Entre máscaras e peles: a fachada-simulacro e na cidade contemporânea

July 4, 2017 | Autor: Andressa Martinez | Categoria: Architecture, Urban Design, Facade, Doble Skin Facade
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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FAU/UFRJ - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROURB - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO

ANDRESSA CARMO PENA MARTINEZ

ENTRE MÁSCARAS E PELES: A FACHADA-SIMULACRO NA CIDADE CONTEMPORÂNEA

RIO DE JANEIRO 2013

i

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo

Andressa Carmo Pena Martinez

ENTRE MÁSCARAS E PELES: A fachada-simulacro na cidade contemporânea

Orientador: José Barki

01 volume Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Urbanismo.

Rio de Janeiro 2013

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M385

Martinez, Andressa Carmo Pena. Entre máscaras e pele: a fachada-simulacro na cidade contemporânea / Andressa Carmo Pena Martinez. Rio de Janeiro: UFRJ / FAU, 2013. xvii, 215 f.: il.; 21 cm. Orientador: José Barki. Tese (doutorado) – UFRJ / PROURB / Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2013. Referências bibliográficas: f. 185-191.

1. Fachadas (Arquitetura). 2. Arquitetura – Inovações tecnológicas. 3. Projeto urbano. 4. Paisagem urbana. 5. Cidades e vilas – Aspectos culturais. I. Barki, José. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. III. Título

CDD 729.1

iii

Andressa Carmo Pena Martinez ENTRE MÁSCARAS E PELES: A fachada-simulacro na cidade contemporânea Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Urbanismo.

_____________________________________________ Prof. Dr. José Barki – Orientador, PROURB/FAU-UFRJ Aprovada em _____________________________________________ Prof. Dr. Gustavo Rocha-Peixoto – PROARQ/FAU-UFRJ

_____________________________________________ Prof. Drª Beatriz Santos de Oliveira – PROARQ/FAU-UFRJ

_____________________________________________ Prof. Dr. José Ripper Kós – PROURB/FAU-UFRJ

_____________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Cury Paraizo – PROURB/FAU-UFRJ

iv

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, com toda honra atribuída, agradeço a Deus pelo longo e proveitoso percurso que me conduziu à materialização dessa tese. Em tempos de ceticismo e cientificismo, nenhuma teoria ou verdade ideológica se sobrepõe à Bíblia, certamente, a minha mais importante referência de sabedoria, valores, equilíbrio e amor. Agradeço também aos meus pais que sonharam os meus sonhos comigo. Eles foram responsáveis não apenas pela minha formação intelectual, mas também pela ambiência familiar de carinho, respeito e dedicação. Não poderia deixar de citar os meus irmãos Amanda e Ramón pelo apoio incondicional em todas as empreitadas que inicio. Mais relevante ainda foi ser contemplada com a orientação de José Barki. No momento inicial dessa tese, ele soube me conduzir para uma mudança completa de rumo e me orientar com objetividade. Sempre solícito e com uma cordialidade tamanha, desproporcional ao seu profundo conhecimento e experiência, tornou essa convivência produtiva e prazerosa. Sentirei falta das conversas animadas e do convívio sempre enriquecedor que não apenas alimentaram o meu crescimento acadêmico, mas a admiração pelo seu perfil profissional e humano. Aos meus colegas da turma de Doutorado, pelo convívio nesses últimos quatro anos e, em especial à Joy Till, Mara Eskinazi, Denise Nunes e Maria Elisa Fehgali. Às amigas Fabíola Ribeiro e Ivvy Quintella pelas contribuições direcionadas e ao colega de PROURB e de vida profissional, Sérgio Fagerlande, pela troca de ideias e conhecimento.

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Aos membros da minha banca de qualificação, professores Rodrigo Cury, Beatriz Oliveira e ao inesquecível Roberto Segre pelas contribuições fundamentais para o desenvolvimento desta tese. Aos funcionários do PROURB, dentre os quais destaco a Keila por todo o apoio operacional dispensado. À FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), cujo auxílio financeiro foi fundamental para essa pesquisa. Por fim, porém, não por ordem de menor importância, ao Júlio, companheiro de vida, pela paciência, compreensão e incentivo.

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RESUMO MARTINEZ, Andressa Carmo Pena. Entre máscaras e peles: A fachada-simulacro na cidade contemporânea. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Urbanismo) - Programa de PósGraduação em Urbanismo. Faculdade de Arquitetura. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Numa época de crescimento e densificação urbana, quando a concentração populacional e o mercado imobiliário estimulam a verticalização, o projeto da cidade passou por mudança por meio da ação urbana exclusiva sobre os planos horizontais para um olhar sobre as superfícies verticais da cidade, suas fachadas. O mercado de construção oferece a mais ampla gama de produtos para novos envelopes dos edifícios, sob o discurso da eficiência energética, inovação tecnológica, velocidade de montagem e experiência estética sem precedentes. O slogan “esse envelope transforma tudo” é um dos exemplos da massificação e ênfase na superfície que se refletiu na última década em um número crescente de publicações sobre a produção contemporânea das fachadas - multiplicidade que transforma a paisagem da cidade no contorno da superfície das fachadas. Este trabalho tem por objetivo compreender e definir conceitualmente como as fachadas contemporâneas se manifestam na cidade e que mensagens emitem em contribuição com a construção de uma imagem urbana, caracterizada pela cultura da aparência exterior, da diversidade e das trocas temporárias de superfícies. Através da metodologia de polos conceituais, são abordados e definidos conceitos como peles, máscaras e outras metáforas que caracterizam física e conceitualmente as fachadas na cidade contemporânea. Palavras-chave: Fachadas. Peles e máscaras. Projeto Urbano. Cidade Contemporânea.

vii

ABSTRACT MARTINEZ, Andressa Carmo Pena. Entre máscaras e peles: A fachada-simulacro na cidade contemporânea. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Urbanismo) - Programa de PósGraduação em Urbanismo. Faculdade de Arquitetura. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. In a time of urbangrowth and densification, when the concentration of population and housing market stimulate the verticalgrowth, the urban design project has changed from the urban action on the horizontal plane to a look on the vertical surfaces of the city, the facades. The building market offers the widest range of products for new envelopes under the discourse of efficiency, technological innovation, speed of installation and aesthetic experience. The slogan "This Envelope Changes Everything" is one of the examples of the focus on the surface which was reflected in the last decade in an increasing number of publications about the contemporary production of facades multiplicity that changes the city landscape in the surface contour of the facades. This work aims to understand and define conceptually how the contemporary facades are manifested in the city and contribute to the construction of an urban image, characterized by the culture of outward appearance, diversity and temporary surfaces exchanges. Through the methodology of conceptual poles, concepts such as skins, masks and other metaphors are defined to characterize physically and conceptually the contemporary facades. Keywords: Façades. Skins and Masks. Urban design Project. Contemporary city.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

019 – Imagem: cena do filme El Hombre De Al Lado

013

020 – Imagem: cena do filme El Hombre De Al Lado

013

001 – Foto: Fachada na Av. Guignard – Bairro Recreio

001

021 – Imagem: cena do filme Medianeras – fachadas

014

002 – Foto: Fachada na Av. Guignard – Bairro Recreio

001

022 – Imagem: cena do filme Medianeras – fachadas

014

003 – Foto: Fachada na Av. Guignard – Bairro Recreio

001

023 – Imagem: cena do filme Medianeras – fachadas

014

004 – Foto: Fachada na Av. Guignard – Bairro Recreio

002

024 – Imagem: cena do filme Medianeras – fachadas

014

005 – Foto: Fachada na Av. Guignard – Bairro Recreio

002

025 – Imagem: cena do filme Medianeras – fachadas

015

006 – Foto: Pavilhão Humanidades - Bairro Copacabana

003

026 – Imagem: cena do filme Medianeras – fachadas

015

007 – Foto: Pavilhão Humanidades - Bairro Copacabana

003

027 – Imagem: cena do filme Medianeras – empenas cegas

015

008 – Foto: Pavilhão Humanidades - Bairro Copacabana

003

028 – Imagem: cena do filme Medianeras – empenas cegas

016

009 – Ilustração: RBC Centre Origami de Robert Lang

005

029 – Imagem: cena do filme Medianeras – empenas cegas

016

010 – Perspectiva: Torre de apartamentos – B+U Architects

008

030 – Foto: Colégio Anglo Americano – Barra da Tijuca

017

011 – Perspectiva: Torre de apartamentos – B+U Architects

009

031 – Foto: Colégio Anglo Americano – Barra da Tijuca

017

012 – Imagem: cena do filme Janela Indiscreta de Hitchcock

011

032 – Imagem: montagem de peles humanas

021

013 – Imagem: cena do filme Janela Indiscreta de Hitchcock

011

033 – Imagem: montagem de peles animais

022

014 – Imagem: cena do filme Janela Indiscreta de Hitchcock

011

034 – Imagem: montagem de peles animais

023

015 – Imagem: cena do filme El Hombre De Al Lado

012

035 – Imagem: indivíduos decorados como fachadas

024

016 – Imagem: cena do filme El Hombre De Al Lado

012

036 – Esquema: resumo teoria do revestimento

026

017 – Imagem: cena do filme El Hombre De Al Lado

012

037 – Croquis de Une Petite Maison – Le Corbusier

030

018 – Imagem: cena do filme El Hombre De Al Lado

012

038 – Foto: Royal Melbourne Institute of Technology

032

ix

039 – Foto: Royal Melbourne Institute of Technology

032

059 – Foto: Museu Judaico, Daniel Libeskind

054

040 - Esquema: profundidade e superficialidade

040

060 – Foto: Beed En Geluid, Neutelings Riedjk

055

041 – Foto: Soho Shangdu, Lab Architecture

041

061 – Imagem: cena de palestra TED, Greg Lynn

055

042 – Foto: Soho Shangdu, Lab Architecture

042

062 – Esquema: decoração

056

043 – Foto: Edifício Biscornet, PB Architecture

042

063 – Harpa Concert Hall, Reykjavik

060

044 – Foto: Edifício Biscornet, PB Architecture

043

064 – Harpa Concert Hall, Reykjavik

060

045 – Foto: Edifício Biscornet, PB Architecture

043

065 – Harpa Concert Hall, Reykjavik

060

046 – Esquema: profundidade X superficialidade

044

066 – Foto: Painel grafitado em Boston, Gêmeos

066

047 – Foto: Latas sem rótulo

048

067 – Foto: Vinícola Gantenbein, Bearth & Deplazes

067

048 – Foto: IUC Building, UNStudio

049

068 – Foto: Vinícola Gantenbein, Bearth & Deplazes

067

049 – Foto: IUC Building, UNStudio

049

069 – Imagem: campanha publicitária BB

068

050 – Foto: IUC Building, UNStudio

050

070 – Imagem: campanha publicitária BB

068

051 – Foto: IUC Building, UNStudio

050

071 – Imagem: campanha publicitária BB

068

052 – Foto: Museum of Nature and Arts, Morphosis

051

072 – Foto: fachada da loja de Herchovitch em Tóquio

069

053 – Foto: Signal Box, Herzog & De Meuron

051

073 – Foto: fachada da loja de Herchovitch em São Paulo

069

054 – Foto: Musée des Civilisations, Rudy Ricciotti

052

074 – Foto: Fachada post-it da loja Melissa

070

055 – Foto: École Internationale ITER, Ruddy Ricciotti

052

075 – Foto: Fachada post-it da loja Melissa

070

056 – Foto: Vinícola Dominus, Herzog & De Meuron

053

076 – Foto: Fachada post-it da loja Melissa

070

057 – Foto: Vinícola Dominus, Herzog & De Meuron

053

077 – Foto: Hotel Othon Trocadero antes, Copacabana

071

058 – Foto: Museu Judaico, Daniel Libeskind

054

078 – Foto: Hotel Othon Trocadero depois, Copacabana

071

x

079 – Foto: Material da Exposição Skin + Bones, 2008

072

099 – Foto: Fachada verde, Caixa Fórum

089

080 – Foto: Material da Exposição Skin + Bones, 2008

072

100 – Foto: Fachada verde, Caixa Fórum

089

081 – Foto: Material da Exposição Skin + Bones, 2008

072

101 – Foto: Torre Flower, Edouard François

090

082 – Foto: Festa de arquitetos em Nova Iorque, 23/01/1931

072

102 – Foto: Torre Flower, Edouard François

090

083 – Foto: Fachada Onyx, Jean Nouvel e Myrto Vitart

074

103 – Foto: Torre Flower, Edouard François

092

084 – Foto: MH. De Young Museum, Herzog & De Meuron

075

104 – Foto: Edifício “orgânico” em Osaka, Gaetano Pesce

092

085 – Foto: MH. De Young Museum, Herzog & De Meuron

075

105 – Foto: Fachada em Odawara, Kengo Kuma

093

086 – Foto: MH. De Young Museum, Herzog & De Meuron

075

106 – Foto: Fachada Centro Ambiental, Parque Madureira

093

087 – Esquema: temporalidades: ligeireza e fragilidade

076

107 – Esquema: crise da representação X figuração

094

088 – Foto: Green Green Wall, Klein Dytham Architects

077

108 – Esquema: cultura da imagem/fachada comunicativa

096

089 – Croqui: Ambulant Architecture, Okar Schlemmer

078

109 – Esquema: polaridades

102

090 – Croqui: Technical Organism, Okar Schlemmer

078

110 – Esquema: Pictogramas sobre os quatro polos

103

091 – Croqui: Marionette, Okar Schlemmer

078

111 – Esquema: polos conceituais

104

092 – Croqui: Desmaterialization, Okar Schlemmer

078

112 – Fotomontagem: lata com rótulo

105

093 – Foto: Cemitério Brion, Carlo Scarpa

079

113 – Pictograma: a máscara sobre o rosto

105

094 – Foto: Cemitério Brion, Carlo Scarpa

079

114 – Corte: habitação na Paris de Haussmann

108

095 – Foto: Instalação Artística de Leandro Erlich

084

115 – Foto: Guild House, Venturi e Scott Brown

110

096 – Ilustração: City of Robotz, Bureau Spectacular

085

116 – Imagem: pictograma “galpão decorado”

110

097 – Foto: Fachada verde, Musée Du Quai Branly

088

117 – Esquema: fachada como máscara-commodity

115

098 – Foto: Fachada verde, Musée Du Quai Branly

088

118 – Imagem: aerofotogrametria, Avenida das Américas

121

xi

119 – Foto: Fachada da loja Dellano, Recreio

122

139 – Foto: casa em Santa Monica, Frank Gehry

126

120 – Foto: Fachada da loja Dellano, Recreio

122

140 – Foto: Fachada na Av. Alfredo Baltazar da Silveira

127

121 – Foto: Fachada Evviva, Recreio

122

141 – Foto: Albergue La Buena Vida, México

127

122– Foto: Fachadas das lojas Romanzza e Criare, Recreio

123

142 – Foto: Fachada Cupertino Durão, n. 135, Leblon

129

123 – Foto: Fachadas das lojas Romanzza e Criare, Recreio

123

143 – Foto: Fachada Cupertino Durão, n. 135, Leblon

130

124 – Foto: Galpão loja Flaviense, Recreio (antes)

123

144 – Foto: Fachada Cupertino Durão, n. 135, Leblon

131

125 – Foto: Galpão loja Flaviense, Recreio (depois)

123

145 – Foto: Fachada Av. Delfim Moreira, n. 920, Leblon

132

126 – Foto: Loja Dinamicar, Recreio (antes)

123

146 – Montagem: Fachada Av. Delfim Moreira, n. 920

133

127 – Foto: Loja Dinamicar, Recreio (depois)

123

147 – Foto: Fachada Rua Aníbal de Mendonça, n. 156

134

128 – Foto: Antigo mercado Bora Bora, Recreio (antes)

123

148 – Foto: Fachada Rua Aníbal de Mendonça, n. 156

134

129 – Foto: Mercado Nero e Bora Bora, Recreio (depois)

123

149 – Foto: Fachada Rua Aníbal de Mendonça, n. 156

134

130 – Foto: Mercado Nero, Recreio (depois)

123

150 – Foto: Fachada Rua Maria Eugênia, n. 182, Humaitá

135

131 – Foto: Fachada Casa Shopping de Victor Ceccato

124

151 – Foto: Fachada Rua Maria Eugênia, n. 182, Humaitá

135

132 – Foto: Fachada Casa Shopping de Victor Ceccato

124

152 – Foto: Fachada Rua Maria Eugênia, n. 182, Humaitá

135

133 – Foto: Fachada Casa Shopping, Barra da Tijuca

124

153 – Foto: Fachada Rua Paulo Redfern, n. 13, Ipanema

136

134 – Foto: Fachada Anglo Americano, Barra da Tijuca

125

154 – Foto: Fachada Rua Paulo Redfern, n. 13, Ipanema

136

135 – Foto: Fachada Anglo Americano, Barra da Tijuca

125

155 – Foto: Fachada Rua Paulo Redfern, n. 13, Ipanema

136

136 – Foto: Edifício MTH, Bjarke Ingles

125

156 – Foto: Fachada Av. General Artigas, n. 92, Leblon

137

137 – Foto: Edifício MTH, Bjarke Ingles

126

157 – Foto: Fachada Av. General Artigas, n. 92, Leblon

137

138 – Elevação: casa em Santa Monica, Frank Gehry

126

158 – Foto: Fachada Av. General Artigas, n. 92, Leblon

137

xii

159 – Foto: Fachada Rua João Lyra, n. 50, Leblon

138

179 – Quadrinhos: Tatoo you, Diogo Salles

147

160 – Foto: Fachada Rua João Lyra, n. 50, Leblon

138

180 – Pictograma: A superfície indiferente

147

161 – Foto: Fachada Rua João Lyra, n. 50, Leblon

138

181 – Foto: Fachada Espaço Tim UFMG, Belo Horizonte

147

162 – Foto: Fachada Av. Delfim Moreira, n. 300, Leblon

139

182 – Foto: Fachada Espaço Tim UFMG, Belo Horizonte

150

163 – Foto: Fachada Av. Delfim Moreira, n. 300, Leblon

139

183 – Esquema: fractal X fragmento

151

164 – Foto: Fachada Av. Delfim Moreira, n. 300, Leblon

139

184 – Foto: Shopping Fashion Mall, São Conrado

152

165 – Foto: Fachada do edifício Ronchamp, em Santos

140

185 – Perspectiva: Shopping Fashion Mall, São Conrado

152

166 – Foto: Fachada do edifício Ronchamp, em Santos

141

186 – Foto: Shopping Fashion Mall, São Conrado

153

167 – Imagem: Concurso Grand Paris, equipe de Nouvel

142

187 – Imagem: Cena palestra TED, James Kustler

153

168 – Imagem: Concurso Grand Paris, equipe de Nouvel

142

188 – Foto: Escultura de Claes Oldenburg

155

169 – Imagem: Concurso Grand Paris, equipe de Nouvel

143

189 – Pictograma: Superfícies de sedução urbana

155

170 – Imagem: Concurso Grand Paris, equipe de Nouvel

143

190 – Foto: Fachada Museu Guggenheim de Bilbao

157

171 – Aerofotogrametria: Praça Leipziger, Berlim

144

191 – Google Earth: Walt Disney Concert Hall

158

172 – Foto: Praça Leipziger, Berlim

144

192 – Foto: Walt Disney Concert Hall

158

173 – Foto: Praça Leipziger, Berlim

144

193 – Perspectiva: Centro Comercial do Cairo, Marcos Cruz

159

174 – Foto: Praça Leipziger, Berlim

145

194 – Foto: Kunsthaus Graz

159

175 – Foto: George Square, Glasgow

147

195 – Foto: Pavilhão da Feira do Livro, Lisboa

160

176 – Foto: George Square, Glasgow

150

196 – Foto: Son O House, NOX Art Architecture

160

177 – Foto: painéis na Linha Amarela, Rio de Janeiro

146

197 – Foto: Cidade das Artes, de Portzamparc, Barra

161

178 – Foto: painéis na Linha Amarela, Rio de Janeiro

146

198 – Perspectiva: Museu do Amanhã, Centro

161

xiii

199 – Perspectiva: MAR, Bernardo Jacobsen, Centro

161

219 – Imagem: cena de projeção virtual sobre fachada

176

200 – Esquema: MIS, Copacabana

162

220 – Imagem: cena de projeção virtual sobre fachada

176

201 – Perspectiva: MIS, Copacabana

163

221 – Imagem: Janela Indiscreta de Hitchcock

183

202 – Foto: Museu da Biodiversidade, Panamá

163

222 – Foto: Fachada com janela hermética, Barra da Tijuca

183

203 – Pictograma: a desmaterialização da fachada

165

223 – Imagem: pictogramas polos conceituais

195

204 – Foto: Pavilhão Humanidades Rio +20, Copacabana

167

224 – Esquema: polos conceituais

196

205 – Foto: Fachada Clínica PROAR

167

225 – Fotos: exemplares de “Máscaras”

197

206 – Foto: Fachada Clínica PROAR

168

226 – Fotos: exemplares de “Máscaras”

198

207 – Imagem: Quadro Um Bar aux Folies-Bèrgere, Manet

168

227 – Fotos: exemplares de “Máscaras”

199

208 – Foto: Fundação Cartier, Jean Nouvel, Paris

169

228 – Fotos: exemplares de “Superfícies indiferentes”

200

209 – Foto: Fundação Cartier, Jean Nouvel, Paris

169

229 – Fotos: exemplares de “Superfícies indiferentes”

201

210 – Foto: Fundação Cartier, Jean Nouvel, Paris

169

230 – Fotos: exemplares de “Superfícies indiferentes”

202

211 – Foto: CCCB, Piñón e Viaplana, Barcelona

170

231 – Fotos: exemplares de “Superfícies indiferentes”

203

212 – Foto: CCCB, Piñón e Viaplana, Barcelona

170

232 – Fotos: exemplares de “Superfícies de sedução”

204

213 – Foto: Reichstag, Christo e Jeanne-Claude, Berlim

173

233 – Fotos: exemplares de “Superfícies de sedução”

205

214 – Foto: Reichstag, Christo e Jeanne-Claude, Berlim

173

234 – Fotos: exemplares de “Superfícies de sedução”

