Entre igualdade e diversidade: Globalização, migrações, direitos humanos e relações interculturais

May 22, 2017 | Autor: P. Petters Melo | Categoria: Globalization, Migration Studies, Intercultural dialogue, Direitos Fundamentais, Direitos Humanos
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Entre igualdade e diversidade: Globalização, migrações, direitos humanos e relações interculturais.1

MILENA PETTERS MELO

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Introdução A partir da segunda metade do século XX, a temática da igualdade passou a ser um dos traços caracterizadores, ao menos no plano ideal ou dos direitos formalmente reconhecidos, da civilização ocidental e dos Estados democráticos, conquistando sempre maior espaço nas relações entre nações, etnias, culturas, grupos, sejam estes inseridos em um mesmo Estado, em Estados confinantes, em “blocos” econômico-políticos ou em sistemas culturais heterogêneos. Contemporaneamente, nas sociedades multiculturais hodiernas, o reconhecimento da diversidade passou a ser a via democrática prioritária através da qual novos atores coletivos visam conquistar uma igual dignidade em relação à própria identidade e um igual respeito aos próprios direitos, para uma maior participação na comunidade. O fim do projeto colonial, o desmantelamento do sistema soviético no leste europeu, a precária reestruturação das populações por muito tempo opressas, os novos e o ressurgimento de antigos conflitos de ordem geopolítica, os crescentes fluxos migratórios, a crise ecológica e os delineamentos de uma ordem econômica mundial que promove a concentração dos recursos aumentanto o ângulo da bifurcação entre ricos e pobres, são alguns dos sinais mais visíveis das transformações socioculturais em ato, que vem sendo agregadas em torno ao termo “globalização”. Um cenário sempre mais caracterizado pela intensificação das relações interculturais que alimenta as tensões entre o reconhecimento do direito à igualdade e os conflitos decorrentes da diversidade étnica, cultural, nacional, regional, local. Nesse contexto, as relações entre os estrangeiros e as comunidades de acolhimento evidenciam novas fronteiras da democracia e potenciais pontos de partida para oportunas expansões. Este capítulo busca trazer alguns subsídios teóricos para a reflexão sobre estes temas. Para tanto, o texto se divide em quatro tópicos: 1. Contexto global, desencantamento ético e direitos humanos; 2. As fronteiras da desigualdade; 3. Migrações e relações interculturais; 4. Diversidade: versatilidade criativa do instinto vital. 1

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MELO, Milena Petters. Entre igualdade e diversidade: globalização, migrações, direitos humanos e relações interculturais. In PRONER, Carol; BARBOZA, Estefania; GODOY, Gabriel. Migrações: Políticas e Direitos Humanos sob as perspectivas do Brasil, Itália e Espanha. Curitiba: Juruá, 2015. p. 141-166. Professora Associada à Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Professora da Universidade Regional de Blumenau – FURB. Coordenadora do Núcleo de pesquisas e estudos em constitucionalismo contemporâneo, internacionalização e relações de cooperação – CONSTINTER, FURB, Brasil. Coordenadora do Centro Didático Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais – UNISALENTO, Itália; Pesquisadora do Centro de Pesquisa sobre as Instituições Européias – CRIE/UNISOB, Itália; Pesquisadora do Instituto Internacional de Estudos e Pesquisas sobre os Bens Comuns – IIERBC, França. Professora convidada no Programa Master-Doutorado da União Européia, Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo – Universidade Pablo de Olavide/ Univesidad Internacional da Andaluzia, Espanha. Professora convidada no Programa de Pós-graduação em Direito e do Núcleo de Pesquisas em Direito Constitucional – UNIBRASIL. Doutorado em Direito, Università degli Studi di Lecce/Salento (Itália, 2004); formação em Cooperação descentralizada e diplomacia no novo atlante da solidariedade internacional Curso Nacional da Universidade Internacional das instituições e dos Povos para a Paz UNIP(Itália, 2005); formação em Direitos Humanos junto ao Istituto Interamericano de Derechos Humanos (San José da Costa Rica, 2001); graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina (1999). E-mail: [email protected]

I. Contexto global, desencantamento ético e direitos humanos Ainda que ao termo globalização sejam atribuídos significados e traços caracterizadores diversos, geralmente associada à internacionalização da economia e ao neoliberalismo, podendo designar o crescimento da interdependência a nível planetário, a intensificação das relações sociais mundiais, a constituição de uma única sociedade mundial, etc., a globalização geralmente é concebida como um efeito da compressão do tempo e do espaço que modificou e vem modificando radicalmente as formas da vida social. Essa compressão espaço-temporal constitui-se na aceleração e incremento dos fluxos de capitais, mercadorias e pessoas, na intensificação das informações e da comunicação, na hibridação de culturas e estilos de vida. Pode-se dizer que a globalização se caracteriza, portanto, pela nova extensão e intensificação das relações sociais, que passam a constituir novas formas de interação3. Nessa perspectiva, é importante evidenciar que a globalização é um fenômeno, ou conjunto de fenômenos, que se relaciona com as diversas dimensões da sociedade, nas suas feições econômica, política e cultural, e se perfaz através de processos diferenciados. Por essa sua complexidade, não obstante as reiteradas recorrências ao termo, ainda hoje o debate sobre as diversas interpretações relativas à globalização é aberto, exatamente porque a sua primordial característica é a multidimensionalidade, fundada sobre e por elementos contraditórios que podem ser traduzidos nas dicotomias: global/local, universalismo/particularismo, identidade/diferença, liberdade/poder. Como observa Octavio Ianni, a sociedade global pode ser vista como uma totalidade histórica e lógica, mas se trata de um “todo” múltiplo, heterogêneo e caleidoscópico, simultaneamente tenso e integrado, contraditório e organizado, aberto e em movimento. Compreende nações e continentes, povos, sociedades e culturas, línguas e dialetos, religiões e seitas, grupos e classes sociais, etnias e minorias, movimentos sociais, partidos políticos e correntes de opinião pública. Envolve os fatores da produção, as forças produtivas e as instituições jurídico-políticas que garantem as relações de produção, os modos de produzir e reproduzir, repartir e consumir. Uma vasta e complexa fábrica social, em que a produção e a reprodução, simultaneamente material e cultural, envolvem as mercadorias, as pessoas e as idéias, e tanto a sociedade como a natureza4. Um fenômeno que não é novo, mas se intensificou sobremaneira recentemente, sobretudo a partir das últimas duas décadas do século passado. Processos que se caracterizam pela mundialização da economia, a volatibilidade do capital, a transnacionalização e precarização das relações trabalhistas, a redefinição paradoxal do Estado (que se enfraquece como promotor do bem estar social, mas deve se fortalecer para adequar as realidades nacionais à nova ordem econômica mundial e aos novos delineamentos da política internacional), a desregulamentação de direitos, a celeridade das informações, o relativismo 3

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Sobre essa definição de globalização e ulteriores aprofundamentos, cunsultar: GIDDENS, Anthony. Le conseguenze della modernità. Bologna: Il Mulino, 1992; no mesmo sentido: GEERTZ Cliffort. Mondo globale, mondi locali. Bologna: Il Mulino, 1999. Marcando a complexidade do tema, Lizt Vieira, identifica cinco tipologias nos processos de globalização: a globalização econômica, a globalização social, a globalização cultural, a globalização ecológica e a globalização política. VIEIRA, Lizt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997. Sobre a redefinição do Estado e das relações de poder nesse contexto, consultar AMIRANTE, Carlo. Unioni Sovranazionali e riorganizzazione costituzionale dello Stato. Torino: Giappichelli, 2001. IANNI, Otavio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 179.

