência  dos  principais  elementos  estruturadores do conjunto da bacia, o Rio Tietê e o Rio Pinheiros, além de maior parte das 

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áreas  dos  fundos  de  vale  dos  seus  principais  afluentes,  o  Rio  Tamanduateí,  e  os  Córregos  Aricanduva, Cabuçu‐de‐cima e Pirajuçara. Segundo Ab’Saber (1957, p. 13):  A originalidade geográfica principal do sítio urbano de São Paulo reside na  existência de um pequeno mosaico de colinas, terraços fluviais e planícies  de  inundação,  pertencentes  a  um  compartimento  restrito  e  muito  bem  individualizado do relevo da porção sudeste do Planalto Atlântico Brasileiro.  [...] Na realidade a área de relevo que interessa ao estudo do sítio urbano  de São Paulo fica praticamente restringida ao sistema de colinas, terraços e  planícies do ângulo interno de confluência dos rios Tietê e Pinheiros. 

Em  suma,  a  sub‐bacia  hidrográfica  Penha  –  Pinheiros,  área  contribuinte  da  bacia  do  Alto Tietê, pode ser definida como o compartimento de relevo central do sítio urbano de São  Paulo, e está contida nos municípios de São Paulo, Taboão da Serra e Guarulhos. O papel de  centralidade  que  desempenha  deve‐se  tanto  ao  caráter  histórico  do  sítio  urbano  como  também às estratégias de ocupação do relevo e conversão da hidrografia em um sistema de  infraestruturas  viárias,  de  escoamento  de  esgotos  e  de  drenagem.    Esta  articulação  revela  uma  das  principais  características  da  Região  Metropolitana  de  São  Paulo:  a  transformação  completa  do  sítio  precedente,  em  especial  da  hidrografia  dos  fundos  de  vale,  convertida  integralmente em solo urbano útil.    2.2.1. Rio Tietê: objeto de projetos de infraestruturas urbanas 

Os  projetos  de  intervenção  nos  cursos  d’água  da  bacia  hidrográfica  do  Alto  Tietê  podem  ser  observados  desde  o  final  do  século  XIX,  quando  foi  instituída  a  Comissão  de  Saneamento das Várzeas, que elaborou, em 1893, o primeiro projeto de retificação do Rio  Tamanduateí.  Em  1894,  a  Comissão  apresenta  o  “Projeto  de  Regularização  do  Rio  Tietê  e  Dique Marginal”, cujas obras só teriam início mais de 40 anos depois (TRIPOLONI, 2008, p.  76). Em 1904 tem início as obras de intervenção nas várzeas do Tamanduateí e no vale do  Anhangabaú,  onde  ambos  os  rios  tornaram‐se  objeto  de  projetos  urbanos  e  obras  de  infraestrutura e saneamento (TRAVASSOS, 2004, p. 23‐29).  Este conjunto de intervenções nos cursos d’água e nas áreas de várzea como um todo  consistiu  na  formulação  de  um  paradigma  que  pressupõe  que  quanto  maior  desempenho 

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técnico  dessas  áreas,  no  sentido  de  minimizar  as  interferências  do  sítio  precedente,  maior  será o aproveitamento urbano que se poderá realizar. Segundo Franco (2005, p. 54):  Tão  ou  mais  importante  do  que  as  novas  frentes  de  urbanização,  a  intervenção  nas  várzeas  equacionava  de  forma  conjunta  uma  série  de  questões  estruturais:  saneamento,  drenagem,  abastecimento,  geração  de  energia e circulação automotora. Seriam reunidas à ferrovia para ampliar a  infra‐estrutura básica sem a qual o crescimento, sobretudo industrial, seria  insustentável.  Entre  todos  os  sistemas  implantados,  o  de  transportes  desempenharia  o  papel  fundamental  de  possibilitar  a  articulação  entre  os  setores  produtivos  e  aglutinar  a  constelação  de  bairros  definidos  por  um  modelo  de  ocupação  cada  vez  mais  extensivo.  [...]  Nesse  momento  a  questão  já  estava  formulada:  transformar  o  território  das  várzeas  pela  ocupação das infra‐estruturas necessárias para a modernização  da cidade.  Um  projeto  ficou  estabelecido  e,  desde  então,  passou  a  ser  perseguido,  ainda  que  submetido  aos  conflitos  e  contradições  inerentes  a  toda  ação  prolongada no tempo. [...] A decisão de transformar o sítio paulistano pela  incorporação  dos  grandes  sistemas  de  engenharia  de  escala  regional  evidencia  que  a  geografia  não  foi  um  fator  determinador  na  história  da  cidade.  Na  realidade,  assim  que  os  instrumentos  para  isto  se  tornaram  disponíveis,  os  elementos  naturais  foram  ressignificados  por  ações  deliberadas,  que  direcionaram  o  crescimento  de  São  Paulo  a  partir  de  interesses.  Essas  ações,  muitas  vezes,  foram  na  contramão  das  condições  naturais, como no caso da contenção do caminhamento das águas fluviais e  da ocupação indiscriminada das áreas de várzeas. 

Em  São  Paulo,  este  processo  de  transformação  técnica  das  várzeas  relacionou‐se  diretamente  ao  desenho  de  novos  traçados  urbanos,  concomitante  à  implantação  de  infraestruturas  de  caráter  moderno  e  industrial,  seja  pelo  modal  específico  da  ferrovia  na  segunda  metade  do  século  XIX,  seja  pela  produção  automobilística  crescente  que  impulsionava  um  aumento  significativo  do  leito  carroçável,  em  função  do  aumento  do  traçado urbano, principalmente a partir de 1930. Nas palavras de Franco (2005, p. 55):  Esse  processo  permitiu  que  os  sucessivos  traçados  pudessem  ser  amplamente  negociados,  revistos  e  alterados  em  função  dos  conflitos,  interesses, acordos e medidas de natureza política e econômica. O debate  aparente  centrava‐se  nas  questões  técnicas,  no  programa  de  uso  dos  recursos  dos  rios  e  nas  formas  de  ocupação  das  áreas  lindeiras:  mais  ou  menos  área  verde,  maior  ou  menor  amplitude  da  área  permeável,  a  eficiência  em  relação  ao  escoamento  das  águas  pluviais,  a  extensão  das  desapropriações etc. Nos bastidores, a verdadeira disputa girava em torno  da questão da valorização das terras próximas, decorrente da definição do  traçado, da amplitude das desapropriações e da maneira de utilização dos  recursos públicos. 

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Durante  a  década  de  1920,  ocorreu  um  embate  técnico  na  Escola  Politécnica  de  Engenharia da Universidade de São Paulo24, sobre concepção de critérios e parâmetros para  pautar o crescimento da cidade, portanto sua orientação para o futuro. Tal embate pode ser  observado  a  partir  de  abordagens  distintas  que  foram  propostas  para  as  intervenções  que  seriam  realizadas  nas  várzeas  do  Tietê,  e  que  tomou  forma  a  partir  de  diferentes  proposições  projetuais.  Em  1925,  o  engenheiro  Francisco  Saturnino  de  Brito,  com  a  sua  metodologia  sanitarista  e  reconhecida  experiência  com  implantação  de  sistemas  de  saneamento  e  drenagem,  realizou  o  projeto  básico  para  ocupação  da  várzea  do  Tietê,  nos  trechos entre Osasco e Penha. Tal projeto teve como principal premissa a consideração pelas  áreas alagáveis do rio, prevendo seu transbordo e escoamento, bem como a factibilidade à  navegação e, ainda que não tenha sido executado, tornou‐se uma referência conceitual de  drenagem não estrutural. Porém, é o Plano de Avenidas proposto pelo engenheiro Francisco  Prestes  Maia  em  1930  que  paulatinamente  passa  a  direcionar  as  obras  de  intervenção  urbana, uma vez que ele também foi prefeito de São Paulo, governando entre 1938 e 1945.  Este  Plano  teve  por  princípio  um  sistema  radial  de  anéis  concêntricos  a  partir  do  centro  histórico de São Paulo, onde a expansão do traçado viário ocorre em função do crescimento  urbano,  ainda  que,  como  afirma  Franco,  tal  plano  não  fosse  inédito,  mas  parte  de  um  processo em curso na cidade (2005, p. 150‐151):  Inicialmente  elaborado  1930,  a  partir  dos  estudos  do  Plano  de  Irradiação  realizado  por  Ulhoa  Cintra  em  1923,  do  qual  Prestes  Maia  participou,  o  Plano só seria parcialmente implantado a partir da segunda gestão de Maia  frente  à  Prefeitura  (1961/1965).  Trata‐se  de  um  modelo  abstrato,  a  ser  sobreposto  à  cidade,  estruturado  por  um  sistema  de  vias  radiais  e  perimetrais  visando  ordenar  os  fluxos,  descongestionar  a  área  central  e,  sobretudo,  possibilitar  a  expansão  sem  limites  da  cidade.  Esse  modelo  permitia,  a  partir  do  centro,  a  propagação  crescente  de  sucessivos  anéis  viários,  que,  a  cada  momento,  estabeleceriam  novas  fronteiras  de  crescimento  da  mancha  urbanizada.  Contraditoriamente,  também  reforçava  o  papel  predominante  do  centro  na  organização  de  todos  os  setores da cidade. [...] Não se pode atribuir a Prestes Maia a originalidade  na proposição do modelo radial perimetral, uma vez que o conceito já fazia  parte  do  debate  urbanístico  da  cidade  desde  o  lançamento  dos  projetos  anteriores. 

No  mesmo  ano  em  que  se  apresentou  o  Plano  de  Avenidas  foi  realizado  o  levantamento cartográfico do município nas escalas 1: 20.000, 1: 5.000 e 1: 1.000, realizado                                                               24  Conforme relata Alexandre Delijeakov no documentário Entre Rios, produzido em 2009, Direção de  Caio Ferraz, disponível em , acesso em 17 Junho 2014.  74   

pela  Societá  Anonima  Rivelamenti  Aerofotogrametrici  –  SARA  Brasil,  empresa  italiana  com  sede  em  Roma,  que  venceu  a  licitação  para  execução  do  trabalho  (MENDEZ,  2014).  Tal  registro  destacou‐se,  na  época,  como  um  marco  da  conquista  aérea  –  com  inovações  no  campo da aerofotogrametria, caracterizando uma técnica precisa na demarcação de limites  que evidencia a justaposição entre relevo e sítio urbano, um objeto composto, no limiar da  transformação. Conforme afirma Ab’Saber (1957, P. 57‐58):  Tais séries de cartas constituem a documentação mais importante existente  para  estudos  geomorfológicos  de  pormenor,  já  que  apresenta  escala  suficientemente grande para que se possam referir e delimitar detalhes do  relevo regional que forçosamente escapariam à representação em cartas de  escala menor, tais como níveis de baixos terraços fluviais. Além disso, trata‐ se de cartas topográficas que guardam especial interesse para a análise das  relações  entre  os  elementos  topográficos  e  a  estrutura  do  organismo  urbano. 

A  cartografia  SARA  Brasil  revelou  uma  descrição  detalhada  e  pormenorizada  do  sítio  urbano  de  São  Paulo  no  começo  da  década  de  1930.  É  esse  registro,  da  cidade  que  vai  permitir a elaboração dos projetos subsequentes ao Plano de Avenidas enquanto lógica de  expansão  do  sistema  de  transportes  rodoviário.  Ao  mesmo  tempo,  esta  cartografia  apresenta  a  riqueza  da  hidrografia  na  época,  onde  a  maioria  dos  rios,  com  os  meandros  então  inalterados,  davam  suporte  a  outros  tipos  de  ocupação,  como  atividades  agrícolas,  pesca, olarias etc, e compunham com o relevo um quadro de justaposição entre os núcleos  urbanos,  consolidados  a  partir  dos  topos  de  colinas,  que  se  espraiavam  nas  encostas  e  findavam limítrofes às áreas de fundo de vale.  Todavia,  a  análise  de  uma  interpretação  física  do  Plano  de  Avenidas  a  partir  da  cartografia SARA Brasil, torna evidente que a expansão da cidade se daria pelos fundos de  vale.  A  implantação  do  terceiro  anel  periférico  do  plano  corresponderia,  na  atualidade,  ao  anel  viário  formado  pelas  seguintes  vias  de  fundo  de  vale  existentes:  marginais  Tietê  e  Pinheiros,  Avenida  Afonso  D’  Escranolle  Taunay,  Avenida  dos  Bandeirantes,  Avenida  Presidente Tancredo Neves, Rua das Juntas Provisórias e Avenida do Estado (Figura 2.8). Em  suma, pode‐se afirmar que o viés prático do Plano de Avenidas, já utilizado na implantação  do leito ferroviário, consistiu na preferência de áreas do relevo com menor declividade, no  caso os fundos de vale, para abertura de vias de trânsito rápido. 

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  Figura 2.8 – O Plano de Avenidas sobre o Mapa SARA Brasil  Fonte: elaborado pelo autor (ref. De Bem, 2009)   

Uma  parcela  significativa  das  áreas  do  sítio  urbano  de  São  Paulo  consiste  de  baixos  terraços  fluviais  dos  vales  do  Tietê,  Pinheiros  e  seus  afluentes,  como  também  das  suas  planícies  aluviais,  ou  seja,  os  fundos  de  vale  e  as  várzeas.  Esse  duplo  fator  da  expansão  urbana,  pautada  em  um  sistema  viário  de  trânsito  rápido  traçado  preferencialmente  em  áreas de baixa declividade, configurar‐se‐á, a partir de 1930, como o modo predominante de  implantação  de  infraestruturas  urbanas  viárias  da  cidade,  uma  vez  realizadas  as  obras  das  marginais Pinheiros e Tietê. Sobre esse processo discorre Franco (2005, p. 62):  As  razões  para  a  escolha  das  várzeas  pode  ser  explicada  principalmente  pelas  questões  econômicas,  técnicas  e  funcionais  relacionadas  com  a  própria lógica da produção industrial: sistema hídrico para o abastecimento  de  água  e  descarga  dos  dejetos;  energia  hidro‐elétrica  para  as  máquinas;  locais  de  moradia  barata  para  a  mão  de  obra;  meios  fluidos  de  circulação  para  as  mercadorias.  Cada  requisito  correspondeu  a  um  sistema  infra‐ estrutural específico. Uma discussão, que perpassa de forma reincidente a  realização  dessas  obras,  incide  sobre  a  questão  da  circulação,  uma  das  principais demandas da produção. As canalizações  do Tamanduathey e do  Tietê foram sempre associadas com projetos de sistemas viários marginais  aos  leitos  retificados,  eixos  fundamentais  na  articulação  dos  setores  76   

industriais. Na canalização do Pinheiros, obra originalmente motivada pelo  sistema  de  abastecimento  de  energia,  foram  criadas  avenidas.  Mas  o  projeto também almejava construir  uma alternativa para concorrer com o  monopólio da lucrativa ligação entre São Paulo e Santos realizada pela SPR.  As  formas  de  circulação  nunca  estiveram  restritas  aos  fluxos  internos  da  cidade,  dizendo  respeito,  sobretudo,  às  ligações  regionais  e  ao  acesso  ao  porto.  As  saídas  e  entradas  de  São  Paulo,  conforme  visto  anteriormente,  correspondem  à  configuração  do  sistema  de  vales,  meios  naturais  de  escoamento  da  produção  e  contato  com  outras  regiões.  O  nó  articulador  dos  caminhos  estava  relacionado  ao  tronco  do  sistema,  ou  seja,  as  principais  várzeas  da  bacia  de  São  Paulo,  do  Tietê,  Pinheiros  e  Tamanduathey.  A  eleição  dessa  estrutura  espacial  para  a  localização  dos  setores produtivos, em detrimento da constelação de colinas diversas pelo  restante da bacia, faz sentido. O resultado foi a transformação das várzeas  e dos terraços fluviais num espaço diferenciado pela elevada concentração  de sistemas técnicos e de investimentos.   

  Figura 2.9 – Crescimento da mancha urbana de São Paulo  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Déak, 1999) 

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No  caso  de  São  Paulo,  o  crescimento  significativo  da  sua  mancha  urbana  a  partir  da  segunda  metade  do  século  XX  (Figura  2.9)  está  diretamente  relacionado  com  esse  modo  específico de fazer cidade, que se alheia e se sobrepõe ao sítio precedente em função de um  aumento  dos  fluxos  de  transporte  propiciados  por  uma  expansão  do  traçado  viário.  Como  consequência  desse  modo  de  crescimento,  essa  sobreposição  desconsidera  a  própria  memória  do  sítio,  justamente  os  atributos  originais  que  orientaram  e  definiram  o  estabelecimento dos núcleos urbanos originais.  A imposição do crescimento da mancha urbana da Região Metropolitana de São Paulo  em  função  da  imposição  de  um  sistema  predominantemente  rodoviário  se  deu  em  detrimento  de  outros  modais  de  transporte.  Ainda  que,  neste  contexto,  a  evolução  do  conjunto  de  modais  seja  uma  questão  complexa,  pode  ser  analisada  a  partir  de  um  dado  simples:  a  proporção  entre  crescimento  populacional  e  aumento  da  frota  de  automóveis  (Tabela  2.1).  Assim,  percebe‐se  que,  enquanto  em  1950  a  propriedade  de  veículos  para  transporte  individual  não  era  comum  à  maior  parte  da  população,  em  2010  tal  frota  corresponde praticamente à metade da população. Esse dado evidencia a prioridade que se  tornou  o  automóvel  da  RMSP,  e  da  consequente  necessidade  de  crescimento  viário  que  incorreu dessa prerrogativa. 

  Tabela 2.1 – Crescimento populacional e aumento da frota de automóveis  Fonte: elaborado pelo autor25   

De modo geral, o crescimento metropolitano orientado principalmente pela expansão  do sistema rodoviário e da utilização do transporte automobilístico privado vai reconfigurar  todo  o  sítio  urbano  de  São  Paulo.  Nesse  processo,  a  hidrografia  do  sítio  precedente,  bem  como as áreas com menos declividade do relevo – os fundos de vale, adquirem um caráter  estratégico,  tornando‐se  objeto  de  obras  de  infraestrutura urbana  que  serão  realizadas  da                                                               25   Os  dados  de  crescimento  populacional  são  dos  Censos  Demográficos  do  IBGE.  Disponível  em  .  Acesso:  21 janeiro 2016. Para as quantidades de frotas de automóveis foram combinados os dados de Santos  e Silveira (2001, p. 176‐177) e EMPLASA (2011).  78   

macro  à  micro  escala.  Assim,  se  por  um  lado  é  possível  afirmar  que  as  obras  pioneiras  de  retificação  do  Rio  Tamanduateí  e  do  Córrego  Anhangabaú  representaram  a  possibilidade  técnica de transformação radical do sítio precedente, por outro lado é a partir das obras de  retificação do Rio Tietê e seu principal afluente, o Rio Pinheiros, que tal prática vai se impor  como uma constante na transformação da maioria dos fundos de vale do sítio urbano de São  Paulo.    2.2.2. Marginal Tietê: retificação e canalização do rio 

Em  1940  inicia‐se  a  retificação  e  canalização  do  Rio  Tietê,  com  obras  setoriais  em  Osasco,  entre  1940  e  1941,  Casa  Verde  –  Freguesia  do  Ó,  entre  1942  e  1943,  Remédios,  entre 1946 e 1948, Osasco – Presidente Altino, entre 1947 e 1948, Canal do Jaraguá, entre  1948  e  1949,  e  Vila  Maria  –  Ponte  Grande,  entre  1948  e  1952.  O  mesmo  processo  de  transformação técnica é aplicado ao Rio Pinheiros, que tem a totalidade da sua retificação  concluída  em  1957  (Figuras  2.10  e  2.11),  desde  a  nascente  com  a  barragem  da  represa  Billings até sua foz no Tietê (SANTOS, 2014, p. 20). Paulatinamente, a vocação estabelecida  por  esse  modo  de  intervenção  nas  áreas  de  várzea,  de  maior  desempenho  técnico  para  melhor  aproveitamento  urbano,  foi  progressivamente  se  articulando  à  uma  lógica  regional  de distribuição dos fluxos, tendo sido preterida a sua utilização local. Segundo Franco (2005,  p. 157‐158):  Enquanto  as  ferrovias,  concebidas  como  um  sistema  para  atender  exclusivamente  ao  fluxo  de  cargas  regional,  iam  paulatinamente  absorvendo as demandas intra‐urbanas26 de passageiros, com as marginais  acontecia  o  contrário.  Ao  longo  do  tempo,  o  projeto  foi  se  alterando  até  assumir  o  objetivo  prioritário  de  atender  aos  fluxos  regionais,  em  detrimento  dos  intra‐urbanos.  Houve  a  compreensão  geral  de  que  as  marginais  teriam  como  vocação  um  papel  estratégico  com  relação  às  necessidades  da  metrópole  e  do  Estado.  Com  o  declínio  do  sistema  ferroviário,  era  fundamental  garantir  a  manutenção  dos  corredores  de  acesso  ao  porto  de  Santos  como  garantia  às  exportações.  [...]  Como  não  poderia deixar de ser, a construção das marginais também incidiu sobre as  formas de uso das áreas próximas ao seu trajeto. Ao acrescentar mais um                                                               26  O termo “intraurbano” refere‐se à expressão utilizada pelo urbanista Flávio Vilaça no livro ”Espaço  Intraurbano no Brasil” (2001) para designar espaços internos à cidade, em contraste com o espaço  regional,  que  seria  exterior  à  cidade,  ainda  que  esta  seja  atravessada  por  seus  diversos  fluxos,  por  exemplo, produção agrícola ou aproveitamento hidrelétrico.  79   

sistema técnico ao território das várzeas, reforçou as vantagens de locação,  que  desde  muito  cedo  diferenciaram‐nas  como  local  privilegiado  para  os  mais distintos usos, inclusive para os setores habitacionais. 

  Figura 2.10 – mancha Urbana em 1952 e obras de infraestrutura em andamento  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 45)   

  Figura 2.11 – Mancha Urbana em 1962 e obras de infraestrutura concluídas  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 46)   

Em  menos  de  vinte  anos,  foram  esquadrinhadas  as  mudanças  decisivas  para  a  ocupação extensiva de suas várzeas, aos custos de problemas que se tornaram cotidianos,  de  drenagem  e  saneamento.  Essa  rápida  modificação  da  hidrografia  e  do  relevo  do  sítio  80   

urbano  por  obras  de  infraestrutura  caracterizou  uma  situação  peculiar  de  transformação,  conforme afirma Ab’Saber (1957, P. 189):  Passamos diretamente dos caminhos tropeiros para a era das rodovias, sem  aquela  série  intermediária  importante,  correspondente  aos  diversos  tipos  de  estradas  carroçáveis,  tão  conhecidas  na  história  dos  transportes  na  Europa Ocidental. Em outras palavras, tendo passado diretamente do ciclo  do  muar  para  o  ciclo  do  automóvel,  sem  transição  normal  do  ciclo  das  diligências,  assistimos  a  uma  interferência  radical  na  estrutura  dos  caminhos,  fato  que  adquire  maior  contraste  no  interior  da  zona  urbana  metropolitana  das  cidades  de  crescimento  recente  muito  rápido.  Daí  encontrarmos,  em  pleno  interior  da  metrópole  paulistana,  herança  dessa  excepcional interferência na estrutura dos caminhos e estradas.     

Essa  ênfase  na  hegemonia  de  um  sistema  automobilístico  propiciou  o  rápido  crescimento,  espraiado  e  horizontal,  que  passou  a  caracterizar  a  Região  Metropolitana  de  São  Paulo  a  partir  da  segunda  metade  do  século  XX.  Conforme  observa  Franco  (2005,  p.  148):  O sistema sobre rodas foi muito conveniente no caso de São Paulo. O ritmo  acelerado  de  crescimento  da  cidade  e  as  características  do  sítio,  com  topografia acidentada, adequavam‐se bem a um sistema de baixo grau de  restrição  e  alto  índice  de  mobilidade.  O  transporte  sobre  rodas  proporcionou  a  ocupação  de  todos  os  tipos  de  áreas,  tanto  aquelas  altamente recortadas do ponto de vista topográfico quanto as longínquas e  rarefeitas,  até  então  não  atendidos  pelo  transporte  ferroviário.  Como  conseqüência,  o  sistema  sobre  rodas  viabilizou  um  novo  modelo,  baseado  numa urbanização extensiva, descontínua e de baixa densidade.   