206

215 – Foto: Reichstag, Christo e Jeanne-Claude, Berlim

174

235 – Fotos: exemplares de “Superfícies de sedução”

207

216 – Foto: Curtain Wall House, Shigeru Ban, Tóquio

175

236 – Fotos: exemplares de “Desmaterialização”

208

217 – Foto: Curtain Wall House, Shigeru Ban, Tóquio

175

237 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

209

218 – Imagem: cena de projeção virtual sobre fachada

176

238 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

209

xiv

239 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

209

240 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

209

241 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

210

242 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

210

243 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

210

244 – Desenhos: relação entre a moda e a fachada

210

xv

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO

01

1. INTRODUÇÃO

05

PARTE 01 – EMBASAMENTO TEÓRICO 2. CONTEXTUALIZAÇÃO

11

3. DEFINIÇÃO DA FACHADA CONTEMPORÂNEA

19

3.1 A FACHADA CONTEMPORÂNEA NA SUPERFÍCIE DA PELE

19

3.2 CULTURA TECTÔNICA: CORE-FORM X ART-FORM

25

3.3 A SUPERFÍCIE TECNOLÓGICA DA AGENDA MODERNA

29

3.4 ENTRE A PROFUNDIDADE E A SUPERFICIALIDADE

33

3.5 ENTÃO, A FACHADA COMO TELA?

41

3.6 A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE

45

3.7 DECORAÇÃO: A ARTE DE ENVOLVER E APRESENTAR

48

3.8 A LIGEIREZA DA PELE

57

4. O COMPORTAMENTO DAS PELES NA CIDADE

61

4.1 TEMPORALIDADES: A FACHADA COMO ROUPA OU MAQUIAGEM

61

4.2 A ESTÉTICA DA PROXIMIDADE E DAS (in)DIFERENÇAS

73

4.3 TOUCHSKIN: A RELAÇÃO COM O OBSERVADOR URBANO

77

4.4 A VERTICALIZAÇÃO: A CIDADE SOBE PELAS PAREDES

84

xvi

4.4.1 – Os jardins verticais: O paisagismo sobe pelas paredes

88

4.4.2– A cultura da imagem: entre a representação e a figuração

93

PARTE 02 – METODOLOGIA DE OBSERVAÇÃO E ANÁLISE: OS POLOS CONCEITUAIS 5. METODOLOGIA DE PESQUISA: OS PÓLOS CONCEITUAIS DE ANÁLISE

97

6. OS PÓLOS CONCEITUAIS CIDADE REAL 6.1 A MÁSCARA SOBRE O ROSTO

105

6.1.1 A aparência do consumo e a noção do simulacro

112

6.1.2 As fachadas-máscaras como simulacro

117

6.1.3 A aparência do consumo: a máscara comercial

121

6.1.4 As máscaras residenciais

128

6.1.5 As máscaras urbanas

142

6.2 A SUPERFÍCIE (IN)DIFERENTE)

147

6.3 AS SUPERFÍCIES DE SEDUÇÃO URBANA

155

6.4 A DESMATERIALIZAÇÃO DA FACHADA

165

7. CONCLUSÃO

179

REFERÊNCIAS

185

GLOSSÁRIO

192

ANEXOS

195

xvii

ANEXO I – Diagrama de Polaridades com Fachadas

195

ANEXO II – A fachada como roupa

209

ANEXO III – Entrevista sobre acréscimo de varandas

211

ANEXO IV – Resolução SMU n. 578 de 03/01/2005 – Rio de Janeiro

214

1

APRESENTAÇÃO A paisagem da cidade se modifica constantemente; nenhum momento é exatamente similar ao anterior. Como senão bastasse mais alterações contínuas na coreografia urbana de fluxos humanos, veículos e informações, o pano de fundo conformado pelos edifícios, o skyline ‘relativamente’ dinâmico, também sofre a sobreposição das temporalidades e se transforma. [1] Em um dia de semana normal, no trajeto corriqueiro para casa, um novo edifício se destaca em uma esquina. Não pelos seus atributos estéticos, mas pela inusitada sensação de que ele não estava lá no dia anterior. Não se tratava de um terreno vazio ocupado por uma nova construção ou edifício em reforma, após longos meses de andaimes fachadeiros, mas de uma nova superfície que envolvia a mesma volumetria do edifício preexistente. Uma transformação silenciosa, sem o ‘aviso prévio’ de demolições ou mobilizações de canteiro de obras, foi suficiente para alterar a imagem da cidade em um intervalo de tempo tão curto. Figs. 01 e 02 – Imagens antes e depois.

A fachada deste edifício, com seus aproximados quinze anos, desapareceu da cena urbana em pouco mais de uma semana. Nem o intervalo de atualização das imagens urbanas do Google Street, ainda não apresentadas em tempo real, foi tão ágil para apagar completamente a transformação do edifício na cidade. O processo de “troca de pele” física superou a velocidade dos registros virtuais. À semelhança do ditado popular “quem vê cara, não vê coração”, o “novo” edifício emerge na paisagem da cidade sem referência ao anterior, em superfície muda que encobre a aparência e histórico da massa interna da edificação. Os detalhes finais da execução deixam em evidência

2

esquadrias antigas ao fundo, perdidas e envolvidas por uma nova “casca” indiferente ao “coração” do edifício, uma nova “pele” que se sobrepõe às preexistências. Pouco mais de uma década foi o intervalo de tempo considerado necessário para a mudança na imagem do edifício. E, independente, da crítica à aparência anterior, a noção de “arquitetura feita para durar” parece se dissolver na facilidade para trocar ou maquiar a sua face, em um processo de Figs. 03 e 04 – Imagens antes e depois da fachada frontal. (Fonte: o autor e google street maps)

transformação das superfícies. Como uma mudança de 'roupa', o edifício veste-se para uma nova ocasião, pronto para se modificar em um próximo momento, talvez em um intervalo de tempo ainda menor do que o anterior. [2] Do outro lado da cidade, a instalação de Carla Juaçaba para a Conferência Rio+20, emerge sobre o Forte da Praia de Copacabana. Caixas suspensas com superfícies simultaneamente translúcidas e opacas pairam sobre a massa pesada do forte, envolvidas por perímetro de andaimes tubulares. Nesse novo volume não se sabe exatamente onde a fachada do edifício começa ou termina, uma vez que o percurso do pedestre é delineado entre superfícies que se alternam na percepção entre o “dentro e fora”. Observado, do ponto de vista da cidade, o perímetro de andaimes desmaterializa-se na paisagem e evidencia as caixas suspensas destacadas por suas superfícies lisas e herméticas. À noite, essas mesmas faces assumem uma pele digital emergindo o edifício em questão. Na visão interna do pedestre, no entanto, os andaimes envolvem o conjunto e se assumem como limite externo,

Fig. 05 – a nova pele sobrepõe-se às janelas existentes.

enquanto no intervalo entre as caixas, os visitantes vivenciam uma experiência dúbia nessa relação

3

entre o interior e exterior: Não se sabe exatamente onde o “dentro” e o “fora” terminam e a fachadainterface entre essas adjacências - é simultaneamente indeterminada e múltipla, de acordo com a posição relacional do observador. Esse mesmo usuário, que experimenta e observa o espaço, torna-se uma superfície-entre, tateia e percorre as ambiguidades desses limites relacionais. Edifícios que trocam de pele vestem-se com novas imagens, telas digitais, interfaces ambíguas entre o interior e o exterior ou adjacências relacionais, essas são as fachadas que pouco a pouco constroem as superfícies múltiplas da cidade contemporânea. No atlas do seu império, ó Grande Khan, devem constar tanto a Fedora de pedra quanto as pequenas Fedoras das esferas vidro. Não porque sejam igualmente reais, mas porque são todas supostas. Uma reúne o que é considerado necessário, mas ainda não o é; as outras, o que se imagina possível e um minuto mais tarde deixa de sê-lo. (CALVINO, 2004, p.34). Figs. 06 e 07 – a instalação de Carla Juaçaba sobre o Forte de Copacabana, do ponto de vista da cidade. (Fonte: www.posto12.blogspot.com.br)

Fig. 08– Vista noturna (Fonte: Jornal Extra)

4

5

1.0|INTRODUÇÃO Numa época de crescimento e densificação urbana, quando a concentração populacional e o mercado imobiliário estimulam a verticalização, o projeto da cidade passou por mudança por meio da ação urbana exclusiva sobre os planos horizontais para um olhar sobre as superfícies verticais da cidade, suas fachadas. Dezenas de fachadas ilustram as capas das principais páginas de revistas de arquitetura e urbanismo. O mercado de construção oferece a mais ampla gama de produtos para novos envelopes dos edifícios, sob o discurso da eficiência energética, inovação tecnológica, velocidade de montagem e experiência estética sem precedentes. As pesquisas de materiais maximizam a variedade de padrões, texturas e cores e, o desenvolvimento das tecnologias representacionais facilitam a materialização nas cidades de superfícies simples até as paramétricas e complexas. O slogan “This Envelope Changes Everything” é um dos exemplos da massificação e ênfase na superfície que se refletiu na última década em um número crescente de publicações sobre a produção contemporânea das fachadas. Fachadas verdes, inteligentes, eficientes; opacas, silenciosas ou sedutoras; virtuais e digitais; fachadas de vidro ou curtain walls; peles, envelopes, camuflagens, telas e uma dezena de metáforas ou caracterizações físicas. Pouco a pouco a cidade é construída a partir do fragmento. A diversidade dos inúmeros fragmentos de superfícies únicas que adotam as mais diversas estratégias de materialização física. Multiplicidade que transforma a paisagem da cidade no contorno da superfície vertical das fachadas.

Fig. 09: Imagem publicitária (Fonte: Revista Architect, out. 2010).

6

HIPÓTESE INICIAL

}

Na verdade, as fachadas sempre desempenharam um papel de destaque no projeto urbano, mas essa tese parte da hipótese inicial de que na cidade contemporânea as fachadas constituem roupas ou máscaras, aparências que visam estabelecer novas relações comunicacionais e visuais com a cidade. Ao contrário de constituírem pano de fundo ou cenário para a dinâmica urbana, as fachadas atuam como superfícies de destaque, protagonistas na cidade concebidas para serem vistas de fora, descoladas da relação dialética e causal com o interior. A imagem da “embalagem” vestindo o edifício revela no discurso a temporária de publicitação do edifício e, principalmente, da imagem urbana. Os valores de estabilidade e permanência também sofreram rupturas na produção contemporânea. O discurso efêmero é superlativado, através de superfícies temporárias que “trocam de roupa” não apenas como consequência de uma obsolescência funcional ou deterioração física, mas pelo potencial imagético que a renovação constante acarreta sobre a imagem da cidade. Contudo, à ausência de distanciamento temporal e a diversidade da produção contemporânea na maior parte das pesquisas relaciona-se à caracterização isolada da superfície, sem o diálogo e rebatimento direto sobre a cidade. E para cada estratégia física, ao menos uma nova manifestação comunicacional se sobrepõe à imagem urbana. Nesse sentido, a tese possui como objetivo específico

OBJETIVO ESPECÍFICO

}

compreender conceitualmente como as fachadas contemporâneas se manifestam na cidade e que mensagens emitem em contribuição com a construção de uma imagem urbana. Desta forma, antes do rebatimento em escala urbana é necessário compreender isoladamente as caracterizações físicas e conceituais dessas superfícies. Motivo pelo qual essa pesquisa possui ainda, como objetivo

7

secundário, (1) compreender e caracterizar física e conceitualmente as fachadas contemporâneas, de modo a identificar as qualidades recorrentes na produção atual e (2) constituir uma pesquisa abrangente acerca das fachadas, não apenas como uma compilação de projetos arquitetônicos isolados, à semelhança da maior parte das publicações, mas a contribuição destas para a construção de uma retórica urbana relacionada à imagem da cidade. É importante destacar que apesar da proliferação de publicações sobre as fachadas e o incremento do olhar sobre o tema, a grande maioria consiste apenas na coletânea de exemplares e na apresentação descritiva dos casos, o que cria uma lacuna crítica sobre a percepção do olhar conjugado entre as fachadas e a cidade. E o objetivo principal desta investigação é justamente a análise do rebatimento e as manifestações dessas superfícies na cidade, como elas se apresentam no espaço urbano e como se tornam reflexo da cultura contemporânea e de seus valores. Nesse sentido, a tese se divide em duas partes principais: a primeira, de embasamento teórico, dedica-se inicialmente à caracterização e definição da fachada contemporânea; a segunda, de cunho conceitual, apresenta a metodologia de análise que identificou a existência de quatro polos conceituais que se referem às diferentes manifestações da fachada no espaço urbano. A tese se organiza segundo os capítulos a seguir: CAPÍTULO 01 - INTRODUÇÃO PARTE 01 – EMBASAMENTO TEÓRICO CAPÍTULO 02 – DEFINIÇÃO DA FACHADA CONTEMPORÂNEA

{

OBJETIVOS GERAIS

8

CAPÍTULO 03 – O COMPORTAMENTO DAS PELES NA CIDADE PARTE 02 – METODOLOGIA DE OBSERVAÇÃO E ANÁLISE: OS POLOS CONCEITUAIS CAPÍTULO 04 – APRESENTAÇÃO DOS POLOS CONCEITUAIS DE ANÁLISE CAPÍTULO 05 – OS POLOS CONCEITUAIS NA CIDADE REAL CAPÍTULO 06 - CONCLUSÃO O capítulo 02 apresenta uma breve contextualização do tema para reforçar a relevância da pesquisa e a definição de fachada. Esse capítulo define a recorrente metáfora da pele, apresenta outra relacionada à tela e discute as qualidades físicas e conceituais que destacam a autonomia da fachada em relação ao interior do edifício: desde o olhar tectônico de Frampton (1995) à completa contraposição entre profundidade e superficialidade. Outras noções como autenticidade, decoração, ligeireza e fragilidade contribuem para a construção conceitual da fachada contemporânea. Esse Fig. 10: “B+U Architects redefinem o DNA das fachadas”, é a chamada do site Archdaily como destaque para a fachada de um edifício residencial, em Lima, no Peru. E que superfície de destaque! Afinal, que mensagem ela emite na cidade? (Fonte: www.archdaily.com).

capítulo se dedica à observação isolada da superfície e a relação imediata entre ela e o interior do edifício; um olhar específico na escala da arquitetura. O capítulo 03 amplia a observação da escala arquitetônica para a paisagem da cidade e discute a importância do tempo ou as múltiplas temporalidades e a sua interpretação direta na manifestação física da fachada. Essa parte trata da renovação acelerada da aparência dos edifícios e conceitua outra metáfora, a das máscaras, abordada em pormenor na segunda parte da tese. Ele trata ainda a relação entre adjacências (a estética da proximidade), a conexão das fachadas com o observador urbano e a importância destas integradas ao projeto da cidade, no “descolamento” da relação causal com o interior da edificação para uma retórica, uma superfície comunicacional observada do ponto de vista

9

da cidade. Na segunda parte da tese, o capítulo 04 apresenta a metodologia da pesquisa e a síntese do percurso teórico formulador dos pólos conceituais: (1) máscaras sobre o rosto, (2) a superfície (in)diferente, (3) as superfícies de sedução urbana e (4) a desmaterialização da fachada, manifestações distintas da fachada que contribuem para a construção da imagem da cidade contemporânea. No capítulo 06, essas polaridades serão apresentadas através de uma argumentação, descrição pormenorizada e exemplificada, enquanto a conclusão, no capítulo 07, apresenta além da síntese da investigação e os seus possíveis desdobramentos futuros.

Fig. 11: Corte revela os acabamentos “ciliares” que configuram as aberturas e reentrâncias da fachada. A fachada personifica a materialidade urbana, reivindicando-se singulares como os indivíduos na cidade. (Fonte: www.archdaily.com).

10

11

2.0| CONTEXTUALIZAÇÃO No filme Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock, o enredo se desenrola apoiado na observação da vida doméstica através das fachadas de um conjunto residencial em Nova Iorque. Um fotógrafo profissional, confinado com a perna engessada em seu apartamento, começa a observar a rotina e relacionamentos de seus vizinhos através da janela: um casal recém-casado, a vida de uma escultora, a solidão de uma mulher jovem, dentre outros, são desvendados com minúcia pelo fotógrafo, até que um misterioso crime acontece. A despeito do suspense da narrativa, típica de

Fig. 12 – o principal enquadramento do filme: a fachada como a própria tela

Hitchcock, a fachada e suas aberturas são retratadas como molduras da vida privada, um espaço limite entre o interior e a vida urbana, mas também de transparência literal, de total exposição das pessoas e seus dramas íntimos. Como o panóptico de Jeremías Bentham, as janelas constituem olhos para a intimidade, um cenário urbano com valor de vigilância social e suposta utilidade para desvendar crimes, relacionamentos e desafetos, como no filme. A janela, tratada como um cenário urbano ou a própria tela de cinema, desvenda possíveis

Fig. 13 – a vida de uma jovem bailarina

imagens fractais da sociedade, ao mesmo tempo em que um observador passivo é convidado a interagir com o interior da vida íntima. Mais do que um limite entre o interior e exterior, a fachada torna-se o meio de leitura e compreensão de uma narrativa dinâmica que apresenta simultaneamente as individualidades e multiplicidade da vida em uma metrópole ou uma cidade genérica qualquer. A fachada é novamente objeto de interesse cinematográfico no filme argentino El Hombre De

Fig. 14 – a observação dos recém-casados

12

Al Lado (2010), que traz à tona a disputa entre vizinhos por uma abertura de janela que tiraria a privacidade da vida íntima na casa Curutchet, projetada por Le Corbusier em 1948, na cidade La Plata, Argentina. Independente da trama que envolve conflitos domésticos, ela retrata a dissolução da janela, não mais vista como uma moldura do interior, mas uma abertura intransigente que reduzia a privacidade dos moradores. De fato, os desenhos de Le Corbusier sempre demonstram a vista da fachada a partir de dentro: como essas janelas horizontais emolduravam uma paisagem verde, mas não como essa fachada era observada de fora para dentro, a partir da visão do “observador urbano”. No caso da casa Curutchet especificamente, a bela fachada dissolve a janela quadrada, como enquadramento da vida íntima e a porta de entrada é transformada em elemento simbólico de passagem, com nuances escultóricas que rompem totalmente os princípios de proteção e segurança da fachada como mediadora entre o espaço público e privado. No filme, um arquiteto é solicitado para mediar o conflito e sugere que o vizinho faça uma janela “retangular”, alta, com vidro jateado ou opaco, de modo a permitir a luminosidade, sem afetar a privacidade e estética da casa projetada por Le Corbusier. A trama aborda questões como a negação estética da janela “quadrada” tradicional e, principalmente, as ambiguidades entre privacidade e intimidade, transparências e opacidades, contraditoriamente numa casa onde a fachada foi criada para a exposição máxima do interior. Esse último foi o motivo pelo qual o médico Curutchet, o seu real e primeiro proprietário, desistiu de morar com a família, menos de 10 anos depois de ocupar o imóvel. O projeto de Le Corbusier destaca algumas das características que acompanhou a produção moderna: a literalidade da fachada e a sua correspondência com o interior

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(a transparência das funções do edifício e sua estrutura), mas também uma autonomia estrutural que facilitou a sua “emancipação”, a valorização de planos que caminharam para a progressiva atenção para a superfície da fachada desvinculada do edifício. De fato, Frank Lloyd Wright, após o seu projeto da Winslow House de 1893, afirma que a sua concepção sobre a parede mudou: “simply put, it was no longer the side of a box” (DODDS;TAVERNOR, 2002, p.270 apud WRIGHT, 1958, p. 38). A fachada permanecia como um fechamento e proteção contra as intempéries, porém adquiriu uma finalidade simultaneamente tanto menor quanto mais do que a anterior. A caixa foi quebrada e a “fachada tornou-se uma tela1, um meio de extensão espacial que permitiria o uso livre do espaço inteiro sem afetar a solidez da estrutura.” (FRASCARI In: DODDS; TAVERNOR, 2002, grifo nosso). O termo window walls, também de Wright, não apenas se refere às maiores dimensões dos painéis de janelas, reduzindo o status opaco da parede, como também revela através da antítese a emergência dos planos não mais relacionados à composição de volumes, mas à valorização das superfícies independentes.

Figs 15 a 20 – sequências do filme El Hombre De Al Lado, que trabalha a noção da opacidade e transparência; visibilidade e intimidade.

Mas, o que acontece quando essa mesma fachada perde a sua literalidade e deixa de traduzir na cidade a sua relação direta com o espaço interior? Quando perde a legitimidade de si mesmo e, ao contrário da fachada de Hitchcock, torna-se uma superfície introvertida, silenciosa sobre o seu modo de fabricação ou super-comunicativas, simulacros de uma suposta realidade? Na produção contemporânea, os focos de observação não são os espaços vazios e os ocos da fachada, os enquadramentos das aberturas e janelas, mas aquilo que se volta para a membrana

1 tela s.f Tecido de fios de linho, lã, ouro, prata, seda, etc.; pano, estofo, vestidos, trajes; tecido, geralmente de linho, coberto com tinta branca ou parda, sobre a qual os pintores pintam os quadros; quadro, pintura; pano em que se projetam as imagens cinematográficas. (Fig.) O Cinema (Do lat.: tela)

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limite em sua completude; a sua constituição física e material, sua aparência como planificação de mensagem codificada, individualizada no contexto da cidade. Se as janelas de Hitchcock eram um enquadramento da cena íntima em frames, comparadas à captura dos momentos da fotografia ou cinema, na produção contemporânea toda a superfície da fachada torna-se uma tela1, sensibilizada em sua completude, que comunica ou se retrai, concebida para ser lida do ponto de vista da cidade, sem necessariamente comunicar o seu interior. Nesse sentido, como uma colagem, a paisagem contemporânea é construída pouco a pouco pelas diferentes superfícies que se sobrepõem e, em muitos momentos, se opõem. Novamente o cinema destaca com maestria essa condição contemporânea da fachada: em Figs 21 e 22 – “Provavelmente essas irregularidades nos refletem”. Medianeras

Medianeras (2011) a trama amorosa é entremeada pela comparação com a paisagem da cidade, caracterizada essencialmente pela observação das diferentes fachadas erguidas “sem critério” (citação verbal no filme), posicionadas lado a lado como uma colagem sucessiva e temporal de imagens ora congruentes, semelhantes, ora incongruentes e conflitantes. Personificando as fachadas, o filme argumenta que essas irregularidades estéticas e éticas, nos refletem plenamente, diferenciando-se uns dos outros. Distante de um projeto totalizado e, a despeito dos códigos e normas urbanísticas, as fachadas ou superfícies verticais são tratadas como indivíduos únicos, em muitos momentos sem diálogo entre si, superfícies que “nos dividem e separam lembrando a passagem do tempo” nas cidades.