da concepção de espaço e tempo (ante às inovações tecnológicas na área da informática e telecomunicações, que permitem a visualização da simultaneidade de eventos que ocorrem no mundo todo, e confundem a percepção do real com o virtual), a internacionalização dos problemas ecológicos, entre tantos outros fatores, problemas e estruturas criadas para a solução destes problemas. Como demonstram os fatos históricos do passado recente, a globalização não produz uma sociedade global integrada que engloba democraticamente os Estados, as nações, as pessoas e grupos, mas, muito pelo contrário, abraça contínuas agregações e desagregações, fusões e disjunções, tensões e conflitos que não mais permanecem circunscritos e localizados. As consequências, particularmente sentidas nas sociedades ocidentais, são evidentes: difuso sentimento de incerteza, de risco, precariedade, dificuldade de constituir laços de solidariedade e estabelecer democraticamente os fundamentos da convivência social, crise da moralidade e dos valores éticos – que não respondem proficuamente à função de criar regras e vínculos sociais. Nesse contexto, ganha espaço e cresce em relevância a ideia de desencantamento ético. Como observa Juan Ramón Capella5, com esta expressão se alude à suposição de que vivemos em sociedades livres de pecado e de culpa. Nas sociedades em que os indivíduos tendem cada vez mais a atuar com independência de juízos morais sobre seus próprios atos, atentos somente à funcionalidade destes no que se refere a suas ações egoístas. A expressão se usa, assim, mais para aludir a ética das sociedades contemporâneas que ao desencantamento ou secularização desta ética propriamente dita. Mas falar de desencantamento ético no primeiro dos sentidos é algo desarrazoado, pois sugere que a eticidade não é um componente necessário da conduta humana; que, no limite, nossas ações são meramente tecnológicas. O que pode haver de intuitivamente verdadeiro na expressão “desencantamento ético”, como destaca Juan Ramón Capella, “designa algo distinto: a crescente insensibilidade ética e a falta de tensão moral características das sociedades opulentas”6. E nesse quadro assume especial relevância a dimensão cultural dos processos de globalização, sobretudo no que tange às relações dinâmicas entre igualdade e diversidade, inclusão e exclusão, e as grandes linhas de divisão destas decorrentes nas várias regiões do mundo7.

1.1. Direitos humanos: entre igualdade e diversidade Todas as declarações internacionais de direitos emanadas na sede da Organização das Nações Unidas – ONU evidenciam, implícita ou explicitamente, a igualdade entre os direitos fundamentais da pessoa humana. No exórdio da Declaração Universal de 1948 figura a princípio a dignidade humana que distingue os homens dos outros seres e lhes confere uma inviolabilidade fundamental e uma igualdade substancial com todos os seus semelhantes. O sistema ONU contempla também, como não poderia deixar de ser, a dimensão social do homem, que pode viver, 5

Conforme CAPELLA, Juan Ramón. Los ciudadanos siervos. Madrid: Editoral Trotta, 1993, p. 37. Idem ibidem. 7 A propósito e para aprofundamentos especialmente no âmbito da educação intercultural, v. BESOZZI, Elena. (org.) Crescere tra appartenenze e diversità. Una ricerca tra i preadolescenti delle scuole medie milanesi. Milano: Franco Angeli, 1999. 6

desenvolver-se e ter acesso aos próprios direitos somente através da vida social, como garantia do respeito da igual dignidade de cada um e de todos. Esta idéia se concretiza no pertencimento de todos os seres humanos a uma comunidade universal – que a ONU pretende prefigurar nela mesma – e implica, portanto, uma comunidade de destino e uma solidariedade universal em nome da qual os direitos humanos devem ser defendidos. Esta concepção possui raízes antigas mas historicamente muitas correntes de pensamento e movimentos políticos questionaram, e questionam, a afirmação de que os homens “nascem iguais”, como enuncia a Declaração Universal de Direitos Humanos. Algumas vertentes socialistas e comunistas, por exemplo, sustentam que a igualdade não é dada pelo nascimento ou pela natureza, mas pela história, os homens não nascem iguais, mas podem se tornar, em uma estrutura social que o permita. Mesmo do ponto de vista puramente antropológico não é fácil sustentar que todos os homens nascem iguais, uma vez que possuem propensões particulares, sensibilidades diferentes, e assim por diante. A singularidade que constitui cada pessoa torna difícil o discurso da igualdade natural. Contudo, pode-se tomar em consideração seriamente a idéia de igualdade que perpassa toda a tradição sobre os direitos humanos e que se funda no princípio que todos os homens fazem parte de uma comunidade mundial. Sem descuidar de um detalhe semântico implícito a esta idéia, que se refere ao fato de que uma comunidade existe apenas se existem coisas em comum entre seus membros. De fato, somente o reconhecimento de elementos comuns a todos os seres humanos, uma natureza física, racional, afetiva e cognitiva, explica a identificação de coisas a compartilhar, a comunicar e, sobretudo, consente que os seres humanos entrem em relação com os outros, que vivam em sociedade. A presença nos seres humanos desta realidade universal, deste fundo comum, é o que torna os seres humanos membros não apenas de uma mesma espécie biológica, bem como de uma mesma comunidade humana. E porque esta componente se encontra presente em todos os seres humanos torna-os iguais em dignidade, não obstante as suas naturais dessemelhanças e as diferenças alimentadas, ou impostas, pelas estruturas sociais, econômicas e culturais. Nesta perspectiva, todavia, seria subentender a igualdade inter-humana considerá-la superficialmente e reduzi-la a um nivelamento ou uniformidade. A pessoa, enquanto individualização de uma natureza humana comum, postula a igualdade em relação aos meios necessários para a sua realização. Contudo, a pessoa não é apenas uma individuação da comunidade, não é somente um indivíduo: cada pessoa constitui algo de único, de original, e, portanto, encerra limitações e riquezas interiores que as outras não possuem. Existem notáveis diferenças entre as pessoas: diferenças de caráter, de gosto, de estilos de vida, de escolhas políticas e religiosas, etc., mais ou menos coligadas às culturas de proveniência. Contemporaneamente à universalidade do direito à igualdade, existem, portanto, também legítimas particularidades entre as pessoas, que constituem direitos derivantes diretamente da estrutura original da pessoa e dos grupos de pertencimento. É necessário, por isso, ter sempre em vista a relação entre a universalidade das exigências igualitárias e um legítimo particularismo pessoal, étnico, cultural, social. O direito à diversidade constitui, assim, um instituto a serviço da universalidade da dignidade humana, de modo que as diferenças não criem rupturas que possam culminar em diversas modalidades de violência: discriminação, xenofobia, racismo. Daí o desdobramento da dialética igualdade/diversidade em tantos outros direitos reconhecidos nas Declarações Internacionais e nas Constituições dos Estados: como o direito de autodeterminação dos povos, a proteção dos direitos das minorias étnicas e culturais, dos povos indígenas; a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, os direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos hiposuficientes, aos diversamente hábeis; a defesa privilegiada dos direitos da infância e

adolescência, etc.. Seguindo nessa direção de sentido, na teoria constitucional contemporânea e no âmbito do direito positivo de diferentes países, ganha sempre maior espaço a temática das discriminações inversas ou affirmative actions8 que trata de discriminações positivas dirigidas a compensar as discriminações sociais negativas contra os menos favorecidos pelo sistema. Nessa perspectiva, as discriminações inversas conduzem a uma noção plural da cidadania, no sentido em que se abrem fragmentariamente com relação às diferenças e condições particulares de grupos minoritários, sem que disso resulte a negação do princípio da igualdade9. A relação entre culturas e grupos diferentes, contudo, não é uma comunicação simples e está longe de ter plenamente realizadas as suas potencialidades. Historicamente os esforços neste sentido, ao menos no plano formal das relações internacionais é muito recente – como observado o reconhecimento da igualdade universal entre os homens data de 1948, deixando porém a questão indefesa no campo aberto da cidadania. E desde então uma série de iniciativas vem sendo realizadas no sentido de concretizar essa igualdade nas suas diversas manifestações. Avanços e retrocessos vêm se alternando nesse processo, mas o que não se pode negar é que, infelizmente, as relações interculturais democraticamente promovidas e reforçadas não fazem parte, ainda, do patrimônio comum da humanidade e nem mesmo do quotidiano de muitas realidades locais.