Assim,  a  partir  de  um  modelo  de  crescimento  urbano  que  priorizou  um  sistema  de  transportes  predominantemente  automobilístico,  ou  seja,  uma  forma  de  ocupação  urbana  da bacia hidrográfica como um todo, o crescimento da cidade orientou‐se basicamente em  dois  fatores,  ao  mesmo  tempo  opostos  e  complementares.  Primeiro,  uma  ocupação  progressiva das planícies fluviais e áreas de várzea, a partir da transformação da hidrografia  em um sistema de drenagem articulado às infraestruturas viárias. Segundo, um aumento e  expansão da mancha urbana, que ocasionou a conurbação de diferentes núcleos urbanos.  Esses  dois  fatores  orientaram  o  crescimento  urbano  de  São  Paulo  e  possibilitaram  a  caracterização  de  um  modus  operandi,  no  qual  o  aproveitamento  das  condições  mais  favoráveis do relevo para implantação de infraestruturas de fluxos viários encontra nas áreas  81   

de  várzea  e  fundo  de  vale  suas  melhores  expressões.  Devido  à  baixa  declividade  desses  eixos,  bem  como  a  capilaridade  entre  estes,  a  implantação  das  infraestruturas  viárias  derivou  do  traçado  contínuo  e  ramificado  da  rede  hidrográfica  precedente.  A  etapa  subsequente desse modus operandi, concreti                                                         zado nos dois  maiores  rios  que  atravessam  a  cidade,  terá  por  objeto  os  fundos  de  vale  dos  afluentes  do  Tietê  e  do  Pinheiros.  O  que  se  poderá  observar,  na  maior  parte  dos  casos  desse  modo  de  intervenção, é um padrão de traçado de infraestruturas que funciona em prol da circulação  metropolitana e regional e em detrimento da circulação urbana e local.    2.2.3. As obras de fundo de vale nas sub‐bacias do Rio Tietê: replicação de uma experiência 

Em  1974,  com  financiamento  do  Banco  Nacional  de  Habitação  –  BNH,  por  meio  do  Plano  Nacional  de  Saneamento  –  PLANASA,  a  prefeitura  do  município  de  São  Paulo,  contratou um estudo de levantamento e diagnóstico sobre as condições de 130 microbacias  hidrográficas municipais, cujos cursos d’água seriam objeto de uma série de obras: 60 km de  canalização  e  55  km  de  novas  avenidas  de  fundo  de  vale  (TRAVASSOS,  p.  60).  Este  estudo  teceu  algumas  recomendações  quanto  às  bacias  prioritárias  como  objeto  de  intervenção e  reforçou  a  articulação  entre  obras  de  drenagem  e  sistema  viário,  determinando  diretrizes  para uma urbanização intensiva dos fundos de vale.  Em 1982, a Empresa Paulista de Planejamento S. A. – EMPLASA, desenvolve o estudo  “Drenagem de Águas Pluviais ‐ estudos de uso e ocupação do solo em bacias hidrográficas”  e,  em  1984,  frente  à  problemática  das  enchentes,  consequência  da  ocupação  urbana  dos  fundos de vale e planícies alagáveis, o “Programa Emergencial de Controle de Enchentes na  Região Metropolitana de São Paulo”. Neste Programa, ainda que a bacia hidrográfica tenha  sido adotada como unidade de projeto, as ações propostas visavam apenas áreas críticas da  bacia,  ou  seja,  os  fundos  de  vale,  onde  foram  realizadas  obras  pontuais,  como  pequenas  intervenções nos canais, implantação de microdrenagem, reurbanização e regularização de  margens (TRAVASSOS, p. 73). 

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Neste  contexto,  foi  implantado  em  1987  o  Programa  de  Canalização  de  Córregos,  Implantação  de  Vias  e  Recuperação  Ambiental  e  Social  de  Fundos  de  Vale  –  PROCAV  I27.  Ainda que não tenha evidenciado a bacia hidrográfica como uma unidade planejamento, tal  Programa pode ser considerado emblemático na consolidação das práticas de ocupação de  fundos de vale (Figura 2.12). Segundo Franco (2005, p. 156‐157):  Os  anéis  viários  também  se  sobrepõem  aos  fundos  de  vale,  inclusive  e  sobretudo  nas  marginais.  Essa  constatação  corrobora  a  idéia  de  que,  se  olharmos  para  a  área  da  Grande  São  Paulo  em  sua  totalidade,  e  desde  o  ponto  de  vista  viário,  percebe‐se  que  a  metrópole  se  organiza  a  partir  da  rede  de  avenidas  de  fundo  de  vale  correspondentes  à  estrutura  tronco‐ alimentadora  da  bacia  hidrográfica  de  São  Paulo.  Isto  remete  a  um  outro  diagrama estruturante, muito distinto do de Prestes Maia. 

Figura 2.12 – Mancha Urbana em 1983 e obras de infraestrutura em andamento  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 46)   

 

Esse  diagrama  estruturante  do  qual  fala  Franco,  distinto  dos  anéis  concêntricos  do  Plano Prestes Maia, apresenta um desenho ramificado e capilar, similar à hidrografia do sitio  precedente. É um traçado de infraestrutura viária que se assemelha também a uma espinha  de peixe, analogia esta que guarda uma grande e perspicaz ironia histórica. A antiga vila de  São  Paulo  de  Piratininga,  “terra  do  peixe  seco”,  foi  batizada  assim  devido  aos  peixes  que  secavam ao sol depois de ficarem atolados, devido à vazante do Rio Tamanduateí. Porém, na                                                               27  Decreto municipal nº 23.440, determinou a canalização de 27,9 km de nove córregos, 23,8 km de  avenidas, remoção de 1.590 famílias e 995 imóveis das áreas de intervenção (BROCANELI, p. 277).  83   

atualidade, é o sistema viário que, em escala metropolitana, dá a forma dos fundos de vale e  comprime sua hidrografia em caixas de concreto estreitas e fundas. A terra do peixe seco,  que antes era uma abundância de rios, transformou‐os em ruas, e o que era água fresca e  corrente virou secura de um asfalto árido.  Em  1994,  foi  definida  uma  segunda  etapa  para  o  Programa  de  obras  de  intervenção  nos fundos de vale, o PROCAV II28, que consolidou um modo de ocupação urbana a partir da  transformação dos cursos d’água, aumentando com isso a área útil da cidade, por meio da  expansão das infraestruturas viárias de transporte (Figura 2.13). Por um lado, a hidrografia  do sítio precedente foi convertida meramente em um sistema de drenagem, tendo sua área  de movimentação compactada a partir de obras de engenharia estrutural. Por outro lado, foi  preterida  nessa  escolha  a  alternativa  por  obras  de  drenagem  não  estrutural,  que  propiciariam maiores taxas de permeabilidade do solo, prevendo áreas de alagamento para  as cheias sazonais dos rios e permitiriam o convívio entre cidade e rios. 

  Figura 2.13 – Mancha Urbana em 1995 e obras de infraestrutura em andamento  Fonte: elaborado pelo autor (ref. Monteiro Junior, 2011, p. 47)   

                                                             28   35,4  km  de  canalização  de  córregos,  36,6  km  de  avenidas,  construção  de  8  reservatórios  de  contenção  de  águas  pluviais  –  popularmente  conhecidos  como  “piscinões”,  realocação  de  4.500  famílias  e  desapropriação  de  cerca  de  900  imóveis  nas  áreas  de  intervenção,  bem  como  a  urbanização de 3 favelas e implantação de 29 praças públicas (BROCANELI, p. 279).  84   

De  modo  geral,  pode‐se  concluir  que  a  expansão  da  mancha  urbana  da  Região  Metropolitana de São Paulo se deu em proporção direta com a implantação de uma rede de  infraestruturas urbanas, sobretudo viárias, que encontraram nos fundos de vale da bacia do  Alto Tietê as melhores condições para sua multiplicação. Porém, essa ocupação extensiva do  sítio precedente desconsiderou os atributos originais da relação entre hidrografia e relevo,  por  caracterizá‐los  apenas  como  obstáculos,  e  não  mais  elemento  relevante  de  uma  justaposição minimamente integrada com o sítio precedente. Desse modo, a hidrografia foi  suprimida  em  prol  das  infraestruturas,  e  a  originalidade  do  sítio  urbano  de  São  Paulo,  conforme relatada por Ab’Saber (1957), tornou‐se oculta para a própria cidade.   

 

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3. MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO     

 

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                Este capítulo pretende abordar o desenvolvimento da microbacia do Córrego Tiquatira  inserida  no  sítio  urbano  do  Município  de  São  Paulo,  mais  especificamente  na  região  das  Subprefeituras Penha e Ermelino Matarazzo, na Zona Leste da cidade. Parte‐se do seguinte  questionamento:  como  se  dá,  inicialmente,  o  processo  histórico  que  permite  identificar  a  transformação de uma microbacia hidrográfica em um sítio urbano particular? Quais foram  as  conjunturas  determinantes  que  acabaram  por  gerar  essa  transformação?  Por  que  a  formação  deste  sítio  urbano  apresenta  uma  condição  específica  e  diferente  de  outras  localidades? Qual o papel das infraestruturas urbanas na transformação da microbacia? Em  seguida,  será  necessário  considerar  o  processo  de  metropolização  que  englobou  essa  localidade,  a  partir  da  segunda  metade  do  século  XX,  e  que  modificou  radicalmente  a  constituição superficial do sítio precedente.  A  primeira  parte  desse  capítulo  consiste  de  uma  breve  introdução  sobre  a  configuração atual do município, frente ao seu relevo e hidrografia. A segunda parte, mais  detalhada, aborda o processo de formação histórica da freguesia da Penha, o assentamento  original  do  sítio  urbano  dessa  região.  A  terceira  parte  apresenta  o  conjunto  de  transformações  pelos  quais  passaram  os  fundos  de  vale  dos  principais  cursos  d’água  que  constituem  a  microbacia,  os  Córregos  Tiquatira,  Franquinho  e  Ponte  Rasa,  e  como  as  intervenções realizadas corresponderam a obras bem diversas entre si. 

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Atualmente,  pode‐se  dizer  que  a  microbacia  urbana  é  entendida  mais  como  uma  condicionante  técnica  do  sítio  do  que  lugar  dotado  de  sentido  histórico  integral,  devido  à  ausência de estudos e de uma metodologia clara que revele tal sentido. Reside ai um desafio  aos estudos urbanos, marcadamente na cidade de São Paulo, dada a rica constituição do seu  sítio  precedente.  Portanto,  definir  um  percurso  histórico  para  a  série  de  transformações  pelas quais passou a microbacia urbana do Tiquatira torna‐se assim uma etapa decisiva para  entendimento  do  sentido  desse  lugar  enquanto  unidade  territorial,  mas  também  como  parcela de um sistema maior que o condiciona e configura.    3.1. AS MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO    São Paulo – capital e maior município da região metropolitana, consolidou‐se como o  centro da Bacia Hidrográfica do Alto do Tietê, uma vez que no seu perímetro estão contidos  muitos  dos  seus  principais  contribuintes.  O  município  também  contém  a  maior  rede  de  infraestruturas urbanas da metrópole, e desempenha o importante papel de entreposto com  as principais rotas regionais, seja para o interior do estado, seja para o Porto de Santos, seja  pela  contiguidade  com  o  Aeroporto  Internacional  de  Guarulhos.  Desse  modo,  seu  tecido  urbano define‐se, basicamente, segundo as características, potencialidades e capacidade de  suporte definidas pelo próprio sítio precedente.  As  várzeas  do  Rio  Tietê  e  do  Rio  Pinheiros  –  planícies  aluviais,  constituem  a  coluna  vertebral no conjunto do relevo do município. Nesse sentido, os vários vetores confluentes  de fundo de vale desempenham papel fundamental na estruturação do traçado urbano do  município, com destaque para os contribuintes de maior porte, como os Rios Tamanduateí,  Aricanduva,  Cabuçu‐de‐cima  e  Pirajussara,  conforme  se  pode  observar  no  mapa  da  hidrografia municipal (Figura 3.1). O relevo do município, por sua vez, pode ser representado  a  partir  de  níveis  hipsométricos,  e  demonstra  a  conexão  capilar  e  ramificada,  configurada  nas áreas de planície aluvial e baixos terraços fluviais, respectivamente 700‐725 e 725‐740  metros, relativos ao nível do mar (Figura 3.2). Além disso, ocorrem cotas hipsométricas mais  altas, a saber: terraços fluviais de nível intermediário, entre 745 e 750 metros, altas colinas e  88   

espigões  secundários,  entre  750  e  795  metros  e  plataformas  interfluviais,  entre  800  e  820  metros (AB’SABER, 1957).  O  município  é  composto  por  161  microbacias  hidrográficas,  com  16  microbacias  na  região Leste, 19 na região Norte, 34 na região Centro, 23 na região Sul, além de bacias de  contribuições diretas, relativas aos Rios Tietê, Tamanduateí, Pinheiros e Cabuçu de Cima, 15  na região Leste, 23 na região Norte, 28 na região Centro, 9 na região Oeste e 9 na região Sul  (Figura 3.3). Grande parte destas bacias foi bastante modificada por um padrão de ocupação  urbana fruto de um modo de intervenção definido pelas obras de infraestruturas de fundos  de vale (principalmente PROCAV I e II).  A Zona Leste do Município de São Paulo consiste, genericamente, na área circunscrita  à sul do Rio Tietê – onde faz divisa com o Município de Guarulhos e a Zona Norte, à leste do  Rio Tamanduateí e Córrego Ipiranga – onde faz divisa com a Zona Central e Sul, à norte do  Rio do Oratório – onde faz divisa com os Municípios de São Caetano, Santo André e Mauá, e  à  oeste  do  Rio  Três  Pontes,  onde  faz  divisa  com  o  Município  de  Itaquaquecetuba.  Diferentemente,  a  porção  à  extremo  sudeste  apresenta  um  conjunto  de  nascentes  de  cabeceira dos três principais afluentes do Tietê na Zona Leste: o Rio Aricanduva, o Córrego  Jacu  e  o  Rio  Itaquera.  Essa  porção  sudeste,  por  sua  vez,  faz  divisa  com  os  Municípios  de  Mauá e Ferraz de Vasconcelos.  No  contexto  da  Zona  Leste,  a  microbacia  do  Tiquatira  (Figura  3.4)  pode  parecer,  a  princípio, não tão relevante quanto à dos principais tributários, como a do Rio Aricanduva.  Todavia,  uma  análise  mais  cuidadosa  revela  o  contrário,  devido  ao  posicionamento  estratégico  dessa  bacia  na  confluência  do  principal  meandro  do  Tietê  no  município.  Na  atualidade,  tal  confluência  constitui  uma  interface  com  um  conjunto  de  infraestruturas  de  caráter metropolitano e regional, a saber: sua circunscrição nos dois baços da ferrovia que  atravessa a região; a Rodovia Ayrton Senna da Silva; a Ponte Grande, que transpõe o Tietê e  faz conexão entre São Paulo e Guarulhos; e os viadutos Domingos Franciulli Netto e General  Milton  Taveira  de  Souza.  Além  disso,  esta  microbacia  contêm  uma  série  de  exemplos  notórios  quanto  a  diversidade  de  modos  de  ocupação  dos  fundos  de  vale  em  função  das  obras de infraestrutura viária que transformaram a hidrografia do sítio precedente, como se  poderá observar a seguir.  89   

  Figura 3.1 – Hidrografia do município de São Paulo  Fonte: Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, 2012 

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              Figura 3.2 – Hipsometria do município de São Paulo  Fonte: Atlas Ambiental do município de São Paulo, 2000 

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  Figura 3.3 – Bacias hidrográficas do município de São Paulo  Fonte: Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, 2012 

 

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  Figura 3.4 – Inserção da microbacia Tiquatira na Zona Leste do Município de São Paulo  Fonte: elaborado pelo autor 

  3.2.  A MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NA REGIÃO DA PENHA     Na região da Penha, na zona leste do município, a microbacia hidrográfica do Córrego  Tiquatira se revela como principal elemento definidor do sítio e do relevo. É composta por  três sub‐bacias, onde o Ribeirão do Franquinho e o Ribeirão Ponte Rasa constituem os dois  contribuintes principais do Tiquatira. Afluente do Tietê – “água verdadeira”, o Tiquatira, do  tupi “cobra grande”, tem mesmo a forma de uma pequena Hidra29 (Figura 3.5 e 3.6). 

                                                             29 Uma espécie de animal cnidário de corpo cilíndrico e em forma de pólipo.  93   

                 

 

Figura 3.5 e 3.6 – Microbacia do Tiquatira e Hydra  Fonte: Detalhe da Figura 3.3. Foto: Dan Levitis, 201130   

Durante  a  década  de  1980  na  região  da  Penha  foram  implementados  projetos  urbanísticos  de  impacto  regional  e  metropolitano.  A  canalização  do  córrego  Tiquatira  e  a  criação da avenida que o margeia, Avenida Governador Carvalho Pinto (Figura 3.7), ligando a  marginal  Tietê  à  Estrada  de  São  Miguel  (hoje  Avenida  São  Miguel),  foi  uma  obra  que  precedeu  o  Programa  de  Canalização  de  Córregos,  Implantação  de  Vias  e  Recuperação  Ambiental e Social de Fundos de Vale – PROCAV I. Porém, a ênfase que foi dada ao projeto  urbano e paisagístico, resultando no Parque Tiquatira, não encontrou continuidade quando  das outras obras desse mesmo programa, podendo ser considerada uma exceção à prática  estabelecida, onde o espaço público das áreas de várzea é dedicado exclusivamente ao leito  carroçável. Ainda, numa escala micro, a inauguração do Viaduto Cangaíba (Figuras 3.8 e 3.9),  em 1981, e a implantação do parque ao longo  do Tiquatira (1988) provocaram uma maior  integração dos distritos Cangaíba e Ponte Rasa ao tecido urbano da metrópole.  Numa  escala  macro,  a  inauguração  da  Rodovia  dos  Trabalhadores  (hoje  Rodovia  Ayrton Senna da Silva), em 1982, alternativa para o trajeto entre São Paulo, Vale do Paraíba  e Rio de Janeiro, e a criação do Parque Ecológico do Tietê, indicaram uma nova inserção da  Penha  em  escala  regional.  No  caso  das  obras  de  retificação  e  canalização  do  Córrego  do  Franquinho,  relativas  ao  PROCAV  II,  bem  como  a  consequente  abertura  da  Avenida  Calim  Eid, extensão da Avenida Governador Carvalho Pinto, optou‐se, diferentemente do projeto                                                               30   Disponível  em  .  Acesso:  24  janeiro 2016.  94   

do  Tiquatira,  por  suprimir  quase  que  totalmente  as  faixas  de  margem  de  solo  permeável,  paralelas  ao  rio.  Nesse sentido,  o  que  deveria  ser  uma  continuação  de um  espaço verde e  uma área pública, conectando o rio Tietê aos distritos de Arthur‐Alvim e Itaquera, torna‐se  uma barreira, um bloqueio, descontinuidade e fissura. 

 

  Figura 3.7 – Parque Tiquatira e colinas: à esquerda Cangaíba, à direita, Penha, 2012  Foto: Fernando Mascaro   

          

 

Figuras 3.8 e 3.9 – Viaduto Cangaíba e o Tiquatira canalizado ‐ a colina da Penha e o viaduto, 1986  Acervo: Casa da Imagem   

Atualmente,  o  Córrego  Ponte  Rasa,  diferentemente  de  Tiquatira  e  Franquinho,  não  recebeu  obra  de  infraestrutura  determinante,  mantendo  em  algumas  de  suas  partes  os  meandros  naturais  que  caracterizaram  todo  o  conjunto  da  hidrografia  paulista.  Os  três  córregos, portanto, apresentam um objeto de análise rico em termos de diversidade quanto  ao tratamento dos seus principais cursos d’água, e suas repercussões, tanto no conjunto da  bacia, quanto no caráter das infraestruturas implantadas e consequente traçado.  As  sub‐bacias  do  Tiquatira,  Franquinho  e  Ponte  Rasa  apresentam,  portanto,  um  relevante  contraste  ao  longo  dos  seus  eixos,  devido  às  diferenças  entre  uma  série  de  95   

situações  morfológicas.  A  hidrografia  do  Córrego  Ponte  Rasa,  apesar  de  ter  sido  objeto  de  algumas obras pontuais de infraestrutura, conserva ainda seu traçado natural e de pequenos  meandros, onde é possível observar áreas de margem abertas e com alguma vegetação, o  que  torna  oportuna  a  possibilidade  para  um  futuro  projeto  urbano,  com  um  tratamento  paisagístico  na  extensão  de  todo  esse  curso  d’água.  Uma  intervenção  que  considere,  com  relação  aos  cursos  d’água,  um  modo  de  ocupação  dos  fundos  de  vale  diferente  do  que  se  estabeleceu até agora, donde as possibilidades de medidas de drenagem não estrutural, que  incluem a concepção toda uma rede de espaços públicos e valorização da hidrografia e do  relevo do sítio precedente não sejam preteridas em favor de obras de drenagem estrutural,  na  qual  o  traçado  urbano  ocorre  prioritariamente  em  função  de  um  leito  carroçável  destinado, predominantemente, aos automóveis.     3.2.1.  A microbacia urbana como urbanismo de colinas 

Uma  abordagem  oportuna  para  a  análise  de  como  se  dá  o  processo  de  ocupação  urbana de uma microbacia hidrográfica consiste em considerá‐la enquanto um conjunto de  colinas.  Mais  especificamente,  considerar  o  assentamento  humano  que  se  dá  sobre  a  microbacia como uma ocupação urbana de colinas, encostas e fundos de vales. No contexto  da colonização portuguesa da região de São Paulo, tal enfoque remete a toda uma tradição  do  fazer  construtivo.  Localizada  como  um  entreposto  do  sítio  histórico  de  São  Paulo  de  Piratininga e  os  assentamentos  coloniais  de  Nossa  Senhora  da Conceição  dos  Guarulhos,  à  norte, e São Miguel do Araraí, à leste, a ocupação da microbacia do Tiquatira na região da  Penha  principia  como  um  urbanismo  de  colinas  de  tradição  luso  brasileira,  conforme  afirmam Lobo e Simões Júnior (2012, p. 17‐18):  A  expressão  “cidade  de  colina”  é  de  acepção  luso‐brasileira,  associada  à  tradição  urbanística  de  se  escolherem  sítios  elevados  para  a  fundação  de  urbes.  Pode  ser  entendida  como  decorrente  de  uma  série  de  princípios  e  normativas norteadores da prática portuguesa, quando da criação de urbes  novas, política esta aplicada tanto em Portugal, na época de reconquista de  territórios  aos  mouros  (a  partir  do  século  XVIII),  quanto  na  política  de  expansão do império colonial português, ocorrida a partir do século XV em  territórios da África, Ásia e América. [...] Difere, portanto, do entendimento  de “ocupação de encostas”, expressão mais usualmente utilizada no Brasil,  mas  com  significado  mais  distinto,  pois  em  geral  aplicada  a  urbanizações  96   

informais como favelas e loteamentos ilegais. O termo encosta, na verdade,  refere‐se  a  uma  parcela  específica  da  colina  –  a  de  suas  laterais,  não  contemplando  nem  a  área  do  topo,  nem  a  da  base  da  colina,  que  são  precisamente os locais de maior interesse de estudo nas cidades de colina.  É no topo que se situa a “cidade alta”, a “acrópole”, o território que é, na  verdade,  a  parte  mais  relevante  da  ocupação  urbana  de  Colina,  onde  se  construíam  as  igrejas,  os  edifícios  públicos  e  as  residências  senhoriais.  Opondo‐se assim à “cidade baixa”, em geral junto à orla ribeirinha – onde  ficava o porto, os estabelecimentos comerciais e as residências populares –  firmando a dualidade cidade alta/ cidade baixa como o principal paradigma  da urbanística portuguesa. [...] As encostas mereciam, portanto, um status  secundário neste processo, uma vez que eram efetivamente ocupadas num  momento  posterior  ao  estabelecimento  do  núcleo  urbano.  [...]  Razões  de  segurança  e  de  visão  estratégica  da  engenharia  militar  portuguesa  recomendavam  a  escolha  de  sítios  elevados  para  a  fundação  de  urbes.  As  encostas eram efetivamente ocupadas a partir do momento em que a urbe  ia  se  consolidando  e  as  ligações  viárias  entre  a  parte  alta  e  a  baixa  impunham  a  construção  de  ladeiras.  É  por  essas  ladeiras,  em  geral  vencendo  diagonalmente  as  curvas  de  nível,  que  pedestres,  animais  e  veículos  de  carga  transitariam,  favorecendo  assim  a  implantação  de  construções ao longo do trajeto e, desta maneira, induzindo a ocupação da  encosta. 

São  os  preceitos  de  uma  tradição  luso‐brasileira  de  construção  de  novas  urbes,  portanto,  que  vão  definir  os  elementos  fundadores  de  ocupação  urbana  da  microbacia  do  Tiquatira. O topo da colina da Penha e a rota com os outros núcleos – seja por terra, pelo  caminho dos tropeiros, seja por água, seguindo o curso do  rio Tietê, apresentam‐se como os  elementos originais de estruturação desse sítio. É a partir dessa estruturação original que se  vai  produzir  o  traçado  urbano  subsequente  e  local,  rarefeito  no  início,  mas  que  vai  se  multiplicando continuamente com o tempo, ocasionando ora mudanças de caráter nas suas  partes ou conjunto, ora tendo sua resiliência demonstrada na resiliência de certos estratos.    3.2.2.  Microbacia rural: o núcleo urbano original da colina da Penha 

O  primeiro  descortinar  da  colina  da  Penha  na  história  da  colonização  portuguesa  do  planalto  paulista  se  dá  no  contexto  das  missões  jesuíticas  e  bandeirantes,  que  principiam  com a fundação do Colégio de São Paulo em 24 de Janeiro de 1554 (BONTEMPI, 1969; JESUS,  2006).  A  primeira  missão  consiste  na  bandeira  defensiva  de  1561,  liderada  pelo  padre  Manuel  de  Paiva  e  o  bandeirante  irmão  Gregório  Serrão,  uma  força  ideológica  de  convencimento  e  persuasão  dos  povos  ameríndios,  visando  sua  catequização,  e  uma  força  97   

bruta  de  violência  e  dominação  a  fim  de  conquistá‐los  e  submetê‐los  a  um  regime  de  escravização.  Duas questões centrais para o sucesso deste assentamento se combinaram para fazer  dessa  colina  –  uma  das  quatro  que  compõem  a  bacia  hidrográfica  do  Tiquatira,  como  o  entreposto fundamental para conquista das terras à leste do sítio histórico de São Paulo de  Piratininga.  A  primeira  consistiu  de  uma  necessidade  não  apenas  de  defesa  local  do  assentamento,  mas,  sobretudo,  de  suas  cercanias,  a  começar  por  “Piratininga”,  ou  seja,  a  área baixa das várzeas do rio Tamanduateí, e também mais além, nas planícies do Anhembi,  nome pelo qual era conhecido o Rio Tietê. A segunda questão, inversamente, diz respeito à  subida do rio, num movimento de avanço e ataque, no encalço e captura de índios, onde o  serpentado  Rio  Tietê,  não  caudaloso,  mas  navegável,  possibilitou  a  entrada  estratégica  no  território. Conforme afirma Bontempi (1969, p. 15):  Àquela  época  algumas  outras  bandeiras  fazem  a  mesma  subida  do  rio  e  contemplam  a  mesma  Colina,  lindeira  das  aldeias  da  Conceição  dos  Guarulhos  e  de  São  Miguel  de  Uraraí,  operantes  nas  redondezas  da  Vila,  umas  para  a  defesa  do  Colégio,  outras  para  o  apresamento  dos  índios  e  ainda  outras  para  catequizá‐los,  e  todas  volteando  o  Outeiro  ainda  sem  nome, mas já conhecido. 