Figs. 23 e 24 – “irregularidades”...

Tendo como pano de fundo o “amor na era digital”, aborda o encontro de dois jovens que

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moram no mesmo quarteirão, exatamente nos limites de duas empenas-cegas que “olham” para si, e apesar de distantes um do outro apenas pela espessura dessa superfície lateral, encontram-se apenas através da tela do computador. O filme trata de interessantes metáforas contemporâneas ao comparar as fachadas às superfícies verticais de separação; ao retratar o espaço urbano com minúcia “olhando para cima”, para a superfície das fachadas, e, raramente, atentando para o espaço de baixo (rua e espaços públicos), ao enfatizar o cenário urbano encerrado nas fachadas que traduzem a passagem do tempo, as mudanças de legislação, às “formas de moradia” de acordo com cada época; às inovações tecnológicas; às diferenças e indiferenças das superfícies múltiplas e diversas tais como os indivíduos que não se conhecem e não conversam entre si em uma grande cidade - uma crítica à superfície publicitária que se sobrepõe, esconde e camufla o interior (uma superfície de aparência, literalmente de fachada); e à dissolução da janela simbólica, à ausência desse elemento como

Figs. 25 e 26 – fachadas personificadas como indivíduos diferentes. Medianeras

passagem e relacionamento entre dois sistemas distintos: as janelas ou olhos das superfícies e as janelas abertas na tela do computador. Ao contrário das “janelas indiscretas” que revelam a vida íntima em Hitchcock ou da exposição máxima do interior na casa projetada por Le Corbusier, o filme parece “reclamar” das opacidades das fachadas contemporâneas. No fim, a abertura ilegal de duas janelas nas empenas cegas, o momento de ruptura dessas superfícies que os permitem olhar entre si, ainda sem se reconhecer, precede simbolicamente o encontro real na cidade, à ruptura da comunicação pela tela da fachada e a tela digital do computador. O cinema não apenas retratou a fachada como superfície urbana por excelência, como a tela cinematográfica encerra em si uma das metáforas que a definem na contemporaneidade: a

Fig. 27 – Fachadas como superfícies verticais de dimensão urbana, que lembram a passagem do tempo. Medianeras

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planaridade da tela opaca, superfície para ser observada do ponto de vista da cidade. Constitui não apenas o limite entre o interior e exterior, a interface entre a vida íntima e a pública, mas o espaço onde se manifestam as mudanças, a permanência, as inovações, desgastes e decadências da passagem temporal. O cinema como retrato é também uma excelente metáfora que se soma a outras para a superfície da fachada – a tela de projeção, enquadramento fotográfico; tela digital do computador; janelas e window walls, windows2, na tela digital. Relações diversas e singulares estabelecidas na superfície limite, nas fachadas como pano-de-fundo das cidades. De fato, a riqueza de relações, associações e metáforas estabelecidas entre as fachadas e seus elementos, o seu potencial urbano, arquitetônico, antropológico, fenomenológico, artístico, político e econômico (dentre inúmeros outros), a tornam um objeto de investigação abrangente e pertinente para a Figs. 28 e 29 – o rompimento simbólico das opacidades na superfície publicitária contemporânea. (Medianeras)

compreensão da paisagem da cidade. Nas últimas décadas, no entanto, as fachadas apresentam-se como uma produção diferenciada do momento anterior. Segundo Rafael Moneo (MONEO, 1999), essa transformação possui como uma das causas a fragmentação na percepção do mundo, onde não é possível a visão, nem a explicação unitária de coisa alguma. Já não são apenas as janelas “indiscretas” de Hitchcock (1954) que emolduram a vida íntima nas cidades, nem a relação com a fachada de El Hombre De Al

2 A bidimensionalidade da fachada reforçada pelas comparações à tela de projeção, enquadramento fotográfico ou ainda tela digital; as janelas como rasgos de comunicação física e visual entre interfaces distintas, seja no ambiente real quanto virtual.

Lado (2009), mas a diversidade, diferenças e indiferenças das superfícies retratadas em Medianeras (2011), como interfaces representativas de uma cidade de colagens. As colagens manifestam-se não apenas nas superfícies adjacentes que constroem o espaço

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urbano, mas também se sobrepõem continuamente nas fachadas preexistentes. Superfícies inteiras trocam de aparência rapidamente, em velocidades que desafiam a estabilidade e permanência da fachada como elemento tradicionalmente “fixo” na paisagem urbana. Nesse sentido, essa pesquisa parte da hipótese inicial de que a fachada desvinculou-se da materialidade do objeto edificado para valorizar-se na planaridade de sua superfície – uma superfície com dimensão urbana, constituída para ser observada de fora, em relação direta com o espaço da cidade. O momento atual é de valorização do invólucro dos edifícios, das imagens que eles “emitem” e evocam na paisagem urbana.

Fig. 30 – a fachada do Colégio Anglo Americano há um ano (google street)

A investigação tem, então, como objetivo identificar como as fachadas contemporâneas manifestam-se no espaço urbano, entre a vontade de se fazer presentes e ausentes na paisagem da cidade. Com o olhar voltado exclusivamente sobre a superfície observada de fora, a pesquisa constitui um percurso retórico com ênfase nas fachadas, reconhecidas como superfícies verticais urbanas.

Fig. 31 – uma nova camada sobrepõe-se à fachada antiga. De acordo com a posição do observador, os brises transparentes aparentam opacos e reduzem a sensação visual das janelas remanescentes ao fundo.

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3.0 |DEFINIÇÃO DA FACHADA CONTEMPORÂNEA 3.1 A FACHADA CONTEMPORÂNEA NA SUPERFÍCIE DA PELE Nos atrae lo impúdico de abordar (...) su apariencia, cómo se presenta, cómo tiende a presentársenos, incluso cómo debiera presentársenos (o su opuesto, cómo debiera dejar de presentársenos), como un problema capaz de ser discutido desde nuestra experiencia, pero también pura y simplemente desde una actitud guiada por dichas fobias, por aquello que nos há dejado de interesar. (ÁBALOS; HERREROS, 1998, p. 48).

Compreendida pelo senso comum como face de um edifício, o termo fachada não possui uma dimensão hermética de domínio exclusivo do campo da arquitetura e urbanismo. A sua visibilidade urbana e familiaridade com o senso comum a torna um elemento cuja definição encerra-se em si. Etimologicamente o termo fachada deriva do latim facciata e está relacionado à noção de face, aparência. Tal como um rosto, ela constitui não apenas o revestimento externo, mas seleciona notadamente o anterior, o que está à frente. Particularmente interessante é a definição do dicionário italiano que aponta a qualidade da fachada de brilhar e manifestar, associada à fama e a visibilidade externa, o que a reforça como um elemento de dimensão urbana, relacionado ao exterior, cuja interlocução com o observador se dá essencialmente a partir do ponto de vista da cidade. A escolha da face frontal do edifício como representativa da fachada reconhece a importância de sua aparência, enquanto os pátios internos e as fachadas voltadas para o interior do lote diferenciam-se do tratamento valorizado das faces frontais. Venturi, Scott Brown e Izenour (2003, p. 139) citam, por exemplo, que as catedrais góticas não

Fachada s.f Face da frente de uma edificação; frontispício de um livro / (fig.) Presença, aparência ou exterioridade das pessoas. / (pop.) Rosto, cara. (Do it.: facciata)

Fàccia prov. Fassa, facha, fatz; fr. Face; cat. Feix; sp. Haz, faz; port. Face

Facciata da FÀCCIA – Prospetto, ossia la Parte anteriore ed esterna di un edifizio; così detta perché fa nelle fabbriche l'ufficio che fa la faccia rispetto alle altre membra dell'uomo, onde gli artefici si sforzano di dare ad essa maestà e decoro. - Parlando di libro Ciascuna banda o superficie di un foglio, detta altrimenti. (Fonte: Dizionario Etimologico italiano online www.etimo.it)

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A fachada frontal como rosto representativo na cidade

possuíam uma unidade entre a frente e a lateral, mas essa disjunção era o reflexo de uma contradição inerente a um edifício complexo, cuja face voltada para a praça possuía um valor “propagandístico”, enquanto nos fundos apresentava a imagem de um edifício simplificado. Do mesmo modo, Camilo Sitte (1889), define os princípios artísticos nas cidades a partir do relacionamento entre o espaço público e as faces visíveis dos edifícios; o posicionamento privilegiado das fachadas em relação às praças criava contextos urbanos memoráveis. A metáfora da fachada como rosto resgata a noção de aparência, relacionada à comunicação uma superfície simbólica destinada à transmissão de mensagens. Por outro lado, a aplicação pejorativa do termo “de fachada” atribui uma conotação de máscara, maquiagem e a distinção entre “aparência” e “realidade”, nas quais emergem outras qualidades, igualmente, ricas e instigantes da fachada como cenário, disfarçando, encobrindo, mentindo ou omitindo o propósito do edifício, criando assim paisagens urbanas fictícias ou transitórias. Uma função propagandística como cisão entre o interior e o exterior ou, principalmente, entre a originalidade e a imagem da face mais exposta, a fachada frontal pública e, propositalmente, imponente em detrimento da “banalidade” e simplicidade das que estão escondidas dos “olhos da cidade”. Alguns autores atribuem valor a todas as faces do edifício a partir do movimento moderno, quando o isolamento do mesmo, no centro do lote ou a densidade menor na ocupação do terreno permite uma visibilidade multidirecional do edifício. Neste contexto, Albertini e Bagnoli (1988, p. 220) define a fachada subentendida como um involucrum, palavra em Latim que significa o “envelope que

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cobre um objeto”. A noção de invólucro relaciona-se recentemente à metáfora da “pele”, uma condição de contorno que segundo Lupton (2002, p. 31) abrange todo o espectro de produtos do design contemporâneo: da arquitetura, à moda e à mídia. A “pele” é definida como um órgão composto por várias camadas, multiuso, que varia entre uma superfície fina e mais espessa, compacta a menos densa, oleosa à seca, que contorna toda a paisagem do corpo (LUPTON, 2002, p. 33). Considerada pela autora como um “dispositivo de coleta de conhecimento”, responde às variações de temperatura, dor e prazer, com fronteiras não muito definidas e flui continuamente entre as superfícies expostas do corpo às suas cavidades mais imediatas. Os fundamentos biológicos também incluem o sistema de proteção do interior e da estrutura do esqueleto, a relativa resistência à fricção e traumatismos, à vascularização e recepção de estímulos externos como tato, dor, calor, frio, pressão e vibração, devido à presença de suas terminações nervosas sensitivas. Ela possui uma função importante de crescimento do organismo, através da reserva de nutrientes, à síntese de vitaminas C, bem como possui anexos especializados como extensão de sua superfície (cabelos, pelos, unhas, glândulas sebáceas e sudoríparas); encobre visualmente o funcionamento interno do organismo, ao mesmo tempo que o revela, através da temperatura ou mudança do seu aspecto exterior. À semelhança das fachadas, ela encerra uma variedade de padrões visuais, texturais, somados às qualidades funcionais de proteção, estruturação e gradientes de trocas e permeabilidade entre dois sistemas distintos: o interior e o exterior. Desse modo, o potencial ornamental da pele (cores, texturas), decorativo (tatuagens, acessórios), a capacidade de mutação (troca e renovação da

Fig. 32 – a pele como invólucro do corpo e identidade da aparência do indivíduo

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pele, intervenções cirúrgicas) e camuflagem (maquiagem, pintura), além da variabilidade entre espécies animais, tornam a superfície de maior teor conotativo e metafórico para a definição das fachadas na contemporaneidade. Segundo Paim (2000), no campo da arquitetura e urbanismo, a analogia entre a pele e revestimento das fachadas esteve historicamente presente na produção de Eugène Grasset, Semper, Adolph Loos, Viollet-le-Duc, Van de Velde, Ernest Bloch e Bernard Leach, que a compreenderam não apenas como epiderme, mas também em termos musculares e estruturais. Viollet-le-Duc defendia a indissociabilidade entre decoração e fachada, comparando-se não como uma vestimenta ocasional de um edifício, mas algo intrínseco a este, tal como a pele adere ao homem e aos animais. A metáfora da pele como revestimento natural do edifício também foi amplamente explorada por Adolph Loos em sua teoria do “princípio do revestimento”, em busca da compreensão do ornamento “natural”, genuinamente moderno. Segundo Loos, em tempos imemoriais, quando as construções procuravam prover um espaço habitável, criava-se primeiramente uma estrutura qualquer e cobriase com algo que estivesse à mão: folhas, peles de animais ou padrões têxteis. Desse modo, as “paredes” eram criadas posteriormente e definidas pelos seus materiais de acabamento. Porém, segundo seus estudos, os arquitetos de seu tempo inverteram a lógica e construíam primeiro as paredes para, em seguida, pensarem como seria o seu revestimento, esquecendo a “essência da pele” como o mais perfeito dos ornamentos. Sua teoria condenou a tatuagem por gravar na superfície, de modo doloroso e irreversível, padrões de desenhos estereotipados. O discurso claramente modernista, apoiado na autenticidade e verdade dos materiais, trazia imbuído à

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valorização das superfícies de fechamento e à lógica na pele. Em uníssono, Van de Velde comparou a fachada como “o envelope de um tecido flexível sobre um chassi ou como a carne sobre o osso” (PAIM, 2000, p.84 apud VAN DE VELDE, 1979, P.65) e, seguindo o discurso, “a forma segue a função”, defendeu a pele como um uma superfície 'dinamográfica', cuja relação íntima com a estrutura do corpo deveria determinar e moldar a própria forma. Na década de 90, o arquiteto Bernard Tschumi, em Manhattan Transcripts (1981), traz à tona a noção da pele ao comparar as fachadas dos edifícios AT&T e IBM, ambos na Av. Madison, em Nova Iorque. Segundo o arquiteto, durante a construção, os edifícios eram completamente idênticos do ponto de vista da estrutura, função e layout de escritórios, inclusive, eles possuíam a mesma tecnologia da fixação de suas fachadas. A diferenciação no tratamento e na aparência de suas “peles”, no entanto, fez surgir dois edifícios totalmente distintos. Segundo o autor, era o triunfo das superfícies e a desconexão completa do exterior, em relação ao interior dos edifícios. Tal como a pele e as suas qualidades visíveis, a diferenciação das fachadas no contexto urbano residia na sua aparência. O fenômeno da diferenciação das superfícies descritas por Tschumi era uma versão mais recente do “galpão decorado”, do edifício “banal”, prismático, dotado de significado e presença a partir de sua superfície exterior, tal como descrito por Venturi, Scott Brown e Izenour, na década de 70, em Aprendendo com Las Vegas (2003). Nas últimas duas décadas, a emergência das fachadas como superfícies autônomas, desvinculadas da relação restrita ao interior e ao incremento das qualidades inerentes à superfície do ponto de vista da cidade- decoração, simbolismo, capacidade

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Figs. 33 e 34 – diferenças na aparência das ‘peles’ animais indicam o potencial ornamental e conceitual como revestimento externo.

comunicativa e, mais recentemente, potencial experiencial - consolidou a metáfora da pele em sinônimo contemporâneo correlato às fachadas. A dimensão conceitual da pele aceita à variabilidade textural das superfícies, em uma alusão à diversidade ornamental da pele animal. Seus poros podem ser comparados aos pixels, como defesa da tela digital. É adornado por tatuagens, tal como os entalhes, colagens e sobreposição de imagens, relaciona-se com a metáfora das intervenções cirúrgicas que visam intervir na aparência da passagem do tempo e reúne a capacidade de camuflagem, através da substituição de seus revestimentos, da qualidade física de multicamadas, justificando conceitualmente os sistemas de fachadas duplas e, tal como, o revestimento natural do corpo pode ser coberto, “maquiado” e modificado temporariamente. E é justamente essa variabilidade da aparência das diversas peles e a riqueza de

Fig. 35 – As fachadas tornam-se “indivíduos” diferenciados através da superfície decorativa da pele. (Fonte: o autor)

associações conceituais, que a tornam uma metáfora consolidada e, também, já muito criticada, na definição das superfícies verticais, individuais e únicas, que compõem a paisagem contemporânea.

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3.2| CULTURA TECTÔNICA: CORE FORM X ART FORM Kennet Frampton, em Studies in Tectonic Culture (1995), reconhece a ascensão da cultura tectônica através da análise da produção de arquitetos alemães já no início do século XIX. O termo tectônico, em voga no vocabulário contemporâneo, revela uma intricada relação na qual a aparência ou superfície dos edifícios, à semelhança da crosta terrestre, resulta das relações entre forças e movimentos, provenientes do interior. Ou seja, a influência exercida pela estrutura interna molda-se e revela-se na composição formal e estética das superfícies edificadas. Do ponto de vista da cidade, a paisagem urbana externa os aspectos construtivos e funcionais do núcleo edificado. Utilizando os termos do arquiteto alemão Karl Bötticher, Kernform (core form) e Kunstform (art form), Frampton (1995) examinam a obra dos arquitetos Karl Friedrich Schinkel, Bötticher e Gottfried Semper, cujos estudos articulam as diferenças e relações entre o invólucro externo do edifício e o seu revestimento interno. Segundo Bötticher, um edifício pode ser separado em duas partes: core-form e art-form. “Core-form é a estrutura funcional necessária mecânica e estática; a art-form, por outro lado, é apenas a caracterização através da qual a função mecânica-estática torna-se aparente.” (FRAMPTON,1995, p.82 apud HERMANN, 1964, P.141, tradução nossa). De acordo com Bötticher, a aparência de um edifício deveria revelar e valorizar a essência da construção do núcleo, ao mesmo tempo que cada parte individualmente (exterior e interior) seria capaz de distinguir e expressar a diferença entre a construção e os seus ornamentos. Ele escreveu que “art form é somente uma 'capa' e um atributo simbólico de separação – decoração”(FRAMPTON,1995, p.82 apud HERMANN, 1964, p.141, tradução nossa).

Tectônica s.f. Parte da geologia a qual se ocupa com a formação das montanhas ou, em geral, com as alterações que se dão na litosfera em virtude de forças de compressão, distensão ou torção da crosta. (Do gr.: tektoniké= corte de carpinteiro).

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Segundo a concepção de Bötticher, apesar da fachada vincular-se à 'verdade' dos atributos funcionais a fachada: limite entre dois sistemas

e estruturais do edifício, a distinção entre art-form (envelope exterior) e core-form (base estrutural e funcional do edifício) já reconhece uma separação entre a massa edificada e a sua fachada, a pele externa que cobre o conjunto. A análise dos cortes nos projetos de Schinkel e Bötticher exemplifica as intricadas relações entre a massa edificada e sua superfície externa, as analogias e diferenças entre estes dois limites. O arquiteto Semper, no mesmo período, separou o edifício em duas partes essenciais: a sua base estereotômica e a moldura tectônica. O primeiro (a base estereotômica), relaciona-se à solidez; à raiz estrutural, aos princípios técnicos e materiais do núcleo da construção, enquanto o segundo (moldura tectônica), está associado à alteração das camadas superficiais (litosfera), em virtude da dinâmica interna da edificação. Segundo FRAMPTON (1995), Semper também propôs um modelo que estrutura a construção em quatro elementos principais, sendo o último (4) a membrana que cerca o conjunto (enclosing membrane). Essa definição é particularmente interessante do ponto de vista da fachada, uma vez que a reconhece individualmente como elemento de fechamento do conjunto. No entanto, enquanto Schinkel e Bötticher fizeram da fachada (art-form) uma expressão exclusiva do núcleo do edifício, estruturada sobre uma articulação hierárquica associada discretamente

Fig. 36 – Resumo da teoria dos princípios de revestimento que já reconhece a fachada como aparência exterior autônoma, porém ainda vinculada ao interior do objeto edificado.

à estrutura interna, Semper prioriza “a forma mais efêmera” dessa fachada, “a moldura tectônica que toca o solo”, através da valorização de uma cultura de texturas. Sua definição distingue a robustez das

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paredes fortificadas, denominadas pela palavra alemã Mauer, dos envelopes de fechamento leves e

a fachada como roupa

menos espessos, caracterizado pelo termo die Wand. Ambos implicam na noção de transição entre o interior e o fechamento do exterior, mas o último está relacionado à palavra alemã Gewand, que significa roupa ou vestuário. A relação do arquiteto Semper com a cultura de texturas leves e vazadas torna-se evidente pelo uso das fibras e materiais têxteis dotados de nós e tramas. Segundo Frampton (1995, p. 86), as

base estereotômica X moldura tectônica rigidez X leveza da pele exterior

palavras knot e joint estão associadas, no alemão moderno, à palavra die verbin-dung, que traduz o conceito de ligação, junção. Mais do que uma descrição física do material, a metáfora do nó trata a superfície exterior, a fachada, como um elemento não apenas de proteção ou fechamento, mas de coesão e união do conjunto edificado. Desse modo, para Semper o elemento tectônico mais significativo na superfície do edifício é o nó. A metáfora do nó e da associação ao vestuário, portanto, constitui uma síntese fundamental da transição entre a base estereotômica do edifício (seu interior) e, a sua moldura tectônica (envelope externo), e esta transição, segundo o arquiteto, revela a própria essência do edifício. No sistema de Semper, surgem dois arquétipos primários: a base estrutural (earth) e a roupa (envelope exterior). No entanto, para Frampton (1995, p. 88), Semper associa as propriedades físicas dos materiais e a sua correspondência às partes diferentes do edifício. Ele faz distinção entre a elasticidade dos tecidos, a suavidade das cerâmicas, a ductilidade da madeira e a robustez das alvenarias e, nesse contexto, a moldura tectônica como ‘roupa’ está relacionada apenas aos

Estereotomia s.f. Técnica de cortar pedra, ferro e madeira. (Do gr.:stereós = sólido + tom, raiz apofônica de témno = cortar + ia).