1.2. Os direitos como construção da igualdade e a cidadania como direito a ter direitos No mundo comum da pluralidade humana, que se caracteriza ontologicamente na dinâmica entre a igualdade e a diferença, Hanna Arendt definiu os direitos humanos como uma “invenção que exige a cidadania”. De fato, “se os homens não fossem iguais, não

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Para aprofundamentos sobre a temática das discriminações inversas, no contexto da proposta de “levar a sério” os direitos humanos, consultar: DWORKIN, R. M. Taking rights seriously. London: Duckworth, 1978. Sobre as affirmative actions, na Índia, por exemplo, um certo sistema deste tipo, chamado reservation (política de quotas reservadas) foi instituído no final dos anos quarenta, na tentativa de superar e vencer as antigas, e profundamente radicadas, barreiras de casta e sexo. Nas últimas décadas, algumas aplicações muito eficazes de affirmative actions foram realizadas em Universidades, no campo dos serviços públicos e outros setores. Nos últimos anos, na Itália, por exemplo, a questão das discriminações inversas recebeu destaque no debate político e jurídico, relativamente às “quote rose”, as “cotas rosa”, medidas de garantia para a participação das mulheres nos espaços decisionais e de representação política. No Brasil recentemente foram instituídas as quotas universitárias para afrodescendentes e estudantes provenientes dos extratos pobres da população. Porém, como observa Noam Chomsky, “todo sistema deste tipo é destinado a impor restrições a algumas faixas de população, com o escopo (se espera) de desenvolver uma sociedade mais equa e justa, mas o modo com o qual se aplica na prática pode se revelar complicado e problemático”, não existem regras simples ou automáticas para atuá-lo; cfr. CHOMSKY, Noam. Il bene comune. Casale Moferrato: Edizioni Piemme, 2004. Na gama dos direitos e garantias da Constituição da República Federativa do Brasil, por exemplo, pode-se destacar como discriminações inversas a proteção especial dada à família (art. 226); à união estável entre homem e mulher como entidade familiar (art. 226, § 3°); à mulher ao afirmar a igualdade aos homens (arts. 5°, I, e 226, § 5°); aos portadores de deficiência (arts. 203, V, e 227, II); aos idosos (arts. 203, V, e 230); aos índios, reconhecendo sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (arts. 231 e 232); entre outras. Sobre a noção de discriminações inversas no contexto das relações de sobreintegração e subintegração no Brasil, consultar NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Revista Acadêmica – Universidade Federal de Pernambuco – Recife (Brasil), ano LXXV: separata, 1992, p. 77.

poderiam entender-se. Por outro lado, se não fossem diferentes não precisariam nem da palavra nem da ação para se fazerem entender” 10. Segundo a autora, a igualdade resulta da organização humana, que pode equalizar as diferenças através das instituições. É a polis que torna os homens iguais por meio da lei e dos direitos, e é neste sentido que a política institui a pluralidade humana e um mundo comum. Analisando a condição das displaced persons no período imediatamente sucessivo ao segundo pós-guerra, Hanna Arendt concluía que, num mundo como o do século XX, inteiramente organizado politicamente, perder o status civitatis significava ser expulso da humanidade, de nada valendo os direitos humanos aos expelidos da trindade Estado-povoterritório11. E evidenciava dois pontos muito problemáticos da tradição dos direitos humanos, que a questão dos migrantes hoje também coloca em discussão. Em primeiro lugar, se os direitos humanos pressupõem a cidadania como meio para a sua proteção, isso significa que um valor universal repousa na precariedade da contingência – a cidadania no âmbito de uma comunidade. Além disso, os direitos humanos, pressupõem a cidadania não apenas como um fato e um meio, mas como um princípio que afeta substancialmente a condição humana: o ser humano privado de suas qualidades acidentais, neste caso o estatuto político, a cidadania, vêse privado de sua substância, ou seja, tornado pura substância, perde sua qualidade substancial de ser tratado pelos outros como um semelhante. De fato, a igualdade “natural” é mais do que uma abstração, trata-se de uma ilusão facilmente refutável numa situação limite como a dos refugiados, dos internados em campos de concentração, e hodiernamente dos imigrantes em muitos países do mundo ocidental. “Pessoas forçadas a viver fora de um mundo comum, vale dizer, excluídas de um repertório compartilhado de significados que uma comunidade política oferece e que a cidadania garante, vêem-se jogadas na sua natural givenness. É como se não existissem. São supérfluas”12. E é justamente para garantir que o dado da existência seja reconhecido e não resulte apenas do imponderável da amizade, da simpatia, da solidariedade ou do voluntariado, que os direitos são necessários. Por esta razão H. Arendt realça, a partir da análise dos problemas e tragédias promovidos pelo totalitarismo, que o primeiro direito humano é o direito a ter direitos. Isto significa pertencer, pelo vínculo da cidadania, a algum tipo de comunidade juridicamente organizada e viver numa estrutura onde se é julgado por ações e opiniões, a partir do princípio da legalidade e do devido processo13. O problema das displaced persons foi reproposto continuamente em toda a segunda metade da história do século XX, e salta aos olhos no mundo globalizado hodierno, no drama dos palestinos, dos curdos, dos sahrawi, dos tibetanos, dos povos indígenas, de nações e grupos que não encontram lugar representativo na comunidade política dos Estados, nem recursos ou possibilidade de desenvolver suas especificidades culturais e capacidades

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Hanna Arendt apud LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 153. 11 LAFER, op. cit., p. 147. 12 Hanna Arendt apud LAFER, op. cit., p. 150-151. 13 Como observa Celso Lafer, percorrendo o caminho teórica traçado por Hanna Arendt, a experiência totalitária é, portanto, comprobatória, no plano empírico, da relevância da cidadania e da liberdade pública enquanto condição de possibilidade, no plano jusfilosófico, da asserção da igualdade, uma vez que a sua carência fez com que surgissem milhões de pessoas que haviam perdido seus direitos e que não puderam recuperá-los, devido à situação política no mundo que os tornou supérfluos ou expulsos da trindade Estado-povo-território. Cfr. LAFER, op. cit., p. 154.

humanas na economia de mercado, tragédias constantamente reiteradas nas grandes ondas migratórias induzidas, na instrumentalizada “guerra de civilização” e outras desumanidades. Neste contexto, a questão política e jurídica da igualdade garantida no sistema internacional dos direitos humanos se abre para a necessidade da construção social e cultural de um outro paradigma, mais adequado, ou oportuno, para confrontar a complexidade das novas questões que se apresentam.