A  ocupação  da  colina  formou  o  núcleo  urbano  original  que  viria  a  caracterizar  e  agremiar  os  diversos  assentamentos  que  principiaram  por  ocorrer  na  região  da  bacia  hidrográfica  do  Tiquatira.  Tal  formação  pode  ser  definida  a  partir  de  dois  momentos  precursores  principais  –  formação  e  consolidação,  e  dividida  em  cinco  fases  (BONTEMPI  1969, p. 21‐104).  A primeira fase consiste da formação de um assentamento rural, quando  se  inicia  o  descortinamento  da  colina  da  Penha,  já  descrito,  que  vai  de  1560  a  1620.  A  segunda fase, das sesmarias precursoras, ocorre quando o bandeirante fixa‐se à terra e, por  lavrá‐la, torna‐se colono. É ai que a bacia do Tiquatira passa, primeiramente, de um conjunto  indiferenciado de colinas para uma propriedade rural, que vai ser utilizada a partir das suas  condicionantes de relevo e hidrografia. A terceira fase, de fundação e consolidação, ocorre  como  um  rápido  interlúdio,  entre  1668  a  1687,  guardando  uma  idiossincrasia  quanto  à  formação da sua identidade ou sentido histórico. Conforme afirma Bontempi (1969, p. 32):  No  caso  da  Penha,  será  muito  mais  fácil  compreender  o  sentido  de  sua  formação histórica se aprofundadas forem as suas origens lendárias. Aqui,  98   

Lenda  e  História  travam‐se  intimamente  no  mesmo  fenômeno  do  misticismo seiscentista, são as duas faces da mesma realidade etnográfica. 

É na terceira fase de formação do bairro que se dá a lenda dos bandeirantes, evento  que ocorreu periodicamente e ao qual pode ser definido, segundo Bontempi, como “auto‐ transladação  indicativa”  (p.34).  A  versão  mais  comum  da  lenda  conta  sobre  um  viajante  francês  que  levava  consigo  uma  imagem  da  Virgem  trazida  de  sua  pátria  natal,  que  pernoitou na sesmaria do bandeirante licenciado Mateus Nunes de Siqueira, onde também  estava  o  padre  Jacinto  Nunes  de  Siqueira  e  Domingos  Leme.  Após  sua  partida,  o  viajante  percebeu que a Virgem não estava com ele, e voltou à buscá‐la. Tendo‐a encontrado, partiu  novamente, porém, mais uma vez, a Virgem não estava consigo e, tendo retornado de novo  ao  lugar  prévio,  notou  que  o  evento  se  repetira.  Assim,  conforme  afirma  Arroyo  (1954,  p.  174‐175), o viajante:  Homem de fé profunda, reconheceu, nesse fato, que a Virgem escolhera a  Penha  para  seu  trono  e  morada.  Construiu‐lhe  uma  pequena  capela  no  lugar  escolhido  pela  mão  de  Deus.  A  notícia  correu  e  o  povo,  aos  poucos  começou  a  venerar  a  imagem  miraculosa,  e  paulatinamente  o  bairro  começou a popular‐se, de sorte que em 1796, a Penha pode ser elevada à  categoria de paróquia, desmembrada da Freguesia da Sé. 

Contudo,  Bontempi  reitera  que  o  nome  da  Santa  de  São  Paulo  resultou  da  paulatina  alteração  do  vocativo  francês  “Notre  Dame  de  France”  (1969,  p.63).  De  todo  modo,  tal  evento passou a ser conhecido como invocação à Nossa Senhora Penha de França e, entre a  lenda  e  a  história,  o  que  se  pode  inferir  dessa  narrativa  é  a  consolidação  de  um  marco  religioso que teria por função institucionalizar uma das duas instâncias de poder31, segundo  as  quais  se  organizou  a  progressiva  ocupação  desse  território.  Assim,  pode‐se  dizer  que  a  origem  jesuítica  e  bandeirante  de  muitas  vilas  e  povoados  teve  esse  duplo  aspecto,  de  principiar por um curral e uma ermida, onde o culto à Virgem ou Nossa Senhora congregava  o nome do conjunto de povoações fundadas nessa região.  A  fundação  da  freguesia  Nossa  Senhora  Penha  de  França  é  circunstancial  enquanto  evento  fundador  de  um  modo  de  vida  calcado  nas  diretrizes  e  fundamentos  ditados  pela  Igreja Católica Apostólica Romana, cujas estruturas e práticas concretas “estabeleceram as  relações  de  compadrio,  de  parentesco,  de  vizinhança,  com  toda  a  cumplicidade  que  implicam” (JESUS, 2006, p.17). Por um lado, em termos regionais, havia uma hierarquia de                                                               31  A outra estância de poder, militar, era desempenhada pelos bandeirantes.  99   

mando,  centrada  na  supremacia eclesiástica  e no  poder  do  papado;  por  outro,  no  aspecto  local,  as  paróquias  e  freguesias  circunscreveram  um  plano  de  existência  cotidiana  nos  bairros  em  que  eram  fundadas,  orientando  os  costumes,  a  moral  e  mesmo  a  ordenação  física do lugar. 

  Figura 3.10 – Freguesia da Penha, entre São Paulo e o aldeamento de São Miguel do Ururaí  Fonte: elaborado pelo auto (ref. Jesus, 2006, p. 30)   

O  segundo  momento  precursor  da  ocupação  da  microbacia  do  Tiquatira  a  partir  do  outeiro32  da  Penha  caracteriza‐se  pelas  seguintes  fases:  a  quarta  fase,  com  integração  do  povoado às ordens e posturas da Câmara de São Paulo, entre 1687 a 1796 (Figura 3.10), e a  quinta fase, com caracterização civil, entre 1796 a 1901, quando o bairro torna‐se freguesia  e  assume  um  caráter  próprio  e  peculiar.  Podemos,  assim,  utilizar  esses  dois  momentos  precursores – formação e consolidação, divididos em cinco fases distintas, para caracterizar                                                               32  Altar, do latim autāre.  100   

o  sítio  urbano  da  região  da  Penha  que  primeiro  se  assentou  em  uma  das  colinas  da  microbacia do Tiquatira. 

  Quadro 3.1 – Fases de formação e consolidação da região da Penha  Fonte: elaborado pelo autor   

Entre os séculos XVII e XIX, a colina se tornaria caminho obrigatório para bandeirantes,  tropeiros e viajantes que se deslocavam entre São Paulo, Vale do Paraíba e Rio de Janeiro. A  colina  da  Penha  (Figura  3.11),  situada  às  margens  do  rio  Tietê  e  cercada  pelos  ribeirões  Aricanduva,  Guaiaúna  e  Tiquatira,  seria  “um  pouso  ameno  e  aprazível”  (SANTARCANGELO,  2005), de onde se descortinava toda a Vila de São Paulo de Piratininga. A condição de lugar  de passagem transformaria a colina em pouso para os viajantes, com serviços de comércio e  aluguel  de  animais  de  carga  e  montaria,  hospedagem,  alimentação  e  fornecimento  de  viveres. 

  Figura 3.11 – Vista da Colina da Penha com o rio Aricanduva em primeiro plano, 1817  Aquarela: Thomas Ender 

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O desenvolvimento dos núcleos originais da cidade de São Paulo – Penha, Freguesia do  Ó,  Santana  e  Pinheiros,  complementares  e  concomitantes  ao  centro  histórico,  teve  por  aspecto  comum  este  fator  de  atração  propiciado  pela  disposição  de  um  equipamento  de  serviços  diferenciado,  ainda  que  fosse  considerado  modesto.  Este  processo  é  descrito  por  Langenbuch (1971, p. 128):  Uma  vez  definida  a  vocação  da  área,  em  termos  mais  amplos,  como  propícia  à  expansão  urbana,  caracterizaria  os  antigos  povoados  como  pontos  mais  convenientes  do  que  áreas  vizinhas,  onde  nada  havia  que  pudesse  servir  aos  moradores  iniciais.  [...]  Nas  décadas  seguintes  tais  processos  de  polarização  suburbana,  em  torno  de  povoados  aparentemente insignificantes, serão bastante comuns.   

De todo modo, até meados do século XIX, a Penha era um bairro rural, um aglomerado  economicamente isolado da Vila de São Paulo33, de pequena população, com algumas casas  de  taipa  ao  redor  da  capela,  algumas  vendas  e  serviços.  E  para  além  do  pequeno  núcleo  existiam lavouras e pastagens, onde se desenvolvia uma prática agropastoril de subsistência.  O excedente dessa produção era comercializado com o centro da Vila de São Paulo, à qual  chegava no lombo de mulas. Segundo Jesus (2006, p. 82):  A  prática  agropastoril  dos  camponeses  penhenses  era  favorecida  pela  presença  de  água  em  abundância,  de  solo  fértil,  de  clima  favorável  e  de  pastagens  naturais.  O  que  permitia  aos  pequenos  proprietários  da  região  plantar  cana  de  açúcar,  algodão,  vinha,  trigo,  mandioca,  milho,  café,  hortaliças, entre tantos outros, e criar gado bovino, porcos, aves, equinos,  mulas para transporte. 

Em suma, as condicionantes espaciais garantiram à região da Penha certa autonomia  em relação ao centro de São Paulo, e primeiro se consolidaram na microbacia do Tiquatira  enquanto  conjunto  de  propriedades  rurais,  ao  mesmo  tempo  em  que  o  topo  da  colina  da  Penha era considerado como centro religioso da região. Esse ajustamento determinou tanto  os processos sociais que dinamizavam o território, quanto os produtos espaciais resultantes  desse modo de produção, hegemônico na colônia, fundado basicamente em um patriarcado   rural e caracterizado por processos sociais de subordinação e acomodação (FREIRE, 1936, p.  11).  A  chegada  da  ferrovia  vai  alterar  profundamente  este  quadro,  levantando  a  questão:  quais  foram  os  aspectos  determinantes  ocasionados  pela  implantação  da  ferrovia  neste                                                               33   Separados  por  uma  distância  de  aproximadamente  dez  quilômetros,  passando  pelo  vale  do  rio  Aricanduva,  caminho  do  Tatuapé  (atual  Av.  Celso  Garcia),  várzea  do  rio  Tamanduateí  e  ladeira  do  Carmo.  102   

contexto,  ao  mesmo  tempo  vetor  de  crescimento  urbano  e  industrial,  e  como  estes  transformaram a região?    3.2.3.  Microbacia urbana: a implantação da infraestrutura ferroviária 

A partir do século XIX, toda a província de São Paulo, até então predominantemente  rural, será impactada por dois eventos determinantes, um político e um técnico. O primeiro,  em  1822,  ocorre  a  mudança  de  regime  do  Brasil,  e  a  vila  colonial  de  São  Paulo  se  torna  cidade  imperial.  Na  transição  para  o  Império,  o  centro  de  gravidade  desse  modo  de  produção  desloca‐se,  paulatinamente,  para  as  cidades,  que  se  tornam  "um  ambiente  incipiente conflitos e diferenciações, com novas subordinações" (FREIRE, 1936, p. 15).  Segundo, a inauguração da ferrovia estadual São Paulo Railway Company, 1867, frente  à  expansão  do  ciclo  econômico  do  café.  A  ferrovia,  que  ligava  São  Paulo  ao  interior  da  província, também alcançava o porto de Santos, no litoral. Infraestrutura de caráter regional,  sua  implantação  foi  impulsionada  pelo  sucesso  da  então  economia  cafeeira  de  exportação  no interior paulista, atividade essa que determinou as mudanças políticas na passagem do  Brasil  colônia  para  o  império,  bem  como  a  consolidação  da  conquista  do  planalto  paulista  pela cultura da civilização ocidental:  Essa história começa com um silvo de trem. São Paulo estava deixando de  ser  uma  cidade  de  tropeiros.  Agora,  o  café  chegava  a  Santos  mais  rapidamente.  A  viagem  de  fazenda  para  a  capital  é  rápida  e  confortável.  Será possível, sem grande transtorno, passar parte do ano em São Paulo e,  por que não?, morar na capital (TOLEDO, 1981, p. 78). 

Em  1875,  foi  inaugurado  o  trecho  da  ferrovia  entre  São  Paulo  e  Mogi  das  Cruzes  (Figura  3.12),  chamada  na  época  de  Estrada  do  Norte  de  São  Paulo,  que  passou  a  servir  vários  bairros  à  leste  do  centro,  sendo  um  deles  a  Penha.  Em  1890,  por  não  apresentar  lucros significativos, a ferrovia foi resgatada pelo Governo Federal Provisório e incorporada à  Estrada de Ferro Central do Brasil. Conforme afirma Jesus (2006, p. 90‐91):  Na Penha, os trilhos da Central do Brasil primeiro foram assentados sobre  as  várzeas  de  dois  tributários  do  rio  Tietê,  os  rios  Aricanduva  e  Guaiaúna,  local onde foram instaladas as duas estações Carlos de Campos, na várzea  de contato entre os dois rios, e Vila Matilde, na várzea do rio Guaiaúna. [...]  Da  estação  ferroviária  Carlos  de  Campos  partiu  o  ramal  da  Penha.  Esse  103   

tinha  aproximadamente  um  quilômetro.  Iniciava‐se  logo  após  a  estação,  fazia  uma  curva  para  o  norte  e  subia  aproximadamente  trinta  metros  de  inclinação  em  direção  ao  topo  da  colina  da  Penha.  Seu  ponto  final  era  a  Estação  da  Penha  que  se  encontrava  aproximadamente  a  150  metros  das  portas  da  antiga  matriz  da  Nossa  Senhora  Penha  de  França.  [...]  A  construção do ramal da Penha era justificada pelo grande fluxo de romeiros  em finais de semana durante as festividades na localidade. 

  Figura 3.12 – Estação Guaiaúna, com fábrica ao fundo, 1940  Acervo: Memorial Penha de França   

A  implantação  da  ferrovia  ocasionou  uma  valorização  dos  terrenos  das  áreas  de  várzea,  razão  essa  também  pela  qual  o  ramal  da  Penha  adquiriu  um  caráter  economicamente  estratégico  de  integrar  a  colina  a  esse  novo  circuito  de  desenvolvimento  imobiliário  (Figura  3.13).  Em  consonância  à  nova  tecnologia,  foi  instituída  a  primeira  legislação  de  posturas  relativas  à  mensuração  e  regularização  dos  lotes,  na  qual  a  diretriz  básica  concernia  ao  alinhamento  imediato  das  terras  de  ordem  comunal.  Segundo  Jesus  (2006, p. 76‐77):  Definir  os  limites  e  propriedades  dos  terrenos  era  fator  primordial  para  o  processo  de  urbanização.  Sem  esses  limites  não  se  poderia  arruar.  [...]  O  alinhamento,  que  definiu  os  limites  entre  o  público  e  o  privado,  proporcionou  grande  expectativa  de  valorização  contínua  e  rápida  das  terras  paulistanas.  [...]  Assim,  muitos  terrenos  foram  conservados  e  mantidos fora do mercado na expectativa de uma futura valorização. E esta  valorização sempre acabava correlacionada a instalações de infraestruturas  como, por exemplo, as vias férreas.  104   

  Figura 3.13 – Palacete Rodovalho, igreja da Penha e a passarela de acesso ao ramal ferroviário, 1905  Acervo: Memorial Penha de França   

A presença da ferrovia nas planícies do rio Tietê estimulou a implantação de olarias e  indústrias  de  mineração,  ambas  atividades  de  extração  e  transformação  de  material  geológico  das  áreas  de  várzea,  afim  de  atender  a  crescente  mercado  de  material  de  construção  local.  Sobrepondo‐se  aos  assentamentos  rurais  da  região,  principiou‐se  uma  ocupação ao longo da linha férrea, articulada à nova demanda produtiva que se consolidava,  urbana e industrial, por conta da reconfiguração do território estimulada pela infraestrutura  ferroviária.  Por  outro  lado,  no  caso  das  colinas  do  Tiquatira,  essa  nova  dinâmica  impactou  algumas  atividades  econômicas  anteriormente  estabelecidas,  principalmente  as  que  se  beneficiavam dos viajantes e transeuntes que passavam pelo caminho de São Miguel:  As  ferrovias  provocaram  uma  valorização  das  faixas  de  terra  por  elas  percorridas  em  detrimento  daquelas  que  ladeavam  estradas  de  tropa,  anteriormente  privilegiadas.  [...]  Os  aglomerados  prejudicados,  sem  nunca  terem  sido  muito  progressistas,  viram  as  suas  possibilidades  de  desenvolvimento bastante tolhidas (LANGENBUCH, 1971, p. 149). 

A  progressiva  implantação  da  linha  férrea  Central  do  Brasil,  a  partir  da  segunda  metade do século XIX, terá uma série de implicações que poderão ser observadas tanto no  conjunto da cidade de São Paulo quanto na região da Penha. No caso desta, observa‐se uma  105   

permanência da maior parte das chácaras produtoras de hortifrutigranjeiros até a década de  1920.  Porém,  a  partir  daí,  a  indução  de  crescimento  urbano  proporcionado  pela  ferrovia  favoreceu também uma ocupação de uso industrial e de habitações proletárias e populares,  sendo  que  todo  este  complexo  instalou‐se  nas  áreas  de  planície  aluvial  do  Tietê  e  seus  afluentes. Nas palavras de Jesus (2006, p. 87):  Assim,  como  meio  de  transporte  de  pessoas  e  mercadorias,  a  ferrovia  tornou‐se  importante  agente  reorganizador  do  espaço  paulistano.  Sua  implementação resultou em: alterações nos traçados de antigos caminhos;  alterações nas rotas e na tipologia dos meios de comunicação com a cidade;  nova  configuração  dos  aglomerados  urbanos;  ocupação  de  novas  áreas  e  ampliação  dos  limites  da  cidade;  necessidades  de  novas  infraestruturas  como  iluminação  pública  e  calçamento  de  vias;  com  a  possibilidade  e  intensificação  do  trabalho  distante  de  casa,  proporcionou  mudança  na  rotina de vida dos moradores; deslocamento de serviços e descentralização  das  funções  antes  atribuídas  somente  ao  centro  da  cidade;  facilitou  a  especulação  imobiliária  e  a  valorização  da  terra  como  mercadoria;  representou  um  importante  agente  de  mudanças  no  bojo  das  relações  sócio‐espaciais e econômicas das localidades por onde adentrava. 

Em  1926  foi  inaugurada  a  variante  Poá  da  ferrovia  Central  do  Brasil,  bifurcando  à  nordeste do ramal principal, antes da estação Guaiaúna e margeando as colinas da Penha e  do  Cangaíba,  seguindo  pela  várzea  do  rio  Tietê  até  a  cidade  de  Mogi  das  Cruzes,  onde  tornava  a  se  encontrar  com  o  ramal  principal.  Assim,  pela  primeira  vez,  o  conjunto  das  quatro colinas constituintes da microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira encontrava‐se  envolto  por  um  sistema  infraestrutural  ferroviário,  que  viria  a  impulsionar  a  ocupação  dos  fundos  de  vale.  No  entanto,  o  ramal  da  Penha,  que  primeiro  fortaleceu  a  centralidade  da  colina frente às novas prerrogativas de transporte, perdeu importância com a chegada dos  bondes elétricos na região, em 1902, e foi desativado em 1904. Segundo Jesus (2006, p.119):  Tamanha  foi  a  importância  das  linhas  de  bonde  que,  mesmo  sendo  morosos,  proporcionaram  uma  intensa  valorização  das  áreas  próximas  à  Avenida Celso Garcia e também a extinção do ramal da Penha da Central do  Brasil.  As  linhas  de  bondes  elétricos  que  se  dirigiam  à  Praça  Oito  de  Setembro,  no  centro  da  Penha,  cortavam,  em  seu  percurso,  bairros  industrializados  como  o  Brás  e  o  Belém  e  terminavam  (ou  iniciavam)  na  atual estação Roosevelt. 

Até  a  década  de  1930  havia  poucos  loteamentos  na  Penha  e  os  existentes,  por  exemplo, Vila Esperança e Vila Guilhermina (Figuras 3.14 e 3.15) tinham o aspecto de muitos  dos  loteamentos  operários  na  cidade:  ruas  de  terra,  casas  dispersas,  hortas  para  consumo  106   

particular, falta d´água, pequenas igrejas e população imigrante. Para Langenbuch (1971, p.  203):  O caráter pouco compacto da cidade contínua visível, porém a maioria dos  antigos  bairros  isolados  se  vê  ligada  entre  si  ou  à  cidade  por  novos  loteamentos.  Assim,  por  exemplo,  a  Penha  se  acha  quase  ligada  à  cidade  por  uma  série  de  loteamentos,  se  bem  que  os  vazios  não  tenham  desaparecido totalmente. 

  Figura 3.14 – Vila Guilhermina, 1942  Acervo: Memorial Penha de França 

  Figura 3.15 – Vila Esperança, 1942  Acervo: Memorial Penha de França   

Com a ferrovia e os bondes, as relações comerciais entre o centro e o bairro da Penha  se  intensificaram:  a  produção  de  hortifrutigranjeiros  das  chácaras  da  colina  chegava  aos  mercados  do  centro  de  São  Paulo  por  trens  e  bondes.  Para  grande  parte  da  população,  o  bonde  era  o  transporte  prioritário,  pois  ia  do  topo  da  colina  até  o  centro  da  cidade,  ao  contrário  do  trem,  situado  no  sopé  da  colina  e  que  só  chegava  até  o  bairro  do  Brás.  À  medida  que  a  relação  centro  ‐  bairro  se  intensificava,  os  sistemas  produtivos  locais  se  alteravam:  a  agricultura  familiar  deu  lugar  à  assalariada  e  as  chácaras  foram  progressivamente  loteadas,  forçando  a  migração  dos  espaços  de  cultivo  para  áreas  mais  distantes.  107   

3.2.4.  Microbacia metropolitana: o sistema automobilístico 

A  consolidação  do  sistema  de  bondes  na  cidade  de  São  Paulo  se  deu  quase  que  simultaneamente à outro modal de transporte, o ônibus (Figura 3.16). Em 1935, já havia 62  linhas  municipais,  número  superior  ao  de  linhas  de  bonde.  A  chegada  desse  modal  teve  impacto  direto  na  expansão  da  ocupação  urbana  da  Zona  Leste  de  São  Paulo,  com  ônibus  ligando a Penha ao Centro de São Paulo e a Guarulhos, Vila Esperança, Vila Matilde, Jardim  Popular  e  São  Miguel  Paulista,  estruturando  relações  funcionais  entre  os  “subúrbios‐ estação”  (LANGENBUCH,  1971,  p.  228),  onde  o  adensamento  urbano  residencial  é  determinado em função da ferrovia. 

  Figura 3.16 – Rua Padre Antônio Benedito, 1979  Acervo: Memorial Penha de França 

Na Penha, a partir da década de 1930 e no contexto da cidade de São Paulo, se torna  cada vez mais explícita a escolha por um modal determinante para sua expansão, no caso o  modelo  rodoviarista  baseado  no  automóvel,  seja  individual  ou  coletivo.  Segundo  Franco  (2005, p. 147):  A  máquina  automotiva  concretiza  o  desejo  de  liberdade  e  mobilidade  ilimitada.  Permite  uma  nova  comunhão  com  a  natureza  a  partir  do  momento em que viabiliza o acesso aos locais onde os sistemas restritivos  não  chegam.  Proporciona  uma  possibilidade  de  se  afastar,  momentaneamente,  da  grande  cidade.  O  automóvel  inicia,  portanto,  uma  nova  etapa  de  construção  da  autonomia  do  ser  humano  em  relação  às  formas de estar no espaço. Foi um passo importante para a construção de  108   

uma  condição  de  independência,  iniciada  pelo  sistema  de  locomoção  e,  posteriormente, complementada pelas telecomunicações. 

A  escolha  desse  modelo  rodoviarista,  junto  com  a  expansão  industrial,  vai  impactar  profundamente o conjunto da região da Penha, lançando as bases para a transformação do  território,  antes  predominantemente  rural,  em  urbano  e  metropolitano.  A  ocupação  das  colinas  do  Tiquatira,  impulsionada  pelos  dois  modais  de  transporte,  trem  e  ônibus,  e  pela  progressiva  implantação  das  infraestruturas  ferroviárias  e  viárias,  ocasionou  uma  dinâmica  imobiliária na qual várias chácaras que compunham o quadro rural da região passaram ora a  ser loteadas para habitação, ora convertidas em plantas industriais.  Nas  bases  e  encostas  das  colinas  assentaram‐se  populações  de  baixa  ou  nenhuma  renda,  enquanto  o  topo  da  colina  da  Penha,  especialmente,  concentrava  boa  parte  dos  equipamentos institucionais, comerciais e de serviços que a diferenciavam das outras colinas  circundantes.  Porém,  esse  avanço  na  capacidade  de  mobilidade  e  a  expansão  das  áreas  ocupadas  e  da  população  da  região  não  se  converteram  automaticamente  em  incremento  do conjunto de infraestruturas urbanas, como observa Jesus (2006, p. 143‐159):  Até  os  anos  trinta,  ainda  predominava  a  população  carente,  vivendo  em  residências  simples,  à  beira  de  estradas  de  terra  poeirentas  no  inverno  e  lamacentas no verão, casas de taipa de chão pisado, sem eletricidade, com  água de poço entre plantações e animais domésticos soltos. [...] Era, assim,  um  subúrbio  que  mesclava  posturas  e  elementos  modernos,  que  se  estabeleciam conforme as necessidades dos seus moradores de vanguarda  e que tentavam reproduzir nas localidades os confortos e maneiras de viver  dos  seus  correlatos  na  cidade  de  São  Paulo,  com  posturas  e  elementos  vinculados  ao  seu  passado  rural.  Este  é  o  caráter  essencial  do  subúrbio  penhense, a transição entre rural e urbano. 