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elementos leves como fechamentos em vidros, tecidos ou tramas. A teoria da roupa de Semper tornou-se um modelo para a progressiva autonomia da fachada, liberando-a da robustez da matéria, tendo como foco a sua superfície e também a sua dissolução. Apesar da fachada como envelope externo estar fortemente vinculada ao interior, como resultante das forças tectônicas do núcleo, essas teorias prenunciam a valorização dessa pele articulada - uma superfície de fechamento progressivamente independente, que adquirem a sua liberdade estrutural no movimento moderno e consolidam outras autonomias na produção contemporânea.

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3.3| A SUPERFÍCIE TECNOLÓGICA DA AGENDA MODERNA A preocupação com as dificuldades e oportunidades do envelope externo do edifício, começou com o isolamento teórico e prático da fachada como o assunto do projeto de arquitetura. As teorias de revestimento descritas por Frampton (1995) na produção alemã do século XIX, tendo como Bötticher e Semper alguns dos expoentes, pressupunham a progressiva autonomia da superfície, a fachada livre, resultante da distinção física entre os elementos estruturais e não estruturais entre o quadro e o revestimento. Foi no Movimento Moderno, no entanto, que as ideias funcionalistas embasadas no desenvolvimento técnico da indústria e racionalização da engenharia permitiram não apenas a verticalização acentuada, símbolo de um novo projeto urbano, mas a esbelteza e afinamento das paredes robustas e estruturais que definiam as fachadas. Desvinculadas da função estrutural do edifício, as fachadas tornaram-se livres para implantar o seu discurso, o que foi acompanhado por uma mudança em suas qualidades tectônicas e materiais. As janelas deixaram de constituir aberturas e tornaram-se as próprias paredes. A introdução da janela horizontal por Le Corbusier, como um dos “Cinco Pontos da Arquitetura”, foi um reflexo da concentração nesse elemento. Ele argumentava que as perfurações regulares da superfície da fachada deveriam ser o desdobramento da expressão pura de um sistema de construção. O uso do aço e concreto armado criaram as condições estruturais para a janela horizontal, uma abertura comprida e contínua, sem limite aparente, paralela ao horizonte. Segundo COLOMINA (HAYS, 2000, p. 625), a janela vertical correspondia ao espaço tradicional da

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ocidente, enquanto a janela horizontal de Le Corbusier relacionava-se ao espaço da câmera, sob o argumento de que iluminava melhor, de acordo com o discurso fotográfico de que ela aumenta o tempo de exposição da luz. Para LEATHERBARROW (2002), ela instituiu uma conexão virtual e uma separação física entre a paisagem e o interior; o plano de vidro tornou-se um mecanismo para emoldurar o panorama da paisagem verde, mas, inseridas em contextos urbanos densos, facilitou a exposição máxima do interior. Contudo, foi no Brise-Soleil, proposto por Le Corbusier para os projetos na cidade de Alger, que a engenhosidade tecnológica do novo tempo refletiu-se na fachada. Constituído inicialmente por uma malha ortogonal fixa de lâminas de concreto, foi utilizado em sua versão mais refinada no Ministério da Saúde e Educação, construído na década de 30, no Rio de Janeiro. Segundo BRUAND (1999, p.87), ao contrário da versão de Corbusier, a orientação das fachadas do MEC exigia apenas o emprego das lâminas horizontais mais espaçadas. Além disso, para facilitar a dosagem da carga de calor do sol e o controle lumínico, em diferentes horários do dia, optou-se pela solução de lâminas metálicas móveis, mais leves e eficientes do ponto de vista de utilização do edifício. As placas horizontais, também foram afastadas cerca de 50 centímetros para a formação de um vazio para a tiragem do ar, enquanto o número das estruturas verticais do sistema foi reduzido para evitar um conjunto rígido que facilitaria a transmissão de calor. Fig. 37 – Desenho de Le Corbusier da Janela Horizontal do ponto de vista do interior. Une Petite Maison (1954). (Fonte: LEATHERBARROW; MOSTAFAVI, 200, p.: 43)

representação em perspectiva do

Apesar da diversidade de soluções, a engenhosidade dos sistemas e, principalmente, da completa liberdade estrutural conquistada na fachada moderna, estas ainda estavam vinculadas à relação causal entre o interior e exterior. As perspectivas e desenhos de Le Corbusier sempre

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retratavam as fachadas do ponto de vista do interior. “As janelas servem para iluminar um pouco, muito, nada e para olhar pra fora” (LE CORBUSIER, 1998, p.79). Por consequência, a aparência externa da fachada era um reflexo das necessidades funcionais, da racionalidade dos elementos construtivos ou questões operacionais de conforto ambiental (controle da insolação e ventilação). Le Corbusier considerava as superfícies figurativas como parasitas “que devoram os volumes e os absorvem em seu proveito” (LE CORBUSIER, 1998, p.21), o que inclui todas as fachadas que desconsideram os imperativos técnicos como condicionantes geradoras das superfícies.

Citações de LE CORBUSIER (1998) como ilustração do seu ‘repúdio’ às superfícies figurativas e a ênfase nas qualidades racionais da fachada.

A pintura moderna deixou a parede, a tapeçaria ou o vaso decorativo e fechou-se num quadro, alimentada, cheia de fatos, afastada da figuração que distrai; ela se presta à meditação. A arte não conta mais estórias, ela faz meditar; depois do labor, é bom meditar. (LE CORBUSIER, 1998, pg.19)

Sem dúvida, o Movimento Moderno constituiu um importante laboratório de autonomia estrutural das superfícies, de qualidades materiais, tecnológicas e expressividade estrutural, responsável pela quebra de paradigmas que lançaram as bases para a progressiva formatação da fachada contemporânea. Sua riqueza de exemplos, as manifestações do estilo internacional, as peculiaridades da produção brasileira, o estudo dos mecanismos e elementos que compunham as fachadas são, sem dúvida, importantes para a compreensão do repertório construtivo e estético como geradores das superfícies contemporâneas. É importante destacar duas características desse período: de um lado a fachada como resultante do interior, pertencente ao edifício, concebida para ser vista de dentro e não como uma ‘superfície cenário’ para a cidade. De outro, os pressupostos tecnológicos e operacionais que não apenas libertaram a fachada da função estrutural, mas a tornaram um elemento de experimentação de dispositivos de controle e conforto ambiental. Esses últimos, em especial, estão sendo resgatados pela produção contemporânea, agora mais amparada pelo desenvolvimento de tecnologias que viabilizaram os pressupostos da agenda moderna. Sensores

Um volume é envolvido por uma superfície, uma superfície que é dividida conforme as diretrizes e as geratrizes do volume, marcando a individualidade desse volume. Os arquitetos, hoje, tem medo dos constituintes geométricos das superfícies. (LE CORBUSIER, 1998, pg.19)

Sem perseguir uma ideia arquitetural, porém simplesmente guiados pelas necessidades de um programa imperativo, os engenheiros de hoje chegam às geratrizes reveladoras dos volumes; mostram o caminho e criam fatos plásticos, claros e límpidos, dando aos olhos a calma e ao espírito as alegrias da geometria. (LE CORBUSIER, 1998, pg.24)

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de presença, sistemas de automação, novos materiais, filtros e anteparos solares e uma gama completa de ferramentas tecnológicas dão suporte à produção das fachadas “verdes”, cinéticas e vivas, de um modo mais sofisticado do que os seus precedentes modernos. A revista Azure, em sua edição de maio de 2013, por exemplo, apresenta a fachada cinética do Royal Melbourne Institute of Technology, projeto de Sean Godsell, como um dos recursos de última geração para edifícios com certificação ‘verde’. Apesar de ser considerada pela publicação como um dos exemplos de fachadas que serão estudadas nas próximas décadas, estas superfícies tecnológicas não serão investigadas em pormenores no âmbito desta tese. Nesta pesquisa, as fachadas serão analisadas de acordo com a relação estabelecida entre o seu envelope e a cidade, não em seus detalhes construtivos ou recursos operacionais. Da fachada moderna serão extraídos apenas o que as distingue da produção pós-moderna e os seus reflexos no repertório contemporâneo: os valores de ‘verdade’, a relação dialética entre a fachada e a função, o exterior como resultado do interior, os reflexos operacionais da liberdade estrutural, as condicionantes tecnológicas como geradores de superfícies literais, e outros valores relacionados à racionalidade, transparência literal e autenticidade, tratados em detalhes mais adiante. Na contemporaneidade, a liberdade estrutural do Movimento Moderno foi acompanhada por outra, que transformou a fachada em roupa ou máscara, uma transitoriedade desvinculada dos valores de permanência e estabilidade, fortemente enraizados na prática arquitetônica e urbana do Figs. 38 e 39 – A fachada com painéis solares cinéticos. (Fonte: Azure Magazine, mai. 2013).

século XX.

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3.4| ENTRE A PROFUNDIDADE E A SUPERFICIALIDADE By the flow of a point that we form a notion of a line, which is length without breadth, and by the flow of a line we construct breadth, which is surface without depth and by the flow of a surface solid body is produced...(DODDS; TAVERNOR, 2002, p.40)

Do mesmo modo que a crítica a Semper residiu na oposição entre a expressividade da superfície e à ‘profundidade do espaço’, a superficialidade da fachada como pele contemporânea é comparada por alguns autores como qualidade pejorativa, com ênfase no caráter representacional da superfície em detrimento da valorização do ‘corpo’ de experiências do espaço. Ábalos e Herreros (1998, p.42) atribuem essa crítica à falta de profundidade da fachada como pele, como uma superfície bidimensional, à visão tradicional de que ela deveria ser consequência de outra coisa - algo mais profundo e consubstancial - como a expressão da ‘verdade do edifício’. Apontam que a transparência literal da fachada moderna, a sua objetividade, constituiu uma autoimolação da pele do edifício, em favor da profundidade, da terceira dimensão, do espaço, “essa compreensão definitiva da estrutura interna como um rosto homologável” (ÁBALOS; HERREROS, 1998, p.42). Ao definir a fachada como rosto, eles a posicionam não apenas como um elemento de transição entre o interior e o exterior, mas selecionam a face anterior, a que possui visibilidade do

Profundo adj. De grande importância, de grande alcance: lição profunda, feita com grandes mesuras; profunda cortesia; que evidencia ou se caracteriza por grande erudição e discernimento: pensador profundo, investigador, observador, perspicaz: que requer muito saber e discernimento para a sua compreensão.

ponto de vista da cidade. Mais do que um revestimento externo que envelopa uma massa edificada, a fachada frontal possui dimensão urbana. Ábalos e Herreros entendem como tema da atualidade o resgate à autonomia da pele,

Rosto (ô) s.m. Parte anterior da cabeça; face; fisionomia; presença; frente, a parte fronteira; primeira página de um livro, na qual se coloca o título. (Do lat.: rostrum=bico, focinho)

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Pele s.f. Membrana que reveste exteriormente o corpo humano e de muitos animais; epiderme; casca fina de frutos; couro de animal separado do corpo; odre. (Do Lat. pelle)

compreendida como oposição entre superfície e volume, ou simplesmente ao direito da primazia da aparência frente à objetividade técnica ou funcional. “Já não nos parece tão nefasta a dedicação projetual à aparência” (ÁBALOS; HERREROS, 1998, p.42). Eles propõem a preservação da fachada dos acidentes interiores e da relação causal das aproximações funcionalistas e da problemática distributiva sem importância das ideologias e práticas modernas que “reprimiram esta afirmação da nobreza da pele”. Segundo Scoffier (OLIVEIRA et al., 2009, p.177), as fachadas “não se exibem mais como engrenagens autônomas de uma máquina, mas se apagam como diferentes funções de uma ‘pele sensível’”. Pele, nesse sentido, pressupõe a compreensão de uma ‘membrana externa’ que não informa, nem revela o funcionamento interno do corpo caracterizado pela aparência e textura de sua superfície. E é justamente na ausência da autonomia da fachada, do ponto de vista da relação causal entre interior e exterior, que reside a crítica à fachada moderna. Cabe ressaltar, no entanto, que o movimento moderno foi um importante laboratório para a consolidação de técnicas construtivas que liberaram a fachada da função estrutural, o momento de introdução de novas texturas urbanas através dos jogos de luz e sombra, na variabilidade e profundidade dos brise-soleil, além da manipulação de diversos materiais, desde as pedras naturais, os elementos vazados como os cobogós, até a aparência fria do aço, a robustez do concreto e as superfícies lisas do vidro. Mas, ela ainda estava relacionada à verdade do edifício: ao discurso da ideologia moderna, em que a fachada era vista para 'emoldurar' o interior; uma transparência literal, em que a fachada assumia uma importância 'moral' de exposição dos espaços e das pessoas.

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Segundo Ábalos e Herreros (1998), na virada do século XXI, o pensamento contemporâneo rompeu com a noção de profundidade da fachada como modelo de verdade, não apenas no que se refere à hermenêutica da relação entre o interior e exterior, mas, em ao menos outros quatro modelos fundamentais: (1) o modelo dialético de essência e aparência; (2) o modelo freudiano do latente e o manifesto, à semelhança do sintomático e programático escrito por Michel Foucault em La Volonté de Savoir; (3) o modelo existencialista da autenticidade que trabalha também com a dualidade entre alienação e desalienação; e (4) a oposição semiótica, nos anos sessenta e setenta, entre significado e significante. Todas essas vertentes apoiavam-se na teoria de que a aparência do edifício deveria refletir do ponto de vista da cidade um 'propósito mais profundo', relacionado à verdade da construção, responsável por um extenso legado que tornou pejorativas as manifestações superficiais da fachada, tratada como pele que cobre, protege, mas também que nada informa do interior e que, por vezes, omite e mascara. O posicionamento crítico de Ábalos e Herreros argumenta a autonomia da pele, a iniciativa de deixá-la “livre e limpa para que possa implantar o seu próprio discurso sem culpa, sem hipotecas” (ÁBALOS; HERREROS, 1998, p.42). Os autores destacam o potencial de intensidade do superficial, da fachada e a definem como o ponto de máxima fricção, o lugar onde as experiências adquirem sentido e o jogo da profundidade foi substituído pela superfície ou as superfícies múltiplas.

Profundidade – Opõem-se à superficial, termo pejorativo associado à ausência de propósito.

Verdade – o que não estabelece relações verdadeiras é, por oposição, falso. E essa falsidade mitifica-se com o caráter pejorativo do termo.

Richard Scoffier, em seu artigo Os quatro conceitos fundamentais da arquitetura contemporânea, destaca que as duas funções consideradas essenciais da fachada tradicional, a que expressa a técnica de construção do edifício e exibe o que ele contém, foi substituída por uma ‘tela’

Termos tradicionalmente pejorativos são utilizados por autores para caracterizar a superfície da fachada contemporânea.

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que esconde e protege o espaço interno do espaço público diante dela, e desempenha uma função de intermediária entre esses dois sistemas. A tela é uma variação da fachada ‘sem profundidade’ que “recusa as transparências, torna-se opaca para se tatuar, entalhar-se ou recobrir-se de sinais e siglas.” (OLIVEIRA et al, 2009, p.165). Segundo Scoffier, a fachada contemporânea aborda com certa liberdade uma das questões que assombram as outras artes: a perda de profundidade. “De Webern a Boulez, de Velásquez aos Cubistas, de Mallarmé aos Letristas, de Rodin a Judd, desenha-se um espaço frontal (sem primeiros nem últimos planos) que acontecimentos totalmente não hierarquizados (sons, figuras, letras, volumes) vêm saturar. (OLIVEIRA et al., 2009, p.203)” Essa bidimensionalidade da fachada como tela, em uma metáfora à tela de pintura, pressupõe a renúncia e um aparente retrocesso à profundidade espacial conquistada a partir da perspectiva renascentista de Brunneleschi, “permitindo que os pintores reconhecessem o seu campo específico de atuação profissional, ou seja, a planaridade da tela” (PAIM, 2000, p.50). É o surgimento de uma ‘profundidade cerebral’ que não pode ser apreendida fisicamente e se “instaura entre uma matéria significante e as ondas de significados que a ela se associam ou dela são derivados.” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 190). Foster (2002) concluiu que a partir dos anos 1960 houve uma tendência ao retorno do estudo da superfície, em oposição à primazia do espaço do movimento moderno. “Esta reavaliação marcou o momento quando, uma vez mais, a articulação da superfície tornou-se tão importante quanto àquela do espaço, e a compreensão da pele tão importante quanto à estrutura. Em outras palavras, marcou o advento discursivo da arquitetura pós-moderna.” (FOSTER, 2002, p.194).

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Para Featherstone (1995), no entanto, o fim da ilusão do relevo, da perspectiva e da profundidade acentuou-se no mundo simulacional contemporâneo, no qual o real é esvaziado e a contradição entre real e imaginário é abolida. Ele atesta a disposição da sociedade atual de enfatizar a superficialidade das sensações e das intensidades voltadas à percepção material e o prazer estético da experiência imediata. Na verdade, a associação entre simulação e perda de profundidade de FEATHERSTONE (1995) tem origem na Era da Informação de Baudrillard que, assim como VIRILIO (1993), atesta que a valorização da superfície é resultado da sobrecarga cultural de informações e imagens transmitidas pela mídia, a principal motivadora dessa nova relação visual que temos com o mundo. Baudrillard (2011) também destaca na cultura contemporânea, a ênfase nos jogos de simulacros, o desaparecimento do Outro e o império virtual das imagens, caracterizado pelas zonas de sombras, as ambiguidades irredutíveis e falsas opacidades. Contudo, mais do que um simulacro ou a perda de profundidade relacionada à perda da representatividade da fachada em relação ao interior do edifício, ele aponta que a imagem ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no hiperespaço do nem verdadeiro nem falso, mas da credibilidade instantânea: “a informação é mais verdadeira que o verdadeiro por ser verdadeira em tempo real – por isso é fundamentalmente incerta” (BAUDRILLARD, 2011, p. 60). Essa ênfase, na planaridade, a ausência da profundidade relacionada à verdade do edifício, corresponde à imediaticidade do mundo das aparências. A fachada desloca-se da correspondência dialética com o interior para maximizar a sua relação visual com a cidade.

Ambiguidade. s.f. Qualidade de ambíguo; incerteza, dúvida. (Retór.) Figura que consiste em deixar incerto o espírito sobre o verdadeiro sentido de uma expressão. (Do lat. ambiguitate

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Virilio (1993) compara as interfaces de comunicação com a interação face a face na cidade, onde a noção de superfície desaparece como separação, mas constitui um meio de transmissão “entre duas substâncias postas em contato” (VIRILIO, 1993, p. 12), e a fachada constitui esse meio de transmissão. Segundo Ribeiro (2007, p.37), mais uma vez essas características levarão à perda da profundidade, da espessura e do volume e farão mudanças necessárias para uma interface que se mostra na imediaticidade de uma transmissão instantânea. Do mesmo modo, Pallasmaa (2005), atribui a propagação de imagens arquitetônicas superficiais, desprovida da lógica tectônica e de um senso de materialidade, ao processo de uma sociedade da imagem. Segundo ele, entre todos os sentidos, a hegemonia da visão tem sido reforçada em nossa sociedade através das diversas tecnologias, da multiplicação e da produção de imagens. Michel de Certeau, por exemplo, considerando negativa essa expansão da ‘valorização ocular’, declarou: “Da televisão aos jornais, da publicidade a todos os tipos de epifanias mercantis, nossa sociedade é caracterizada pelo crescimento cancerígeno da visão, medindo todas as coisas pela habilidade de ver e ser visto, e transmutar a comunicação em uma jornada visual” (PALLASMAA, 2005, p. 24). Harvey, por sua vez, relaciona esse fenômeno do colapso da profundidade da experiência dos espaços, à sua reprodução como commodities para uma tela de televisão; “imagens de espaços abertas ao uso efêmero da reprodução de imagens”. (HARVEY apud PALLASMAA, 2005, p.30). Segundo Pallasmaa (2005), a arquitetura tornou-se uma imagem impressa capturada pelo olhar apressado de uma câmera, que a planifica em uma imagem e reduz a sua plasticidade. Em vez

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de experimentar a paisagem, o sujeito torna-se um mero espectador de imagens planificadas. Em uníssono Friederich Jameson utiliza a expressão ‘perda de profundidade artificial’ para descrever a condição contemporânea e a sua preocupação com as aparências, superfícies e impacto visual instantâneo, enquanto David Michael Levin define o termo ‘ontologia frontal’ que descreve a primazia da visão fixa e frontal de nossa percepção predominante do mundo real. Do mesmo modo, Ingrid Richardson, em seu artigo The Face and Technology, aborda a noção da ‘ontologia frontal’ ao comparar as janelas dos edifícios ao enquadramento passivo da TV e da tela de cinema.