2. As fronteiras da desigualdade A convivência de conceitos de pertencimento às comunidades, às nações ou grupos, os diversos delineamentos de “identidade” que destes derivam, e o respeito da diversidade sociocultural em vista de uma humanidade fundada nos direitos de cada um e de todos, encontraram numerosos obstáculos, coligados historicamente aos processos de socialização. Hodiernamente, as relações entre as identidades nacionais, culturais, étnicas, religiosas, etc., acontece sempre com maior freqüência mas em condições de sempre maior desigualdade e a situação dos imigrantes na Europa, por exemplo, constitui um símbolo desta questão14. As constantes que caracterizaram a história destas desigualdades no contexto do fenômeno migratório podem ser identificadas como: no plano jurídico, a discriminação; no plano existencial, a precariedade; no plano trabalhista, a provisoriedade e a incerteza; no plano social, a falta de infra-estruturas; no plano político, a marginalização; no plano cultural, a involução e a segregação15. Na Itália, bem como em toda a União Européia, o problema dos “extra-comunitários” se tornou uma questão na ordem do dia do debate político e administrativo. Aproximadamente 27 milhões de imigrantes na Europa16 representam um afluxo maciço de populações heterogêneas por origem e cultura. Para citar um exemplo, só em Nápoles, segundo dados do Dossier sobre a imigração, realizado pela Caritas Italiana e Fundação Migrantes, encontramse regularmente inscritos no anagrafe comunale (cadastro da Prefeitura municipal) 23.380 imigrantes17. Na Província de Nápoles são aproximadamente 87 mil estrangeiros e na Regione Campania18 se estima 168.300 imigrantes regulares, com visto de permanência. Tendo em conta que um considerável contingente de imigrantes permanece “clandestino” (conscientes da impossibilidade de receber o visto em decorrência das restrições impostas pela lei que regula a imigração) pode-se vislumbrar a dimensão do problema na região.

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Sobre as extratificações das desigualdades no mundo globalizado, consultar GALLINO, Luciano. Globalizzazione e disuguaglianze. Roma: Laterza & Figli, 2000. 15 NEGRINI, Angelo. Il migrante tra l’ugualianza e la diversità delle culture. Roma: Pubblicazioni Vaticano – Pontificio Consiglio, 2004. 16 De acordo com dados do Dossier Statistico Immigrazione – Caristas/Migrantes 2007, a presença estrangeira na União Européia compreende aproximadamente 27.110.000 indivíduos, que representam 5,6% da população. Optando-se por incluir os imigrantes que recentemente obtiveram a cidadania nos Estados-membro da UE, o número aumenta para 50 milhões. Dossier Statistico Immigrazione 2007 – XVII Rapporto Caritas/Migrantes sull’immigrazione. Roma: IDOS – Redazione Dossier Statistico Caritas/Migrantes, 2007, p. 26. 17 Idem ibidem. 18 Região da qual Nápoles é a Capital.

Neste contexto emerge o interrogativo sobre como são recebidos estes imigrantes no cotidiano ordinário e no imaginário coletivo dos europeus. De quais modelos dispõe a Europa para pensar os fluxos imigratórios, inéditos nas atuais dimensões, e reconhecer-lhes as virtualidades positivas? Como já aconteceu em outras situações, de frente às novidades emerge a ameaça da intolerância, dos preconceitos e categorias arcáicas. São freqüentes as comparações com experiências anteriores, e no caso da imigração na Europa se retoma os temas da invasão dos bárbaros e da colonização ao contrário19. Para alguns a história se repetiria e a Europa estaria vivendo o mesmo que viveu Roma com a infiltração e a sucessiva chegada em massa dos bárbaros, na perspectiva de um mesmo destino: o fim do império. Para outros a história estaria mudando de direção e aqueles aos quais a Europa levou a civilização estariam se revoltando contra a mão que lhes nutriu: hoje o terceiro mundo versa os seus homens e a sua força de trabalho nos países europeus, do mesmo modo como, pouco tempo faz, a Europa versava os seus homens e a sua potência militar nas terras da África, da América e do Oriente. A relação entre o racismo colonial e o racismo xenófobo que hoje ganha força na Europa foi proficuamente delineada por Etienne Balibar ao afirmar que a nova xenofobia dos europeus contra os estrangeiros imigrados não é mais que uma continuidade do racismo colonial: invés da noção de “raça” inspiradora do primeiro racismo, hoje se adota o termo “imigração”. Nesta perspectiva os europeus se gabam de não serem racistas porque “não vem colocada em questão a raça mas a irredutibilidade das diferenças culturais”20. Desta forma, estranhamente, alimenta-se, entre imigrados e europeus, dois mitos análogos e contrapostos: os imigrados vêem na nova terra um mítico “eldorado”, espaço de refúgio e salvação; e os europeus respondem com um outro mito, este porém apocalíptico: vêem nos imigrados os anunciadores da decadência, ou mesmo do fim, da civilização mãe de todo o ocidente. Assim, às esperanças e expectativas dos imigrantes se contrapõe a resposta negadora dos europeus; ao imaginário paraíso dos imigrantes se opõe um imaginário apocalipse dos europeus21.

2.1. Identidade, alteridade e dinâmica de antagonismo A contraposição entre indivíduos e culturas, a categoria amigo-inimigo22 nos seus diferentes desdobramentos e variações, caracterizou as culturas do passado que conheceram trocas profundas, mantendo, às vezes mais às vezes menos, a dinâmica do antagonismo e dos pertencimentos fechados. Contudo, como é sabido, o homem não se define em absoluto com a cultura que lhe deu identidade. Sob o homo editus (o brasileiro, o italiano, o hebreu, o chinês, o sul-africano e assim por diante) está o homo absconditus, o homem como infinita reserva de possibilidades, ainda inéditas mas que poderiam se tornar positividade histórica se não fossem mortificadas 19

Nesse sentido, A. Negrini, op. cit.. BALIBAR, Etienne. “Io stesso o l’altro? Per una analisi del razzismo contemporaneo.”, in La critica sociologica, Roma, n° 89, p. 5-38, 1989. 21 LANTERNARI, Vittorio. “Una nemesi storica: gli immigrati del terzo mondo. Aspetti etnoantropologici del fenomeno.” In MACIOTI, Maria Immacolata. (org), Per una società multiculturale. Napoli: Liguori, 1991. 22 Sobre a “legge dell’amicizia”, lei da amizade, consultar: RESTA, Eligio. Il diritto fraterno. Roma-Bari: Laterza, 2003. 20