A  partir  da  década  de  1930,  com  o  incremento  dos  processos  de  industrialização  e  urbanização implicaram novas formas de sociabilidade, que em muito diferia da concepção  católica  e  tradicional  que  havia  anteriormente  caracterizado  e  orientado  as  dinâmicas  do  antigo núcleo rural.  Agora, em contraposição, despontava a Era do cinema e do rádio, do  footing  aos  fins  de  semana,  dos  esportes.  O  futebol  invadia  todos  os  espaços:  portas  de  fábricas, quintais, ruas, terrenos e várzeas. Além do futebol, muito do lazer dos paulistanos  estava nas várzeas e nos rios: piqueniques, brincadeiras, passeios de barco, remo, natação.  Os inúmeros rios garantiam a diversão, e a Penha se tornaria famosa pelo “côcho do Tietê”,  a primeira piscina do rio, criada no Centro Esportivo da Penha (Figura 3.17), em 1929:  109   

O desenvolvimento de atividades esportivas na Penha apresentou‐se como  reflexo  da  modernização  das  práticas  sociais  presentes  nos  processos  de  industrialização e urbanização da cidade de São Paulo. Acreditamos que tais  práticas  ao  mesmo  tempo  em  que  reforçavam  as  relações  sociais  da  localidade, também proporcionavam a desestruturação dos antigos valores  sociais  estabelecidos  ao  longo  de  séculos.  Assim  como  aconteceu  com  o  cinema,  o  esporte  passou  a  inserir  novos  conteúdos  na  vida  cotidiana  da  localidade  e  mostrou‐se  eficiente  na  capacidade  de  centralizar  práticas  sociais. [...] Na Penha dos anos de 1930, entre os esportes mais praticados  se  destacavam  o  futebol  varzeano,  a  natação,  a  molha,  a  bocha  e  o  remo  (JESUS, 2006, p. 152). 

  Figura 3.17 – Centro Esportivo da Penha, 1934  Acervo: Memorial Penha de França   

Com a expansão dos loteamentos, os ônibus se fortaleceram como transporte coletivo  ‐ pois o bonde só chegava ao centro da colina ‐ e firmaram a tendência à dispersão. A Penha  tornou‐se o ponto de chegada e saída de ônibus que acessavam localidades vizinhas, como  Guarulhos  e  São  Miguel  Paulista,  onde  não  havia  trens  ou  bondes.  Ao  longo  das  vias  que  levavam a essas localidades, como as Avenidas Amador Bueno da Veiga, Gabriela Mistral e  Cangaíba, surgiam mais loteamentos. A condição de ponto de ligação com outras localidades  transformaria  a  Penha  progressivamente  em  um  sub‐centro,  provocando  crescimento  e  diversificação do comércio e serviços que, até meados do século XX, voltaram‐se ao turismo  religioso.  110   

Até a década de 1940, parte da atividade agrícola sobrevivia nas várzeas (Figuras 3.18),  onde o capital imobiliário ainda não via vantagens para investir (Tiquatira, baixo Aricanduva,  oeste  da  Estrada  do  Cangaíba,  Vale  do  Guaiaúna  e  parte  da  planície  da  Av.  Celso  Garcia).  Havia ainda outras atividades econômicas consolidadas nas várzeas do Tietê, como portos de  extração  de  areia  e  cascalho,  olarias,  estaleiros  para  construção  e  manutenção  de  barcos  (Figura 3.19). 

  Figura 3.18 – Zona Agrícola do Vale do Tiquatira, cheia do Rio Tietê, 1941  Acervo: Memorial Penha de França   

A  partir  daí,  o  processo  de  metropolização  da  cidade  de  São  Paulo,  fruto  de  uma  compactação  da  área  edificada  (LANGENBUCH,  1971,  p.  276)  e  consequente  conurbação  urbana, vai se constituir como um momento de significativa transformação da paisagem, no  qual  as  relações  centro  e  periferia vão  se  sobrepor,  por  meio  de  uma rede  viária cada  vez  mais  consolidada,  baseada  principalmente  no  automóvel  e  no  caminhão.  Segundo  Jesus  (2006, p. 181):  Na  década  de  1940,  as  velhas  tradições  culturais  da  localidade,  estabelecidas  durante  a  constituição  do  bairro  rural,  que  se  mantiveram,  apesar  das  mudanças  ocorridas  com  o  avanço  da  urbanização  e  a  transformação  da  Penha  em  subúrbio,  entram  em  franca  decadência,  somada  ao  fim  do  isolamento  físico  e  do  uso  rural  do  solo  da  localidade,  decorre a integração da Penha à cidade de São Paulo – agora como bairro  paulistano propriamente, para, na década de 1950, deixar de se comportar  como  unidade,  isto  é,  perde  gradativamente  sua  identidade  para  transformar‐se em fragmento de metrópole.  111   

Entre  as  décadas  de  1950  e  1980  a  população  da  região  da  Penha  (compreendendo  Arthur Alvim, Cangaíba, Penha e Vila Matilde) passaria de 105.000 para 475.000 habitantes  (JESUS, 2006). A intensa industrialização da cidade de São Paulo, as correntes migratórias e o  modelo  urbanístico  adotado  por  sucessivas  administrações,  intensificariam  a  dicotomia  centro‐periferia, a ausência de infraestrutura e ocupação proletária e irregular.   

  Figura 3.19 – Atividades Econômicas nas várzeas do Tietê na região da Penha, 1941  Acervo: elaborado pelo autor (ref. documento Memorial Penha de França)   

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Durante esse período, a Penha viveria a consolidação decorrente das transformações  ocasionadas  pela  política  rodoviarista  do  prefeito  Francisco  Prestes  Maia.  As  avenidas  de  ligação  entre  a  Penha  e  o  centro  (Rangel  Pestana  e  Celso  Garcia)  já  enfrentavam  grandes  congestionamentos. A solução adotada por Prestes Maia foi a criação de uma via axial que  cruzaria todo o eixo leste da cidade até o centro, a Radial Leste. As obras foram iniciadas em  1957,  mas  só  em  1966  a  Radial  Leste34  alcançaria  a  região  da  Penha.  Boa  parte  das  áreas  utilizadas para a construção da avenida fazia parte da faixa patrimonial da Estrada de Ferro  Central  do  Brasil,  o  que  facilitou  sua  construção.  A  implantação  dessa  via  estimularia  a  especulação  imobiliária  e  a  ocupação  da  região  leste,  que  se  tornaria  a  mais  populosa  da  cidade. Em 1957, com a retificação do rio Tietê, também seria concluída a Marginal Tietê35,  via expressa margeando o rio, que interligaria as regiões oeste, norte e leste da cidade.  Na  década  de  1970,  segundo  Jesus  (2006),  apenas  40%  das  ruas  da  região  eram  asfaltadas, os sistemas de ensino, saúde e transporte eram precários e o saneamento básico  deficiente.  As  migrações  e  o  loteamento  de  todos  os  terrenos  disponíveis  provocaram  a  fixação da população pobre em favelas, sob viadutos, na beira de córregos, em áreas sujeitas  a erosão – ao longo do Córrego Tiquatira, trechos da Avenida Gabriela Mistral, sob o viaduto  Cangaíba,  ao  longo  da  avenida  Assis  Ribeiro  e  trechos  da  Av.  Cangaíba  (SANTARCANGELO,  2005).  Com  a  extinção  das  chácaras,  a  criação  de  um  centro  de  abastecimento  de  hortifrutigranjeiros passou a ser uma reivindicação dos moradores, o que levou à criação do  Mercado  Municipal  da  Penha,  em  1970.  Nesse  ano,  também  foram  inaugurados  o  Teatro  Martins  Penna  e  o  Centro  Cultural  da  Penha,  um  dos  equipamentos  culturais  ainda  hoje  relevantes na região.  Em  1986,  foi  inaugurada  a  estação  Penha  do  metrô,  ao  lado  do  ramal  ferroviário  já  existente e como parte da primeira linha que se direcionou para a zona leste da cidade. Na                                                               34  A Radial Leste é, depois da Marginal Tietê, o principal eixo viário de conexão entre a Zona Leste e a  Zona  Central.  No  sentido oeste‐leste,  é  composta  pela  Avenida  Alcântara  Machado,  pela  Rua  Melo  Freire, pela Avenida Conde de Frontin, pela Avenida Antônio Estevão de Carvalho, pela Rua Dr. Luis  Aires,  até  chegar  ao  Terminal  Corinthians  Itaquera.  Na  sequência,  continua  como  Avenida  José  Pinheiro Borges, depois Rua Copenhague, quanto encontra a Estrada de Poá.  35   A  Marginal  Tietê  é  uma  via  expressa  que  conecta  as  Rodovias  Presidente  Castelo  Branco,  Anhanguera e Bandeirantes, à oeste, e as Rodovias Presidente Dutra e Ayrton Senna da Silva à leste.  Além  das  pistas  expressas  centrais,  a  Marginal  Tietê  se  conecta  à  várias  avenidas  paralelas  à  via  expressa, e é transposta por diversas pontes.  113   

década  de  1980,  o  bairro  começou  a  se  verticalizar,  com  o  surgimento  de  muitos  prédios  residenciais  e  comerciais,  além  de  condomínios  fechados.  Na  década  de  1990,  observa‐se  uma  mudança  significativa  na  colina  da  Penha,  fruto  de  um  aumento  dos  índices  de  ocupação  do  solo,  com  construções  muito  mais  altas  do  que  as  tradicionais  edificações  de  um  a  dois  pavimentos.  O  outeiro,  antes  marco  indiscutível  na  topografia,  começava  a  ser  escondido pelos prédios (Figura 3.20).  Em  1992,  na  região  central  da  Penha,  inaugurou‐se  o  Shopping  Penha,  no  lugar  do  antigo terminal de ônibus. O metrô e o shopping reforçaram a identidade da região, que é  hoje um dos maiores centros comerciais da zona leste da cidade. O terminal, por outro lado,  foi  transferido  para  terreno  adjacente  ao  do  mercado  municipal,  mantendo  a  conexão  intermunicipal  com  o  município  de  Guarulhos  e  com  outros  bairros  da  Zona  Leste,  rota  consolidada pela implantação da Avenida Governador Carvalho Pinto, em 1988. 

  Figura 3.20 – Colina da Penha, 2014  Foto: André Lopes36   

A abertura da Avenida Governador Carvalho Pinto junto com a retificação do Córrego  Tiquatira foi uma experiência relevante para as intervenções em fundos de vale, pois, junto  com  essas  duas  obras  de  infraestrutura,  foi  previsto  um  equipamento  de  uso  público  –  o  Parque  Tiquatira,  que  contou  com  a  realização  de  projeto  paisagístico  encomendado  pela  Secretaria Municipal de Planejamento ‐ SEMPLA. O próximo item do capítulo vai discutir as                                                               36  Disponível em . Acesso: 26 novembro 2015.  114   

transformações  na  microbacia  do  Tiquatira  a  partir  dessa  intervenção  e  das  situações  que  derivaram desta, assim como os impactos e conflitos que foram ocasionados nessa porção  de território.    3.3.  A TRANSFORMAÇÃO DOS FUNDOS DE VALE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA    O Programa de Aproveitamento de Fundo de Vale do Córrego Tiquatira, apresentado  pela  Secretaria  Municipal  de  Planejamento  da  Prefeitura  do  Município  de  São  Paulo  –  TIQUATIRA SEMPLA, em 1984, pode ser considerado um projeto emblemático e, ao mesmo  tempo,  de  exceção,  para  a  série  de  obras  que  viria  a  caracterizar  o  então  Programa  de  Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos  de Vale – PROCAV I, lançado em 1987.  No  contexto  do  processo  histórico  da  cidade  de  São  Paulo,  a  canalização  dos  cursos  d’água  consagrou‐se  como  o  modo  de  intervenção  predominante  realizado  nas  ocupações  de  fundos  de  vale.  Desde  a  retificação  do  Tamanduateí  no  começo  do  século  XX  até  a  canalização dos rios Tietê e Pinheiros e abertura das vias marginais, na segunda metade do  século,  a  partir  de  1950,  o  que  se  observa  é  a  transformação  dos  fundos  de  vale  em  um  sistema articulado de transportes e drenagem:  A  urbanização  de  São  Paulo  dá‐se  sobre  um  sítio  caracterizado  pela  compartimentação  marcada  por  colinas  e  fundos  de  vales.  Estas  compartimentação apresenta‐se tanto na escala macro onde os rios Tietê,  Pinheiros e Tamanduateí definem os grandes compartimentos, quanto nas  escalas menores em que os córregos, hierarquicamente, vão compondo um  sistema  intrincado  de  colinas  e  fundos  de  vale.  [...]  No  entanto,  com  a  política municipal de canalização dos córregos e utilização dos leitos para a  implantação  do  sistema  viário,  a  ocupação  do  sítio  urbano  deu‐se  sem  a  diferenciação  dos  compartimentos  com  a  decorrente  impermeabilização  exacerbada  do  solo  e  a  modificação  de  todo  o  sistema  de  drenagem.  As  intervenções  no  sistema  de  drenagem  sem  uma  solução  global  integrada  resultaram  no  agravamento  das  enchentes  que  se  disseminam  em  toda  área urbana. (SÃO PAULO, 1984, p. 6). 

O  diagnóstico  realizado  pelo  Programa  contemplava  toda  a  microbacia,  porém,  curiosamente, somente sua área de foz, ou seja, a sub‐bacia do Córrego Tiquatira foi objeto  115   

de  análise  e  intervenção,  sendo  que  os  córregos  que  constituem  suas  duas  nascentes  –  Franquinho e Ponte Rasa, não foram objeto de nota.  Essa  dicotomia  entre  as  três  áreas  da  microbacia  perdura  até  a  atualidade,  uma  vez  que esse primeiro conjunto de intervenções veio a se configurar como exemplo notório em  termos  de  articulação  entre  obras  de  infraestrutura  e  as  chamadas  Áreas  de  Proteção  Permanente37.  Este  parâmetro  definiu  que  áreas  de  mananciais  e  compartimentos  específicos  de  coberturas  vegetais  deveriam  ser  objeto  de  preservação  e  restritivas  com  relação  à  ocupação  urbana,  entre  elas  as  orlas  ribeirinhas,  que  deveriam  ter  uma  faixa  mínima não edificada e predominantemente permeável entre 15 e 40 metros para cada lado  eixo  principal  do  rio,  ou  seja,  a  linha  de  talvegue.  Desse  modo,  a  intervenção  do  Tiquatira  resguardou um mínimo de proporção entre leito viário, uma média de 50 metros de espaços  públicos  e  áreas  de  drenagem,  no  conjunto  da  ocupação  desse  fundo  de  vale.  Segundo  o  projeto piloto, tais ações seriam factíveis de implantação em outras áreas similares:  Se analisadas as propostas de intervenção efetuadas para o Fundo de Vale  do  Tiquatira,  pode‐se  concluir  que  também  se  viabilizam  ao  serem  implementadas em outros locais, mesmo que em córregos de menor porte  e  que  não  apresentam  níveis  de  enchente  tão  críticos.  Aliás,  isso  seria  recomendável,  uma  vez  que  esta  iniciativa  revestir‐se‐ia  também  de  um  caráter preventivo. (SÃO PAULO, 1984, p. 5). 

Atualmente, existe uma concordância quanto à defasagem que havia entre a legislação  proposta  para  as  áreas  de  preservação  e  a  realidade:  na  década  de  1980,  uma  parcela  considerável  das  margens  dos  cursos  d’água  já  se  encontrava  ocupada  por  assentamentos  precários, habitados por populações de baixa ou nenhuma renda. Em 1984, só na microbacia  do Tiquatira, nove áreas foram mapeadas como sendo favelas ou invasões:  Outro fator que compromete as áreas de fundo de vale no Município são as  invasões  por  favelas,  com  a  decorrente  problemática  urbana,  desde  as  condições  precárias  de  habitação  até  o  impedimento  da  limpeza  dos  córregos com o agravamento dos pontos de enchente. (SÃO PAULO, 1984,  p. 6). 

Desse  modo,  é  possível  perceber  que  o  que  estava  implícito  no  modus  operandi  do  projeto  piloto  Tiquatira  era  um  melhor  aproveitamento  e  otimização  da  área  do  fundo  de  vale  da  sub‐bacia,  definida  a  partir  de  quatro  demandas:  1)  saneamento  do  Córrego                                                               37   Marco regulatório instituído, primeiramente, a partir da Lei Federal 4.771/ 1965, o então Código  Florestal.   116   

Tiquatira,  com  a  instalação  de  coletores  troncos  de  esgoto  em  função  da  sua  compartimentação  e  retificação;  2)  melhor  controle  da  drenagem  dos  períodos  de  cheia,  devido à precipitação de águas pluviais; 3) a remoção de parte da população assentada nas  planícies aluviais, definidas como áreas de risco por conta das cheias do rio; 4) implantação  de  leito  carroçável,  ligando  uma  via  estrutural  da  metrópole,  a  marginal  Tietê,  com  outra  importante  via  de  ligação  regional,  a  Avenida  São  Miguel,  antigo  caminho  dos  tropeiros.  É  nesse  contexto  que  se  dá  uma  das  apresentações  públicas  do  projeto,  conforme  afirma  Marques (1988, p. 10‐11):  A  atenção  para  o  Tiquatira  nasceu  na  gestão  do  prefeito  Mário  Covas.  Na  época,  a  Secretaria  de  Vias  Públicas  pretendia  manter  o  córrego  no  leito  existente, com pequenas correções, aumentando o canal, mantendo‐o livre  e deixando que inundasse as margens (desapropriadas), para que o fluxo do  Tietê fosse retardado. [...] Porém, diante da preocupação com invasões na  área  desapropriada,  foi  recomendado  aos  projetistas  que  as  vias  encostassem  ao  máximo  nas  áreas  lindeiras.  A  área  interna,  perto  do  córrego, ficaria aos cuidados de associações de bairro. Essas diretrizes eram  comuns  às  Secretarias  de  Vias  Públicas  e  de  Planejamento,  controladoras  dos projetos. No desenrolar dos estudos, a SABESP entrou em contato com  as  secretarias  solicitando  que  o  córrego  fosse  canalizado,  adequando  o  projeto  à  instalação  de  coletores  de  esgoto  ao  longo  da  via.  Além  disso,  previa‐se que, caso não fosse canalizado, o córrego poderia transformar‐se  em depósito de objetos por parte da população ribeirinha, o que implicaria  em  desassoreamentos  periódicos.  Decidiu‐se  então,  já  na  atual  administração,  canalizá‐lo  e  construir  duas  vias  expressas  de  3  km  de  extensão, com três faixas de três metros cada uma. 

Conforme  se  nota,  a  questão  da  canalização  do  córrego  foi  uma  prerrogativa,  assim  como  a  construção  das  vias  de  leito  carroçável,  no  sentido  de  equacionar  as  demandas  identificadas.  Também  se  ouviu  do  arquiteto  Sérgio  Teperman,  responsável  pelo  projeto  urbanístico encomendado pela SEMPLA, em visita e entrevista realizada no começo de 2015  38

, que a implantação do parque se deu nesse meio fio entre a canalização do córrego e a 

abertura  de  vias  de  fundo  de  vale39.  Deve  se  ressaltar  essa  questão  frente  ao  desenho  urbano  do  Parque  Tiquatira,  a  fim  de  entender  a  sua  especificidade  (Figura  3.21).  Na                                                               38  Atividade realizada pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas: Design, Arquitetura, Planejamento e  Paisagem.  39  Vale ressaltar que a canalização da foz do Tiquatira, no trecho de encontro com o Rio Tietê até a  altura da Avenida Gabriela Mistral, que implicou também na obra do antigo Viaduto General Milton  Tavares de Souza, hoje Ponte Domingos Franciulli Netto, bem como o Viaduto Cangaíba, constituíram  um  conjunto  de  obras  preliminares,  uma  vez  que  o  Viaduto  Cangaíba  foi  construído  em  1981  e  o  então Viaduto Domingos já se encontra em obras em 1984.  117   

atualidade, não se encontra exemplo similar de tal prática no tratamento dos fundos de vale,  tanto no município de São Paulo como noutros da metrópole, pois nenhuma intervenção se  igualou a essa em extensão linear.  O  Parque  Tiquatira  destacou‐se  como  um  novo  equipamento  para  a  cidade,  que  propiciou  uma  área  maior  de  espaço  público,  ao  mesmo  tempo  em  que  garantiu  uma  configuração  preventiva  quanto  à  drenagem  e  ao  saneamento  dessa  área  de  várzea.  Inversamente, a cidade, assumindo um aspecto regional, condiciona a localidade do Parque,  priorizando  um  sistema  de  transportes  orientados  para  um  aumento  do  leito  carroçável  e  maior  vazão  de  automóveis  (Figura  3.22),  conforme  afirma  Marques  (1988,  p.  12):  “Os  diversos  setores  que  compõem  o  parque  resultaram  dos  trechos  em  que  a  área  foi  seccionada  pelo  plano  viário,  correspondendo  às  quadras  que  foram  criadas  pelas  intersecções entre as vias marginais”.  Atualmente,  o  Parque  do  Tiquatira  é  o  principal  elemento  de  interface  entre  os  distritos da Penha e Cangaíba, uma vez que está instalado em todo o eixo de fundo de vale  que  conjuga  ambas  as  colinas.  Porém,  ainda  que  possua  características  adequadas  à  uma  obra  de  fundo  de  vale,  mantendo  uma  faixa  exclusiva  predominantemente  permeável  e  contando com densa vegetação40, apresenta a problemática de ter o conjunto da sua área  subordinado  às  exigências  de  continuidade  de  um  traçado  urbano  que  priorizou  o  leito  carroçável,  ocasionando  fragmentação  do  espaço  público  como  um  todo,  uma  vez  que  segmenta o parque em várias parcelas.   

                                                             40  Ironicamente, a iniciativa para o plantio e manutenção das 17.685 árvores, que hoje compõem a  flora  do  parque,  não  partiram  de  iniciativa  do  poder  público,  mas  privado.  Disponível  em  . Acesso 14 dezembro 2015.  118   

  Figura 3.21 – Projeto de urbanização do fundo de vale do Córrego Tiquatira  Fonte: Tiquatira Sempla, 1984 

119   

  Figura 3.22 – Parque Tiquatira e Avenida Governador Carvalho Pinto, 2015  Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas 

  3.4. SITUAÇÃO ATUAL DA MICROBACIA DO TIQUATIRA     O uso dos espaços públicos residuais deixados pelos projetos viários, principalmente  as cabeceiras de pontes, não é incomum na paisagem urbana das metrópoles brasileiras. Do  Viaduto  Cangaíba  até  a  foz  do  Córrego  Tiquatira  no  encontro  com  o  Rio  Tietê,  as  oito  situações de assentamento precário constituem uma visão cotidiana e mesmo banal (Figura  3.23).  Por  tratar‐se  de  trecho  em  desnível  pronunciado,  o  viaduto,  que  vence  o  vale  do  Córrego  Tiquatira,  também  deixou  grandes  espaços  residuais  em  sua  parte  inferior.  Construído  pela  Prefeitura  de  São  Paulo  a  partir  de  projeto  de  1977,  teve  suas  obras  concluídas em 1980 (Figura 3.24). Note‐se que as favelas que se localizam em seus baixios e  suas  áreas  laterais,  conhecidas  pelos  nomes  de  Bueru,  Jaú  e  Jahú‐Cangaíba  (Figura  3.23,  respectivamente  áreas  1,  2  e  4),  consolidam‐se  nos  dois  anos  posteriores  à  conclusão  das  obras, em 1982  41. A relação física entre favela e viaduto é de sobreposição: infraestrutura  ora é teto, ora parede, ora chão, ora toda “casa” ou, simplesmente, “abrigo” (Figura 3.25). 