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3.5| ENTÃO, A FACHADA COMO TELA? Na cultura de predomínio da imagem, à metáfora da pele soma-se a outra: a da tela com ênfase nas qualidades essencialmente visuais. A Times Square em Nova Iorque ou a Federation Square em Melbourne, por exemplo, aparecem como expoentes literais da tela digital como fachada, superfícies cinematográficas em escala urbana, mas a transposição metafórica não está relacionada fisicamente ao rigor do termo. Tela cinematográfica ou digital, anteparo para pintura, tecido, pano ou trama de textura, todas como caracterizações possíveis de uma superfície que tem por essência a

tela s.f. Tecido de (algodão, linho ou cânhamo); pano, estofo; vestido, trajo; [Pintura] O tecido em que se pintam os quadros desde que, postos no cavalete, se lhes dá a primeira mão de pintura; quadro; pintura. [Figurado] Objeto de discussão. Superfície, geralmente branca, na qual se projetam vistas fixas ou animadas (ecrã). Superfície fluorescente sobre a qual se forma a imagem nos tubos catódicos (televisão, informática, etc.). O cinema ou a arte cinematográfica.

perda da profundidade física e o apelo visual. Segundo Scoffier (OLIVEIRA et all., 2009, p. 165), a metáfora da tela retrata a passividade do sujeito diante da imagem e reúne todas as qualidades da perda de profundidade física: a fachada sem espessura, que não informa o interior, simulacional e sem o compromisso com a verdade do edifício, plana e dotada de uma retórica comunicacional que se desloca do campo de influência do edifício para adquirir um contato midiático diretamente com a cidade. Segundo Virilio, desde no início do século XX, a profundidade da perspectiva clássica foi substituída pela profundidade do tempo da tecnologia avançada. “A tela abruptamente tornou-se lugar: o cruzamento da mídia de massa” (VIRILIO, in: HAYS 2000, p. 549). É a substituição não apenas de uma profundidade real, mas de uma que deliberadamente brinca com as ambiguidades entre a planaridade absoluta e a uma profundidade infértil, traduzida pela incerteza da experiência espacial. Para VIRILIO, os limites urbanos desde as antigas muralhas às fachadas sofreram constantes

Fig. 41 – As fachadas do edifício não informam a atividade do interior; como superfícies midiáticas, decoradas e serigrafadas, tornamse telas em dimensão urbana. Fachada do Soho Shangdu, em Beijing, China. Projeto de Lab Architecture (Fonte: www.labarchitecture.com)

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modificações ao longo do tempo. Em uma interessante analogia, do mesmo modo que as muralhas caíram, a distinção entre ‘dentro e fora’, campo e cidade, não existe mais. A oposição entre interior e exterior dos edifícios foi enfraquecida pela revolução das telecomunicações, em um fenômeno paradoxal na qual a opacidade das construções materiais foi virtualmente eliminada. A dicotomia entre interior e exterior, na qual as fachadas traduziam a separação, foi progressivamente reduzida pela transposição do tempo e espaço das tecnologias da comunicação. Em tese, a fachada 'afinou' em sua espessura material e, simbolicamente, converteu-se como interface de telas. Fig. 42 – A Fachada do Soho Shangdu, em sua versão noturna. Segundo os arquitetos do escritório Lab Architecture, ela foi concebida para oferecer uma fachada de rua vibrante e ativa. A fachada como tela, um elemento visual de atração ao espaço público. (Fonte: www.labarchitecture.com)

Baudrillard (2003, p. 90) também destaca que tudo se tornou tela na sociedade contemporânea, de tal modo que não há mais o problema da profundidade: na tela não existe o outro lado. Não se trata mais do ponto de vista da crise da profundidade, nem da representação, já que o conceito de real não pode ser entendido como verdade, nem a imagem-simulação como uma exceção à regra. Trata-se de uma superfície retórica, resultante da subtração da profundidade física, porém da manutenção de outra profundidade, a cerebral. A tela pressupõe a noção da fachada vista de fora, como uma exterioridade urbana que não possui o outro lado do ponto de vista da cidade. O edifício Biscornet, por exemplo, próximo à Place de La Bastille, em Paris, criou uma tela

Fig. 43 – A esquina vazia exibia uma grande empena cega para a cidade, justamente em um ponto de visibilidade urbana. Imagem antes. (Fonte: google street view).

urbana como estratégia não apenas física, mas conceitual para a ocupação de uma localização urbana espetacular, mas há muito tempo vazia e abandonada. Aproveitando-se da esquina na qual a Rue de Lyon e a avenida do canal se encontram, o edifício possui fachada lateral que acompanha o gabarito das superfícies adjacentes, mas volta-se para a esquina como uma tela emoldurada em um grande plano vertical de atração visual. Sem a profundidade física, essa fachada é constituída por um sistema

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de brises de vidro, que refletem e refratam as diferentes fontes de luz (solar, artificial do interior, artificial do exterior), e apesar da aparente transparência do material, possui uma película de vedação que evita a perda de privacidade do interior. As superfícies de metal adjacentes também mudam de tonalidade ao longo do dia e refletem-se nesse painel multicolor, responsável pela criação de uma imagem tela, com destacado interesse urbano.

Fig. 44 – A tela noturna emerge com uma mescla de reflexo do exterior e da “contaminação” do interior. (Fonte: www.archdaily.com)

Fig. 45 – O edifício literalmente se volta para a esquina como uma tela urbana. (Fonte: www.archdaily.com).

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3.6| A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE No entanto, o apelo à imagem e a reprodução de uma ‘arquitetura retinal’, não é uma invenção ou demérito da valorização das superfícies na contemporaneidade, mas estava presente nas correções ópticas das fachadas na antiguidade, nas leis de percepção da Gestalt, no discurso de Le Corbusier “everything is in the visual”. Na verdade, a visão predominante desse último de que os edifícios “devem ser vistos claramente para que possam ser compreendidos” enraizou uma noção de ‘verdade’ que recusa e considera pejorativa a indeterminação e indiferença da fachada em revelar para a cidade o propósito do edifício. Colin Rowe, em seu artigo Transparência literal e Fenomenal, define a relação entre o interior e exterior moderno através da comparação de duas ideias de transparência: a primeira relaciona-se às qualidades do material; enquanto a segunda, exprime a organização espacial interna, em uma transparência que apresenta a interioridade absoluta. Ambos os estados, no entanto, apresentam um cenário direta e indiretamente legível, ao que se opõem as formas opacas da contemporaneidade, que revelam um mundo além do sentido visual. Dentro desse mesmo conceito RILEY (1996) demonstra como a transparência sofre alterações em sua utilização contemporânea, tanto em imagem, quanto em significado do seu uso intensivo no Movimento Moderno. Um dos principais focos do autor é o abandono do vidro como vedação invisível, “como o oposto binário da opacidade do concreto” (RIBEIRO, 2007, p.35) e da valorização da transparência intermediária. Enquanto o modernismo exacerbou o mito da transparência: transparência do interior para a natureza, do interior para o outro, do interior para a sociedade, e

Autêntico adj. Legalizado juridicamente; certificado por testemunho público e solene; digno de fé e confiança; verdadeiro, certo, genuíno; s.f. Certidão, carta, cópia que faz fé. (Do gr.: authentikós = que faz autoridade, pelo lat.: authenticu).

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todos representados, de Jeremy Bentham a Le Corbusier, por uma transparência universal de materiais construtivos, penetrações espaciais e fluxo ubíquo de ar, luz e movimento físico. Por outro lado, na contemporaneidade abandona-se a objetividade da transparência cristalina para dar lugar a uma transparência parcial que permite múltiplas interpretações. O vidro, antes perfeitamente transparente, agora é revelado em toda a sua opacidade. A transparência literal tornou-se notoriamente difícil de atingir e na contemporaneidade transformou-se na opacidade (o seu oposto aparente) e na reflexividade (o seu reverso). Nesse sentido, RILEY (1996) defende a semitransparência contemporânea como transparência fenomenológica, à semelhança de Colin Rowe, afastando-se da preocupação formal e aproximando-se da valorização da superfície, numa abordagem com foco voltado para a pele como envoltório portador de características visuais e táteis de grande influência sobre a paisagem da cidade. A opacidade dos estados intermediários torna-se o elemento constituinte preferencial e não mais associado ao massivo e defensivo, mas compreendido como uma membrana de proteção da intimidade, capa reflexiva leve e pouco espessa que vela, protege e nada informa. Nesse sentido, a interrupção da noção de 'verdade' do propósito da fachada, revela-se também na utilização dos materiais: o vidro que não apresenta a transparência total, os materiais e fibras artificiais, até a imaterialidade dos recursos midiáticos e digitais. A virtualidade que desmaterializa, reforça, camufla e transforma a fachada dos edifícios associados às propriedades mutantes dos materiais artificiais. PALLASMAA (2005) define a valorização contemporânea da superfície dos edifícios como

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repulsivamente plana, com arestas afiadas (em referências aos volumes prismáticos e neutros), imateriais e irreais, destituídas da autenticidade material e construtiva. Para ele, a perda da materialidade dos revestimentos naturais (madeira, pedra, tijolos) retirou da superfície a expressão de sua história, idade e origem responsável pela 'veracidade' da matéria. O incremento no uso do espelho reflexivo em arquitetura reforça o senso onírico de irrealidade e alienação. A transparência-opaca contraditória desses edifícios reflete o olhar imóvel; somos incapazes de imaginar vida atrás dessas paredes. O espelho arquitetural, que devolve o nosso olhar e duplica o mundo, é um dispositivo enigmático e assustador. (PALLASMAA, 2005)

O fim da noção de 'verdade', apontada por alguns autores, relaciona-se também à perda do conceito de ‘autenticidade’, não apenas (1) no sentido do propósito causal da fachada e seu interior; (2) à verdade dos materiais; (3) e também da noção contextualista de que essa superfície deve possuir uma relação única e autêntica com o seu entorno. Apesar da ausência de autenticidade sugerir, em um primeiro momento, uma perda pejorativa das qualidades da pele do edifício, por outro lado, ela reafirma a introdução de novos valores, a transposição e inversão da relação entre a fachada e o sujeito, a fachada e a cidade cuja vertente positiva seja mais difícil de especificar no momento, uma vez que o marco conceitual segue fortemente vinculado a noções de propósito, finalidade e autenticidade.

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3.7| DECORAÇÃO: A ARTE DE ENVOLVER E APRESENTAR Em La Piel Fragil (1998), Ábalos e Herreros destacam que a ênfase contemporânea na superfície proporcionou uma atenção crescente ao ornamento como consequência (1) da perda de representação objetiva da paisagem edificada, relacionada à história, técnica, função ou estrutura do edifício (a oposição entre os modelos de profundidade já discutidos anteriormente); e (2) a preocupação com a imagem em uma sociedade informacional, com incremento de novas práticas (tecnologias digitais), que criaram ‘mensagens atrativas’ e supereficazes. O retorno a uma ornamentação entendida recorrentemente como roupa ou maquiagem, cujo objetivo é emitir, esclarecer mensagens geralmente secundárias, incrementar o superficial, como um instrumento de sentido e significado. Em uníssono, IBELINGS (1998) acrescenta que o discurso sobre a ornamentação parte do reconhecimento da emergência de superfícies neutrais na cidade, de “edifícios inscritos em suaves fachadas cobertas de textos e imagens efêmeras ou permanentes” (IBELINGS, 1998, p. 89). O autor faz ainda uma interessante comparação do texto em uma fachada e a aplicação de uma etiqueta em uma lata de sopa, o que revela intrinsecamente a incorporação de recursos decorativos que “vestem” de significados à fachada e informam um conteúdo ou mensagem inicialmente obscuros ou não Fig. 47- Para IBELGNS (1998), as diferenças ou indiferenças das fachadas residem na decoração de suas superfícies. Tal como rótulos, as fachadas comunicam-se com a cidade. (Fonte: Getty Images)

revelados. A percepção de edifícios ‘inscritos’ por uma superfície externa, comparada a um rótulo de produtos, demonstra a desvinculação total da fachada e o conteúdo do edifício, enfatizando-a como superfície autônoma, independente, criada para ser vista de fora e, relacionada ao contexto urbano por excelência. Nesse caso, a simplificacao formal da arquitetura contrapõem-se a pele como

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revestimento natural do corpo, a uma superfície super sensibilizada, concebida para uma expressividade urbana máxima. Venturi e Denise Scott Brown, em Aprendendo com Las Vegas, constatam já no final da década de 70, um retorno a esta arquitetura da superfície informacional visualmente atraente, que traz o ornamento e a decoração no centro da discussão sobre a emergência do “simbolismo” na paisagem urbana (“esquecido”, predominantemente no século XX). Antes, no entanto, de tratar das lições de Las Vegas e os seus desdobramentos sobre a superfície das cidades contemporâneas, considero importante esmiuçar o significado e diferenças entre “ornamentação e decoração”, de modo a compreender as manifestações dessas superfícies em interlocução na cidade. Gilberto Paim, em seu livro A Beleza Sob suspeita: O ornamento em Ruskin, Lloyd Wright, Loos, Le Corbusier e outros, descreve uma importante trajetória entre as práticas ornamentais e decorativas sob o olhar acurado à capacidade expressiva e informacional das superfícies. Para Paim, “há sinais de que o século XXI está interessado no ornamento e nas idéias em torno dele, de um modo talvez menos tortuoso e ambíguo que o seu antecessor” (PAIM, 2000, p.11). A percepção que o senso comum possui do ornamento como um complemento da beleza superficialmente aplicado às formas, “sob o qual o olhar incide apenas difusa e obliquamente, irrisório em relação aos temas mais importantes da vida humana e social”, foi continuamente desafiado ao longo dos séculos. Enquanto alguns valorizavam a importância do ornamento para o embelezamento da cidade e a sua influência econômica por incitar o olhar, seduzir e motivar as vendas (Ralph Wournum), grande parte a consideraram uma manifestação pejorativa, 'decalque arqueológico'(Eugène Grasset),

Figs. 48 e 49 – A renovação e construção de uma nova torre no IUC Building, o edifício mais alto de Singapura em 1973, caracterizase pela decoração de novos padrões ornamentais sobre a pele existente. Projeto de UNstudio.

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leviandade decorativa (Ernest Bloch), perda de auteticidade (Loos), gosto não cultivado e estratégia de camuflar a má qualidade dos materiais utilizados na sua fabricação (Le Corbusier). Essa camuflagem da finalidade prática dos objetos sob a “teatralidade aleatória e pretenciosa” (BENJAMIN, 2007, p. 231 apud PAIM, 2000, p.16) foi descrita por Walter Benjamin, no seu Livro das Passagens (2007), como um fenômeno da sobreposição de imagens à semelhança de fotomontagens recorrente em qualquer espaço urbano, especialmente, na contemporaneidade. Independente, no entanto, das oscilações entre as qualidades do ornamento, o livro cria uma interessante distinção entre ornamento e decoração. Segundo relatos teóricos, os primeiros padrões ornamentais surgiram espontaneamente das técnicas e materiais utilizados na tecelagem e, depois, aplicados sobre superfícies de objetos produzidos em outros materiais. Essa hipótese, de acordo com Paim (2000) foi inicialmente formulada pelo arquiteto Gottfried Semper, em O Estilo (1863), já citado por Framptom (1997) como um dos pioneiros da cultura de superfícies na produção alemã do século Figs. 50 – A prancha de apresentação do projeto ilustra alguns detalhes da “estratégia de envelopar” o edifício existente, segundo definição dos próprios arquitetos. (Fonte: Archdaily)

XIX. A argumentação de Semper influenciou “o princípio de revestimento” criado por Loos que, ao

Fig. 51 - A renovação da fachada é realizada através da sobreposição de cinco diferentes padrões de texturas geométricas. (Fonte: Archdaily)

própria ‘pele’ podia ser compreendida como um revestimento natural do corpo” (PAIM, 2000, p.73).

contrário do ornamento, não deveria enganar ou esconder a composição dos materiais ou estrutura de um edifício, mas, contribuir para a sua própria beleza apoiado na 'verdade'. Segundo Loos, “a

O revestimento procede de causas múltiplas. Ora é uma proteção contra a inclemência do tempo (como a aplicação de uma camada de pintura a óleo sobre a madeira, o ferro ou a pedra), ora tem por causa a higiene (como a utilização de azulejos nos banheiros), ora serve para produzir certo efeito (como a pintura policrômica nas estátuas, o revestimento têxtil das paredes, as placas de madeira). O

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princípio do revestimento que Semper, foi o primeiro a isolar, a encontra-se em toda a natureza: o homem é revestido pela sua pele; a árvore, pela sua casca.” (LOOS,

1994, p.73 apud PAIM, 2000, p.74) Apesar do reconhecimento dos princípios de revestimento, no entanto, Loos defendeu a fachada como uma pele natural, lisa e livre de ornamentos, onde novamente a noção de verdade deveria predominar. Contudo, nos dois primeiros projetos residenciais de Loos, as superfícies lisas e ‘naturais’ das fachadas foram obrigadas a seguir o repetório ornamental da pele urbana do conjunto existente. No primeiro caso, o arquiteto foi intimado pela polícia local para explicar o motivo pelo qual o seu projeto em execução não possuía os ornamentos habituais das luxuosas fachadas

Fig. 52- As texturas da pele ornamentada. Dallas Museum of Nature and Art, Morphosis Architects. (Fonte: Archdaily)

construídas em torno do lago Léman, na Suíça. A explicação de Loos não foi considerada suficiente e a fachada precisou ser muito alterada, inclusive com a sobreposição de uma trepadeira cobrindo as paredes frontais do conjunto. Em seguida, na residência do alfaiate Steiner, no bairro de Heitzing, em Viena, entre 1921 e 1923, o arquiteto levou a diante o despojamento da fachada e novamente, essa segunda construção foi embargada e o arquiteto obrigado oficialmente a plantar a mesma vegetação para cobrir as paredes da casa, uma vez que os representantes da comunidade temiam uma “catástrofe estética”. Enquanto os interiores eram pródigos em qualidades texturais e de revestimentos, as fachadas eram constituídas por paredes caiadas de branco. “A vinha tão adorada estava no lugar do revestimento que o arquiteto se esquecera de proporcionar às fachadas – o que para as comunidades, ou mesmo para os proprietários, expunha uma desconfortável e incômoda nudez” (PAIM, 2000, p.76). Essa nudez referia-se à perda simbólica ou textural da fachada como representação na escala urbana.

Fig. 53- Herzog & de Meuron em Bazel. O predomínio da decoração nas superfícies da fachada. (Fonte: Archdaily)

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Na verdade, “a analogia entre a pele e o ornamento – que consistia em evidenciar a beleza natural, não trabalhada da superfície do vidro, da cerâmica, da madeira e da pedra – esteve presente tanto entre os ‘antiornamentalistas’ quanto entre aqueles que consagraram os seus esforços para criar e difundir novos ornamentos” (PAIM, 2000, p.118). Semper, Viollet-le-Duc, Van de Velde, Bloch e Leach compreenderam o ornamento e a superfície edificada como pele: “a decoração adere ao edifício como a pele adere ao homem.” (Pain, 2000, p.118) A distinção entre ornamento e símbolos, no entanto, foi feita por Aloïs Riegl, em 1893, uma vez que “diferente do símbolo, que é rico em significações, o ornamento tende à pura visualidade, ao conteúdo zero, ao grau zero do sentido” (PAIM, 2000, p.45). Em uníssono, Ernest Bloch era Fig. 54 - Musée des Civilisations de l’Europe et de la Méditerranée, projetado por Rudy Ricciotti em 2002.

antidecorativista, porém claramente favorável ao ornamento, estabelecendo entre eles uma diferença conceitual. Ao contrário do ornamento, considerado uma manifestação genuína, expressiva, resultado da investigação da natureza do material, a decoração era a sobreposição de formas infinitamente repetidas, transferidas para os diferentes materiais e estava diretamente relacionada à representação e ao sentido. Desse modo, a decoração associa-se à sobreposição de informações, transmissão de mensagens, signos, simbolismo, tatuagem ou camuflagem. Em Aprendendo com Las Vegas (1977), Roberto Venturi e Denise Scott Brown, também

Fig. 55 – Escola Internacional ITER, projeto do mesmo arquiteto. (Fonte: site do autor).

estabelecem uma diferença entre ornamentos, signos e símbolos, através do jogo de oposições entre denotação e conotação, a heráldica e a fisionomia e significado e expressão. O denotativo e o

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heráldico opõem-se ao gesto conotativo e fisionômico; o ornamento expressivo relacionado às verdades dos materiais foge do simbólico explícito. Retornando novamente à arquitetura moderna, não com um caráter pejorativo de valores, mas como bom exemplo para a definição das oposições, para os autores a fachada moderna é ornamental à medida que se concentra na expressão dos próprios elementos arquitetônicos (expressão da função e estrutura, da verdade dos materiais), enquanto a decoração simbólica e a rica tradição iconográfica são negadas. A autonomia da superfície dos edifícios, tal como o rótulo sobre a lata de IBELINGS (1998), é dotada de simbolismo explícito, representativo, composto por mensagens 'sociais' ou publicitárias, sobre volume 'banal' e convencional, ambígua, 'bonita na frente' porque prima pela aparência, ou seja, é essencialmente decorativa, voltada para o olhar urbano 'de fora' e não para o propósito interno do edifício. Ela aceita tatuagens, sobreposição de imagens, é trabalhada na própria pele limite do edifício. Uma pele não mais 'natural' como a de Loos, rejeitada pela comunidade, mas uma pele diversa e mutante que se encobre de significados. Nas últimas décadas, a difusão da tatuagem urbana, que se massifica sobre a pele humana e extrapola para a 'pele' da paisagem edificada, contradizendo os princípios de pureza e integridade ornamental das superfícies de Loos. Paim (2000) define que a crítica ao ornamento das superfícies no século XX (do ponto de vista da decoração), deve-se à reprodução decorativa indiscriminada na paisagem urbana como fruto do 'medo do vazio' ou horror vacui. A proliferação desproporcional de formas e volumes sobrepostos à fachada sem um propósito, foi considerada antiestética. No entanto, a plena apreciação contemporânea “das novas modalidades ornamentais envolveu o aperfeiçoamento de um olhar que

Figs. 56 e 57 – Herzog & De Meuron apropriam-se das qualidades da pedra para a criação da superfície. (Fonte: www.floornature.es)

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também é tátil” (PAIM, 2000). Na década de 80, Robert Jensen e Patrícia Conway em seu livro “Ornamentalismo”, descrevem o retorno dos procedimentos decorativos de superfícies “que brincam com a possibilidade de iludir mais do que realmente iludem” (PAIM, 2000:120), através da aparência falsa dos materiais. Os autores destacam o retorno da ilusão das novas texturas de revestimento: o mármore que é substituído pela superfície vitrificada dascerâmicas (porcelanatos), a aparência da madeira reproduzida sobre resinas ou cerâmicas, as fibras naturais substituídas por outros polímeros. Para os autores, a indiferenciação contamina uma distinção fundamental entre as fronteiras do ornamental e o decorativo, uma vez que não é possível identificar com clareza as duas manifestações. Na paisagem da cidade predominam as ambiguidades, a camuflagem e sobreposições. A metáfora da pele como representação da fachada colocou em voga a valorização do decorativismo e ornamentalismo das superfícies. O arquiteto Greg Lynn, conhecido pelo seu processo projetual em arquitetura paramétrica, abordou também, a noção do decorativismo nas superfícies através da comparação do padrão ornamental da pele de um tipo de “sapo tropical” e a sua tentativa de trabalhar a mesma gradação de cor em alguns de seus projetos. Em sua palestra para o site TED, independente da qualidade da transposição literal da pele animal em seus projetos, o mais Figs. 58 e 59: Os entalhes na pele simbólica do Museu Judaico de Berlim. Acima o contraste e diferenças entre as diversas texturas na paisagem urbana. (Fonte: www.daniellibeskind.com)

interessante da fala é a percepção de que esses motivos ornamentais tornam-se espaços nas superfícies. “Percebemos que podíamos usar a textura para produzir vários efeitos espaciais, e podíamos integrar a textura da parede, com suas formas, seus materiais”. Essa relação entre os

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padrões ornamentais, texturas e espaços, dotam as superfícies da fachada com a tridimensionalidade aparentemente perdida na pele frágil, ligeira e bidimensional criticada por alguns autores.