pela pressão das culturas historicamente determinadas23. Nessa mesma direção de sentido, Noam Chomsky evidencia na sua teoria da síntaxe que os homens usam gramáticas diversas, a partir da sua cultura de proveniência, mas sob as gramáticas superficiais existe uma generative grammar que consente, mesmo a uma criança de três anos, aprender línguas diversas e passar de uma língua a outra. Por diferente que seja de mim o estrangeiro que encontro, existe, comum a ambos, uma gramática generativa. Existe uma humanidade escondida que aspira à superação das nossas duas culturas, aspira a um modo de conviver que deixe para trás a nossa maciça e impenetrável diversidade24. As diversidades são, portanto, valores constitutivos das pessoas e dos grupos, manifestações da igual natureza que se expressa ao plural, desdobramentos concretos da igualdade ontológica. Este dado permanente de identidades diversas que vão se especificando a partir de uma mesma matriz, a humanidade em cada um e em todos, deveria compelir ao conhecimento recíproco, sem idealizações, exclusões ou exaltações. Pode-se afirmar, no entanto, que a repulsão étnica encontra suas bases na cultura do “inimigo” percebido como ameaça. A dinâmica conflituosa entre etnias tem sua remota raiz no ancestral sentimento de repulsão do outro que na idade moderna se consolidou dando espaço ao fenômeno do racismo e a outras formas de violência. Cada indivíduo constrói o sentido de si mesmo na etnia, na classe ou no grupo a que pertence e o exprime na repulsão do estranho que, simplesmente porque é diferente, figura-lhe como uma ameaça. Freud observou como um dos principais elementos de coesão dos grupos seja a identificação de um inimigo comum. A tensão obscura que leva à repulsa do outro é, em todos os casos, o medo da perda da própria identidade que, do ponto de vista psicológico, é a pedra angular da segurança. Nessa perspectiva, como observa Eligio Resta, existe uma profunda semelhança entre o criminal, livre ou encarcerado, e o outro, o estrangeiro. Ambos são desconhecidos e enquanto tais podem nos provocar medo e sentimento de agressividade. O estrangeiro e o criminal pertencem a um universo comum em relação ao qual o comportamento “normal” pode ser tanto de indiferença quanto de intolerância. O ponto é que, em ambos os casos, há pouca inclinação ao conhecimento recíproco ou mesmo lhes se considera impossível conhecer. Portanto, no fim, o estrangeiro é aquele que não é entendido, permanece incompreendido. Como o estrangeiro, o criminal compartilha esse mesmo, aparentemente inexorável, destino25. A identificação individual, e coletiva, com uma determinada cultura tem como corolário a produção de uma alteridade em relação aos grupos cuja cultura é diferente. O contato intercomunitário suscita reações muito diversas: idealização do outro, atração pelo exótico, pelo “bom selvagem”, como também desprezo, incompreensão, rejeição, podendo chegar à xenofobia e aniquilamento26.

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BALDUCCI, Ernesto. Convivere con le diversità, in Quaderno Udep, 19/1989. Com a postulação da existência de um conhecimento inato/universal da linguagem, evidenciando o aspecto criativo, ou generativo, da linguagem humana, Chomsky trouxe novos delineamentos à teoria da aquisição da linguagem, influenciando o desenvolvimento da psicolonguística e da neorolinguística nos últimos anos. Para aprofundamentos, consultar: CHOMSKY, Noam. Aspects of the theory of syntax. Cambridge, MIT Press: 1965. Edição em espanhol: Aspectos de la teoría de la sintaxis. Madrid: Aguilar, 1970. 25 RESTA, Eligio.Il diritto fraterno. Roma-Bari: Laterza, 2003, p. 127. 26 WARVIER, Jean Pierre. A mundialização da cultura. Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 18. 24

Como observava Tzevetan Todorov, ao concluir a sua análise sobre a conquista da América27, a postura da cultura dominante em relação ao “outro” historicamente pôde degringolar em duas soluções baseadas no egocentrismo: Por um lado, foi possível considerar o ser humano etnicamente diverso como um ser dotado dos mesmos direitos: não como “outro” mas como um idêntico e igual, e portanto necessariamente assimilável. Nesta solução, a identidade dominante anula a alteridade e põe, deste modo, a igualdade como premissa para a estratégia da assimilação. O reconhecimento da igual dignidade se faz ponto de apoio para a eliminação da alteridade. Eliminação que, no caso de obstinada resistência, pode se tornar também física: como foi, na maior parte dos casos, a situação dos índios na América, aos quais não foi dada uma outra alternativa que não a conversão ou o extermínio. Que esta seja ainda hoje a tentação das sociedades européias colocadas à prova em função da presença de fortes grupos étnicos, pode ser demonstrado por uma série de casos emblemáticos e fatos recentes, como a polêmica em relação ao uso do chador e vestes muçulmanas na França. Tratando do problema do multiculturalismo na França, Albert Grosser observa que a noção de integração marca muito precisamente o limite do devido respeito às diferenças culturais, regionais, religiosas, étnicas. Neste sentido, a integração é identificada com a assimilação, numa concepção antinômica ao reconhecimento das diferenças culturais 28. A segunda solução de encontro individuada por Todorov pode ser traduzida como a tentativa de conciliar o reconhecimento da dignidade do outro com o veredicto da sua inferioridade enquanto diverso: ser humano sim, mas diverso e por isso inferior. Nessa perspectiva, diferença e inferioridade se equivalem. Por isso os índios, convertidos ao cristianismo, foram considerados, por mais de dois séculos, inidôneos a se tornarem padres católicos: filhos de Deus também eles, mas inferiores29. Também nessa mesma direção pode ser inserida a questão dos afrodescendentes no Brasil, dificilmente encontrados nos setores mais altos da hierarquia social, não obstante sejam uma parcela qualitativa e quantitativamente relevante na formação da sociedade brasileira – eminentemente mestiça. Um outro exemplo hodierno é a violação dos direitos trabalhistas e a dificuldade de inserção profissional de extra-comunitários no mercado de trabalho europeu, sobretudo no que se refere aos extratos privilegiados das organizações e empresas. Ou, ainda, o caso de alguns componentes políticos na Alemanha, como na Itália e outros países europeus, que são decididamente contrários ao reconhecimento do direito de voto aos estrangeiros imigrados. Embora alguns autores tratem da questão com afirmações peremptórias, como por exemplo Negrini: “assimilação ou subalternidade: a modernidade ocidental não conheceu outros êxitos”30, a verdade é que a temática vem crescendo em complexidade nos últimos anos, com a intensificação dos fluxos migratórios na Europa.

III. Migrações e relações interculturais Para compreender a complexidade das relações decorrentes da intensificação dos fluxos migratórios e relações interculturais, e os diferentes caminhos percorríveis para 27

TODOROV, Tzevetan. La conquista dell’America. Il problema dell’altro. Einaudi, 1984. GROSSER, Alfred. Les identités difficiles. Paris: Presses de Sciences Po, 1996. 29 Também nesse sentido Tzevetan Todorov, op. cit. 30 A. Negrini, op.cit.. 28

confrontá-la, são interessantes os dados apresentados pelos entes públicos e pelas organizações não governamentais que trabalham com imigrantes na Itália. Alguns estudos e pesquisas realizados representam bem a complexidade da articulação da presença de grupos étnicos no território italiano e ajudam a compreender quão diferentes podem ser as reivindicações e a demanda dos diversos grupos. No interior de cada grupo étnico é possível distinguir atitudes e expectativas diferentes em relação à integração. As demandas são heterogêneas não apenas entre os diversos grupos de imigrantes, também se diferenciam dentro de um mesmo grupo em função da idade, formação profissional, classe social, etc. Se múltiplas são as necessidades e reivindicações, também multifacetárias são as respostas da sociedade de acolhimento. Tais respostas são variadas no tempo e mudam de comunidade a comunidade, sobre a base das situações socioeconômicas e geográficas e das especificidades culturais e políticas.