                                                             41  Atualmente o conjunto consiste nas áreas 1 a 5 com cerca de 1.285 domicílios e ocupa uma área  de cerca de 40.000 m².  120   

  42

Figura 3.23 – Oito situações de assentamentos precários entre o Viaduto Cangaíba e a foz do Tiquatira   Fonte: elaborado pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas, 2015   

Situação similar é a da gleba Kampala (Figura 3.23, área 8), que se localiza no encontro  da  linha  ferroviária  da  CPTM  com  os  viadutos  Domingos  Franciulli  Netto  e  General  Milton  Taveira de Souza, ocupada de modo intermitente por favelas desde 2008. A área pertence à  Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – CDHU, e abrigou parte da Favela  Tiquatira entre 2008 e 2010 (Figura 3.26). Essa favela ocupava, além de uma faixa da gleba  Kampala,  também  a  margem  do  Córrego  Tiquatira,  até  o  Rio  Tietê,  bem  como  uma  área  adjacente ao norte43. De modo geral, a situação do conjunto de assentamentos precários na  foz  do  Tiquatira  é  uma  justa  expressão  do  enorme  déficit  habitacional  que  atinge  o  município de São Paulo e o Brasil44.                                                               42  A Favela a Bueru (área 1), data de 1982 e tem aproximadamente 700 domicílios; a Jaú (área 2), de  1987, possui 300 domicílios registrados; a Jahú‐Cangaíba (área 4), também de 1987, 150; a Paratigi,  data de 1975 e tem 40 domicílios (área 6);  Gabriela  Mistral data  de 1989 e hoje tem cerca  de 170  domicílios  (área  7).  Demais  áreas  constam  no  corpo  do  texto.  As  oito  áreas  totalizam  então  1360  domicílios  instalados.  Dados  obtidos  pelo  grupo  de  pesquisa  Questões  Urbanas  na  Secretaria  de  Habitação do Município de São Paulo – SEHAB, 2015.  43   Em  abril  de  2010,  a  CDHU  identificou  506  edificações  e  cadastrou  528  famílias  que,  durante  os  meses  de  maio  a  dezembro  desse  ano,  foram  removidas.  Atualmente  487  delas  recebem  auxílio  moradia (aluguel social), enquanto aguardam o atendimento habitacional definitivo na própria área.  No  entanto,  em  maio  de  2014,  a  área  volta  a  ser  ocupada  e  hoje  cerca  de  600  (outras)  famílias  moram  no  local.  A  nova  favela  chama‐se  Kampala  –  também  conhecida  como  “Amassa‐sapo”  e  ocupa  a  totalidade  da  gleba  pertencente  à  CDHU,  que  solicitou  reintegração  de  posse  e  aguarda  a  respectiva decisão judicial.  44   O  déficit  habitacional  do  município  de  São  Paulo  é  de  cerca  de  600  mil  unidades,  e  o  da  Região  Metropolitana por volta de 800 mil unidades, segundo dados da Fundação João Pinheiro. Disponível  em:  . Acesso: 24 janeiro 2016.  121   

  Figura 3.24 – Viaduto Cangaíba, 1986  Fonte: Acervo Museu da Cidade de São Paulo, foto de Israel dos Santos Marques   

  Figura 3.25 – Viaduto Cangaíba, 2015  Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas 

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  Figura 3.26 – Vista da extinta Favela Tiquatira, 2010  Fonte: CDHU   

O  Córrego  do  Franquinho,  por  sua  vez,  foi  objeto  do  Programa  de  Canalização  de  Córregos,  Implantação  de  Vias  e  Recuperação  Ambiental  e  Social  de  Fundos  de  Vale  –  PROCAV  II,  lançado  pela  Prefeitura  em  1994.  As  obras,  iniciadas  em  1995,  só  foram  completadas  em  2006,  decorrendo  um  processo  moroso  até  à  sua  consecução.  A  Avenida  Calim Eid, que segue junto ao Córrego do Franquinho, encontra, na sua ponta mais ao leste,  o  Túnel  Águia  de  Haia,  que  permite  a  transposição  da  linha  férrea,  conectando‐a  com  a  Radial Leste, e também o Viaduto Milton Leão, que transpõe a Radial, conectando a Avenida  Calim Eid à Avenida Itaquera.  Este córrego pode ser definido como o “Tiquatira preterido”, em contraste ao Tiquatira  oficial,  uma  vez  que,  tendo  sido  objeto  de  projeto  equivalente  no  que  diz  respeito  ao  tratamento de fundo de vale, pode se considerar que foi obra entregue à cidade de forma  deficitária.  As  chamadas  faixas  exclusivas  de  preservação  permanente  junto  à  orla  do  rio  foram  desconsideradas,  sendo  que  em  alguns  setores  a  infraestrutura  viária  corre  junto  à  seção de concreto, sendo suprimida do leito carroçável até mesmo a calçada (Figura 3.27). 

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  Figura 3.27 ‐ Avenida Calim Eid e Córrego do Franquinho  Fonte: Google Street View   

O  Córrego  Ponte  Rasa,  desde  sua  nascente,  paralelo  à  Avenida  Águia  de  Haia,  segue  por  entre  fundos  de  lote  e  frentes  de  rua,  cruza  a  Avenida  São  Miguel  na  metade  do  seu  traçado, e apresenta um desnível de 4 a 5 metros na sua foz de encontro com o Tiquatira.  Ainda  que  boa  parte  do  seu  traçado  guarde  as  linhas  originais  do  sítio  precedente,  várias  obras pontuais de infraestrutura foram realizadas em diversos dos seus trechos. Porém não  configuram  monta  frente  ao  desenho  descontínuo  e  fragmentado  que  define  esse  curso  d’água  como  um  todo.  Atualmente,  pode‐se  afirmar  que  o  tratamento  dado  a  esse  curso  d’água e suas áreas de margem é de descaso, indiferença e banalização (Figuras 3.28 e 3.29). 

  Figura 3.28 ‐ Córrego Ponte Rasa, 2015  Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas 

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  Figura 3.29 ‐ Avenida Pedra Preta e Córrego Ponte Rasa, 2015  Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas 

 

No  contexto  da  microbacia  hidrográfica  do  Tiquatira,  o  Córrego  Ponte  Rasa  é  o  que  demonstra caráter mais inusitado e peculiar com relação aos outros dois cursos d’água, por  ainda não ter sido objeto de obra de infraestrutura determinante, que tenha reconfigurado  seu traçado como um todo, como ocorreu nos casos do Franquinho e Tiquatira. Doravante,  as  orlas  desse  curso  d’água  apresentam  uma  série  de  situações  urbanas  peculiares  e  específicas,  fruto  de  uma  ocupação  deliberada  e  desigual.  Em  vários  pontos  do  traçado  desse  curso  d’água  constam  assentamentos  precários  ou  irregulares,  o  que  define  uma  problemática já conhecida.    3.5. TRANSFORMAÇÃO URBANA DA MICROBACIA DO TIQUATIRA: CONSIDERAÇÕES    Os  fundos  de  vale  da  microbacia  hidrográfica  do  Tiquatira  seguem  uma  prerrogativa  que determinou o crescimento da cidade de São Paulo como um todo, e que teve por escala  máxima  construção  da  Marginal  Tietê,  obra  que,  subsequentemente,  desdobrou‐se  em  padrão de intervenção para os principais afluentes desse rio. Tal padrão, de aproveitamento  máximo  das  áreas  de  várzea,  modificou  sua  condição  hidrográfica  em  prol  de  uma  funcionalidade da baixa declividade do relevo, a fim de sua utilização em função das baixas  taxas  de  inclinação  dessas  áreas  para  implantação  de  infraestruturas  ferroviárias  e  viárias.  125   

Nesse  contexto,  os  principais  cursos  d’água  da  microbacia,  convertidos  em  infraestruturas  de  fundo  de  vale,  se  articulam  a  outras  obras  complementares,  de  transposição  –  pontes,  túneis e viadutos, compondo o quadro de obras nos principais cursos d’água de microbacia  do Tiquatira (Quadro 3.2). 

  Quadro 3.2 – Obras de infraestrutura nos principais cursos d’água da microbacia do Tiquatira  Fonte: elaborado pelo autor   

Assim,  a  microbacia  urbana  do  Tiquatira  segue,  majoritariamente,  o  padrão  de  retificação e canalização de cursos d’água, preterindo suas características originais em prol  de  um  máximo  aproveitamento  do  solo  urbano  e  da  factibilidade  de  instalação  de  infraestruturas viárias em função das condições do relevo. Contudo, ainda que similares, as  expressões desse modo comum de se fazer cidade e de se intervir nos fundos de  vale são  diversas  e  peculiares.  Neste  sentido,  o  próximo  capítulo  fará  uma  discussão  sobre  as  similaridades e diferenças das várias situações que compõem a interface entre hidrografia e  infraestruturas urbanas na microbacia do Tiquatira. 

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4. MICROBACIA URBANA DO TIQUATIRA: EVIDENCIANDO CONFLITOS   

 

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                  Este  capítulo  discute  a  interface  da  microbacia  hidrográfica  do  Córrego  Tiquatira  convertida em sítio urbano, analisa quais são os conflitos resultantes dessa transformação, e  como o conjunto desses conflitos se expressa como condição urbana da microbacia. Se em  1930  essa  área  era  basicamente  um  núcleo  rural,  em  2015  encontra‐se  inserida  numa  complexa  rede  de  infraestruturas  metropolitanas.  Antes,  o  que  havia  era  uma  convivência  entre  sítio  precedente  e  os  compartimentos  urbanos  circundantes,  e  o  atributo  intrínseco  dos  fundos  de  vale,  bem  como  dos  anfiteatros  de  nascentes,  era  sua  destinação  exclusiva  aos cursos d’água que neles residiam. Porém, atualmente, grande parte dos rios foi relegada  à invisibilidade, e no seu lugar o que se avista são ruas, avenidas e viadutos, implicando uma  descaracterização completa do sítio precedente.  Todavia, ainda que invisível, a questão da memória do sítio, no caso da cidade de São  Paulo,  ou  seja,  a  história  do  assentamento  urbano  sobre  a  bacia  hidrográfica  do  sítio  precedente, se revela oportuna e problemática. Oportuna, pois o sítio de São Paulo, mar de  morros,  como  definiu  Ab’Saber  (1957)  apresenta  uma  rica  constituição  hidrográfica  e  de  relevo,  fruto  de  um  processo  geológico  longínquo  e  ancestral.  Problemática,  devido  a  um  fator de ocupação urbana, ao mesmo tempo acelerado e desenfreado, que consistiu de um  aproveitamento máximo da capacidade de suporte desse mesmo sítio, aumentando a área  útil do solo urbano e modificando radicalmente sua constituição original. É nesse contexto  128   

que se dará a análise da microbacia do Tiquatira em função do tecido urbano da região da  Penha.  A  primeira  parte  deste  capítulo  caracteriza  as  três  escalas  de  inserção  do  tecido  urbano. Uma escala macro, metropolitana, que é configurada por infraestruturas de caráter  regional, como vias de ligação rodoviária, ferroviária e de suprimento elétrico. Uma escala  intermediária,  da  microbacia  hidrográfica,  que  revela  os  atributos  intrínsecos  do  sítio  precedente ao qual o tecido urbano se acopla. E uma escala micro, dos pequenos estratos de  tecido,  que  guardam  particularidades  e  minúcias  locais.  Junto  com  uma  noção  de  tempo,  essa  caracterização  parte  dos  conceitos  de  complexidade  e  fragmentação  como  pressupostos  a  serem  esclarecidos  para  a  compreensão  da  multiplicidade  de  escalas  e  tempos do tecido urbano.  A  segunda  parte  do  capítulo  descreve  o  processo  metodológico  elaborado  para  a  análise  do  tecido  urbano  a  partir  da  sua  decomposição  sistêmica  em  relevo,  hidrografia  e  traçado urbano, bem como a demarcação de uma série temporal mínima, 1930 e 2015. Com  base  nesses  pressupostos,  foi  realizada  uma  produção  cartográfica  baseada  em  cinco  procedimentos  gráficos:  subtração,  adição,  raio‐x,  tabulação  e  rastreamento.  Tal  produção  revela  a  transformação  do  tecido  urbano,  das  suas  quantidades  e  qualidades,  e  permite  identificar uma série de conflitos entre hidrografia, relevo e infraestruturas urbanas, e que  definem  propriamente  a  problemática  de  uma  microbacia  urbana.  Finalmente,  a  terceira  parte  do  capítulo  discute  os  conflitos  elencados  pelo  método  de  análise  e,  na  sequência,  apresenta os resultados obtidos.    4.1. COMPLEXIDADE E FRAGMENTAÇÃO NAS ESCALAS E TEMPO DO TECIDO URBANO   Na  cidade  contemporânea,  ações  cotidianas  como  morar  e  se  locomover,  ir  ao  trabalho ou voltar de um passeio, constituem, na sua totalidade, uma densa e extensa rede  de  fluxos  os  mais  diversos.  Essa  rede  torna‐se  possível  a  partir  de  um  conjunto  de  infraestruturas  instalado  previamente,  e  pode  ser  caracterizada  por  uma  tripla  condição:  alternativas de deslocamento, transposição de obstáculos, e várias opções de caminho para  129   

um mesmo destino, e mesmo entre vários destinos. Portanto, andar a pé em um bairro ou  entre  bairros,  dirigir  um  carro,  utilizar  um  ônibus  ou  trem,  atravessar  uma  passarela,  uma  ponte  ou  um  viaduto,  são  atividades  que  se  realizam  em  função  das  infraestruturas  disponíveis.  Tal rede de infraestruturas urbanas responde condicionalmente a um sítio precedente,  ao qual se instala mediante uma série de possibilidades e restrições, que variam ao longo do  tempo. O sítio precedente ou original em questão, constituído de relevo e hidrografia, pode  ser  caracterizado  como  geográfico,  no  qual  as  ações  humanas  são  indiferentes  à  sua  constituição ou, antes, que ainda não se modificou determinantemente pela ação humana.  Assim, os atributos originais desse sítio condicionarão a transformação do tecido urbano: o  relevo, com sua superfície contínua, ondulando entre níveis altos e baixos de altimetria; e a  hidrografia,  fios  d’água  capilares  que  nascem  nos  ponto  altos  do  relevo  e  sempre  seguem  abaixo,  acumulando  em  cursos  maiores,  sendo  como  que  o  negativo  do  relevo,  uma  radiografia  das  suas  cavidades,  sejam  essas  encostas  de  colinas  ou  vales.  No  caso  de  São  Paulo, um desenho chamado de “espinha de peixe”.  A  rede  de  infraestruturas  urbanas  articula‐se  por  elementos  de  transposição  viária  e  hidrográfica,  no  caso  pontes,  túneis  e  viadutos,  artefatos  técnicos estes  que  possibilitam  a  formação  de  um  sistema  minimamente  coeso,  ramificado  e  aberto  de  entrada  e  saída  de  fluxos.  Essas  obras  de  arte  de  engenharia  talvez  sejam  o  primeiro  indício  de  uma  escala  metropolitana das infraestruturas urbanas, uma vez que conjugam a superação do obstáculo  físico,  seja  um  rio,  seja  um  entre  morros,  viabilizando  a  conexão  entre  duas  localidades.  Além disso, as próprias vias de fundo de vale, tornadas objeto de infraestruturas ao mesmo  tempo viárias e de drenagem, condicionam a hidrografia a esse sistema de fluxos, na maior  parte das vezes diminuindo drasticamente a permeabilidade do solo e procedendo por um  estreitamento máximo do traçado.  Porém, a continuidade ininterrupta de fluxos da rede metropolitana se dá à custa de  uma série de interrupções locais, mais ou menos abruptas, criando mesmo novas barreiras e  obstáculos, os quais se fazem sentir, principalmente, nos deslocamentos de pedestres. Essa  dicotomia entre impactos provocados por infraestruturas que foram implantadas em função  apenas  da  escala  metropolitana  pode  ser  entendida  como  uma  limitação  ou  insuficiência  130   

projetual.  Todo  modo,  implica  um  processo  de  fragmentação  do  território  e  mesmo  uma  irredutível  complexidade.  A  estes  últimos  dois  termos  cabe,  porém,  certo  cuidado.  Para  Indovina (2004, p. 20):  Na  medida  em  que  os  fenômenos  territoriais  estão  em  causa,  é  extremamente importante olhar para a escala: por um lado, na base, está o  ‘fragmento’. Esta é uma extrema simplificação (a qual pode ser consciente  ou não): o assunto que está sendo analisado pode ser autônomo ou mesmo  misterioso,  como  pequenos  achados  arqueológicos  de  uma  civilização  desconhecida. Neste caso o objeto encontrado não pode ser reconhecido e  interpretado  corretamente  porque  não  pode  ser  relacionado  com  o  seu  contexto  mais  amplo.  Por  outro  lado,  no  topo  da  escala  nós  encontramos  ‘complexidade’,  um  conceito  que  não  pode  legitimar  a  existência  de  algo  desconhecido  e  tenciona  a  necessidade  para  uma  análise  aprofundada.  Tudo é um fragmento, mas nem tudo pode ser fragmentado. O fragmento é  assim  porque  é  parte  de  um  todo;  se  tudo  é  um  fragmento,  nada  é  um  fragmento. Complexidade não é caos: é uma ordem de múltiplas conexões  e  relações.  A  fim  de  entendê‐las,  suas  funções  e  causas,  é  necessário  entender processos, dinâmicas e especificações. 

As  várias  causas  que  se  sobrepõem  quando  de  uma  constituição  específica  de  um  tecido urbano são, portanto, fruto de uma diversidade de situações, que ocorrem tanto na  escala metropolitana quanto na escala local. Nas palavras de Coelho (2014, p. 13‐15):  O  estado  de  um  tecido  num  fragmento  de  tempo  é  tanto  o  resultado  de  idéias e materializações intencionais como de acontecimentos involuntários  e pré‐existências históricas e geográficas. Uma colina, um rei, um terremoto  ou  um  regulamento  desenham  a  forma  da  cidade,  mas  também  as  banais  operações  do  dia‐a‐dia,  como  a  simples  construção  de  um  telheiro  que  avança  sobre  a  rua  ou  a  mais  insignificante  parcela  paralisada  por  uma  disputa  de  propriedade.  [...]  Se  a  cidade  contêm  muitos  tempos  simultaneamente, há que perceber como estes se expressam. Esta questão  está  ligada  a  própria  natureza  do  tecido  e  à  sua  constituição.  Qualquer  fragmento urbano é composto por distintas parcelas privadas, para além da  parcela  que  as  estrutura  e  que  constitui,  na  cidade  ocidental,  o  espaço  público. 

É  o  espaço  público,  portanto,  que  estrutura  o  tecido  urbano  e  conecta  suas  várias  parcelas,  decompondo‐se  em  espaços  de  circulação  e  permanência,  definidos  pelos  diferentes  tipos  de  traçado  de  infraestruturas  e  parcelário  decorrente.  No  tecido  urbano,  essa  categoria  de  espaço  pode  ser  decomposta,  basicamente,  entre  leito  carroçável,  calçamento e o conjunto de parcelas destinadas à ocupação pública, como praças e parques.  Na  interface  entre  esses  dois  componentes  é  possível  perceber  uma  espécie  de  espaço  intermediário, que permite uma observação pormenorizada dos conflitos existentes entre o  131   

sítio precedente e os pequenos estratos de tecido local, e entre esse tecidos locais e a rede  de infraestruturas metropolitanas.  O  espaço  intermediário,  que  se  dá  enquanto  interface  entre  o  leito  carroçável  e  parcelas  públicas,  pode  ser  caracterizado  a  partir  de  aspectos  observáveis  na  sua  dupla  natureza, que propicia o trânsito, seja de automóveis, seja de pedestres, e que permite ao  mesmo  tempo  permanência.  Assim,  haveria  caráter  ora  intersticial,  que  costura  diferentes  partes do tecido urbano e está adequado à escala tanto de trânsito quanto de permanência  do pedestre, e um caráter ora residual, na qual tanto o trânsito quanto a permanência do  pedestre se dá de maneira conflituosa e problemática. Nesse sentido, o componente traçado  urbano,  relevante  para  o  estudo  da  interface  entre  infraestruturas  e  hidrografia,  expressa  uma  natureza  ao  mesmo  tempo  oposta  e  complementar,  e  implica  um  aspecto  regional  e  local  ao  mesmo  tempo,  conforme  a  escala  de  tecido  analisada.  Segundo  Coelho  (2014,  p.  13):  Uma  rua  ou  uma  praça,  ainda  que  numa  abordagem  analítica  possam  constituir  um  espaço  uno  e  coerente,  só  podem  ser  verdadeiramente  entendidos  enquanto  espaços  dependentes  do  edificado  que  o  define.  Na  mesma  ordem  das  idéias,  um  quarteirão,  como  espaço  de  agregação  de  espaços  privados,  livres  e  construídos,  também  só  pode  ser  verdadeiramente  entendido  a  partir  dos  limites  rigorosos  impostos  pelo  espaço  público,  quaisquer  que  sejam  os  elementos  urbanos  que  o  configurem. 

Fruto  da  decomposição  do  tecido  urbano,  o  traçado  contêm  dois  tipos  de  eixos:  longitudinais,  designando  espaços  regionais  e  de  alcance  metropolitano;  e  transversais,  definidos por espaços locais. Tais eixos configuram as duas escalas de tecido urbano, macro  e  micro,  e  tem  por  figuras  conceituais,  respectivamente,  a  metrópole  como  um  todo  e  a  diversidade  das  localidades  urbanas  como  parte  mínima.  Entre  essas  duas  figuras,  a  microbacia hidrográfica funciona como escala intermediária ou de interface, e propicia, por  sua configuração física e geomorfológica, um limite que permite o recorte de uma medida  territorial  objetiva.  Configura‐se  assim,  para  um  mesmo  tecido,  uma  escala  de  urdidura,  sobreposta  verticalmente  e  longitudinal,  uma  escala  de  trama,  transversal  e  justaposta  horizontalmente, e uma escala da microbacia hidrográfica, que intercepta as duas primeiras  e as unifica. 

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A  análise  do  sítio  geográfico  precedente  também  se  demonstra  fundamental  para  a  questão  da  temporalidade  do  tecido  urbano,  uma  vez  que  condiciona  as  escolhas  de  assentamento e determina, doravante, sua posterior transformação. A década de 1930, seja  para a região da Penha seja para o conjunto da metrópole de São Paulo, apresenta‐se como  emblemática  frente  às  escolhas  de  expansão  urbana  e  desenvolvimento  metropolitano,  onde  o  modelo  rodoviarista  e  o  axioma  da  indústria  automobilística  se  impuseram  como  parâmetros definitivos e correspondem à atual estruturação do traçado urbano.    4.2. MÉTODO DE ANÁLISE DA MICROBACIA DO TIQUATIRA   Com  o  propósito  de  identificar  os  conflitos  da  microbacia  hidrográfica  do  Tiquatira  e  suas  diversas  escalas,  a  análise  do  objeto  de  estudo  será  apresentada  com  base  em  um  método  que  teve  como  instrumento  fundamental  a  representação  gráfica  do  sítio  urbano.  Esta  define,  geométrica  e  geograficamente,  os  limites  e  perímetros  que  condicionam  o  conjunto o sítio enquanto microbacia hidrográfica modificada por infraestruturas. De modo  que  existe  todo  um  manancial  de  questões  possíveis  relevantes  à  investigação  e  pesquisa  acadêmica,  e  que  podem  ser  realizadas  mediante  diferentes  enfoques.  Mesmo  os  autores  citados  como  referência  para  enfoque  aqui  realizado  (FRANCO,  2005,  NAVARRO,  2009,  SANTOS,  2012,  SCHUTZER,  2012a,  ANASTACIA  2013,  COELHO,  2013,  FERNANDES,  2013)  apresentam  métodos  bem  distintos  de  análise  dos  seus  objetos,  ainda  que  possam  se  observar similaridades em seus procedimentos, em especial a ênfase nos atributos do sítio  precedente como determinantes na constituição do tecido urbano.  Neste  sentido,  o  estudo  da  microbacia  hidrográfica  do  córrego  Tiquatira  a  partir  do  tecido  urbano  oferece  a  possibilidade  de  caracterizar  essa  localidade  por  uma  ótica  nova.  Parte‐se  do  pressuposto  de  que  o  relevo  e  a  hidrografia  atuam  como  elementos  determinantes  e  diretamente  articulados  com  as  diversas  etapas  de  ocupação  do  solo  e  implantação  das  infraestruturas  que  definem  esse  mesmo  tecido.  Inversamente,  tais  elementos serão objetos de intervenção a fim de multiplicar essas mesmas infraestruturas, e 

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terão suas características e aspecto precedentes radicalmente modificados. Demonstrar essa  dualidade, e ao mesmo tempo, dicotomia, é o objetivo da análise que se segue.  A segmentação do tecido urbano em estratos menores e a sua decomposição a partir  do traçado permitem identificar como os tecidos homogêneos ou locais se conjugam com as  infraestruturas  de  caráter  regional  e  metropolitano.  Para  tanto,  foi  criada  uma  matriz  analítica  (Quadro  4.1)  que  pretende  esboçar  o  processo  metodológico  de  segmentação  e  decomposição  do  tecido  urbano  da  microbacia  hidrográfica  do  córrego  Tiquatira  na  região  da  Penha.  Nessa  matriz,  os  elementos  ou  camadas  em  destaque  constituem  categorias  de  análise  que  permitem  a  identificação  do  conjunto  de  infraestruturas  determinantes,  e  possibilitam  assim  a  problematização  quanto  aos  seus  atributos  intrínsecos,  bem  como  situação  atual  e  potencialidades  futuras.  Nessa  matriz,  o  procedimento  de  decomposição  sistêmica apresentado no capítulo 1 foi utilizado como referência para elencar as categorias  de análise principais, a saber, o relevo – hipsometria e bacia hidrográfica, a hidrografia, as  infraestruturas  viárias,  de  transposição,  de  retificação  e  canalização  de  fundo  de  vale,  de  suprimento elétrico e ferroviária. 