Fig. 60: A sobreposição de imagens no edifício Beeld En Geluid, em Hilversum, na Holanda (Neutelings Riedijk Architecten)

Fig. 61: Imagem apresentada pelo Arquiteto Greg Lynn para ilustrar a inspiração nas cores e texturas de suas superfícies. A pele animal como referência para a reprodução da pele urbana. (Fonte: TED Talks, em 2005)

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3.8| A LIGEIREZA DA PELE No artigo La Piel Fragil (1998), Ábalos e Herreros destacam a noção de “ligeireza” como emergente no processo construtivo da paisagem urbana. Associada às temporalidades, mais especificamente à efemeridade, constitui a “fragilidade” como valor em oposição à força e estabilidade do discurso tradicional, da aparência com caráter representacional frente a novos valores como a discrição, tendência a dissolver-se e camuflar-se, a mutação como recurso de adequação, a redução da presença e a sua desmaterialização; a simplificação em detrimento da complexidade. Essas estratégias entram em ressonância com a fragilidade e fugacidade das instalações espaciais; é uma quebra da estabilidade da fachada e “da aparência feita para durar”. Esse é o ponto de inflexão em que toda a temporalidade se altera, em que valores como efêmero, temporário e instantâneo instalam-se fortemente no conjunto urbano das fachadas. Para Rafael Moneo (1999), houve uma ruptura com os princípios da tríade renascentista vitruviana. Enquanto a venustas (beleza) sofreu alterações contínuas através das mudanças de estilos, e utilitas (função) teve sua cota de variações ao longo do tempo, o princípio firmita (firmeza), que expressava a estabilidade temporal, a aparência feita para durar, manteve-se inabalável até recentemente. Com o abandono dos valores de estabilidade, a cultura contemporânea deslocou o paradigma do espaço para o tempo, não apenas nos aspectos visuais de apresentação dessa fachada, na sua agilidade em transformar-se ou vestir-se de novos discursos e aparências, mas também na rapidez do seu processo projetual e construtivo na cidade.

Ligeireza s.f. Qualidade de ligeiro; leveza; celeridade; rapidez; presteza; agilidade. (Fig.) Leviandade; volubilidade; superficialidade. (Bras. Pop) Esperteza; escamoteação; tratantada. Frágil adj. Débil, delicado, fácil de destruir. (Fig.) Instável, inconstante; pouco duradouro. (Do lat.: fragilis). Fragilidade s.f. Caráter do que é frágil; fraqueza, delicadeza. (Do lat.: Fragilitas, atis).

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Como recurso argumentativo a respeito da fragilidade das superfícies, Ábalos e Herreros, detém-se na crítica ao Modernismo e atribuem à ligeireza uma oportunidade dos arquitetos e urbanistas se desvincularem de um processo projetual árduo, 'da abolição do sofrimento físico' causado pela responsabilidade de resolver todas as questões ainda no momento do projeto. Eles reconhecem como vantagem a facilidade das alterações sucessivas das fachadas, na qual a relação entre ‘fluxos’ e ‘fixos’ da paisagem urbana se altera: a fachada como cenário pouco mutável, que imprime na cidade as reminiscências da passagem do tempo, torna-se tão mutável quanto os fluxos que percorrem o espaço urbano. A emergência da superfície, considerada por MONEO (1999) como uma não forma, dissolve-se no que o autor denomina “ação”. Ábalos e Herreros atribuem à ligeireza três acepções distintas, sendo as duas primeiras relacionadas também ao “evento” ou “ação”: a ação da luz natural e artificial, criadoras de efeitos de densidade e, mais recentemente, de formas difusas e etéreas vinculadas à imaterialidade ou desmaterialização; a ligeireza fenomenológica, caracterizada pela estética da “facilidade”, uma facilidade artificial associada ao objetivo expressivo retórico; e a terceira relacionada à construção desde o processo projetual dos arquitetos até um conjunto de ações de modo a torná-la mais simples e cômoda, e “substituir o esforço físico e intelectual”, relacionada à eficácia e capacidade comunicativa da pele. Além da definição de Ábalos e Herreros, ligeireza encobre simultaneamente: (1) a qualidade de modificação rápida e ágil de uma fachada isolada ou conjunto urbano e (2) da leveza física e visual, uma vez que a pele não possui exclusivamente a espessura e robustez material. Essas duas noções

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qualitativas opõem-se à resistência pejorativa que associa a ligeireza à 'cultura da pele', como uma estratégia leviana e volúvel de composição de imagem urbana, superficial, em seus propósitos e motivações relacionados à maquiagem rápida, ao jogo de aparências e falsidades de superfícies literalmente ‘de fachada’. A definição do termo expõe novamente a ausência dos valores de verdade e autenticidade dessa aparência. A noção de ligeireza também aparece no Supermodernismo de IBELINGS (1998), associada à Light Construction, ou seja, aos edifícios acristalados, transparentes e translúcidos, descritos por uma forma retangular tão simples, que apesar de parecerem ser constituídos apenas por uma única peça, são considerados eloquentes com meios formais limitados. Nesse sentido, ligeireza adquire a interpretação pejorativa do banal, simples, de fabricação rápida e, principalmente, ‘frágil e superficial’. Segundo Solà-Morales (in: HAYS, 2000, p.613), essa fragilidade é precisamente a manifestação arquitetônica da condição da cultura contemporânea. Para eles a fragilidade relaciona-se à: (1) estética contemporânea; (2) à noção do evento; (3) ao caráter decorativo e (4) à monumentalidade. Do ponto de vista do predomínio da ‘experiência estética’, a fragilidade situa-se no limiar entre o verdadeiro e o real, e a aproximação estética produzida numa 'forma' fraca e fragmentária. Ele também atribui essa fragilidade à ‘noção do evento’ e ao fim do tempo cronológico linear, caracterizado pela estabilidade e permanência. A arquitetura fraca também é sempre ‘decorativa’, o que no mundo da tradição moderna é uma palavra mal vista, associada ao desnecessário, vulgar ou trivial, mas que na cidade contemporânea adquire uma nova condição. Por fim, diferente do conceito

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de Aldo Rossi, em Arquitetura da Cidade (2001), no qual a monumentalidade é associada à permanência operante em uma realidade monística e à definição fixa e estática da cidade, SOLÀMORALES apresenta em uma monumentalidade comparada com a ressonância suave de uma poesia depois de ouvida, a lembrança de uma arquitetura recém-observada, que reside na adoção de uma postura que não é agressiva e dominante, mas tangencial e fraca: “a força da fragilidade” (SOLÀMORALES, 1987, in: HAYS, 2000, p. 613). Por fim, a fragilidade e ligeireza de uma fachada contemporânea também possuem as suas dualidades aparentes. Apesar de não se relacionarem à inserção da pele na paisagem urbana, destaco um exemplo curioso que evidencia uma dessas ambiguidades conceituais: observando o momento intermediário da construção das fachadas do Harpa Concert Hall, em Reykjavik, Islândia, percebemos que a fachada leve e “ligeira”, composta pela repetição e variação dos padrões geométricos, uma superfície translúcida com vidros transparentes e coloridos, esconde um esforço Figs. 63 e 64: a estrutura massiva para sustentar temporariamente a aparente leveza da pele de vidro. Ambiguidades e contradições das mensagens emitidas através peles na paisagem urbana. (Fonte: archdaily)

estrutural massivo no período construtivo. A independência e desarticulação da fachada da estrutura interna do edifício, por outro lado, condiciona à construção de uma estrutura temporária de fixação robusta e massiva, contraditória em relação à leveza e simplicidade da aparência para a cidade. Tal como a pele, a fachada emerge leve, bidimensional e delicada em contraposição aos edifícios do entorno e, principalmente dos elementos estruturais que a sustentam.

Figs. 65: a superfície translúcida e ‘leve’. (Fonte: archdaily)

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4.0| O COMPORTAMENTO DAS PELES NA CIDADE 4.1| TEMPORALIDADES – A FACHADA COMO ROUPA E MAQUIAGEM URBANA E o que dizer do equipamento urbano, da iluminação, da publicidade das ruas, que constitui o rosto efêmero, porém mais vivo e mais aproveitado da cidade que hoje quer ser, ela própria efêmera? (ARGAN, 1998, p. 264). A cidade de Sofrônia é composta de duas meias cidades. Na primeira, encontra-se uma grande montanha-russa de ladeiras vertiginosas; o carrossel de raios formados por correntes; a roda-gigante com cabinas giratórias; o globo da morte com motociclistas de cabeça para baixo; e a cúpula do circo com os trapézios amarrados no meio. A segunda meia cidade é de pedra, mármore e cimento, com banco, fábricas, palácios, matadouro, escola e todo o resto. Uma das meia cidades é fixa, a outra é provisória. E quando termina a sua temporada, é desparafusada, desmontada e levada, embora transferida para os terrenos baldios de outra meia cidade. Assim, todo ano chega o dia em que os pedreiros destacam os frontões de mármore, desmoronam os muros de pedra, os pilares de cimento, desmontam o ministério, o monumento, as docas, a refinaria de petróleo, o hospital e carregam os guinchos para seguir de praça em praça o itinerário de todos os anos. Permanece a meia Sofrônia dos tiros-ao-alvo e dos carrosséis, com o grito suspenso do trenzinho da montanha-russa de ponta-cabeça, e começa-se a contar quantos meses, quantos dias se deverão esperar até que a caravana retorne e a vida inteira recomece. (CALVINO, 2003, p.63).

As citações de Giulio Argan e Ítalo Calvino reconhecem os eventos efêmeros como próprios do ambiente urbano: o fluxo de pessoas, veículos, os eventos no espaço público, a publicidade, e uma série de outras manifestações específicas da dinâmica da cidade. Na contemporaneidade, no entanto, o ‘rosto’ efêmero de Argan, tal como de Calvino, revela-se na transformação das fachadas como superfícies urbanas tradicionalmente estáveis, em interfaces ligeiras, caracterizadas pela

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fragilidade de sua instabilidade. Com a emergência da 'cultura das superfícies', a fachada como espaço indeterminado toma a forma inquietante dos acontecimentos imprevisíveis; a substituição do uso pré-determinado abre espaço para a emergência do acontecimento. Segundo Scoffier (OLIVEIRA et al, 2009) há três tipos de temporalidades que correspondem a três tipos de espaços: (1) o espaço da estabilidade e previsível, onde os acontecimentos se repetem sem diferenciação; (2) o espaço da experiência onde, em meio a fatos repetitivos, articulam-se acontecimentos singulares que introduzem diferenças; e (3) o espaço inerte, onde surgem fatos sem efeitos nem causas, sem relações possíveis entre eles, e que, em alguns casos, excluem-se uns aos outros. Do ponto de vista da fachada, essa classificação de Scoffier, remete-nos a um gradiente de relação causal e previsibilidade dos efeitos desde a fachada tradicional, dotada de propósito e com mecanismos de percepção previamente estabelecidos, até a fachada indiferente ao contexto urbano, a pele autônoma e inerte cuja relação com a cidade segue-se indeterminada e imprevisível. Dentre essas diversas temporalidades, Scoffier destaca o ‘acontecimento’ como uma qualidade contemporânea porque ela não se refere ao tempo cronológico, mas a um ato singular, sem ‘genealogia’ e não premeditado. Segundo Solà-Morales (SOLÀ-MORALES, 1987 in: HAYS, 2000, p.621), o tempo contemporâneo é uma explosão no qual não há um tempo único e singular através do qual se constrói a experiência, mas vários tempos no qual a nossa experiência de realidade produz a si mesma. Uma realidade fragmentada de sobreposição do tempo real, linear e virtual que corresponde aos acontecimentos imprevisíveis que introduzem mudanças.

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Para Ibelings (1998) a fachada como superfície indefinida, denominada como espaço da experiência por Scoffier, constitui uma superfície “segura”, uma “casca flexível”, pronta para mudanças e constantemente adaptável à transformação de hábitos e comportamentos em relação ao interior do edifício, e principalmente ao contexto urbano, uma vez que a relação causal entre interior e exterior não é mais dominante. Essa condição, também explicada por Deleuze & Guattari em Bodywithout Organs (1990), aborda a flexibilidade dos espaços e sugere que os edifícios verdadeiramente flexíveis esforçam-se para se tornar mais como roupas ou cosméticos, nos quais os meios mais fáceis de adaptação seriam o mobiliário e o acabamento de suas superfícies visíveis. Dodds e Tavernor (2002), no livro Body and Building, à semelhança de Frampton (1995), relaciona esse discurso à pele e à teoria de 'vestir' de Semper, onde a fachada atua como uma moldura ou enquadramento necessário para que os acabamentos em constante mudança sejam “pendurados”. É o reconhecimento não apenas da “pele” em seu estado natural, mas sobreposta, coberta e transformada por revestimentos novos e temporários. Nesse caso, a fachada é considerada como sobreposição de camadas, cujas transformações instantâneas impõem um intervalo inferior à troca de pele, equivalentes à acessórios ou maquiagens com duração limitada. Segundo Leatherbarrow (2002), a valorização dessas mudanças flexíveis aparenta provocativa porque se relaciona a um discurso tradicional que privilegiou o fixo, durável e “vertical”, principalmente, do ponto de vista da fachada que, apesar de sua exposição e consequente dimensão

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urbana, tradicionalmente, foi associada a um elemento fixo da paisagem, em detrimento do espaço público horizontal que, historicamente, 'aceita' os fluxos e a dinâmica da cidade. A oposição entre os termos 'vertical' e 'flexível' criada por ele, também apresenta um novo antagonismo conceitual: a ‘verticalidade’ como estabilidade, em detrimento da flexibilidade das superfícies passíveis de transformação. No entanto, apesar de apontar a incorporação do acontecimento como condição contemporânea, ele conclui que “arquitetura existe apenas no atraso da flexibilidade” (DODDS; TAVERNOR, 2002, p.303) e que cada nova função ou situação deveria desejar encontrar a resistência das paredes e seus acabamentos preexistentes de modo a postergar essa mudança o maior prazo de tempo possível. O discurso de Leatherbarrow resgata a questão da autenticidade, já abordada anteriormente, porém não do ponto de vista da conexão da fachada com o interior (a verdade funcional ou estrutural), mas de uma autenticidade conceitual em sua relação com a cidade. Não é possível identificar exatamente a que permanências ele se refere, mas do ponto de vista urbano, a fachada tratada como roupa ou maquiagem temporária, por um lado fere tanto a autenticidade histórica quanto a “assinatura” do arquiteto, mas de outro, a tornam uma superfície com potencial de transformação do interior da edificação, um envelope dinâmico que atinge contextos urbanos mais amplos. A troca de aparências resgata a potência estética da ilusão. A perda da autenticidade histórica e a metáfora da pele lembram-me da valorização do idoso na cultura oriental e, de uma cena que presenciei recentemente: “vovó, suas rugas são tão lindas!”

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Tal como o olhar maravilhado e reverencial de uma criança de cinco anos sobre a pele de sua avó, assim são as marcas das fachadas antigas na paisagem da cidade. No Japão, raramente pergunta-se a idade dos mais jovens, porém é uma celebração declarar os oitenta ou noventa anos dos idosos, enquanto em nossa cultura ocidental de consumo e descarte, a passagem dos anos é mascarada por intervenções cirúrgicas, por produtos que pretendem 'retardar' o aparecimento das rugas na pele. Do mesmo modo, a maquiagem da fachada como prática de intervenção nas diversas peles urbanas, termina por encobrir as reminiscências dos momentos históricos arquiteturais e, ignorando as cidades como construções cumulativas, suprimem as marcas que as tornam tão diversas e múltiplas ao longo do tempo. Ao criticar a “tábula rasa” moderna ou projetos totalizadoras que visam dar conta de todas as questões em sua concepção, corremos o risco de cometer o mesmo erro de apagar o que está “fora de moda”, “de gosto duvidoso” e que “não contribui” para uma determinada aparência na cidade. Uma política “higienizante” que não apenas soluciona as deteriorações de uma imagem, mas descarta com velocidade um 'modismo de época' para a aplicação rápida e gratuita de outro. A questão da autenticidade afeta também a autoria da fachada anterior e se relaciona a critérios de julgamento sobre a qualidade de sua aparência na imagem da cidade. Seria lícito esconder peles ornamentais ou com qualidade visual significativa, ainda que as novas roupas ou anteparos apresentem superfícies de qualidade superior? Ou as “roupas” estão destinadas às fachadas “banais”, como os “galpões decorados” descritos por Venturi e Scott Brown em Las Vegas? Seriam essas roupas tão descartáveis no futuro, em um intervalo de tempo ainda menor? Esse

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fenômeno é aceitável nas fachadas “corriqueiras” da cidade ou poderia ser aplicado sobre superfícies de autores consagrados? Essas questões trazem à tona novamente o episódio das fachadas de Adolph Loos, que de tão lisas e contrastantes com a vizinhança foram obrigadas a serem cobertas; ou a polêmica envolvendo o mural dos artistas Gêmeos em Boston, uma pele secundária grafitada sobre a coluna de ventilação do metrô da cidade, criticada por se assemelhar a um personagem terrorista. Fig. 66: a superfície temporária dos artistas Gêmeos que virou polêmica e dividiu a opinião pública em Boston (Fonte: Revista Veja 08/08/2012)

Este último caso, apesar de não constituir uma fachada tal como envelope externo de edificação, trata-se também de uma superfície decorada, de permanência temporária, com impacto em escala urbana. Por outro lado, a rapidez na troca da superfície desdobrou-se em práticas inusitadas que minimizam os impasses sobre a 'assinatura' projetual: a separação da concepção do interior do edifício e da sua pele envolvente. Tal como duas unidades autônomas e 'desvinculadas', fachadas e interiores são projetados por equipes distintas de arquitetos, cujo grau de interlocução tende ao envolvimento mínimo, antecipando o potencial cíclico de trocas consecutivas da pele. Na vinícola Gantenbein, localizada na cidade suíça de Fläsch, os arquitetos Bearth & Deplazes, responsáveis pelo projeto do edifício de fermentação, convidaram Gramazio & Kolher para a concepção da fachada com as obras de infraestrutura já em andamento. A fachada não foi pensada como impressão da relação “tectônica”, a partir de condicionantes internas, mas como uma superfície livre, invólucro de um volume prismático preconcebido. A pele como um padrão textural da trama de tijolos, a despeito de suas qualidades intrínsecas e cuidadosamente estudadas, pode ser rapidamente substituída por outras superfícies que se fixem no esqueleto estrutural do conjunto. Na verdade, uma rápida

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observação da produção de Gramazio & Kolher confirma o seu interesse pelo estudo de padrões, tramas e sistemas tanto de superfícies opacas quanto vazadas, aplicadas livremente sobre painéis e fachadas. A perda de 'autenticidade' autoral revela, por outro lado, quase uma especialização de 'arquitetos de fachada', sem o reducionismo pejorativo que o termo possa aparentar. É no campo comercial, no entanto, que a estratégia da 'troca de roupa' parece ajustar-se mais livremente ao edifício. Relacionadas à dinâmica de troca de estoques e mostruários, a cidade parece acostumar-se à transição das peles comerciais como 'commodities' publicitárias para incremento de vendas. Venturi e Scott Brown, em “Aprendendo com Las Vegas”, definem que nas fachadas da avenida principal “o letreiro é mais importante (…) isso se reflete no orçamento do proprietário. O letreiro na frente é uma extravagância vulgar, o prédio nos fundos uma necessidade modesta.” Na escala da cidade, essas fachadas comunicam a sua mensagem simbólica, a importância da loja e realçam a unidade da rua, notadamente comercial. Em 2007, o Banco do Brasil promoveu a campanha “Todo tempo com você” e, com slogan personificado, “o Banco da Maria”, “o Banco do Francisco”, “Banco da Ana” e uma centena de outros nomes promoveu a troca de toda a comunicação da instituição, incluindo a mídia eletrônica, impressa, o portal na internet e até mesmo as fachadas. A campanha do 'banco que troca de fachadas' substituiu os letreiros de trezentas agências, de modo a criar a identidade de que o banco pertence a cada um dos brasileiros. A ação, que durou pouco mais de um mês, registrou três milhões de acessos no Portal BB somente no primeiro dia e manteve a média de 600 mil acessos diários, além

Fig. 67 e 68: a separação entre a fachada e os espaços internos no momento projetual. (Fonte archdaily).