3.1 Modelos de acolhimento e modalidades de resposta à questão da presença de estrangeiros e culturas étnicas minoritárias no território Os modelos teóricos contemporâneos concernentes aos standards sociais de acolhimento aos estrangeiros, e de interação com as “minorias étnicas” aos quais geralmente se faz referência, para fins didáticos, podem ser identificados (sem deixar de ter em conta os riscos da simplificação) como: O modelo do autoritarismo iluminado: ou seja, igualdade de oportunidades na esfera pública e homologação cultural na esfera privada. O modelo da integração racista: ou seja, igualdade formal mas não substancial equiparação das possibilidades de participação ao sistema econômico e político. Parcial homologação dos comportamentos adotados na esfera privada. O modelo do segregacionismo: acesso diferenciado aos recursos disponíveis na esfera pública, alimentando a diferença entre as várias culturas e grupos étnicos. O modelo do multiculturalismo: igualdade de oportunidades na esfera pública, possibilidade de expressão autônoma na esfera privada, tutela das diferentes tradições culturais. Em relação ao multiculturalismo, porém, deve-se ter atenção aos diferentes usos dados à expressão. Geralmente “multicultural” (que etimologicamente há origem no latim multus, muito, e cultura, derivada de cultus, cultivar) faz referência à convivência, harmoniosa ou não, de diversas culturas em um mesmo espaço social. Mas o debate sobre o multiculturalismo vem assumindo feições diferentes nos diversos países e correntes de pensamento. Zigmunt Bauman, por exemplo, identifica o multiculturalismo como a ideologia do fim das ideologias, como o modo usado pelas classes para se adaptarem ao processo de desregulamentação característico das sociedades ocidentais hodiernas. Segundo este autor, os intelectuais da época moderna cumpriram a função de dar suporte ao processo de “replantio” dos “desenraizados”, missão que se realizava em duas tarefas: em primeiro lugar “iluminar” as pessoas, oferecer novos horizontes, novos pontos de orientação e, em segundo lugar, criar uma sociedade ordenada. Ambas as tarefas tinham como objetivo construir o Estado Nacional, substituindo um mosaico de comunidades locais com a sociedade imaginada, contrapondo às velhas fidelidades rurais novos engajamentos de tipo urbano. Conforme

Bauman, hoje as coisas mudaram, não vem emanada nenhuma ordem nem se ouvem chamadas de atenção à disciplina, os apelos são direcionados ao interesse individual. Da larva da sociedade capitalista dos produtores surgiu a borboleta da sociedade multicultural dos consumidores, onde o que confere valor às coisas é o desejo de satisfação31. Em sentido oposto, Kilani Mondher, seguindo a trilha de Habermas, coloca a questão no plano comunicativo e do respeito recíproco. Segundo este autor, o multiculturalismo requer, de todas as partes envolvidas, boa vontade, capacidade de enunciar e discutir os desacordos, habilidade em distinguir entre desacordos admissíveis e não admissíveis (como, por exemplo, a expressão de posições racistas ou anti-semitas), e disponibilidade a mudar, se necessário, a própria opinião por efeito de uma argumentação convincente. Em síntese, nessa direção de sentido, a realização do multiculturalismo depende do livre exercício destas capacidades de discussão32. Do ponto de vista das políticas públicas e da ação da sociedade civil, as modalidades com que as comunidades de acolhimento enfrentam a questão da presença no seu território, de estrangeiros e de culturas étnicas minoritárias podem ser elencadas (sempre a fins didáticos e sem perder de vista os riscos da simplificação) em: Exclusão: é a posição que afirma que as minorias devem retornar ao seu país de proveniência. Segundo dados do Eurobarometro de 2007, esta parece ser a posição preponderante entre os cidadãos europeus: ainda que uma maioria relativa (48%) considere que a presença dos imigrantes seja necessária em certos setores da economia, quase o mesmo percentual exprime insegurança em relação à presença estrangeira, particularmente no que se refere ao desemprego (46%). Além disso, em alguns países, os partidos mais destacadamente anti-imigração tiveram um significativo reforço eleitoral e, segundo o relatório Human Rights First 2007, os crimes de tipo racial – em particular os de caráter islamofóbico – estão aumentando em toda a Europa. Uma situação paradoxal para uma União Européia que adotou oficialmente o lema “Unidos na diversidade”33 para o mesmo ano de 2007. Na Itália, segundo dados do Rapporto Unar 200634, as disparidades de tratamento e discriminações raciais contra imigrantes se perpetuam em diferentes ambientes físicos e simbólicos: em bares, discotecas, restaurantes, lugares de encontro cotidiano. Também são assinalados casos análogos em importantes espaços e serviços públicos: moléstia e lesões à dignidade em espaços esportivos, em meios de transporte coletivo, escritos xenófobos e manifestações eleitorais discriminatórias, obstáculos ao acesso escolar e aos serviços de saúde pública, mensagens esteriotipadas e estigmatizadas pelos mass media, modalidades de crédito e relações bancárias dificultadas e por vezes inviabilizadas, impedimentos para obtenção de moradia, entre outras violências. Trata-se de graves feridas para a coletividade, que não condizem com o imaginário que se faz da cultura italiana no exterior. Uma cultura que atingiu patamares tão altos na Filosofia, no Direito, nas Ciências e nas Artes, não deveria permirtir-se uma tal involução. De

31

BAUMAN, Zigmunt. Voglia di Comunità. Roma – Bari: Laterza, 2001. KILANI Mondher. “Qualche nota introduttiva su integrazione, multiculturalismo, nazione, etnicità e cultura”, in GALLISSOT René & RIVERA Annamaria. L'imbroglio etnico. In dieci parole chiave. Edizioni Dedalo, 1997. Também sobre os pressupostos de um diálogo cosmopolita, interessante teorização sobre retórica dialógica e hermenêutica diatópica propõe Boaventura de Sousa Santos, na obra: La globalización del derecho. Los nuevos caminos de la regulación y la emancipación. Santafé de Bogotá: Universidad Nacional de Colômbia, 1999, (p. 199 e seguintes). 33 Dossier Statistico Immigrazione 2007 – XVII Rapporto Caritas/Migrantes sull’immigrazione. Roma: IDOS – Redazione Dossier Statistico Caritas/Migrantes, 2007, p. 25 e 26. 34 Conforme dados do Relatório anual do Ufficio Nazionale Antidiscriminazione Razziali del Dipartimento per i Diritti e le Pari Opportunità. Rapporto Unar 2006 – Uno anno di attività contro la discriminzione razziale. Roma, 2006. 32

fato, o visitante desavisado não espera encontrar esse tipo de desumanidade em um país civilizado. Assimilação: é a posição que nega o reconhecimento das especificidades culturais às minorias étnicas, oferece porém ao imigrante a possibilidade de acesso à cidadania com o pressuposto que este se empenhe em se tornar um cidadão do novo país de residência, introjetando os valores e as regras de convivência. Provisoriedade: é a posição que considera os imigrantes prevalentemente como residentes temporários, que retornarão ao país de origem no fim de uma prestação de trabalho realizado a tempo determinado. Nesse caso, a atenção se coloca no indivíduo imigrado e na sua família, não vem dada atenção ao grupo étnico, considerado uma presença provisória. Multiculturalismo: é a posição que tende a garantir aos grupos étnicos o reconhecimento da identidade coletiva e que sejam dadas respostas (ao menos do ponto de vista formal) que salvaguardem as especificidades culturais. Concretamente estas categorias não são facilmente identificáveis, tais modalidades podem se encontrar concomitantemente em uma mesma sociedade, defendidas por grupos políticos e vertentes culturais diferentes, que militam para afirmar seus pontos de vista no cenário político e jurídico.