  Quadro 4.1 – Matriz analítica para elaboração cartográfica  Fonte: Imagem produzida pelo autor   

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A  hidrografia  e  as  infraestruturas  viárias  foram  escolhidas  como  as  principais  categorias de análise, por se mostrarem as mais expressivas e corriqueiras na configuração  do  tecido,  seguindo‐se  à  rede  de  suprimento  elétrico  e  ferroviária.  Neste  estudo,  outras  infraestruturas  que  ocorrem  articuladas  às  mencionadas,  como  as  de  esgoto,  saneamento  básico  e  abastecimento  de  água,  não  foram  consideradas.  Essa  limitação,  todavia,  não  impede nem inviabiliza o processo metodológico. Antes, podem ser incorporadas a este em  um momento futuro.  A  análise  da  transformação  do  tecido  urbano  torna‐se  possível  a  partir  de  duas  cartografias  de  momentos  distintos,  mas  equivalentes  em  escala  e  representação,  e  possibilita  uma  periodização  da  sua  transformação.  O  levantamento  cartográfico  SARA  Brasil45, realizado no ano  de 1930, apresenta uma relevância documental significativa que,  devido  à  especificidade,  clareza  e  detalhamento  do  seu  desenho,  serve  como  referência  e  ponto  de  partida  para  uma  rica  análise  do  tecido  urbano  do  município  de  São  Paulo.  O  segundo  levantamento  cartográfico  referencial  escolhido  para  periodização,  que  irá  representar o momento atual, é o Mapa Digital da Cidade46, disponibilizado publicamente na  internet, em arquivos eletrônicos, pela Prefeitura do Município de São Paulo. Nesse estudo,  essas  duas  fontes  documentais  foram  chamadas  de  cartografia‐referência,  e  serviram  de  base para a produção cartográfica que integra o processo metodológico exposto.  Para  analisar  a  transformação  pela  qual  passou  a  microbacia  do  Tiquatira,  tendo  em  vista  seu  tecido  urbano,  foram  elaboradas  as  bases  cartográficas,  na  escala  1:  50.000  e  enquadramento para leitura no formato livro47. Essa escala de resolução foi escolhida como  adequada  tanto  por  agrupar  um  número  mínimo  de  infraestruturas  quanto  pela  possibilidade de revelarem detalhes e minúcias nas relações formais entre estes elementos.  A  produção  dessa  série  cartográfica  foi  elaborada  segundo  dois  procedimentos,  de  subtração, para a cartografia‐referência de 1930, e de adição, para a cartografia‐referência  de  2015.    Objetivou‐se  como  produto  uma  imagem  digital,  o  que  implicou  um  processo                                                               45   Foram  utilizadas  as  cópias  em  arquivo  digital  da  Biblioteca  da  Faculdade  de  Arquitetura  e  Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.  46   Disponível  em  .  Acesso em 26 setembro 2015.  47  No caso o papel A4 (21 x 29, 7 cm).  135   

cuidadoso  e  de  meticulosa  atenção.  Ainda,  deve‐se  frisar  o  processo  de  georreferenciamento48  de  ambas  as  cartografias,  guardadas  as  diferenças  técnicas  entre  épocas,  a  fim  de  destacar  um  rigor  de  representação  e  verossimilhança  almejado  neste  estudo.  O  procedimento  de  subtração  ocorre  tendo  como  base  a  cartografia‐referência  de  2015, uma imagem vetorial, enquanto que a cartografia de 1930 é constituída por imagens  matriciais  49. Por meio da digitalização dos vários mapas físicos do SARA Brasil, foi possível  sobrepor as duas cartografias e, desse modo, reproduzir as informações de 1930 em formato  vetorial (Figura 4.1). O resultado desse procedimento proporciona uma equivalência entre as  cartografias  de  1930  e  2015,  que  até  então  não  existia,  sendo  apenas  potencial,  e  que,  atualizada,  permite  uma  comparação  minimamente  objetiva  entre  os  dois  momentos  do  tecido urbano. 

  Figura 4.1 – Elaboração da base cartográfica de 1930 ‐ procedimento de subtração  Fonte: Imagem produzida pelo autor 

                                                             48  Georreferenciamento ou georreferenciação de uma imagem ou um mapa ou qualquer outra forma  de informação geográfica é tornar suas coordenadas conhecidas num dado sistema de referência.  49  Ambas as imagens, matricial e vetorial, fazem parte da Informática e dependem de programas de  computadores  para  sua  manipulação.  A  imagem  matricial,  do  inglês  raster,  é  a  representação  em  duas  dimensões  de  uma imagem a  partir  um  conjunto  finito  de  pontos  definidos  por  valores  numéricos, formando uma matriz matemática ou malha de pontos, onde cada ponto é um pixel. Já  a imagem vetorial consiste de entidades de desenho como retas, pontos, curvas polígonos simples,  etc. É possível mudar as dimensões de uma imagem vetorial sem perda de qualidade, já a definição  de uma imagem raster é comprometida com a ampliação.  136   

 

Já  o  procedimento  de  adição,  utilizado  para  a  produção  da  cartografia  de  2015,  foi  realizado  considerando  as  mesmas  premissas  de  sobreposição  entre  imagens  vetoriais  e  matriciais. Porém, inversamente, a necessidade desse procedimento se dá pela constatação  de insuficiência e desatualização da cartografia‐referência de 2015, uma vez que observou‐ se  a  ausência  ou  supressão  de  várias  informações  relevantes  para  a  análise  da  interface  entre infraestruturas e hidrografia. Foi utilizado o recurso de fotos aéreas do Google Earth,  no  caso  imagem  matriciais,  para  desenhar  os  elementos  ausentes  em  imagem  vetorial  (Figura 4.2). 

  Figura 4.2 – Elaboração da base cartográfica de 2015 ‐ procedimento de adição  Fonte: Imagem produzida pelo autor   

Dentre as tipologias destacadas na produção cartográfica, as infraestruturas viárias de  ligação  metropolitana  ou  regional  talvez  sejam  as  que  possuam  o  critério  mais  peculiar,  e  baseou‐se  mais  em  aspectos  comportamentais,  de  articulação  entre os  elementos,  do  que  como  objetos  isolados  (fragmentos).  Assim,  foram  escolhidas  –  compondo  a  mesma  rede  viária  de  infraestruturas  metropolitanas,  tanto  vias  expressas  ou  de  trânsito  rápido  e  arteriais  50,  como  marginal  Tietê,  a  Radial  Leste  e  a  Avenida  Governador  Carvalho  Pinto,                                                               50  Na definição da engenharia de tráfego: Código de Trânsito Brasileiro de 1997.  137   

quanto cumeeiras de colina e com alta concentração de atividades de comércio e serviços, e  também  as  vias  de  fundo  de  vale.  Além  disso,  algumas  vias  intermediárias,  de  encosta  de  colina,  que apresentam  um  caráter  estratégico  de  distribuição  dos  fluxos  e  ligação  com  os  eixos  principais,  também  foram  elencadas.  Tais  vias  se  revelaram  como  elementos  de  urdidura  da  rede  de  infraestruturas  metropolitanas,  tais  vias  vencem  as  declividades  das  encostas, atravessam as colinas e, consequentemente, a microbacia hidrográfica.   

A  série  cartográfica  apresentada  neste  capítulo  é  composta  por  seis  lâminas.  Na  Lâmina  1  (Figura  4.3),  apresenta‐se  o  sítio  geomorfológico  em  1930  –  com  hipsometria,  hidrografia e perímetro de microbacia hidrográfica, conforme reprodução a partir dos dados  dos mapas SARA Brasil. Nas Lâminas 2 e 3 (Figuras 4.4 e 4.5), o traçado urbano em 1930 e  2015,  demonstra  a  transformação  do  tecido  urbano,  destacando  o  conjunto  de  infraestruturas metropolitanas e locais, bem como a hidrografia.  Nas  Lâminas  4  e  5  (Figuras  4.6  e  4.7),  foi  realizado  outro  duplo  procedimento.  Primeiro,  um  “negativo”  ou  “raio‐x”,  tanto  da  hidrografia  em  1930,  quanto  das  infraestruturas  de  caráter  metropolitano  em  2015.  Segundo,  uma  marcação  ou  tabulação,  no sentido de evidenciar uma série de situações para análise. Na Lâmina 4, foram definidas  como objeto de análise todas as nascentes dos córregos Tiquatira (numeradas com a letra T),  Franquinho  (letra  F)  e  Ponte  Rasa  (letra  P).  Na  Lâmina  5,  foram  escolhidos  diversos  segmentos  da  rede  de  infraestruturas  metropolitanas  e  sua  interface  com  a  microbacia  hidrográfica.  Na  Lâmina  6  (Figura  4.8),  uma  foto  aérea  de  satélite,  imagem  ‐  matricial  ‐  genérica mancha urbana, sintetiza o estrato do tecido urbano escolhido para análise. Assim,  a série de lâminas ou bases cartográficas produzidas derivam do conjunto de procedimentos  utilizados  (Quadro  4.2),  sendo  que  os  procedimentos  de  abordagem  problemática  serão  expostos no item seguinte.   

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  Figura 4.3 – LÂMINA 1: HIPSOMETRIA, HIDROGRAFIA E MICROBACIA DO CÓRREGO TIQUATIRA, 1930  Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 51 

   

                                                             51

 Folhas  27‐28, 28‐29‐30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56. 

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  Figura 4.4 – LÂMINA 2: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 1930  Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 52 

                                                                 52

 Folhas  27‐28, 28‐29‐30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56. 

140   

  Figura 4.5 – LÂMINA 3: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 2015  Fonte: elaborado pelo autor a partir do Mapa Digital da Cidade 53 

   

                                                             53

 Folhas 57, 58, 59, 60, 61, 62, 110, 111,  142, 143, 146. 

141   

  Figura 4.6 – LÂMINA 4: IDENTIFICAÇÃO DE NASCENTES ‐ HIDROGRAFIA, 1930  Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 54   

                                                                 54

 Folhas  27‐28, 28‐29‐30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56. 

142   

  Figura 4.7 – LÂMINA 5: INFRAESTRUTURAS METROPOLITANAS ‐ CONFLITOS, 2015  Fonte: elaborado pelo autor a partir do Mapa Digital da Cidade 55 

                                                                 55

 Folhas 57, 58, 59, 60, 61, 62, 110, 111,  142, 143, 146. 

143   

  Figura 4.8 – LÂMINA 6: FOTO AÉREA ‐ REPRESENTAÇÃO DO TECIDO URBANO, 2015  Fonte: Google Earth 

      144   

  Quadro 4.2 – Procedimentos de análise  Fonte: elaborado pelo autor   

A  escolha  de  cores  distintas  para  representação  do  rio  Tietê  e  dos  seus  demais  afluentes, na cartografia de 1930, buscou destacar a riqueza natural do sítio precedente ou  original em função da hidrografia. O rio Tietê, representado em tonalidade mais escura de  azul,  difere  e  se  destaca  dos  seus  afluentes,  a  fim  de  evidenciar  a  riqueza  do  desenho  serpentado,  caráter  comum  de  um  traçado  de  meandros  relativo  a  todos  esses  rios.  Tal  desenho reverbera como uma condição natural, no sentido de ancestral, tanto do rio Tietê  dos seus afluentes quanto do relevo como um todo, os fundos de vale do “mar de colinas”  descrito por Aziz Ab’Saber.  Já na cartografia de 2015, o que se revela é uma fragmentação e desaparecimento da  hidrografia enquanto um sistema coeso, proporcional entre nascentes e extensão dos cursos  d’água  principais,  bem como  a  quase  completa supressão  dos  traçados  de  meandros.  Essa  situação  demonstra  como  a  transformação  do  tecido  urbano  ocorreu  desconsiderando  o  sítio  precedente  enquanto  dotado  de  riqueza  geográfica,  tratando‐o  meramente  como  obstáculos a serem vencidos. Assim, o tecido urbano que se apresenta na atualidade implica  uma descaracterização radical do sítio precedente ou original, ao mesmo tempo em que é  uma expressão um modo máximo de aproveitamento da capacidade de ocupação urbana a  partir da multiplicação do traçado viário. Mesmo que às custas de uma série de problemas e  conflitos locais, os quais ocorrem justamente pela desatenção com caráter perene do sítio  original.       

145   

4.3. IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS DA MICROBACIA   A comparação entre as Lâminas 2 e 3 e 4 e 5 revela uma mudança radical no conjunto  da rede hidrográfica. O que no passado, 1930, era um sistema coeso e proporcionalmente  ramificado, em 2015 apresenta‐se como invisível e fragmentado. Tal constatação conduziu a  uma busca para se observar e caracterizar a extensão dessa mudança, tendo como foco as  várias nascentes que compõem a microbacia do Tiquatira. Foram identificadas 13 nascentes  para análise no córrego Ponte Rasa, 12 no córrego do Franquinho e 10 no córrego Tiquatira,  totalizando as chamadas 35 situações de conflito entre tecido local e sítio precedente.  Considerou‐se não ser necessário utilizar rigorosamente o método de Strahler (1957) e  Pfafstetter  (1989),  para  definição  dessa  problemática,  uma  vez  que  são  métodos  que  interessam  mais  à  projetos  e  análise  de  engenharia,  mas  cabe  dizer  que  as  nascentes,  consideradas  de  modo  mais  genérico,  são  de  nível  1  e  2  segundo  Strahler,  e  as  bacias  correspondentes  de  nível  4,  5  e  6  segundo  Pfafstetter.  Justamente,  entende‐se  que  a  abordagem de estudos urbanos deve ser levada para além de apenas o caráter de cálculo, e  englobar,  principalmente,  as  diferentes  proporções  das  camadas  que  compõem  a  cidade.  Antes, o que se coloca é a necessidade de se tratar a problemática das águas inseridas no  contexto do tecido urbano, a partir dos seus elementos mínimos, que possuem minúcias e  particularidades. Assim, ainda que muitos desses elementos tenham sido objetos de obras  que  buscaram  suplantá‐los  totalmente,  subsistem  numa  camada  inferior  desse  mesmo  tecido, como uma história que permanece obscura, mas factível de se revelar.  Para  essa  análise,  foi  utilizado  o  procedimento  de  rastreamento,  comparando  as  Lâminas  3  e  4,  e  buscando  confirmação  por  meio  de  contato  visual,  ou  seja,  imagens  disponíveis  no  Google  Street  View,  que  oferece  a  possibilidade  de  uma  fotografia  de  um  certo número de pontos locais quaisquer do traçado urbano. Ainda que tal método implique  certas limitações, de modo geral se mostrou eficaz e ao mesmo tempo eficiente, por conta  da  ferramenta  Google  Street  View  ir  de  encontro  ao  conceito  de  traçado  urbano,  contribuindo  para  sua  análise.  Particularmente,  dois  elementos  observáveis  por  fotografia,  as  bocas  de  lobo  e  os  tampões  de  esgoto  e  galeria  de  águas  pluviais,  ofereceram  pistas  146   

valiosas  para  identificar  a  provável  localização  de  maior  parte  dos  córregos  ocultos  na  atualidade (Figura 4.9). 

   Figura 4.9 – Nascente 7 do Córrego Tiquatira ‐ tampão e as bocas de lobo, 2014  Fonte: Google Street View   

Assim,  foram  utilizados  dois  componentes  de  análise  para  verificar  a  transformação  que ocorreu no traçado urbano na relação entre infraestruturas locais e hidrografia, e como  o sítio precedente foi transformado em função dos tecidos locais: 1) a INSERÇÃO atual das  nascentes no tecido urbano da microbacia: se são fundo de lote [A], se são becos [B], se são  frente de rua ou viela [C], se ora são fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela [D];  2)  a  SITUAÇÃO  dessas  nascentes:  se  são  abertas,  porém  foram  objeto  de  infraestrutura  parcial  [A],  se  estão  tamponadas  [B],  se  estão  aterradas  [C],  se  ora  estão  abertas,  ora  tamponadas,  ora  aterradas  [D].  Tais  componentes  propiciaram  uma  segunda  matriz  analítica,  que  sintetiza  a  análise  da  série  de  nascentes  que  compõem  o  sítio  urbano  da  microbacia hidrográfica do córrego Tiquatira, e consta no APÊNDICE deste estudo.   A  lâmina  3  apresenta  o  tecido  urbano  a  partir  do  seu  traçado  atual,  destacando  a  urdidura das infraestruturas metropolitanas e a trama segmentada de tecidos homogêneos  ou  locais.  Junto  a  estes  elementos  compõe‐se  uma  hidrografia  aparente  ou  superficial  desconexa, portanto fragmentada, fruto do tamponamento e aterramento de grande parte  das nascentes da rede hidrográfica. A lâmina 5, por sua vez, repete o procedimento de raio‐X  utilizado  para  a  lâmina  4.  Desse  modo,  percebe‐se  como  o  sítio  precedente,  antes  uma  147   

conjunto  coeso  de  colinas  e  rios,  foi  transformado  e  tornou‐se  invisível  em  função  de  um  aproveitamento  máximo  do  solo  urbano,  caracterizado  por  uma  rede  de  infraestruturas  metropolitanas.  Repetiu‐se também o procedimento de tabulação na Lâmina 5, elencando situações de  infraestrutura  que  configuram  a  rede  metropolitana.  Não  se  procurou  definir  um  enfoque  muito rígido na segmentação dessa rede, mas antes apresentar as principais articulações, e  ressaltar  o  atributo  de  funcionamento  conjunto  que  a  caracteriza.  Desse  modo,  foram  elencadas 49 situações para análise das infraestruturas metropolitanas em interface com a  bacia  hidrográfica  e  com  os  tecidos  locais.  Diferentemente  do  procedimento          anterior,  foram escolhidas situações para além do perímetro direto da microbacia, considerando que  esta é uma unidade que a rede metropolitana engloba e incorpora.  Elencadas as situações na Lâmina 5, foram definidos seis componentes de análise: 1) o  TIPO de infraestrutura, se viária de ligação regional e metropolitana [A], se viária de fundo  de  vale  [B],  se  viária  de  transposição  [C];  2)  POSIÇÃO  NA  BACIA,  se  fundo  de  vale  [A],  se  encosta  [B],  se  cumeeira  [C];  3)  SITUAÇÃO  na  rede  de  infraestruturas,  se  “nó”  ou  sobreposição [A], se “linha” ou fluxo [B]; 4) INSERÇÃO relativa à microbacia do Tiquatira, se  interna  ou  protagonista  [A],  se  borda  ou  limite  [B],  se  externa  ou  contextual  [C];  5)  CONFLITOS  entre  bacia  hidrográfica  e  infraestruturas,  se  de  prioridade  regional  [A],  se  de  consideração local [B]; 6) ARTICULAÇÕES, ou seja, quantidade de conexões entre situações.  A análise dessas situações também consta no APÊNDICE deste estudo.   Enquanto  as  quatro  primeiras  categorias  de  análise  são  de  caracterização  objetiva,  a  quinta categoria de análise – conflitos entre bacia hidrográfica e infraestruturas, apresentou‐ se como a mais problemática quanto à sua definição, porque crítica, e carece de comentário  mais  detalhado  (Quadro  4.3).  Foram  definidos  como  conflitos  ocasionados  por  prioridades  regionais  obras  que  só  consideraram  a  infraestrutura  pelo  seu  caráter  metropolitana,  em  detrimento  dos  tecidos  locais,  e  que,  portanto,  implicam  problemáticas  em  macro  escala.  Tais conflitos envolvem várias camadas de elementos urbanos, como habitação, transporte,  áreas públicas e institucionais, e configuram situações complexas, geradas em longo prazo. 

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  Quadro 4.3 – Conflitos entre bacia hidrográfica e infraestruturas  Fonte: elaborado pelo autor   

Esses  conflitos  ocasionados  pela  prioridade  regional  implicam  que  as  vias  públicas,  ruas e avenidas, se apresentem como deficitárias na sua interface com os tecidos locais, no  sentido  de  não  se  realizarem  as  potencialidades  de  espaços  intermediários  ‐  intersticiais  entre  os  espaços  de  fluxo,  representados  pelo  traçado  urbano  público,  e  os  espaços  de  permanência, definidos pelo parcelário, ora público ora privado. Este espaço intersticial seria  aquele que permitiria pequenos momentos de permanência em meio ao espaço de fluxos,  propiciados por projetos urbanos a nível local, que incluíssem um mínimo de elementos de  memória do sítio precedente, bem como mobiliário urbano adequado e vegetação.  Outro aspecto relevante quanto a esse desenho urbano deficitário, que não teve por  parâmetro projetos de escala local, pode ser observado na proporção em que se distribuem  as faixas de leito carroçável, para pedestres, ciclistas, automóveis, hidrografia e vegetação.  Nessas  situações,  o  caráter  predominante  que  se  manifesta  é  a  prioridade  para  os  automóveis, subordinando os outros agentes de fluxo a espaços que poderiam ser definidos  como residuais.  Já  os  conflitos  oriundos  de  obras  com  consideração  local  –  entre  os  quais  o  Parque  Tiquatira  aparece  como  elemento  mais  emblemático,  foram  definidos  como  vias  públicas  que,  ainda  que  de  caráter  metropolitano  e  regional,  se  articulam  com  o  tecido  local,  propiciando um mínimo de espaços intersticiais, mas que não deixam de apresentar outras  problemáticas, em micro escala, decorrentes da interface com a rede metropolitana.  Em suma, a sobreposição entre o sítio precedente e assentamento urbano, bem como  entre  urbano  e  regional,  entre  local  e  metropolitano,  evidencia  a  complexidade  de  articulação das diferentes camadas que configuram o conjunto da cidade. No sítio urbano da  microbacia  do  Tiquatira,  as  interfaces  entre  estas  camadas  se  apresentam  como  149   

problemáticas e conflituosas, onde tanto o seu caráter atual quanto as características que o  precederam não são evidentes, tendo sido mesmo, em muitos casos, suplantadas em prol de  uma utilização extensiva do leito carroçável e da sua multiplicação e ramificação como um  todo.  A presença de linhas de alta tensão, destinadas ao suprimento elétrico da região, corta  o  território  tanto  no  sentido  longitudinal  à  microbacia  do  Tiquatira,  quanto  no  sentido  transversal, e parece seguir uma lógica de implantação totalmente distinta dos outros tipos  de infraestruturas metropolitanas. A linha principal, norte‐sul, conecta duas subestações de  energia elétrica, a norte no Município de Guarulhos e a Sul no Município de Santo André, e  também  se  estende  no  sentido  leste  de  São  Paulo.  Desde  a  confluência  dos  córregos  Franquinho,  Ponte  Rasa  e  Tiquatira,  com  dois  eixos  transpassando  o  parque  Ecológico  do  Tietê ‐ é a principal causa da conformação de estreitas e longas áreas de vazios urbanos em  toda a região 56.  As torres de alta tensão demandam grandes áreas para sua instalação, que a princípio  não  deveriam  ser  ocupadas  devido  ao  raio  de  interferência  das  ondas  eletromagnéticas,  potencialmente  perigosas  à  saúde  humana,  de  modo  que  se  definiram  faixas  de  servidão  exclusiva.  Porém,  a  realidade  não  reflete  a  aplicação  desse  limite,  pois  essas  faixas  quase  nunca  são  respeitadas  e  as  áreas  do  entorno  das  torres  são  geralmente  ocupadas.  Isso  se  deve  também  ao  fato  de  as  linhas  não  acompanharem  um  eixo  viário  que  as  estruture,  e  assim  as  áreas  para  instalação  das  torres  tem  diversas  configurações:  fundos  de  lote,  canteiros de avenidas e terrenos murados (Figuras 4.10 e 4.11). 