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do congestionamento da central de atendimento e linhas telefônicas das agências por clientes e curiosos que buscavam saber a localização exata que exibia os seus nomes. A troca de fachadas foi responsável pelo êxito e visibilidade da campanha e obrigou o banco a publicar a lista das agências e respectivos letreiros de modo a facilitar a visitação e registro fotográfico do público que, pela primeira vez, tornava-se “dono do banco”. Apesar de não ser, de fato a troca da pele do edifício tal como compreendemos a fachada, se nos apropriarmos da constatação de Venturi de que a pele comercial encerra-se na visibilidade da marca da empresa, ou seja, o seu letreiro, a campanha de fato atingiu a dimensão urbana esperada. Mais do que um elemento publicitário ou um fechamento externo do edifício, a fachada constitui um meio de comunicação urbano. O estilista brasileiro Alexandre Herchovitch também troca a fachada de suas lojas na velocidade da troca de estações; a cada nova coleção, o edifício, e não apenas as vitrines, 'trocam de roupa'. O mesmo conceito é utilizado em todas as suas lojas no Brasil e no exterior, de tal modo que a marca já possui uma equipe exclusiva para relacionar a concepção das novas fachadas aos produtos da loja. A Revista Veja SP (matéria de junho de 2010) constatou que, após a “Lei Cidade Limpa” que Fig. 69 a 71: a ‘troca de fachadas’ do banco e a mobilização urbana (Fonte agência Artplan)

limita os letreiros em São Paulo, alguns comerciantes apostaram na 'tatuagem' das fachadas para diferenciar os seus produtos da concorrência. Alguns empresários registraram aumento de 30% nas vendas, enquanto outros comemoram a mudança rápida com painéis acoplados ou impressões digitais que ganham em velocidade e redução do custo de mão de obra em relação à repintura

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convencional. Peles inteiras são entalhadas, maquiadas ou tatuadas com motivos decorativos que vendem ideias e convidam o público, através do apelo visual e de seu destaque no contexto urbano. O intervalo de mudança varia entre dois a seis meses e as estratégias de troca da roupa são múltiplas. A loja Melissa, na Rua Oscar Freire, por exemplo, cobriu uma fachada inteira com 35 mil folhas de post-it em cada layout, trocado a cada 15 dias. Cada papel colorido atua como um pixel, que juntos compõem à distância imagens em escala urbana. De perto, o pedestre vê os desenhos e os recados criativos dos que passaram pela fachada. Estratégias participativas semelhantes foram aplicadas sobre as fachadas da marca espanhola ‘Desigual’, que permitiu seus clientes pintarem as paredes da loja, enquanto a American Eagle, na Times Square em Nova Iorque, exibe painéis eletrônicos de LEDs com imagens enviadas pelos clientes. No setor hoteleiro essas trocas de “roupas” também são acompanhadas pelo

Fig. 72 – A fachada da loja de Herchovitch em Tóquio reproduz o padrão das estampas da nova coleção. Projeto de Arthur Casas (Fonte: arcoweb.com)

reposicionamento da marca “frente às inovações tecnológicas atuais”. Foi com esse argumento que o grupo proprietário do Hotel Arena alterou completamente a fachada do antigo Hotel Othon Trocadero, construído na Avenida Atlântica em 1958, através da aplicação de uma fachada de vidro termo

acústica,

pelo

reposicionamento

da

marca

frente

às

inovações

tecnológicas

contraditoriamente em substituição às persianas 'tipo Copacabana', reconhecidas pelos ganhos de conforto ambiental sem recursos adicionais. Através do descarte de uma imagem 'desgastada pela aparência que remete ao antigo e ultrapassado', o hotel destaca-se dos edifícios adjacentes através da diferenciação da sua nova fachada com “status urbano de qualidade e inovação”. Neste caso

Fig. 73 – A aparência temporária da fachada em São Paulo. (Fonte: Blog A Moda da Casa)

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específico, ela não apenas destoa da textura das superfícies adjacentes, como se apresenta indiferente ao mar e às singularidades que caracterizam esse contexto urbano; simplesmente a aplicação rápida de uma 'roupa de modismo clichê'. Entretanto, apesar das particularidades desta intervenção, a troca de fachadas constitui uma eficiente estratégia de reposicionamento da marca frente ao mercado ávido por inovações. A fachada como roupa representativa do edifício foi metaforicamente celebrada na festa de 23 de janeiro de 1931, em Nova Iorque, quando arquitetos responsáveis pelo novo skyline da cidade, vestiram-se literalmente dos marcos urbanos que projetaram. Leonard Schultze como edifício Waldorf-Astoria, William Van Alen e o Chrysler Building, Ely Jacques Khan como Squibb Building, Ralph Walker caracterizado pelo edifício de Wall Street, além de Stweart e Joseph Freelander como Fuller Building e o Museu da Cidade de Nova Iorque, respectivamente. A verticalização e densidade de Manhattan acentuaram a busca pela individualidade das fachadas como estratégia para o destaque do edifício e a sua transformação em marcos visuais na cidade. Em maio de 1982, na Exposição Clothing As Architecture at MIT, foi exposta pela primeira vez uma relação mais intrínseca, e não apenas metafórica, entre arquitetura, design e a sua influência sobre a moda. Nos últimos anos, no entanto, essas conexões entre moda e arquitetura tornaram-se ainda mais intrigantes. Segundo a exposição Skin + Bones: Parallel Practices in Fashion and Architecure, realizada em 2008, em Londres, os avanços na tecnologia dos materiais e softwares de computador Figs. 74 a 76 – Variações na fachada Post it da Melissa (Fonte: melissa.com.br)

empurraram as fronteiras de cada disciplina, os edifícios tornaram-se mais fluidos e as roupas mais

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arquitetônicas. A exposição reconhece que as fachadas estão adotando estratégias mais usualmente utilizadas na costura, como impressão, plissados, dobraduras, drapeados e tecelagem, enquanto na moda designers estão olhando para a arquitetura de forma a recorrer aos princípios intelectuais e conceitos inerentes à profissão. Esta exposição sugeriu uma contaminação cruzada para a criação de superfícies novas e formas visualmente atraentes, estabelecendo uma interessante relação entre o corpo e a arquitetura, a moda e as superfícies urbanas. As fachadas como roupa, ou o “vestir-se” nas superfícies decoradas dos edifícios, apresentam a ênfase no padrão decorativo das fachadas, numa ligeireza de trocas, que supera todos os momentos precedentes. A exposição apresenta também uma interessante iconografia, desenhos que transferem os padrões das fachadas para as roupas dos estilistas, superfícies ligeiras, decorativas e fluidas, à semelhança dos estudos de forma ou Vordruck realizados por Schlemmer, associado à Bauhaus em 1923. As fachadas, como fragmentos de impacto visual urbano, tornam-se referências numa cultura contemporânea da aparência, com desdobramentos mais abrangentes em outros campos do conhecimento. Por um lado, a fachada como “roupa” que transforma a aparência dos edifícios não constitui uma inovação sem precedentes históricos, mas o que torna o momento atual singular é justamente a velocidade das transformações e o tratamento das superfícies em seus padrões ornamentais, decorativos, táteis e texturais. De fato, a metáfora da pele, associada à dinâmica do efêmero e da sobreposição de novas temporalidades, que aceita ser encoberta por “roupas”, transformada ou camuflada por 'maquiagens temporárias', é uma das qualidades mais significativas e intrínsecas à relação das fachadas com a

Figs. 77 e 78 – Antes e depois da mudança da fachada. Uma transformação que alterou a leitura da superfície e a sua relação estabelecida com as adjacências e o observador da cidade. (Fontes: skycrapercity.com e google street images)

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cidade contemporânea. Ela afirma a ascensão de uma redundante 'estética da aparência', na qual, por um lado, emergem rostos e superfícies 'de fachada', que encobrem e camuflam as leituras literais, enquanto de outro, as tornam superfícies de deleite visual urbano, imprevisíveis e dinâmicas até a próxima troca de roupa no cenário da cidade.

Figs 79, 80 e 81 - Material da exposição Skin + Bones: Parallel Practices in Fashion and Architecure, 2008. (Ver anexos, ao final).

Fig. 82 – Foto de 23 de janeiro de 1931, com os arquitetos em Nova Iorque vestidos dos mais recentes arranha-céus da cidade. (Fonte: KOOLHAAS, 2008, p.108)

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4.2| A ESTÉTICA DA PROXIMIDADE E DAS (in)DIFERENÇAS Do ponto de vista urbano, o abandono do modelo de profundidade nas fachadas, implica não apenas na valorização do superficial, mas também numa alteração na relação com o “próximo”, do que está ao “lado, tal como ele é”. É a mudança no olhar do propósito da fachada como mediação e diálogo entre interior e exterior, para um olhar ao redor, sobre as adjacências urbanas, “capaz de atribuir valor ao banal, ao cotidiano, o que não transcende e está à mão” (ÁBALOS & HERREROS, 1991, p. 45, tradução nossa). Uma linguagem de ambiguidades, que não transmite apenas a “verdade” da aparência, mas comunica-se com diferentes interlocutores. A intensificação do superficial, a ambiguidade ou imprecisão das mensagens, essência do momento contemporâneo, foi apresentado pejorativamente como sintoma de fragilidade e debilidade. Mas, é essa perspectiva da ambiguidade, relacionada à noção da pele, que reside à prática contemporânea da fantasia, da imaginação, da fachada como superfície sensibilizada. “É a observação do próximo, sem inocência, com olhos de suspeita, buscando efeitos ou leituras não literais.” (ÁBALOS; HERREROS, 1991, p. 49). Ábalos e Herreros tratam o valor proximidade e, como consequência, o conceito de posição, a partir de como a arquitetura, e as fachadas como a sua parte mais visível, implantam-se na cidade muitas vezes com uma economia volumétrica, na qual “os edifícios não são produtos do contexto, mas mantém a sua autonomia e diálogo com o seu entorno” (ÁBALOS; HERREROS, 1991, p. 53). .

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Contornar v.t. Traçar o contorno de: cercar, caminhar ou estender-se em roda de. (Fig.) Penetrar as intenções de alguém, ladear. Inscritos adj. Escrito, gravado, insculpido; (Geom.) Diz-se da figura que se inscreveu em outra: ângulo inscrito.

Não me expando, nem me integro, nem me aproximo, nem abraço, não me fundo com ninguém em especial: permaneço íntegro e compacto, afirmando a minha individualidade: é apenas a minha predisposição que emite sentido. (ÁBALOS;

HERREROS, 1991, p. 52). Hans IBELINGS (1998), em seu livro Supermodernismo, aponta que está surgindo uma nova arquitetura na qual as noções pós-modernas de lugar, contexto e identidade, perderam em grande parte o seu significado, emergindo uma produção cujos ‘contornos’ já não podem ser definidos com precisão. A despeito de o autor chamar 'essa nova fase' como Supermodernismo, do ponto de vista da fachada, essa nova abstração do entorno é uma essa nova abstração do entorno é uma atitude fundamentalmente distinta em relação à arquitetura que cada vez se concebe menos como significante e mais como objeto neutral na paisagem. Ao descrever o projeto do edifício Onyx (1989) de Jean Nouvel e Mirto Vitart, e a sua aparente indiferença em relação ao contexto, Scoffier (2009) também reforça a qualidade e estética da proximidade de Ábalos e Herreros (1991). Destinado a ser um centro cultural, o edifício não foi projetado nem para expressar o seu programa ou dialogar com a paisagem de inserção; suas faces de concreto preto são cobertas por uma epiderme, composta de tela metálica perfurada, que mascara as aberturas do edifício como representação de uma inércia máxima. Mas, é esse mesmo poder de introspecção que, segundo Scoffier, apresenta-se como estratégia máxima de integração, remetendo ao que Baudrillard chama de sedução para qualificar os “dispositivos que se esquivam e se fecham a

Fig. 83 – A superfície indiferente destaca-se na cidade por oposição. Edifício Onyx.

fim de atiçar, até a vertigem, a curiosidade daqueles que o contemplam em vez de se abrir e lhes entregar, de pronto, sua mais secreta interioridade” (SCOFFIER, in OLIVEIRA et al., 2009, p.178).

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Para IBELINGS (1998), essa condição da estética da proximidade da superfície trata-se de um reflexo da 'abundância de individualização' que, em uníssono com Ábalos e Herreros, constitui quase um valor de antropomorfização da arquitetura, como uma leitura ativada da cidade e sua relação entre objeto e sujeito, respectivamente. O estabelecimento entre essa ordem 'objeto > sujeito', aqui compreendida no âmbito desse projeto como o invólucro >sujeito, reafirma o potencial comunicativo da pele, também definido por Ábalos e Herreros como “condição de contorno”. Em sua posição interativa edifício e cidade emitem sinais que são vínculos afetivos destinados a dar sentido, em analogia à relação entre o nosso corpo e os objetos em teoria fenomenológica, nunca inertes, nunca separados por um espaço puramente extenso (…), mas plenos de intensidades que o cruzam, de correntes sensoriais e afetivas que descrevem a intencionalidade das ocorrências. (ÁBALOS; HERREROS, 1991, p.52, tradução nossa). O reconhecimento dessa multiplicidade de manifestações da fachada, comunicativas ou desconectadas do entorno, constrói pouco a pouco uma “paisagem urbana de colagens” caracterizada pela definição das individualidades, do fragmento relacionado à cidade.

Figs. 84 a 86 – Herzog & De Meuron e o ‘contorno’ em chapa perfurada, que nada informa do seu interior, nem estabelece relação com o entorno. M. H. de Young Museum, São Francisco (Fonte: o autor).

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4.3| TOUCHSKIN: A RELAÇÃO COM O OBSERVADOR URBANO The only thing architects can do is make sure we don't lose our sense of touch. (Tadao Ando)

A ênfase nas superfícies das fachadas decoradas por signos e significados, ornamentadas por texturas, transformadas por imagens ou novas aparências que se sobrepõem às preexistências, trouxe à paisagem urbana uma valorização sensorial desses envelopes exteriores, não mais captados pela visão literal, mas investigados por outros sentidos. Se a bidimensionalidade da pele dos edifícios, segundo alguns autores, reduziu as relações corporais entre o sujeito que experimenta a cidade e a volumetria edificada, se essas relações residem no limiar entre as superfícies planificadas, ligeiras e temporárias (como a pele frágil), mais do que uma interação física entre corpos, emerge na paisagem contemporânea uma relação tátil das experiências visuais e texturais. O relacionamento 'anatômico' entre o corpo e o espaço segue uma busca histórica entre os princípios de beleza e harmonia retratada desde as proporções clássicas da antiguidade, passando pelas aplicações de esculturas ‘humanas’ em fachadas, aos estudos de proporção vitruvianos do homem dentro de um quadrado, o homem ideal de Da Vinci, ou o modulor de Le Corbusier no período moderno. No entanto, quando os volumes cedem lugar aos contornos das linhas e o olhar volta-se para as superfícies envolventes, essas relações tornam-se menos literais e inconscientes, encerradas não apenas na relação volumétrica do espaço, mas nas superfícies que os definem. O escultor e designer alemão Oskar Schlemmer, por exemplo, associado à Bauhaus em 1923, criou uma teoria que relaciona a roupa, aqui entendida como contorno do edifício, às dificuldades e

Fig. 88 – Green Green Wall. tela viva projetada por Klein Dytham Architects, alterou completamente a relação do pedestre com a rua. Criada inicialmente para encobrir o canteiro de obras do edifício do arquiteto Tadao Ando em uma das principais avenidas de Tóquio, a tela com 254 metros de comprimento e 2,50 de altura, criou um painel vivo e multicolorido, com qualidade superior a um tapume tradicional de construção, em uma mescla bem sucedida entre vegetação e cartazes informativos. Na prática, a intervenção criou um ambiente agradável para a circulação, estimulante ao toque e de poderosa atração visual. (Fonte: GAVENTA, 2006)

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ambiguidades apresentadas pelo movimento do corpo. Em seus estudos, cada forma ou Vordruck foi vestida por uma 'lei' ou regra (Gesetze) que criava quatro diferentes posturas tridimensionais do volume no espaço: Ambulantarchitecture, Marionette, Technical Organism and Dematerialization. Independentemente das especificidades de cada 'categoria', elas revelam um olhar sobre o envelope que condiciona o interior, como se o corpo e suas características essenciais de movimento fossem definidas, facilitadas ou impedidas, pela superfície que os envolvia. Do ponto de vista urbano, esse olhar volta-se para a superfície da fachada. As relações entre o corpo e a superfície são amplamente exploradas no cemitério Brion (19691978), no qual o arquiteto Carlo Scarpa projeta uma extensa parede de concreto que induz o percurso do visitante. Mais do que um muro limite entre o interior e exterior, esta superfície contorna e conforma os espaços; ora se eleva verticalmente, moldando um movimento exato, ora se inclina para dentro do percurso, forçando o corpo a responder ao estímulo. Em alguns momentos, une-se a planos horizontais de alturas diferentes que condicionam o pedestre a abaixar-se ou Figs. 89 a 92 – Da esquerda para direita, respectivamente: Ambulant architecture, Technical Organism, Marionette, and Desmaterialization. (Fonte: DODDS & TAVERNOR, 2002)

levantar-se; torna-se paralela a outras superfícies e conforma corredores estreitos que se alargam. Scarpa cria com maestria o envolvimento entre a superfície e o sujeito, uma rica valorização experiencial da pele de concreto. Entremeando os estados de opacidade, as aberturas são posicionadas de modo a enquadrar focos específicos da paisagem externa, enquanto a altura estabelecida para esta superfície define uma linha de contorno também da cidade mais distante. Steven Holl, no prefácio do livro de Pallasmaa (The Eyes of the skin, 2005), afirma que as

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teorias do campo da arquitetura e urbanismo do século XXI voltam-se para a superfície e a pele, e compara que a 'profundidade do nosso ser', agora com um olhar sobre o sujeito e a superfície, reside sobre ‘gelo fino’. Invertendo a lógica de profundidade até aqui discutida, do ponto devista da fachada, pode-se relacionar que a superficialidade da pele dos edifícios adquire profundidade no sujeito: uma profundidade não mais espacial, porém fenomenológica. A metáfora do ‘gelo fino’, uma superfície delicada como limiar frágil entre dois sistemas distintos (assim como a fachada é para o espaço urbano e o espaço íntimo), traz, além das qualidades de ligeireza e fragilidade concentradas na superfície, a percepção de que esta mesma superfície pode ser 'perturbada' ou reconhecida pelo toque. O ‘gelo fino’ é caracterizado por uma pele externa frágil que envolve uma matéria ainda não solidificada, indefinida, numa metáfora que revela qualidades da fachada hoje. Através do título 'Os olhos da pele', Pallasmaa cria uma pequena argumentação entre o sentido predominante da visão e o sentido suprimido do toque. Da mesma maneira que argumenta que a pele humana é “capaz de distinguir um número de cores, nós também vemos de fato pela nossa pele” (PALLASMAA, 2005, p. 10, tradução nossa). Através da defesa de que todos os sentidos, incluindo a visão, são extensões do senso tátil, o autor aborda que os sentidos são especializações dos tecidos da pele e todas as experiências sensoriais estão relacionadas ao toque. Essa percepção revela que o contato com o mundo, e por extensão com a cidade, acontece justamente nas superfícies limites do ser, as membranas de contorno reconhecidas como pele: a pele do sujeito e a pele da paisagem edificada, as fachadas dos edifícios.

Figs. 93 e 94 – as imagens dos enquadramentos das superfícies, embora não apresentem a experiência de percorrer a superfície contínua do muro. (Fonte: DODDS & TAVERNOR, 2002)

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O reconhecimento dessa relação entre membranas-invólucros, entre a pele do sujeito e a pele do edifício, revela que a fachada, ao contrário de criar meros objetos de sedução visual, relaciona-se, media e projeta significados na paisagem da cidade. Segundo Pallasmaa “os olhos convidam e estimulam sensações musculares e táteis” (PALLASMAA, 2005, p.26), o que significa que o apelo à imagem não necessariamente implica na rejeição dos outros sentidos, mas pode incorporar e reforçar outras modalidades de sentido através das superfícies. Para Ibelings (1998) a cultura contemporânea tende a valorizar e dotar de significado, não mais literais, a própria superfície em si, sua aparência, abrindo espaco para sensações visuais, espaciais e táteis. Tal como a pele que é vista do exterior e não é reconhecida em sua aparência interior, a fachada amplia hoje a sua dimensão sensível do ponto de vista da cidade. Citando David Michael Levin, em seu livro The Opening of Vision: Nihilism and the Postmodern Situation, Pallasmaa aborda dois modos de visão: (1) uma visão assertiva, dogmática, rígida, apoiada em padrões e 'verdades' consolidadas e (2) visão relacional, pluralista, que se refere a um olhar interpretativo e pesquisador–que na visão do autor está emergindo na contemporaneidade. De fato, a ênfase na superfície indeterminada dos edifícios, neutra, que inverte a lógica da transparência literal consolidada, solicita uma visão mais cerebral e menos literal da paisagem. Para Scoffier (2009), ao considerar a fachada como um elemento que não revela a fabricação do edifício, nem a sua função, ela adquire um inconsciente que inverte a relação que a subordina ao usuário. Este inconsciente constitui o reconhecimento de que a indeterminação causal entre o

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interior e o exterior abre a fachada para uma relação diversa e imprevisível, principalmente do ponto de vista da cidade. Scoffier também aborda uma diferença sensível entre 'ver' e 'ler' a cidade, principalmente diante da emergência das superfícies 'decoradas', de peles ornamentadas, imbuídas de signos e significados. A ênfase na superfície instaurou uma valorização urbana das propriedades texturais nas peles dos edifícios, reforçada pela exploração dos padrões ornamentais e das estratégias decorativas que dotam de expressividade ou significado, respectivamente, essas membranas limites. Alberto Pérez-Gomez, em seu capítulo no livro BodyBuilding, cita que a ênfase na superfície decorada constitui um 'evento da experiência', na qual as proporções harmônicas tornam-se visíveis na superfície dos objetos, uma fonte de “prazer sensual e expressividade potencial” (DODDS & TAVERNOR, 2002, p.178). Em uníssono, Pallasmaa (2005) defende a experimentação das superfícies, a valorização das propriedades tácteis, não apenas nas peles que objetivamente podem ser tocadas pelo corpo, mas essencialmente sentidas pela observação. “Nossos olhos acessam superfícies distantes, contornos e bordas, e as sensações táteis inconscientes determinam a agradabilidade e o prazer da experiência” (PALLASMAA, 2005, p. 42, tradução nossa). Pallasmaa opõe-se radicalmente à cidade da alienação, em contrapartida ao que chama de cidade da participação, ou seja, à cidade medieval do engajamento sensorial de outros sentidos (olfato, tato, audição, visão). A cidade da alienação não corresponde à crítica direta à arquitetura contemporânea, mas principalmente às superfícies que não estimulam experiências texturais com o

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sujeito. Para o autor, a perda ontológica da janela como uma abertura ou mediação para um sistema distinto do exterior, e o seu tratamento apenas como uma 'ausência de paredes', empobrece a relação do sujeito com a pele urbana. Por outro lado, se nessa janela reside a essência da experiência dos corpos mediados na fachada, os estados opacos da pele contemporânea também instituem a fantasia da ilusão, o convite à investigação das ambiguidades. A janela perde a sua função de ventilação e iluminação para adquirir qualidades de superfície: “imagem de janelas dos desejos”, segundo FRASCARI (FRASCARI apud PALLASMAA, 2005), ao revelar em demasia o interior como uma vitrine ou provocar a curiosidade e fantasia em suas opacidades. “O olhar pesquisa, controla e averígua, ao passo que o toque aborda e acaricia. Durante experiências emocionais avassaladoras, tendemos ao sentido de distanciamento da visão; fechamos os olhos quando sonhamos, ouvimos música, ou acariciamos nossos entes queridos. Sombras profundas e escuridão são essenciais porque eles diminuem a nitidez da visão, tornam a profundidade e distâncias ambíguas, e convidam à visão periférica inconsciente e às fantasias táteis.”