3.2. Identidade e estratégias de identificação no processo de adaptação dos imigrantes estrangeiros As palavras “cultura” e “civilização”, conforme definição de Edward Taylor, de 1871, designam uma totalidade complexa que compreende os conhecimentos, as crenças, as artes, as leis, a moral, os costumes, e qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo homem enquanto membro da sociedade. Totalidade complexa que constitui a bússola da sociedade sem a qual seus membros não saberiam de onde vêm, nem como deveriam comportar-se35. Na interação social, a identidade do sujeito é constituída, a partir do conjunto dos repertórios de ação, de língua e de cultura que permitem a uma pessoa reconhecer sua vinculação a um certo grupo e identificar-se com ele. No entanto, a identidade não depende apenas do nascimento ou das escolhas realizadas pelos sujeitos no seu ambiente cultural, no campo político das relações de poder, por exemplo, os grupos podem fornecer “identidade” aos indivíduos. Com a celeridade da comunicação e das informações no quadro da globalização e das sociedades multiculturais, um mesmo indivíduo pode mais facilmente assumir identificações múltiplas que mobilizam diferentes elementos de língua, de cultura, de religião, de categoria profissional, etc, em função do contexto. Daí o que leva alguns autores a afirmarem que, talvez, seria mais pertinente falar-se de “identidades” no plural, ou de identificação ao invés de identidade – sendo a identificação contextual e flutuante. A mobilidade dos elementos constitutivos das “identidades” é habilmente demonstrada nos estudos de Stuart Hall sobre a “identidade cultural na pós-modernidade” 36. 35 36

TAYLOR, Edward, apud WARVIER, op. cit., p. 10. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. Uma outra abordagem esclarecedora sobre o tema encontra-se também em MAALOUF, Amin. L’identità: un grido contro tutte le guerre. Milano: Bompiani, 2002.

O autor analisa os processos de “descentramentos” do sujeito, evidenciando os deslocamentos nos fundamentos da identidade cultural moderna – caracterizada pelo pertencimento a uma cultura nacional enquanto “comunidade imaginada” –, provocados pelos influxos da globalização e decorrentes fragmentações. Evidentemente, isto não significa que um sujeito possa perder de um momento para o outro a sua língua, os seus hábitos alimentares, seus repertórios de ação, sua cultura de proveniência, para se fundir perfeitamente em um outro conjunto sociocultural ao sabor de suas imediatas escolhas ou devido a imposições coercitivas externas. De fato, como observa Jean Pierre Warnier, a tradição, pela qual se transmite a cultura, impregna desde a infância o corpo e a alma, de maneira indelével. A produção dos sons da língua materna, por exemplo, inscrevem-se em estereótipos motores, memorizados pelo aparelho neuromuscular que passa a privilegiar certos músculos, contrariando a emissão normal da maioria dos sons das outras línguas. Do mesmo modo, muitos elementos de cultura são repertórios de ação e de pensamento permanentes, que “formatam” a pessoa, uma vez que foram “incorporados” 37. Para mover-se em sociedade o sujeito leva em conta a ação dos outros – ajustando-se ou confrontando-se com ela. É aí que a cultura e os processos de identificação têm um papel importante, ao fornecer repertórios de ação e de representação, que cumprem uma função de orientação: de relacionamento ou de mediação. Disponibilizando a capacidade de acionar referências, esquemas de ação e de comunicação, a cultura permite que o sujeito estabeleça uma relação significativa entre as coisas e as pessoas, e não parta à deriva no mundo que o cerca38. Nas atuais sociedades multiculturais, o processo de adaptação dos imigrantes estrangeiros coloca o problema de conciliar a construção de laços entre sujeitos e contextos sociais de proveniência, sob o ponto de vista da integração social e da reprodução da cultura de acolhimento de um lado, e da formação da identidade pessoal, social e cultural, de outro lado. E nessa direção, sempre para fins didáticos, as estratégias de construção de identidades e identificações no processo de adaptação dos emigrantes estrangeiros podem ser separadas, de maneira simplificada e por isso mesmo incompleta, em: Resistência cultural: o imigrante encontra pontos de apoio sobretudo nos valores culturais do país de origem, prefere a formação de subgrupos de co-nacionais, mantém dentro da própria família aspectos tradicionais radicados na cultura de proveniência. A valorização da cultura de origem é vista como uma resposta adequada às necessidades de identidade, sentidas sobretudo nas sociedades muito diferenciadas. Essa postura de reforçar os valores do grupo ético de proveniência, porém, pode induzir o imigrante a se sentir socialmente e psicologicamente isolado, fechando-se aos estímulos provenientes do ambiente externo ao seu grupo cultural. Assimilação: o imigrante se conforma com a proposta identitária oferecida pela sociedade que lhe recebe, renegando a cultura de origem. Esse processo de assimilação pode gerar para o imigrante a perda de pontos de referência, a ruptura com elementos e pessoas da cultura originária e um crescente sentido de insegurança. Marginalidade: o imigrante ante à proposta de uma identidade ambivalente não se sente pertencente a nenhuma das duas culturas de referência e vive às margens de ambas. Sentindo-se inadequado, encontra dificuldade em desenvolver um sentido de pertencimento estável e de interagir com os outros.

37 38

Conforme WARVIER, Jean Pierre. A mundialização da cultura. Bauru, SP: EDUSC, 2000, p. 17. WARVIER, op. cit., p. 19.

Cosmopolitismo: o imigrante constrói uma identidade formada pela integração dos valores das diferentes culturas e pode estruturar um duplo ou múltiplo sentido de pertencimento. Tal estratégia permite ao imigrante manter a própria tradição étnica e cultural e ao mesmo tempo estabelecer contato com a cultura que o acolhe. Pode servir de ponte e mediar elementos das diferentes culturas, aprimorando a comunicação intercultural.

4. Diversidade: versatilidade criativa do instinto vital Como se pôde observar, a circulação dos fluxos migratórios na escala do globo, suscita reações e análises contrastantes. Alguns encontram nas sociedades multiculturais de hoje as promessas de um planeta democrático, unificado por uma cultura universal. Outros advertem uma sociedade generalizante, concebida como sistema de comunicação que tende a um “pensamento único”, reduzida pela mídia às dimensões de uma “aldeia global”. Alguns vêem aí a causa de uma inelutável perda de identidade a ser deplorada. Outros militam para afirmar seus particularismos culturais, não excluindo o uso da violência. Outros, ainda, instrumentalizam a questão falando de “guerra de civilizações”. Mas é exatamente neste contexto, marcado pela crise do sistema de valores ocidentais como sistema absoluto, pela desconstrução das identidades nacionais fechadas e pelo assédio de diferentes comunidades étnicas dentro das metrópoles do Ocidente, que se abre a estrada para o único caminho que se vislumbra autenticamente democrático e humano, acenado desde a segunda metade do século passado em todas as declarações internacionais de direitos: o percurso de construção da igualdade na diversidade, sem que ser igual signifique ser idêntico, e da diversidade na igualdade, sem que ser diferente signifique ser inferior. No reconhecimento do outro como tal, eu (no âmbito pessoal, cultural ou social) posso permanecer eu mesmo, assimilando ou não aquilo que me agrada, e mais, posso me enriquecer com a alteridade reconhecida, com a sua diversidade. Que esta nova condição possa suscitar sentimentos de impotência, medo, retorno obsessivo à própria identidade particular, parece ser um fenômeno que entra na “normalidade” dos fatos. Como observava Castoriadis, os estrangeiros colocam em risco os confins do “fechamento de sentido”, o mundo de “significações sociais imaginárias” que mantém unida a sociedade39. Assim, atualmente, os grupos, com os seus diversos delineamentos culturais, étnicos, sociais, são chamados sempre mais frequentemente a conviver, confrontar-se, conhecer-se reciprocamente; fortalecendo a tendência de despojar-se seja das particularidades tribais que lhes mantêm fechados uns aos outros, seja das preensões totalizantes que promovem as guerras. Nesse processo, um fator que não pode deixar de ser valorizado, é que a diversidade se relaciona com a versatilidade criativa do instinto vital. A repulsão da diversidade é um lamentável equívoco e um desperdício de recursos. Se no plano social o estrangeiro pode intervir para a criação da identidade de grupo enquanto “exterior constitutivo” (como definiu Derrida40), nos casos em que a condição de membro do grupo ou comunidade se determina por exclusão ou por diferenciação daqueles que são tidos como alheios ao grupo, no plano pessoal este fator constitutivo não é tão 39