                                                             56  De responsabilidade compartilhada entre governo do Estado e Prefeitura municipal.  150   

  Figura 4.10 – Faixas de alta tensão atravessando a Avenida Cangaíba, 2011  Fonte: Google Street View   

  Figura 4.11 – Faixas de alta tensão margeando a Rua Rocha Fraga, 2010  Fonte: Google Street View   

Essa rede específica é dotada de uma grande potencialidade: não só possibilitaria uma  nova camada de conexão na rede de infraestruturas metropolitanas, mas também faria uma  costura  urbana  dos  equipamentos  ao  longo  do  território  e  dos  pequenos  vazios  subutilizados,  reduzindo  a  carência  de  espaços  públicos,  chamados  aqui  de  intermediários  intersticiais.  Porém,  inversamente,  o  que  se  observa  na  atualidade  é  a  abundância  de  espaços  intermediários  residuais,  conforme  será  confirmado  nos  resultados  da  análise.  Considerando  que  tal  rede  se  acopla  ao  relevo  de  modo  muito  distinto  e  diverso  das  infraestruturas viárias – que impactam diretamente a superfície do relevo e da hidrografia,  optou‐se por não realizar estudo pormenorizado dos seus pontos de conflito, não por serem  muitos,  mas  por  apresentarem  uma  configuração  mais  simples,  no  contexto  das  151   

problemáticas da bacia. Existe uma dicotomia entre teoria e prática muito visível no uso que  se dá entre tecido local e infraestrutura metropolitana e regional, uma vez que, no caso das  faixas exclusivas de suprimento elétrico a prática não segue a regra.  Sob outra ótica, reitera‐se que essa rede de suprimento elétrico possui um potencial  ainda  mal  observado  e  aceito,  por  parte  das  administrações  públicas,  mas  no  qual,  talvez,  resida  a  capacidade  de  pensar  alternativas  viáveis  para  um  aumento  significativo  dos  espaços intermediários intersticiais, factíveis de transformar, ainda que sutilmente, o quadro  duro  e  árido  que  tanto  se  observa  na  analise  da  hidrografia  quanto  das  infraestruturas  urbanas.  Atualmente,  junto  às  infraestruturas  de  suprimento  elétrico,  o  sistema  de  infraestrutura ferroviária é o que menos impacta diretamente na configuração da microbacia  urbana do Tiquatira. Ainda que, em um momento precedente, até a década de 1930, esta  tenha  sido  a  infraestrutura  de  caráter  metropolitano  e  regional  determinante  para  a  configuração  do  sítio  urbano,  pode‐se  dizer  que,  na  atualidade,  desempenha  uma  função  apenas  contextual  no  conjunto  da  urdidura  do  traçado  urbano.  Isso  se  deve,  sobretudo,  à  presença,  junto  aos  dois  braços  da  ferrovia,  de  infraestruturas  viárias  seguindo  paralelas à  mesma.  Assim,  junto  à  linha  12  –  Lilás,  da  Companhia  Paulista  de  Trens  Metropolitanos  –  CPTM, segue a Avenida Doutor Assis Ribeiro, e junto às Linhas 3 – Vermelha do Metrô e 11 –  Laranja da CPTM, segue a Radial Leste.  No  caso  da  microbacia  urbana  do  Tiquatira,  a  linha  12  atravessa  sua  área  de  foz,  seguindo paralela a um trecho da Avenida Gabriela Mistral, sendo transposta pelos viadutos  Domingos  Franciulli  Netto  e  General  Milton  Taváres  de  Souza,  que  conectam  a  Avenida  Governador  Carvalho  Pinto  à  Marginal  Tietê.  De  modo  geral,  a  ferrovia  se comporta  como  uma barreira perimetral, criando situações pontuais de pequenas infraestruturas destinadas  à  sua  transposição,  como  túneis  e  passarelas  para  pedestres.  Porém,  diferentemente  da  rede  de  infraestruturas  de  suprimento  elétrico,  a  ferrovia  guarda  um  traçado  rígido  e  de  difícil  transposição,  razão  pela  qual  se  resolveu  abordar  a  sua  problemática,  no  contexto  dessa análise específica e das situações elencadas, como subordinada ao traçado viário.    152   

4.4. DISCUSSÃO DOS CONFLITOS   A partir dos componentes de análise das nascentes e infraestruturas, foram montadas  fichas  de  análise  que  constituem  o  Apêndice  deste  estudo.  Nestas,  é  possível  perceber  o  parâmetro  principal  que  possibilita  evidenciar  os  conflitos:  a  proporção  entre  os  espaços  destinados  para  automóveis  e  para  as  pessoas  no  leito  carroçável  –  rua,  calçada,  lote  ou  edificação. E, no caráter geral dessa interface entre espaços de fluxo de permanência, o que  se  observa  é  uma  desproporção  entre  escala  humana,  coadjuvante,  e  a  escala  dos  automóveis, protagonista. Conforme os desenhos das caixas de rua – seções esquemáticas,  as situações de conflito da rede de infraestruturas metropolitanas podem ser divididas em  quatro categorias: ordinárias, inusitadas, complexas e excepcionais, em função do conjunto  de elementos que configura o espaço público viário do leito carroçável: solo permeável ou  impermeável,  hidrografia,  e  o  parcelário  ‐  lotes  e  edificações,  como  a  fronteira  entre  o  público e o privado.  As situações ordinárias de conflitos (6, 7, 11, 13, 14, 19, 20, 22, 24, 26, 29, 33, 34, 35,  36,  38,  39,  46)  são  aquelas  relativas  às  vias  que  desempenham  função  direta  na  rede  de  infraestruturas metropolitanas, mas são de constituição mais simples, o que caracteriza uma  maior  inserção  no  tecido  local.  Porém,  tais  vias  estão  submetidas  à  prioridade  regional  de  um volume de fluxo metropolitano de automóveis, explorando ao máximo a capacidade de  suporte do  tecido local.  Para pedestres, essas vias atuam como lugares que poderiam ser  definidos como áridos, inóspitos ou pouco convidativos, tanto para o deslocamento quanto  para a permanência. Situações ordinárias de conflito operam, portanto, um comportamento  de  ruptura,  cisão,  barreira  ou  limiar  para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento de automóveis em escala metropolitana.  As situações inusitadas são aquelas em que as infraestruturas de transposição – túneis  e  viadutos  (3,  4,  5  e  31),  e  de  suprimento  elétrico  –  torres  (44),  estão  muito  próximas  e  mesmo em contato direto com os tecidos locais. Nesses casos, edificações ou assentamentos  precários  se  apropriam  dos  espaços  públicos  residuais  ocasionados  por  obras  de  infraestruturas  que  priorizaram,  quando  do  seu  projeto  e  implantação,  apenas  a  questão  metropolitana  ou  regional  de  trânsito  rápido  e  passagem  de  automóveis.  Situações  153   

inusitadas  são,  portanto,  aquelas  em  que  habitações,  em  geral  assentamentos  precários,  convivem lado a lado com as infraestruturas metropolitanas.  As  situações  ditas  complexas  também  guardam  em  si  um  caráter  inusitado,  mas  se  distinguem, sobretudo, ou pela escala macro de inserção no tecido, pois configuram grandes  áreas  (8,  9,  10,  15,  16,  17,  18,  30,  32,  40,  41  e  42),  ou  pela  diversidade  de  infraestruturas  articuladas.  Assim,  o  Elevado  da  Penha  –  Viaduto  Engenheiro  Alberto  Brada,  surge  como  uma constante em quatro situações distintas, mas segmentadas (8, 9, 10 e 16), bem como a  Radial Leste, que aparece em seis situações. (16, 17, 18, 30, 31, 32).  As infraestruturas de fundo de vale, mesmo aquelas que poderiam ser definidas como  ordinárias,  também  foram  consideradas  constituintes  de  situações  complexas,  devido  ao  caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale (23, 25, 28, 37, 43 e  45). Esse tipo de situação ocorre tanto dentro como fora da microbacia, e reitera o padrão e  o destino comum dessas áreas quando das intervenções de que foram objeto.  A Avenida Governador Carvalho Pinto e o Parque Tiquatira (21), bem como a Estrada  de  Mogi  das  Cruzes  (27)  e  a  Ladeira  da  Penha  (21),  foram  consideradas  infraestruturas  metropolitanas  que  apresentam  na  sua  configuração  uma  consideração  local  por  razões  diversas.  Como  já  foi  dito,  o  Parque  Tiquatira  é  uma  notável  exceção  à  prática  que  se  estabeleceu  nas  obras  de  fundo  de  vale,  sendo  mais  um  elemento  integrador  entre  as  colinas  da  Penha  e  Cangaíba  do  que  um  elemento  de  divisão.  Seu  caráter  compartilhado  conjuga as diferenças que existem em ambas as colinas, e também realiza uma integração  com  os  diversos  tecidos  locais.  A  Estrada  de  Mogi  das  Cruzes,  ainda  que  numa  escala  transversal  menor,  possui  um  canteiro  central  arborizado  e  com  pista  de  pedestres,  caracterizando‐se  com  um  boulevard  que  oferece  uma  alternativa  a  mais  para  o  pedestre,  em termos de deslocamento e lazer. Finalmente, a Ladeira da Penha, devido ao seu caráter  histórico, ao seu acentuado declive, e também pela presença de edifícios habitacionais com  comércios no rés‐do‐chão, apresenta uma consideração local que poderia ser definida como  de  resiliência  da  memória,  ainda  que  esteja  submetida  de  maneira  saturada  aos  fluxos  metropolitanos que a atravessam.   Obras de transposição que servem exclusivamente à fluxos metropolitanos e regionais  (2, 47, 48 e 49) também foram consideradas excepcionais, bem como o Parque Ecológico do  154   

Tietê (1). Este último apresenta um caráter peculiar, sendo, ao mesmo tempo, componente  de obra de infraestrutura viária regional – a Rodovia Ayrton Senna da  Silva, e uma grande  área  de  lazer  pública.  Nesse  caso,  e  conflito  de  consideração  local  se  dá  justamente,  pela  apropriação do parque pela população, principalmente da Zona Leste, ainda que seu acesso  seja deficitário de conexões com os tecidos locais adjacentes.  O caráter básico das situações de conflitos entre tecidos locais e a hidrografia do sítio  precedente,  por  sua  vez,  consiste  dos  vários  modos  que  se  ocultaram  as  nascentes  da  microbacia,  na  qual  os  anfiteatros  foram  quase  que  completamente  loteados  e  ocupados.  Em alguns casos, subsistem mesmo assentamentos precários nas orlas e sobre as nascentes  (P01  e  P09).  Uma  vez  que  o  modo  de  intervenção  que  configurou  os  tecidos  locais  foi  baseado no critério de ocultar as nascentes como que a todo custo, reduzindo ao máximo  sua  interferência  em  prol  do  aumento  de  solo  urbano  útil,  pode‐se  afirmar  que  nascentes  que subsistem ainda a céu aberto constituem casos de exceção (P01 e P11). Assim, na maior  parte  das  situações  de  conflitos,  ocorre  como  que  um  esquecimento  que  torna  a  cidade  alheia à sua própria memória.    4.5. RESULTADOS DA ANÁLISE    O  método  de  análise  baseou‐se  na  série  cartográfica  elaborada  neste  capítulo,  bem  como  nas  fichas  que  compõem  o  APÊNDICE.  Estas  peças  gráficas  forneceram  subsídios  valiosos que revelaram minúcias e particularidades das situações estudadas, mas também, e,  sobretudo, um caráter comum: a repetição à exaustão de um modo de fazer cidade e de se  esconder  os  rios.  Ironicamente,  esse  padrão,  realizado  quase  que  completamente,  está  também exaurido, sendo uma condição que limita uma potencialidade da cidade contida na  sua  própria  memória.  Inversamente,  esta  condição  indica  um  caminho  pelo  qual  a  cidade  pode, no futuro, se reinventar. Neste sentido, um primeiro resultado da análise consiste na  reafirmação  do  caráter  estratégico  de  projeto  urbano  tanto  da  rede  de  infraestruturas  metropolitanas quanto da hidrografia dos tecidos locais. 

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Os  resultados  da  análise  sintetizam  o  método  utilizado,  fruto  dos  procedimentos  elencados nas matrizes analíticas, que buscaram evidenciar os conflitos e particularidades de  cada  uma  das  situações.  Com  relação  à  problemática  sintetizada  na  matriz  analítica  da  hidrografia  das  nascentes  (Quadro  4.4),  os  dados  mais  significativos  demonstram  duas  constantes, que permitem indicar uma caracterização geral. Quanto à inserção no traçado,  40,00% são frente de rua ou viela, e 37,14% realizam percursos fragmentados entre fundos  de lote, frente de rua ou viela e becos. Quanto à situação desses cursos d’água, 68,57% são  nascentes tamponadas, ou seja, praticamente 3/4 do total (Tabela 4.1). Tais valores indicam  objetivamente  a  supressão  da  hidrografia  enquanto  elemento  determinante  do  tecido,  conforme se pôde observar nas comparações entre as Lâminas 2, 3, 4 e 5.  Quanto à matriz analítica das infraestruturas (Quadro 4.5), da rede de infraestruturas  metropolitanas em interface com a microbacia do Tiquatira, possível perceber, como caráter  determinante,  a  discrepância  de  valores  entre  os  conflitos  ditos  de  prioridade  regional  (91,84%)  e  os  de  consideração  local  (8,16%).  Assim,  é  possível  afirmar  que  apenas  uma  quantidade  ínfima  das  principais  vias  estruturantes  do  traçado  urbano  da  região  da  microbacia do Tiquatira apresenta quantidades mínimas para o que se chamou de espaços  intersticiais,  que  permitiriam,  a  partir  de  atributos  oriundos  de  elementos  urbanos  específicos, momentos de permanência nos espaços de fluxos. Em compensação, os espaços  residuais,  aos  quais  se  destinam  pedestres,  ciclistas  e  hidrografia  são  comuns  e  rotineiros  nesse  mesmo  traçado,  sendo  preteridos  em  prol  de  um  leito  carroçável  destinado  hegemonicamente aos automóveis (Tabela 4.2).  De modo geral, foi possível observar como a implantação progressiva de uma rede de  infraestruturas  foi  vencendo,  periodicamente,  muitos  dos  obstáculos  que  caracterizam  atributos originais do sítio precedente e, de um modo peculiar, realizou toda potencialidade  desse  sítio,  no  sentido  de  torná‐lo  integralmente  útil  (MELLO,  2005,  SANTOS,  2014).  Doravante, essa realização implica toda uma problemática – das prioridades eleitas quando  da conversão da bacia hidrográfica em sítio urbano, e quais suas consequências ou efeitos  na articulação entre este e os tecidos locais, numa escala menor, e entre os tecidos locais e a  rede de infraestruturas metropolitanas, numa escala maior.    156   

    Quadro 4.4a – Matriz analítica da Hidrografia ‐ inserção e situação das nascentes  Fonte: elaborado pelo autor 

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    Quadro 4.4b – Matriz analítica da Hidrografia ‐ inserção e situação das nascentes  Fonte: elaborado pelo autor     

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    Quadro 4.5a – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas  Fonte: elaborado pelo autor 

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      Quadro 4.5b – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas  Fonte: elaborado pelo autor 

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    Tabela 4.1 – Hidrografia – quantidades e porcentagens totais  Fonte: elaborado pelo autor           

    Tabela 4.2 – Infraestruturas – quantidades e porcentagens totais  Fonte: elaborado pelo autor 

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  Figura 4.12 – Tábua com as 35 situações de conflito entre nascentes e tecidos locais  Fonte: elaborada pelo autor 

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  Figura 4.13 – Tábua com as 49 situações de conflito na rede de infraestruturas metropolitanas  Fonte: elaborada pelo autor 

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Observando a tábua de desenhos com o conjunto das 49 situações de conflito na rede  de infraestruturas metropolitanas e as 35 situações de conflito nas nascentes da microbacia  (Figuras  4.12  e  4.13),  fica  muito  clara  a  discrepância  de  proporção  entre  o  elemento  humano, a hidrografia e as máquinas automobilísticas na totalidade do traçado urbano. Esse  exercício de observação a partir dos desenhos dessas “caixas de rua” revelou, ainda que de  modo esquemático, as características dessa interface entre o leito carroçável, calçamento e  o  parcelário,  que  constituem  o  espaço  público  do  traçado  urbano.  São  seções  de  desenho  verticais complementares ao desenho do traçado, horizontal e visto de cima.  Todo  modo,  o  desenho  foi  o  principal  método  utilizado  nessa  pesquisa,  tanto  para  a  observação  da  originalidade  do  sítio  urbano  da  microbacia  do  Tiquatira  quanto  para  a  análise  dos  conflitos  entre  hidrografia  e  infraestruturas  urbanas.  Ou  seja,  as  principais  questões  e  inquietações  da  pesquisa  foram  equacionadas  a  partir  do  desenho,  ao  mesmo  tempo registro e memória. 

  Figura 4.14 – Hipóteses de hidrografia  Fonte: elaborada pelo autor   

O  método  de  localização  das  nascentes  proposto  nessa  pesquisa  difere  daquele  utilizado pela Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica e que foi divulgado recentemente  como  nova  camada  disponível  no  GeoSampa,  banco  de  dados  similar  ao  Mapa  Digital  da  164   

Cidade. Nessa pesquisa a referência foram os mapas SARA Brasil de 1930, enquanto que na  outra foi utilizado o método dos Talvegues, que são as linhas de fundo de vale, e que hoje  equivale ao sistema de drenagem mapeado. Comparando ambos os desenhos (Figura 4.14),  percebe‐se  diferenças  bem  evidentes  quanto  ao  número  de  nascentes  mesmo  e  sua  localização.  De  modo  que  vale  dizer:  localizar  nascentes  é  um  trabalho  minucioso  e  estratégico, e acredito que não chegamos num método definitivo para dizer, com certeza, se  tal  e  tal  nascente  ainda  existem  e  com  que  desenho,  uma  vez  que  muitas  se  tornaram  subterrâneas. De modo que tanto uma cartografia quanto a outra, enquanto instrumentos  de  representação,  apresentam  hipóteses  de  hidrografia,  o  que  vale  pesquisa  mais  aprofundada, dado não é assunto esgotado.   

 

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CONSIDERAÇÕES FINAIS   

 

 

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                  Conforme foi exposto neste estudo, o sítio urbano e a bacia hidrográfica sobrepõem‐se  como  diferentes  camadas  de  um  mesmo  território.  A  cidade  se  consolida  a  partir  dessa  relação de assentamento sobre o relevo e a hidrografia e, ainda que seja condicionada por  estes, acaba por transformá‐los. Na região metropolitana de São Paulo, essa transformação  se deu em função da apropriação de grande parte dos fundos de vale a fim de transformá‐ los em eixos viários. Nesse processo, tais compartimentos de relevo, delineados por cursos  d’água,  foram  encarados  basicamente  como  obstáculos  que,  uma  vez  superados,  propiciaram  um  maior  aproveitamento  do  solo  urbano,  bem  como  da  sua  capacidade  de  suporte, proporcional à implantação de novas infraestruturas.  Porém, na maioria das intervenções, não foram considerados aspectos de integração  local, e tanto a hidrografia quanto áreas originalmente alagáveis tiveram seus mecanismos  naturais  de  permeabilidade  do  solo  e  transbordo  preteridos,  e  foram  completamente  modificadas por obras de drenagem estrutural. Nessa lógica, a conversão da hidrografia e do  relevo  em  um  sistema  ao  mesmo  tempo  de  drenagem  e  de  transportes  priorizou  o  leito  carroçável  para  a  utilização  predominantemente  automobilística,  e  moldou  uma  rede  de  espaços  públicos  que  são,  na  escala  local,  em  grande  parte  dos  casos,  inapropriados  à  permanência de pessoas e deficitários à passagem de pedestres. 

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Na  escala  metropolitana,  a  rede  de  infraestruturas  que  configura  o  sítio  urbano  se  conjuga e sobrepõe à bacia hidrográfica quando do seu traçado, e foi impulsionada por uma  prerrogativa de utilização máxima do solo e de expansão de um sistema de transportes que  priorizou  o  automóvel  individual,  em  detrimento  dos  modais  de  transporte  coletivo.  O  aproveitamento das áreas de várzea incluiu sobrepujar os limites da hidrografia precedente,  deformando completamente a sua forma original, com a retificação dos meandros, fruto de  um processo geomorfológico de longa data. No lugar, instalou‐se um amálgama técnico que  não  deixou  margens  para  o  caráter  perene  e  ancestral  dos  cursos  d’água,  mas,  antes,  potencializou ao máximo uma retícula mais ou menos cartesiana, orientada por um traçado  viário  que  prioriza  o  deslocamento  automobilístico  em  detrimento  do  deslocamento  de  pedestres e da permanência das pessoas no espaço público.  Aqui,  enfim,  cabe  diferenciar  os  termos  “precedente”  e  “original”,  utilizados  nessa  pesquisa,  ambos  referindo‐se  à  memória  do  sítio.  Ainda  que  usados  como  sinônimos,  o  termo precedente é relativo a um momento passado específico, no caso o ano de 1930. Do  mesmo modo, poderíamos falar de um sítio precedente anterior à 1930, dado que nesse ano  diversas  obras  de  alteração  do  relevo  e  da  hidrografia  já  haviam  sido  realizadas.  O  termo  original,  diferentemente,  designa  os  atributos  intrínsecos  do  sítio,  o  que  tal  sítio  tem  de  peculiar e significativo, por exemplo, a gente dizer que o sítio urbano de São Paulo um “mar  de colinas”, como observou o professor Aziz Ab’Saber, ou quando designamos o conjunto de  áreas baixas desse sítio urbano como “espinhas de peixe”, ou seja, são atributos originais do  sítio, e não apenas um momento pontual. O termo original indaga sobre a origem do sítio,  sobre qual seria o seu caráter perene e ancestral, fruto de um processo geológico milenar.  Quanto  à  escala  intermediária,  no  caso  da  microbacia  hidrográfica  do  córrego  Tiquatira,  na  região  da  Penha  à  leste  do  município  de  São  Paulo,  pode‐se  afirmar  que,  no  passado,  houve  uma  convivência  entre  cidade  e  rios.  Isso  por  conta  da  baixa  taxa  de  ocupação  e  impermeabilização  dos  fundos  de  vale  bem  como  das  encostas  das  colinas  e  anfiteatros  de  nascentes,  componentes  do  relevo  utilizados  predominantemente  para  atividades agrícolas, no caso do microbacia do Tiquatira, e de extração mineral, no caso das  várzeas  do  Tietê.  Este  uso  específico  das  encostas  e  fundos  de  vale  definiu  um  reconhecimento  destes  compartimentos  do  relevo  como  elementos  do  sítio  original  relevantes  na  constituição  urbana,  caracterizando  uma  situação  de  simbiose  entre  a  bacia  168   

hidrográfica  e  o  sítio  urbano.  Além  disso,  o  rio  Tietê  congregava  atividades  de  lazer  e  esporte, como natação e remo, o que o caracterizava como elemento fundamental e indutor  de uma cultura urbana congregada ao sítio original.  Na  atualidade,  porém,  os  processos  de  urbanização  tem  realizado  uma  continuada  ruptura  entre  o  sítio  original  e  a  cidade  que  nele  se  assenta,  no  sentido  das  bacias  hidrográficas  terem  se  tornado,  no  conjunto  dos  seus  componentes,  apenas  obstáculos  condicionantes  do  sítio  urbano.  Assim,  os  cursos  d’água  foram  relegados  à  invisibilidade  e  tornaram‐se ocultos para a própria cidade, e o que antes era uma vivência integrada, hoje se  manifesta como uma memória descompassada. Na escala micro ou local, o que se observa é  que a presença de nascentes57 não impediu a construção, mas, ao contrário, tornou‐se um  padrão  de  obra  de  infraestrutura  viária,  convertendo  as  nascentes  dos  rios  em  ruas.  Isso  tornou‐se  possível  basicamente  pelo  recurso  de  canalização  e  tamponamento  de  grande  parte  dos  talvegues,  linhas  inferiores  das  cavidades  dos  fundos  de  vale,  distanciando  em  alguns metros as superfícies viárias e os córregos subterrâneos.  Outra questão relevante consiste nas diferenças metodológicas que foram observadas  quanto  a  definição  das  nascentes,  referentes  às  bases  cartográficas  que  foram  expostas  neste  estudo.  Ficaram  evidentes  os  contrastes  quanto  às  informações  contidas  no  Mapa  Digital da Cidade ‐ MDC, o Mapa Hidrográfico do Município de São Paulo, contido no Plano  Municipal de Gestão do Sistema de Águas Pluviais de São Paulo ‐ PMGSAP‐SP (capítulo 3 ‐  Figuras 3.1, 3.3 e 3.5), em comparação com as bases que foram elaboradas no capítulo 4 a  partir dos mapas SARA Brasil. Cada uma dessas bases apresenta diferentes nascentes para os  principais cursos d’água da microbacia hidrográfica do Tiquatira, sendo que o MDC é a que  apresenta menos informações e maior insuficiência metodológica, praticamente ignorando o  conjunto  das  nascentes.  O  PMGSAP‐SP  utiliza  o  conceito  de  talvegue  para  definição  das  nascentes,  mas  não  identifica  quais  seriam  os  cursos  d’água  permanentes  e  aqueles  que  seriam sazonais, provenientes de cheias decorrentes da precipitação fluvial.  Quanto  aos  mapas  SARA  Brasil  ‐  principal  fonte  primária  desta  pesquisa,  ainda  que  tenha  se  destacado  a  sua  relevância  enquanto  registro  histórico  do  sítio  urbano,  deve‐se  considerar  a  possibilidade  de  que,  devido  ao  caráter  rural  e  espraiado  da  microbacia  do                                                               57  Cursos d’água de nível 1 e 2 segundo Strahler (1957) e bacias 4, 5 e 6 segundo Pfafstetter (1985).  169   

Tiquatira  em  1930,  alguns  cursos  d’água  possam  ter  sido  esquecidos  ou  suplantados  por  conta de observações não tão minuciosas.  Portanto, entende‐se que, para uma definição mais precisa e assertiva das nascentes  da  microbacia,  uma  etapa  posterior  de  pesquisa  se  faz  necessária,  e  consiste  na  análise  pormenorizada de todos os talvegues, investigando‐os in loco. Além disso, entrevistas com  habitantes  que  residem  de  longa  data  junto  aos  locais  de  possíveis  nascentes  seriam  oportunas, bem como a busca por fotos antigas, para se comprovar onde estão de fato esses  cursos  d’água  menores.  Deve‐se  considerar  ainda  que,  devido  à  movimentação  de  terra  quando  dos  processos  de  urbanização,  algumas  dessas  nascentes  tenham  desaparecido  completamente. Desse modo recomenda‐se um aprofundamento, por parte das instituições  responsáveis,  quanto  aos  parâmetros  utilizados  para  o  registro  da  hidrografia  municipal,  especialmente  para  as  nascentes,  no  sentido  de  verificar  as  hipóteses  de  hidrografia  aqui  confrontadas.  Uma  reflexão  final  dessa  pesquisa  é:  o  quanto  cada  uma  dessas  hipóteses  de  hidrografia  é  verdadeira  ou  falsa.  Não  apenas  enquanto  dado  técnico,  mas,  sobretudo,  no  sentido  da  gente  se  perguntar:  como  reconquistar,  na  forma  de  futuro  possível,  a  riqueza  dessa  hidrografia,  que  diz  respeito  a  uma  terra  natal,  um  lugar  de  pertença?  Onde  hoje  existe apenas um sistema de drenagem subterrâneo, um monte de canos, um sistema viário  ao rés‐do‐chão, um monte de carros. No fundo, a rua é líquida. Os carros, metal pesado. É  realmente bem irônico que uma rede metropolitana de caráter tão complexo, cujo traçado  guarda uma sobreposição tão encaixada com a bacia hidrográfica e com o sítio precedente  como  um  todo,  se  manifeste,  localmente,  como  lugares  ora  banais  ora  inóspitos,  e  isso  mesmo  nas  porções  de  traçado  em  que  atividades  comerciais  e  de  serviços  acontecem  de  modo  mais  intenso.  Enfim,  são  N  inquietações  que  surgem  quando  nos  atentamos  ao  desenho  de  uma  cidade  imperfeita,  que  foi  construída  rapidamente  na  urgência  das  demandas.  Imperfeita  no  sentido  das  incongruências  e  contradições  observadas  entre  a  originalidade do sítio precedente, hoje perdida e fragmentada, e a complexidade da rede de  infraestruturas metropolitanas que constituem o tecido urbano.  Em  suma,  este  estudo  buscou  contribuir  para  o  reconhecimento  do  sítio  urbano  da  microbacia  do  Tiquatira,  tão  extensa,  diversificada  e  rica  de  detalhes,  mas  que  foi  tratada  170   

como  tabula  rasa  frente  aos  imperativos  de  um  crescimento  populacional  e  econômico  calcado  na  expansão  da  rede  de  infraestruturas  metropolitanas.  Porém,  quando  vistos  em  minúcias e particularidades da escala local, percebe‐se que tais imperativos criaram conflitos  que definem, na atualidade, a problemática desse lugar. Assim, tendo em vista que a cidade  é um ente dinâmico, espera‐se que ações tanto de pesquisa quanto de planejamento futuro  possam utilizar os dados sucintamente relatados aqui, e enriquecê‐los com outros enfoques  e pontos de vista.   

 

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REFERÊNCIAS   

 

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176   

                 

  APÊNDICE     O Apêndice é composto por 84 fichas de análise das situações de conflito entre sítio  urbano  e  bacia  hidrográfica,  sendo  49  situações  elencadas  da  rede  infraestruturas  metropolitanas  e  35  nascentes  identificadas  na  microbacia.  A  rede  de  infraestruturas  metropolitanas, numa escala macro, provoca conflitos nos tecidos locais, e estes, por réplica  em  escala  micro,  são  a  causa  de  conflitos  nas  nascentes  da  microbacia.  Cada  ficha  é  composta  por  uma  foto  de  Google  Street  View,  uma  caracterização  tópica  e  o  desenho  esquemático de uma seção transversal das vias analisadas – as “caixas de rua”.       

 

177   

SITUAÇÃO 1 

    DESCRIÇÃO: Rodovia Ayrton Senna da Silva e Parque Ecológico Tietê  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação excepcional, mas de consideração local, devido à apropriação do parque  pela  população,  ainda  que  seu  acesso  seja  deficitário  de  conexões  com  os  tecidos  locais  adjacentes  CONEXÕES: 2 ‐ 40 – 41  ARTICULAÇÕES: 3 

       

    escala 1: 3.500  178   

SITUAÇÃO 2 

    DESCRIÇÃO: Ponte Grande, ligando os municípios de Guarulhos e São Paulo, transposição do  rio Tietê e da Ferrovia  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  excepcional,  obra  de  transposição  que  serve  exclusivamente  à 

fluxos metropolitanos e regionais  CONEXÕES: 1 ‐ 4  ARTICULAÇÕES: 2 

     

  escala 1: 1.800  179   

SITUAÇÃO 3 

    DESCRIÇÃO: Viadutos Domingos Franciulli Netto e General Milton Taváres de Souza  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: borda ou limite  CONFLITOS:  situação  inusitada,  em  que  assentamentos  precários  convivem  lado  a  lado  com  uma infraestrutura metropolitana de transposição  CONEXÕES: 1 ‐ 3 ‐ 4 ‐ 6  ARTICULAÇÕES: 4 

 

  escala 1: 400  180   

SITUAÇÃO 4 

    DESCRIÇÃO: Avenida Gabriela Mistral, margeando a ferrovia  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS:  situação  inusitada,  em  que  assentamentos  precários  convivem  lado  a  lado  com  uma infraestrutura metropolitana de transposição  CONEXÕES: 2 ‐ 3 ‐ 6  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 300  181   

SITUAÇÃO 5 

    DESCRIÇÃO: Viaduto Cangaíba, ligando as colinas da Penha e Cangaíba  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS:  situação  inusitada,  em  que  assentamentos  precários  convivem  lado  a  lado  com  uma infraestrutura metropolitana de transposição  CONEXÕES: 7 ‐ 21 ‐ 22  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 800  182   

SITUAÇÃO 6 

    DESCRIÇÃO: Avenida Gabriela Mistral, à meia encosta, junto ao Terminal Penha  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 4 ‐ 7  ARTICULAÇÕES: 2 

  escala 1: 300  183   

SITUAÇÃO 7 

    DESCRIÇÃO: Avenida Cangaíba, na colina da Penha  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 5 ‐ 6  ARTICULAÇÕES: 2   

  escala 1: 300  184   

SITUAÇÃO 8 

    DESCRIÇÃO: Avenida Airton Pretini, paralela ao Viaduto Engenheiro Alberto Badra  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 1 ‐ 9 ‐ 10  ARTICULAÇÕES: 3 

 

  escala 1: 900  185   

SITUAÇÃO 9 

    DESCRIÇÃO: Avenida Celso Garcia, antigo Caminho dos Tropeiros, ligando a colina da Penha ao  centro de São Paulo  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 8 ‐ 10 ‐ 12  ARTICULAÇÕES: 3   

escala 1: 1.000  186   

SITUAÇÃO 10 

    DESCRIÇÃO: Viaduto Engenheiro Alberto Badra e córrego Aricanduva canalizado  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos  fundos  de  vale,  mas  também  à  escala  de  inserção  no  tecido,  e  à  diversidade  de  infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 8 ‐ 9 ‐ 11‐ 12 ‐ 16  ARTICULAÇÕES: 5   

  escala 1: 600  187   

SITUAÇÃO 11 

    DESCRIÇÃO: Rua Guaiaúna, margeando o setor sudoeste da colina da Penha  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 10 ‐ 12 – 15  ARTICULAÇÕES: 3 

  escala 1: 300  188   

SITUAÇÃO 12 

    DESCRIÇÃO: Rua Coronel Rodovalho, conhecida como Ladeira da Penha  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  consideração  local,  que  poderia  ser  definida  como  de  resiliência  da  memória,  devido ao seu caráter histórico, ao seu acentuado declive, e também pela presença de edifícios  habitacionais com comércios no rés‐do‐chão, ainda que esteja submetida de maneira saturada  aos fluxos metropolitanos de máquinas automotivas que a atravessam  CONEXÕES: 7 ‐ 9 ‐ 11 ‐ 13  ARTICULAÇÕES: 4 

  escala 1: 300  189   

SITUAÇÃO 13 

    DESCRIÇÃO: Rua Padre Antonio Benedito, conexão entre a Avenida Penha de França e a a Rua  Doutor Assis Ribeiro  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 7 ‐ 12 ‐ 14  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 250  190   

SITUAÇÃO 14 

    DESCRIÇÃO: Avenida Amador Bueno da Veiga  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 13 ‐ 19 ‐ 20  ARTICULAÇÕES: 3 

 

  escala 1: 300  191   

SITUAÇÃO 15 

    DESCRIÇÃO:  Piscinão  do  córrrego  Rincão,  margeado  pela  Avenida  Doutor  Orêncio  Vidigal,  e  Rua Alvinópolis  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos  fundos  de  vale,  mas  também  à  escala  de  inserção  no  tecido,  e  à  diversidade  de  infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 11 ‐ 17 ‐ 1 8‐ 19  ARTICULAÇÕES: 4   

 

  escala 1: 1.000  192   

SITUAÇÃO 16 

    DESCRIÇÃO: Viaduto Engenheiro Alberto Badra, transpondo a Radial Leste (Avenida Conde de  Frontin e córrego Aricanduva canalizado  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 10 ‐ 17 ‐ 42  ARTICULAÇÕES: 3 

   

  escala 1: 800  193   

SITUAÇÃO 17 

    DESCRIÇÃO:  Viaduto  Carlos  de  Campos,  transpondo  a  ferrovia  e  ligando  a  Rua  Alvinópolis  à  Radial Leste  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 15 ‐ 19  ARTICULAÇÕES: 2   

  escala 1: 600  194   

SITUAÇÃO 18 

    DESCRIÇÃO:  Viaduto  Dona  Matilde,  transpondo  a  Radial  Leste,  servindo  de  alça  para  a  Vila  Guilhermina  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 15 ‐ 16  ARTICULAÇÕES: 2   

 

escala 1: 700  195   

SITUAÇÃO 19 

    DESCRIÇÃO:  Rua  Maria  Carlota  e  Avenida  Padre  dos  Olivetanos,  ligando  o  Viaduto  Dona  Matilde à Avenida Amador Bueno da Veiga  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana   POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 14 ‐ 18 ‐ 20 ‐ 25  ARTICULAÇÕES: 4 

 

    escala 1: 500  196   

SITUAÇÃO 20 

    DESCRIÇÃO:  Avenida  São  Miguel,  ligando  a  Avenida  Amador  Bueno  da  Veiga  à  Avenida  Governador Carvalho Pinho e Avenida Dom Hélder Câmara  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana   POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 14 ‐ 19‐  23 ‐ 24  ARTICULAÇÕES: 4   

    escala 1: 400  197   

SITUAÇÃO 21 

    DESCRIÇÃO:  Avenida  Governador  Carvalho  Pinto,  margeando  o  Parque  Linear  do  córrego  canalizado Tiquatira  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: consideração local, uma notável exceção à prática que se estabeleceu nas obras  de fundo de vale, sendo mais um elemento integrador entre as colinas da Penha e Cangaíba do  que um elemento de divisão, na qual seu caráter compartilhado conjugando as diferenças que  existem em ambas as colinas quanto ao desenho dos respectivos tecidos locais  CONEXÕES: 3 ‐ 4 ‐ 5 ‐ 23  ARTICULAÇÕES: 4       

    escala 1: 800  198   

SITUAÇÃO 22 

    DESCRIÇÃO: Avenida Cangaíba  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 5 ‐ 37 ‐ 38  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 300  199   

SITUAÇÃO 23 

    DESCRIÇÃO: Cruzamento entre Avenidas São Miguel, Governador Carvalho Pinto e Dom Hélder  Câmara, e confluência dos córregos Franquinho e Ponte Rasa com Tiquatira  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos fundos de vale  CONEXÕES: 20 ‐21 ‐ 25 ‐ 26  ARTICULAÇÕES: 4   

  escala 1: 400  200   

SITUAÇÃO 24 

    DESCRIÇÃO:  Conexão  complementar  entre  Avenidas  Amador  Bueno  da  Veiga  e  São  Miguel,  conectando também Avenidas Dom Hélder Câmara e Calim Eid  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 23 ‐ 24 ‐ 27 ‐ 28  ARTICULAÇÕES: 4     

  escala 1: 300  201   

SITUAÇÃO 25 

    DESCRIÇÃO:  Conexão  complementar  entre  Avenidas  Amador  Bueno  da  Veiga  e  São  Miguel,  conectando também Avenidas Dom Hélder Câmara e Calim Eid  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos fundos de vale  CONEXÕES: 23 ‐ 24 ‐ 26 ‐ 28  ARTICULAÇÕES: 4     

  escala 1: 400  202   

SITUAÇÃO 26 

 

   

DESCRIÇÃO: Avenida São Miguel, trecho contíguo ao córrego Ponte Rasa  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 23 ‐ 25 ‐ 27  ARTICULAÇÕES: 3       

    escala 1: 400  203   

SITUAÇÃO 27 

    DESCRIÇÃO: Estrada de Mogi das Cruzes  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS:  consideração  local,  pois  possui  um  canteiro  central  arborizado  e  com  pista  de  pedestres,  e  caracteriza  com  um  boulevard  que  oferece  uma  alternativa  a  mais  para  o  pedestre, em termos de deslocamento e lazer  CONEXÕES: 25 ‐26 ‐ 33  ARTICULAÇÕES: 3     

  escala 1: 400  204   

SITUAÇÃO 28 

    DESCRIÇÃO: Avenida Calim Eid, margeando o córrego do Franquinho, canalizado  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos fundos de vale  CONEXÕES: 25 ‐ 30 ‐ 31 ‐ 32  ARTICULAÇÕES: 4       

    escala 1: 500  205   

SITUAÇÃO 29 

    DESCRIÇÃO: Rua Itinguçú  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 24 ‐ 30  ARTICULAÇÕES: 2     

  escala 1: 300  206   

SITUAÇÃO 30 

    DESCRIÇÃO: Viaduto Itinguçú, transpondo a Radial Leste (Rua Doutor Luís Aires), e conectando  a Rua Itinguçú com a Avenida Paraguassu Paulista  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 28 ‐ 29  ARTICULAÇÕES: 2     

  escala 1: 500  207   

SITUAÇÃO 31 

    DESCRIÇÃO:  Túnel  Águia  de  Haia,  transpondo  a  ferrovia  e  conectando  as  Avenidas  Águia  de  Haia e Radial Leste  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 28 ‐ 32 ‐ 33  ARTICULAÇÕES: 3 

  escala 1: 300  208   

SITUAÇÃO 32 

    DESCRIÇÃO:  Viaduto  Milton  Leão,  transpondo  a  Radial  Leste,  conectando  as  Avenidas  Calim  Eid e Águia de Haia à Avenida Itaquera  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 28 ‐ 31 ‐ 33 ‐ 47  ARTICULAÇÕES: 4   

  escala 1: 800  209   

SITUAÇÃO 33 

    DESCRIÇÃO: Avenida Águia de Haia, margeando a nascente do córrego Ponte Rasa, realizando  uma  ligação  perimetral  entre  as  Avenidas  Radial  Leste  e  São  Miguel,  cruzando  também  a  Estrada de Mogi das Cruzes  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 27 ‐ 31 ‐ 34 ‐ 35  ARTICULAÇÕES: 4   

  escala 1: 300  210   

SITUAÇÃO 34 

    DESCRIÇÃO: Avenida Paranaguá  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 33 ‐ 35 ‐ 37  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 300  211   

SITUAÇÃO 35 

 

   

DESCRIÇÃO: Avenida Boturussu  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 34 ‐ 37  ARTICULAÇÕES: 2     

    escala 1: 300  212   

SITUAÇÃO 36 

    DESCRIÇÃO: Avenida Olavo Egídio de Souza Aranha  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 38 ‐ 40  ARTICULAÇÕES: 2       

  escala 1: 350  213   

SITUAÇÃO 37 

    DESCRIÇÃO:  Rua  Reverendo  José  de  Azevedo  Guerra,  margeando  córrego  Sem  Nome,  canalizado, e ligando a rua Doutor Assis Ribeiro à Avenida Paranaguá  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos fundos de vale  CONEXÕES: 34 ‐ 35 ‐ 40  ARTICULAÇÕES: 3     

  escala 1: 400  214   

SITUAÇÃO 38 

    DESCRIÇÃO: Avenidas Cangaíba e Danfer, Rua Monsenhor Meireles  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 36 ‐ 39  ARTICULAÇÕES: 2   

  escala 1: 250  215   

SITUAÇÃO 39 

    DESCRIÇÃO  Rua  Rubens  Fraga  de  Toledo  Arruda,  ligando  a  Avenida  Cangaíba  à  Rua  Doutor  Assis Ribeiro  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 22 ‐ 38 ‐ 40  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 300  216   

SITUAÇÃO 40 

    DESCRIÇÃO  Rua  Doutor  Assis  Ribeiro,  túnel  da  Rua  Cinco  transpondo  a  ferrovia  e  ligando  o  Jardim Piratininga à colina do Cangaíba  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 1 ‐ 39 ‐ 41  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 400 

217   

SITUAÇÃO 41 

    DESCRIÇÃO Rua Doutor Assis Ribeiro, túnel da Rua Quatiara transpondo a ferrovia e ligando o  Jardim Piratininga à colina do Cangaíba  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  complexa,  devido  tanto  à  escala  de  inserção  no  tecido,  quanto  pela  diversidade de infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 1 ‐ 40  ARTICULAÇÕES: 2   

 

  escala 1: 500  218   

SITUAÇÃO 42 

    DESCRIÇÃO Avenida Aricanduva, margeando o rio de mesmo nome, canalizado  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos  fundos  de  vale,  mas  também  à  escala  de  inserção  no  tecido,  e  à  diversidade  de  infraestruturas articuladas entre si  CONEXÕES: 16 ‐ 44  ARTICULAÇÕES: 2   

 

  escala 1: 700 

219   

SITUAÇÃO 43 

    DESCRIÇÃO  Avenida  Doutor  Bernardo  Brito  Fonseca  de  Carvalho,  margeando  o  córrego  Gamelinha  TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos fundos de vale  CONEXÕES: 18 ‐ 44  ARTICULAÇÕES: 2   

 

  escala 1: 400  220   

SITUAÇÃO 44 

    DESCRIÇÃO Avenida Itaquera  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 42 ‐ 43 ‐ 45  ARTICULAÇÕES: 3   

  escala 1: 400  221   

SITUAÇÃO 45 

    DESCRIÇÃO Avenida Itaquera  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário  nos fundos de vale  CONEXÕES: 43 ‐ 44 ‐ 46  ARTICULAÇÕES: 3   

 

  escala 1: 300  222   

SITUAÇÃO 46 

    DESCRIÇÃO Avenida Itaquera  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para  os  pedestres  em  escala  local,  em  prol  do  deslocamento  de  máquinas  automobilísticas  em  escala metropolitana  CONEXÕES: 45 ‐ 47  ARTICULAÇÕES: 2   

  escala 1: 300  223   

SITUAÇÃO 47 

    DESCRIÇÃO Viaduto Milton Leão  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  excepcional,  obra  de  transposição  que  serve  exclusivamente  à 

fluxos metropolitanos e regionais  CONEXÕES: 32 ‐ 46  ARTICULAÇÕES: 2   

  escala 1: 400  224   

SITUAÇÃO 48 

    DESCRIÇÃO Avenida Miguel Ignácio Curi  TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  excepcional,  obra  de  transposição  que  serve  exclusivamente  à 

fluxos metropolitanos e regionais  CONEXÕES: 32 ‐ 47  ARTICULAÇÕES: 2   

 

    escala 1: 800 

225   

SITUAÇÃO 49 

    DESCRIÇÃO Viaduto Marcos Zlotnik a Rodovia Ayrton Senna da Silva e a Rodovia Hélio Smidt  TIPO de infraestrutura: viária de transposição  POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale  CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição  INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual  CONFLITOS:  situação  excepcional,  obra  de  transposição  que  serve  exclusivamente  à 

fluxos metropolitanos e regionais  CONEXÕES: 1 ‐ 2  ARTICULAÇÕES: 2   

 

    escala 1: 600  226   

NASCENTE PONTE RASA 01 

    DESCRIÇÃO: Nascente do córrego Ponte Rasa, com montante na faixa de servidão permanente  da  Petrobrás,  fundo  de  lote  da  FATEC  continua  com  diversos  tipos  de  ocupação,  inclusive  assentamentos precários  INSERÇÃO no tecido local: se ora são fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: aberta, porém foi objeto de infraestrutura parcial 

       

      escala 1: 500  227   

NASCENTE PONTE RASA 02 

    DESCRIÇÃO: Nascente com montante no terreno da Escola Estadual Marinha do Brasil, e segue  aterrada junto à faixa de cabos de alta tensão  INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada 

 

  escala 1: 300  228   

NASCENTE PONTE RASA 03 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  montante  na  rua  Japacari,  segue  pela  Rua  Engenheiro  Osvaldo  Andreani, depois Avenida Lagoa Mirim, quando encontra o córrego Ponte Rasa  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

     

    escala 1: 250  229   

NASCENTE PONTE RASA 04 

    DESCRIÇÃO: Nascente com montante provável na Praça Maria Teresa da Silva, cruza as Ruas  Nova Friburgo, Itapiruna, Arlete, e encontra o córrego Ponte Rasa no meio da quadra  INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada 

 

  escala 1: 250  230   

NASCENTE PONTE RASA 05 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  beco  sem  nome  à  montante  de  traçado  contínuo  à  Rua  Santa  Silveira, segue pela Rua Francisco Mairink, quando encontra o córrego Ponte Rasa  INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

 

  escala 1: 200  231   

NASCENTE PONTE RASA 06 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Antônio de Albuquerque  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

 

  escala 1: 200    232   

NASCENTE PONTE RASA 07 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Humberto Dantas  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

     

    escala 1: 250    233   

NASCENTE PONTE RASA 08 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Balsa Nova  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: aterrada   

     

    escala 1: 250  234   

NASCENTE PONTE RASA 09 

    DESCRIÇÃO: Nascente entre as Ruas Manuel Mendes Ribeiro e Imperial, e cruza a Rua Gentil  Braga à jusante, quando encontra o córrego Ponte Rasa  INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada 

 

  escala 1: 250  235   

NASCENTE PONTE RASA 10 

    DESCRIÇÃO: Nascente com montante no terreno da Escola Municipal de Ensino Fundamental  Francisco  de  Mont'Alverne  Frei,  seguindo  paralelo  à  Rua  São  Célso,  cruzando  a  Avenida  São  Miguel, seguindo pela Rua Marangone, quando encontra o córrego Ponte Rasa  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

   

  escala 1: 250  236   

NASCENTE PONTE RASA 11 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  Rua  Galvão  da  Fontoura  à  montante,  segue  paralela  à  Rua  Jerônimo  Cabaral,  depois  entre  as  Ruas  Quartel  de  São  João  e  Rua  Mateus  Lourenço  de  Carvalho, cruzando a Rua Gentil Braga à jusante, quando encontra o córrego Ponte Rasa  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada 

   

    escala 1: 250  237   

NASCENTE PONTE RASA 12 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  montante  paralelo  à  Travessa  Lúcio  Paulis,  segue  entre  as  Ruas  Raimundo Mattiuzzo e Entre Rios  INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada   

 

  escala 1: 200  238   

NASCENTE PONTE RASA 13 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Cristovão Camargo  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

   

  escala 1: 300  239   

NASCENTE FRANQUINHO 01 

    DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante de traçado contínuo à Rua Padre José  Vieira de Matos, cruza a Radial Leste à jusante, quando encontra o córrego do Franquinho  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

     

      escala 1: 400  240   

NASCENTE FRANQUINHO 02 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  montante  provável  no  terreno  do  Centro  de  Educação  Integral  Oswaldo  Aranha  B.  de  Mello  segue  pela  Avenida  Padre  Sena  Freitas  e  cruza  a  Radial  Leste  à  jusante, quando encontra o córrego do Franquinho  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

       

    escala 1: 350  241   

NASCENTE FRANQUINHO 03 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  beco  sem  nome  à  montante,  dobrando  à  jusante  ‐  provável  ‐  na  Rua Boicorá  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

   

  escala 1: 200  242   

NASCENTE FRANQUINHO 04 

    DESCRIÇÃO: Nascente Avenida Hermilo Alves à montante, segue paralela à Rua Manuel Alves  Ferreira e cruza a Rua Praia de Mucuripe  INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

 

    escala 1: 200  243   

NASCENTE FRANQUINHO 05 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  beco  sem  nome  à  montante,  cruza  a  Avenida  Nicolau  Jacinto  e  segue  paralela  à  Rua  Rio  Mearim,  cruza  a  Avenida  Calim  Eid  à  jusante,  quando  encontra  o  córrego do Franquinho  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada 

 

  escala 1: 300  244   

NASCENTE FRANQUINHO 06 

    DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Nea à montante, cruza a Avenida Calim Eid à jusante, quando  encontra o córrego do Franquinho  INSERÇÃO no tecido local: beco  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

       

    escala 1: 250  245   

NASCENTE FRANQUINHO 07 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Breno Aciole  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

       

      escala 1: 300  246   

NASCENTE FRANQUINHO 08 

    DESCRIÇÃO: Nascente com Travessa João Jufre à montante, dobrando à jusante na Rua Papaia  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

 

    escala 1: 200  247   

NASCENTE FRANQUINHO 09 

    DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Impatá à montante, cruza as Ruas Ferdinando Bertoni, Caçada  Real,  Travessa  Angelo  Ravanel,  Ruas  André  Torresoni,  Heloísa  Ferraz  Cesário  de  Castilho,  Municipal, Amélia de Freitas Beviláqua, Coronel Estelita Ribas e segue pela Rua Corim, quando  encontra o córrego do Franquinho  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

     

 

    escala 1: 300  248 

 

NASCENTE FRANQUINHO 10 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Coronel Américo Fontenele  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

 

  escala 1: 300  249   

NASCENTE FRANQUINHO 11 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Lorenzo Perosi  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

       

      escala 1: 300  250   

NASCENTE FRANQUINHO 12 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  montante  equivalente  à  Rua  Maidú,  dobra  na  Rua  São  Quintino,  depois  na  Rua  Doná  Rosa  Santana,  e  depois  na  Rua  Axoxè,  cruza  a  Avenida  Dom  Hélder  Câmara e  encontra o córrego do Franquinho  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

 

  escala 1: 200  251   

NASCENTE TIQUATIRA 01 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Sargento Resende  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

       

    escala 1: 200  252   

NASCENTE TIQUATIRA 02 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  Rua  Laurentina  Jorge  Ribeiro  à  montante,  segue  pela  Travessa  Ângelo Arroyo, depois Rua Professora Dúlce de Almeida, cruza a Avenida Governador Carvalho  Pinto e encontrar o córrego Tiquatira  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada 

     

    escala 1: 200  253   

NASCENTE TIQUATIRA 03 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  com  Rua  do  Direito  à  montante,  cruza  lote  privado,  segue  pela  Rua  Tarumã, cruza a Avenida Governador Carvalho Pinto e encontra o córrego Tiquatira  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada 

       

      escala 1: 250  254   

NASCENTE TIQUATIRA 04 

    DESCRIÇÃO: Nascente com montante equivalente à Rua Cláudio Barnabé, cruza a Rua Odete,  depois a Avenida Governador Carvalho Pinto, e encontra o córrego Tiquatira  INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

       

      escala 1: 350  255   

NASCENTE TIQUATIRA 05 

    DESCRIÇÃO: Nascente com montante provável no terreno da Escola Professor José de Campos  Camargo,  segue  entre  as  Ruas  Enéas  de  Barros  e  Cumanaxos,  depois  segue  a  Rua  Carlos  Frederico Leis  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

     

  escala 1: 250  256   

NASCENTE TIQUATIRA 06 

    DESCRIÇÃO  Nascente  com  montante  equivalente  à  Rua  Faustino  Paganini,  dobra  na  Rua  Antônio Paganini, e depois na Rua Firmiano Cardoso  INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

         

      escala 1: 350  257   

NASCENTE TIQUATIRA 07 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  equivalente  à  Rua  Brita,  segue  pela  Rua  Bangué,  depois  Oldham,  e  dobra na Rua Manual José Viana  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

     

  escala 1: 200  258   

NASCENTE TIQUATIRA 08 

    DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Travessa Neide  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada   

 

  escala 1: 200  259   

NASCENTE TIQUATIRA 09 

    DESCRIÇÃO:  Nascente  equivalente  à  Rua  Ritchmont,  dobra  a  Rua  Oxford,  cruza  a  Avenida  Governador Carvalho Pinto e encontra o córrego Tiquatira  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

     

      escala 1: 250  260   

NASCENTE TIQUATIRA 10 

    DESCRIÇÃO: Nascente com montante na Rua Maria Teresa Assunção, dobra na Rua Cequilho, e  segue paralelo à Rua Guilherme Rudge  INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela  SITUAÇÃO no tecido local: tamponada 

           

        escala 1: 400  261   

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