CASTORIADIS, Cornelius. Los dominios del hombre: las encrucijadas del laberinto. Barcelona: Gedisa, 1994. 40 DERRIDA, Jacques. La escritura y la diferencia. Barcelona: Anthropos, 1989.

“exterior”. Como observa Julia Kristeva41, o estrangeiro de modo sorrateiro e inquietante se insinua dentro de nós: “nós somos os estrangeiros, seres divididos e desconhecidos a nós mesmos”. Nesta perspectiva, o desafio é ter a coragem de nos reconhecermos desintegrados para acolher os estrangeiros na sua inquietante straneità, na estranheza, que é tanto deles como nossa. Riconoscendo lo straniero in noi ci risparmiamo di detestarlo in lui. Sintomo che rende appunto il noi problematico, forse impossibile, lo straniero comincia quando sorge la coscienza della mia differenza e finisce quando ci riconosciamo tutti stranieri, ribelli ai legami e alle comunità 42. Andando mais em profundidade, a partir dos condicionamentos psíquicos que intervém nas relações sociais, como propõem Sandro Giudro e Umberto Melotti, “talvez seja o momento de afirmar finalmente que o racismo não se funda tanto no medo da diversidade, quanto no medo da semelhança, não tanto no medo dos outros quanto no medo de nós mesmos”. Conforme estes autores, “o que sempre aterrorizou os seres humanos é dever aceitar a fundamental igualdade de todos com os outros; atribuir aos outros as próprias qualidades e reconhecer em si mesmos os defeitos alheios. O racismo é o medo deste reconhecimento, o medo da própria identidade e não da diversidade: é a impossibilidade de amar a si mesmo” 43.

Considerações finais O fenômeno que recentemente se acelerou e que vem sendo chamado de globalização nos coloca na fase “planetária” da evolução humana. Uma fase em que os problemas, e as modalidades de respostas a estes, não cabem mais dentro da nação. No plano da linguagem política recorrente se fala de interdependência, reciprocidade. Um contexto em que a intensificação dos fluxos migratórios e das relações interculturais propõem, de maneira mais dramática e problemática, a dialética igualdade/diversidade. Talvez seja esse o contexto em que, finalmente, o estrangeiro, considerado muitas vezes a priori um “inimigo” venha a se tornar, simplesmente, o outro44. Nesse processo, como ressalva Amin Maalouf, cada um de nós deveria ser encorajado a assumir a própria diversidade, a conceber a própria identidade como a soma dos seus diversos pertencimentos, ao invés de confundir a identidade como um único pertencimento supremo, instrumento de exclusão e por vezes instrumento de guerra45. Uma convivência “globalizada” pacífica é impensável se não se parte do princípio que a diversidade é valor, recurso, direito, no sentido de levar as relações humanas e interinstitucionais, no âmbito público e privado, em direção a um ethos da reciprocidade – na 41

A propósito e para aprofundamentos, v. KRISTEVA, Julia. Stranieri a sé stessi. Milano: Feltrinelli, 1990. A partir de estudos Freudianos, Julia Kristeva chama a atenção para o fato que cada um de nós é, no final das contas, “estrangeiro a si mesmo”, e que disto deriva a necessidade de assumir como própria a ética do impróprio e a leveza constitucionalmente cosmopolita que esta sugere, de modo a facilitar uma maior permeabilidade das insituições ao estrangeiro. “Reconhecendo o estrangeiro em nós mesmos, nos poupamos de detestá-lo nele. Sintoma que torna o nós problemático, talvez impossível, o estrangeiro começa quando surge a consciência da minha diferença e termina quando nos reconhecemos todos estrangeiros, rebeldes aos laços e às comunidades”. KRISTEVA, op. cit., p. 9. 43 GIUNDRO, Sandro & MELOTTI, Umberto. Il mondo delle diversità. Uno psicanalista e un sociologo si interrogano sul razzismo. Roma: Edizioni Psicanalisi contro, 1991. 44 LÉVINAS, Emmanuel. Umanesimo dell’altro uomo. Genova: Il Melangolo, 1985. 45 MAALOUF, Amin. L’identità: un grido contro tutte le guerre. Milano: Bompiani 2002. 42

amplitude do conceito teorizado por Paul Ricoeur. A diversidade, como adverte Richard Lewontin, “é o inalienável direito de toda pessoa, e dos grupos, a realizar-se e a se expandir em toda a sua originária plenitude, firmando-se como humanidade diferente (não apenas dos outros, como também de si mesma), a fim de não se deteriorar no conformismo e na repetição” 46. Conceber as outras culturas como portadoras de modalidades de resposta alternativas a problemas comuns quer dizer reconhecer em nós uma humanidade comum, da qual as diversas culturas são uma expressão parcial. Significa compreender que as possibilidades humanas intrínsecas a cada um nos “tornam comuns”, nos reúnem como seres humanos, diferentes por cultura, mas iguais na busca de uma totalidade que não se identifica com nenhuma cultura. Este é um passo imprescindível para construir um futuro comum compreendido como convivência pacífica neste planeta. No mais, o princípio do respeito da igualdade e da diversidade é reconhecido como direito nas Declarações Internacionais, que são a base da democracia que o Ocidente, a Europa e os Estados Unidos, querem exportar para o mundo, como grau máximo de civilização alcançado. Como recorda Eligio Resta, os direitos humanos são aqueles direitos que podem ser ameaçados somente pela humanidade, mas que não podem encontrar vigor senão graças e essa mesma humanidade. Porém, ser “humano” não garante que se possua aquele singular “sentimento de humanidade”47. Nesse sentido, o ponto de partida para a vida em comum está no estabelecimento de relações de reconhecimento recíproco entre todos os habitantes da sociedade – e do planeta, pensando-se à globalização. Para que se produza este reconhecimento são necessárias, para além do discurso ético, moral e/ou cultural, as condições jurídico-políticas e sócio-econômicas indispensáveis para que os que não são membros da “comunidade política” não sejam tratados sob nenhuma circunstância como “não-pessoas”. Todos os habitantes, cidadãos e estrangeiros, na sua diversidade peculiar e enquanto membros de um grupo étnico ou cultural, devem poder encontrar na comunidade jurídico-política igual proteção e respeito como pessoas engajáveis e agentes participantes do Estado Democrático de Direito. Especialmente se este Estado se pautar no pluralismo, na cidadania e na proteção da dignidade humana, como é o caso do Brasil.

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