(PALLASMAA, 2005) Desvinculada da massa 'corporal', a relação tradicional entre cheios e vazios, a relação do corpo urbano que experimenta a fronteira entre o interior e exterior de um edifício, o ritual de passagem por portas e umbrais e a visualização da dinâmica do interior vista do olhar curioso da cidade são reduzidas. Por outro lado, a superfície emerge como elemento de impacto visual, extensão do espaço público verticalizado, superfície visualmente tátil, observada pelo pedestre ou pelo corpo na velocidade rápida dos veículos; experimentada a distância. Segundo Vidler (Vidler, 1992 in: HAYS, 2000, p.744), a superfície contemporânea brinca com a

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simultaneidade e sedução; as fachadas não permitem ao sujeito parar em sua superfície, nem

Pele

> toque

penetrá-la, prendendo-nos em um estado de ansiedade. Neste momento, a fisionomia bidimensional,

Tela

> superfície touch screen

a representação da “face”, transforma-se em um espaço tridimensional da subjetividade, o lugar para o palco da atividade social. O plano do espelho constitui o palco do teatro. A ansiedade do sujeito confrontado com o espaço soft da superfície é a manifestação de um estranhamento da mais recente condição da interioridade e exterioridade, no qual o fantasma do funcionalismo e propósito espelha nem a aparência do sujeito ou a transparência biológica do seu interior, já que os limites tornam-se borrados em uma superfície fina e quase imperceptível, se comparada com a fachada tradicional. Nessa percepção sensorial urbana, as fachadas tornam-se não apenas superfícies exteriores edificadas, mas peles com qualidades visuais relacionadas ao toque, fronteiras de acolhimento e proteção entre o espaço íntimo e público, anteparos para propagação ou absorção de sons que estimulam a leitura e investigação, falam, transmitem mensagens ou silenciam-se, caracterizando-se por um rico repertório de superfícies múltiplas e sensibilizadas.

Interface > conexão, transmissão de mensagens e sensações

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4.4| A VERTICALIZAÇÃO DAS SUPERFÍCIES URBANAS – A CIDADE SOBE PELAS PAREDES “Architecture strengthens the experience of the vertical dimension of the world.”

(PALLASMAA, 2005) Numa época de crescimento e densificação urbana, quando a concentração populacional e o mercado imobiliário especulativo estimulam a verticalização, o projeto da cidade assistiu à mudança da ação urbana exclusiva sobre os planos horizontais, por um olhar sobre as superfícies verticais da cidade, suas fachadas. Rem Koolhaas, em seu livro Nova Iorque Delirante (2008), reforça que a unidade visual da cidade foi substituída pelas peles dos arranha-céus e que as atividades urbanas não se operam exclusivamente na horizontal, mas na superfície vertical. Ele destacou que a rigidez bidimensional em planta, reforçada pelo traçado ortogonal no caso específico de Manhattan, deu origem a uma “anarquia tridimensional”, com as mais delirantes experiências de fachada com o objetivo de deslumbrar e entreter o observador urbano. A fórmula “tecnologia + papelão (ou qualquer material frágil) = realidade” reforça as qualidades inerentes às fachadas, reconhecidas como superfícies sem profundidade, ligeiras e frágeis, além do decorativismo e apelo visual como produtores dos cenários urbanos contemporâneos. Do ponto de vista do projeto urbano, o pensamento da “cidade genérica” rompe não apenas com a dependência da relação causal entre o interior e a fachada, mas também com os precedentes históricos, e adquire a superficialidade dos cenários modificáveis. A cidade genérica de Koolhaas Fig. 95 – A instalação do artista argentino Leandro Erlich realiza a ilusão de caminhar pelas fachadas na cidade. (Fonte: designboom.com)

sofre de amnésia; ela não se ampara no passado e assume a imagem modificável das novas superfícies, o que contradiz a estabilidade e permanência da fachada, e reforça a cidade das

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aparências. Ainda neste sentido, Scoffier (2009) também destaca que a representação gráfica desses projetos caracteriza-se predominantemente em cortes e não mais em plantas, incluindo a escala do projeto urbano, a exemplo de Euralille. Essa ênfase na verticalidade aponta um olhar sobre a cidade que não reside apenas nas superfícies próximas dos planos horizontais dos espaços públicos, mas reconhece a dimensão urbana das superfícies verticais das fachadas, não mais tratadas como planos de fundo “cinzas”, aos quais se sobrepunha a dinâmica dos fluxos urbanos. Mais do que um cenário neutro, elas adquirem a dimensão de protagonistas na cidade. De modo semelhante, a proposta conceitual City of Robotz, do escritório Bureau Spetacular, com sede em Chicago, também valoriza as superfícies dos arranha-céus e propõe, inclusive, novas manifestações estéticas sobre as fachadas de Nova Iorque. Segundo o escritório, elas deveriam ser tratadas como ícones urbanos, personificadas na linguagem corporal e nas diversas leituras possíveis das superfícies e não apenas como resultado de operações numéricas relacionadas à legislação urbana. Para eles, 30% das superfícies verticais deveriam ser tratadas como indivíduos, de modo a contribuírem para o desenvolvimento da estética coletiva e “superar o peso da economia”. Apesar de utópica e provocativa, a City of Robotz constitui uma proposta de ênfase decorativa, de iconicidade e valorização das mensagens subjetivas transmitidas pelas fachadas. Esta verticalização intensa e o rebatimento profundo na imagem da cidade não é exclusividade da Nova Iorque de Koolhaas;ela está presente em contextos urbanos, acima ou abaixo da linha do Equador, e se torna mais evidente com a troca de roupa, as sobreposições de camadas nas superfícies verticais “não mais feitas para durar”. Pouco a pouco a cidade é construída a partir do

Fig. 96 – Esquema gráfico da proposta conceitual da City of Robotz. (Fonte: bureauspectacular.net)

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fragmento; a diversidade dos inúmeros fragmentos, de superfícies únicas que adotam as mais diversas estratégias de materialização física. Fachadas verdes, inteligentes, eficientes; opacas, silenciosas ou sedutoras; virtuais e digitais; fachadas de vidro ou curtain walls. Multiplicidade que transforma a paisagem da cidade no contorno da superfície vertical das fachadas. O seu impacto visual extrapola os limites do privado, da relativa liberdade e autonomia arquitetônica concedida para os proprietários individuais. A maior parte das leis edilícias e planos de urbanização, reguladores da construção urbana, preocupam-se com a mensuração quantitativa da ocupação, ou são alterados baseados em outros parâmetros que desconsideram o impacto visual das superfícies verticais na imagem da cidade. A título de ilustração, diversas cidades brasileiras e latinoamericanas sofrem com a “sobreposição” de gabaritos que influenciam profundamente a aparência urbana. As fachadas, como irregularidades urbanas, refletem a instabilidade e arbitrariedade de planos: empenas cegas multiplicam-se na paisagem, como superfícies de descarte; revelam as incongruências, fragmentos, e a passagem do tempo nas cidades; mudas, instalam vazios. A aparente solução em vesti-las com imagens publicitárias cria o paradoxo da poluição da comunicação visual, mas e sem elas? Não se sabe ao certo o que é mais empobrecedor da paisagem, se a publicidade excessiva ou a presença inquietante destas superfícies cegas na cidade. No caso do Rio de Janeiro, parafraseando Rem Koolhaas, tão delirante e impactante é ainda a alteração de gabaritos, próximo à Avenida Francisco Bicalho no Projeto Porto Maravilha, do Rio de Janeiro. Neste caso, a ‘anomalia’ da fachada não reside nas empenas cegas, mas na arbitrariedade das novas superfícies edificadas. Com 38 andares e 150 metros de altura, cinco torres comerciais que

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levarão o nome do bilionário americano Donald Trump serão erguidas como enormes superfícies espelhadas, entremeadas por camadas verdes. Outro exemplo, o edifício do Banco Central já em fase de construção também recebeu a aprovação que aumenta o gabarito de 18 para 33 pavimentos, na mesma região. O impacto urbano, do ponto de vista do funcionamento das atividades e da mobilidade na zona portuária, é grande, mas a relação visual gerada entre as superfícies verticais e a imagem da cidade é ainda maior. Milhares de metros quadrados de superfícies reflexivas concentradas na frente marítima carioca, ao lado de fachadas tombadas dos sobrados centenários, desconsideram os rebatimentos imediatos na aparência urbana. Como consequência, a cidade cresce vertical e aceleradamente à mercê de intervenções fragmentárias, excessos e mudanças arbitrárias de superfícies, com a conivência e o estímulo do acúmulo de diferentes decretos urbanos. Na verdade, é preciso reconhecer as fachadas como molduras do espaço público e a sua função em controlar o impacto visual da densificação, seja como cenário ou decoração. A ênfase contemporânea nas fachadas não se relaciona a um assunto estilístico ou apenas de estética urbana, mas possui rebatimentos mais profundos, de concepção e construção progressiva da própria imagem da cidade. Mas será que estamos cientes de que imagem desejamos construir?

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4.4.1| OS JARDINS VERTICAIS – O PAISAGISMO SOBE PELAS PAREDES Os edifícios não apenas se personalizam na decoração de suas superfícies, como o espaço da cidade verticaliza-se nas fachadas dos arranha-céus. Os jardins públicos, antes limitados aos planos horizontais urbanos, parecem extrapolar os tradicionais limites e são incorporados aos padrões de recobrimento das fachadas contemporâneas. A relação paisagística destas fachadas com a cidade não é mediada na interação com o espaço, mas na relação visual e, segundo PALLASMAA (2005), também tátil, estabelecida no contorno visual da superfície. O discurso “verde” das fachadas tecnológicas ‘sustentáveis’ assimilou outro, o da fachada viva, na qual se inserem ‘outras formas de fazer paisagismo’, relacionadas à preocupação com o desempenho energético passivo dos edifícios. Além da redução da carga térmica incidente sobre a fachada e de outros benefícios de conforto ambiental, há ainda a exploração de um potencial ornamental sem precedentes, cujo principal expoente foi o botânico francês Patrick Blanc. Blanc criou ainda jovem uma técnica, aprimorada ao longo de anos de pesquisa e prática profissional, que permite que os seus jardins verticais sejam tão leves que possam ser instalados em qualquer tipo de superfície, seja interna ou externa. Estas superfícies verdes são compostas por uma camada estrutural, geralmente metálica protegida por PVC, e uma camada de feltro como substrato. O suporte metálico é apoiado diretamente na fachada ou é estruturalmente dimensionado como sistema auto portante independente, coberto por uma folha de PVC com um centímetro de Figs. 97 e 98 – A fachada exuberante do Musée Du Quai Branly. (Fonte: Patrick Blanc)

espessura para aumentar a rigidez do conjunto e proteger a malha metálica do contato direto com a água. Por fim, o substrato é formado por uma camada de feltro, em poliamida, que não apodrece e

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cuja alta capilaridade permite a distribuição homogênea de água. Um sistema automático de irrigação e drenagem garante a sobrevivência do conjunto, com manutenção reduzida. As espécies vegetais são incorporadas à superfície como sementes, brotos ou já adultas, o que cria uma fachada verde, viva e mutante, adjacente à pele preexistente da edificação. Através de sua técnica, Patrick Blanc introduziu a vegetação em paisagens urbanas densamente povoadas. Os rebatimentos na estética urbana foram tão positivos, além dos ganhos de eficiência ambiental, que o deputado chefe da cidade de Paris, filiado ao partido verde, Yves Contassot defendeu um plano de metas intitulado “95 muros verdes em 2005”, sob o argumento de que a “ausência de terrenos na cidade obrigaria os planejadores a atacar a superfície dos edifícios”. Na prática, essa iniciativa pioneira enfrentou algumas resistências e exigiu dezenas de reuniões com proprietários privados para a obtenção dos acordos. Como imposição política, a medida não teve o rebatimento correspondente em Paris, mas como motivação ornamental, asfachadas verdes pouco a pouco proliferam na cidade. No mesmo ano,o Musée DuQuai Branly, em Paris, projeto do arquiteto Jean Nouvel, consolidou a imagem do trabalho de Blanc ao assumir a fachada verde como identidade arquitetônica. A

variedade

de

espécies,

inclusive

tropicais,

surpreende

pela

exuberância,

independentemente da variação de condições climáticas ao longo do ano. Como uma superfície viva, ela se modifica visualmente de acordo com o crescimento das espécies. Registros fotográficos ilustram a transformação no intervalo de poucos meses. Em apenas duas semanas após o plantio, o anteparo metálico de fixação do substrato ainda é evidente em meio à cobertura verde rarefeita;

Figs. 99 e 100 – A superfície verde da Caixa Forum como prolongamento do espaço livre urbano à frente. (Fonte: site de Patrick Blanc)

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após dois meses a fachada adquire a característica de superfície verde. Porém, somente no intervalo de dois anos, ela atinge a expressividade ornamental imaginada na ocasião do projeto. Constituída por 15 mil plantas, dentre 150 espécies diferentes, a fachada de 800 metros quadrados com 25 metros de altura, tornou-se um dos ícones da ‘renovação do milênio’ na capital francesa. Expressividade semelhante foi alcançada pela fachada lateral do edifício Caixa Forum em Madrid (projeto de Patrick Blanc, 2007), cuja superfície aveludada é um convite ao deleite visual urbano e um estímulo tátil ao pedestre, convidando à permanência, inclusive, no espaço livre à frente do museu. O contraste entre a fachada de pedra e o coroamento em aço corten, característicos do edifício do museu, reforçam a identidade visual da fachada. Inúmeros exemplos proliferam no mundo e não apenas condicionado à obra de Patrick Blanc. Ainda em Paris, o arquiteto Edouard François projetou a fachada residencial do edifício Tower Flower (2004) constituída por 380 vasos distribuídos em 10 pavimentos,ao longo de todo o perímetro do conjunto. Situada em uma das extremidades do Jardim Claire Mote, no 17º arrondissement, a superfície foi projetada como uma extensão vertical deste espaço, tanto para os que estão no jardim quanto para os moradores do Figs. 101 e 102 – A fachada do “Tower Flower” em dois momentos: em 2004, logo após a finalização do edifício, e mais recentemente, transformada pelo crescimento da vegetação. (Fonte: o autor e site www.mimoa.eu)

edifício. Regados por um sistema contínuo e automático de tubos,os enormes vasos receberam espécies de bambu devido à sua maior resistência e crescimento rápido. Uma imagem de 2004, meses após a finalização da construção, contrasta com registros mais recentes desse jardim vertical em escala urbana. A imprevisibilidade do crescimento, a alternância de cor das espécies e a exuberância do conjunto criam uma superfície viva e vibrante nos céus de Paris.

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Outros exemplos, como o edifício “orgânico” em Osaka, projetado pelo italiano Gaetano Pesce ou a fachada em Odawara, de Kengo Kuma, ilustram técnicas diversificadas para a execução das fachadas verdes. No Rio de Janeiro, o recém-inaugurado Parque Madureira também exibe um Centro de Educação Ambiental com a superfície principal recoberta por frondosas bromélias. De rápido crescimento e sem a necessidade de um substrato profundo para a fixação, a superfície de bromélias complementa a proposta paisagística dos jardins horizontais projetados para o novo parque. Segundo Patrick Blanc, o jardim vertical possui manutenção reduzida já que constitui um mini ecossistema independente, um espaço silvestre dentro de um ambiente urbano altamente artificial. Diversos microrganismos, como fungos, fazem a decomposição de folhas e raízes mortas, devolvendo os nutrientes ao substrato. Mas é a variedade de espécies e a sua complementaridade, que constitui um dos fatores mais importantes para a manutenção do jardim ao longo do tempo?

Fig. 103 – A fachada do “Tower Flower” como extensão visual do paisagismo do Jardim Claire Mote. (Fonte: www.mimoa.eu)

Do ponto de vista urbano, algumas políticas públicas já começaram a esboçar incentivos para o estímulo às fachadas verdes. Além das qualidades ornamentais, dados empíricos comprovam benefícios econômicos não apenas no que se refere ao conforto ambiental da edificação, mas também à geração de crédito de carbonos mensuráveis para a cidade. Segundo SMANIOTTO (2011), pesquisa realizada pela empresa Kyocera, no Japão, apontou que cada metro quadrado de folhagem, a vegetação predominante nos jardins verticais, absorve anualmente três quilos e meio de CO2. Apesar de estes dados não estarem relacionados ao objetivo desta investigação, o que fará com que não sejam abordados em detalhes, eles apontam uma questão importante que poderá alterar a aparência de centenas de superfícies urbanas: os incentivos políticos e fiscais para as fachadas

Fig. 104 – A fachada projetada por Gaetano Pesce. (Fonte: in UGARTE, 2006)

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verdes. Entre os beneficiados, de um lado estão as empresas que vendem as mais diversas tecnologias para implantação do sistema de vegetação, de outro os ganhos ambientais e econômicos em prol dos governos locais. Na Alemanha, por exemplo, a mesma legislação que incentiva os telhados verdes através de reduções fiscais, está sendo adaptada para contemplar os jardins verticais. Somente a cidade de Frankfurt já se comprometeu a investir cerca de três milhões de Euros na execução de “muros verdes”. No Japão, novas pesquisas estão sendo realizadas para mensurar o impacto urbano dessas fachadas, enquanto centenas de superfícies vivas proliferam em diversos Fig. 105 – A fachada projetada por Kengo Kuma exibe uma composição de espécies vegetais e um padrão decorativo modular. (Fonte: in UGARTE, 2006).

Fig. 106 – A fachada do Centro de Educação Ambiental no Parque Madureira, Rio de Janeiro. (Fonte: o autor).

contextos urbanos, motivadas, ao menos, pelas qualidades ornamentais e estéticas dos jardins verticais.

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4.4.2| CULTURA DA IMAGEM: ENTRE A CRISE DA REPRESENTAÇÃO E A ESTRATÉGIA DA FIGURAÇÃO

O encaminhamento teórico desta primeira parte da tese, dedicado à construção argumentativa da hipótese inicial, comprovou não apenas a autonomia completa da superfície em relação ao interior do edifício, mas a qualidade imagética de torná-la um meio de comunicação de ambiguidades, simulacros e informações visuais. No entanto, a diferença entre a fachada verdadeira, como apresentação da função, e a superfície retórica, como expressão e comunicação, ainda esbarra no conflito com a visão consolidada de “verdade”, no qual os valores contemporâneos são qualidades pejorativas e “disneycas”. Esse conflito sugere uma crise ou uma mudança na própria noção de representação. Para LEATHERBARROW (2002), a crise mais profunda na prática contemporânea se estabelece entre representação e produção. Segundo ele, a relação de dependência entre a industrialização e seus produtos levou a arquitetura no século XXI ao abandono do projeto de representação, principalmente de seu instrumento primário de expressão, a fachada. Os edifícios que renunciam a sua aparência pela imagem que resulta de processos de montagem, negligenciam o próprio “projeto” da representação da “face” do edifício. Com o advento da fachada livre e das novas tecnologias de produção, a aparência do edifício tornou-se um assunto de produção repetida, reflexo de um mercado arquitetônico que alimenta e banaliza com soluções seriadas a imagem da cidade. O envelope externo também é considerado tanto como pele do edifício quanto suas operações temporárias – e essa aproximação temporária é vista contra o princípio de representação: a ênfase na comunicabilidade da imagem.

fachada verdadeira X fachada retórica

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Segundo LEATHERBARROW (2002), a tarefa comum de cobrir, vestir-se, ou o revestimento de fachada é um exemplo particularmente claro do conflito entre representação e a produção em nosso tempo. Os elementos do sistema de revestimento contemporâneos podem ser vistos como fragmentos de um modo de produção, uma indústria que reforça a disseminação de uma aparência, ou como iconografia de fachada; a complexa relação entre expressão arquitetônica e tecnologia insere a questão de como o envelope da arquitetura pode ser compreendido: um impulso estético ou um imperativo tecnológico? Talvez ambos. Para BAUDRILLARD (2011), a questão da imagem na cidade está além da crise da representação, além do real. Por ser um mundo com duas dimensões, representando uma realidade tridimensional, para ele a imagem não é da ordem da representação, da realidade, mas da ilusão. Trata-se de uma visão dualística de mundo: de um lado, as noções de verdade diretamente relacionadas à representação do real, de outro, o jogo que consiste em reintegrá-la de todas ambuiguidades, fantasias e máscaras relacionadas à imagem como simulacro. É como se a produção contemporânea afasta-se progressivamente do mundo real, para o virtual; na qual a representação não está em crise, mas em um processo de descarte ou “obsolescência”. Para BAUDRILLARD, a verdadeira crise está no “assassinato da imagem, as maneiras possíveis na ordem realista dos fatos, na lógica da representação” (BAUDRILLARD, 2003, p. 86). É a proliferação desordenada da imagem, já Fig. 107 – esquema da crise da representação e emergência da figuração.

que a repetição, a série e o visual se apoderam da cidade, num processo de insignificância do real que acarreta no desaparecimento da representação e ênfase na figuração. A disseminação da comunicação e com ela as mais variadas estratégias de figuração estão

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ocupando todo o território da cidade. Mais de 40 anos após Las Vegas, parece ser em Shanghai e nas cidades asiáticas que a iconografia e a arquitetura como linguagem defendida por Denise Scott Brown e Roberto Venturi atingem sua versão superlativa. “Aprendendo com Shanghai” é a versão eletrônica e tecnológica que reforça a tese de arquitetura como linguagem. Porém, ao contrário da iconografia estática, elas mudam de mensagens e imagens a cada segundo, o que equivale a uma troca de roupas bastante eficaz. O risco é a proliferação gratuita de um modelo que pode ter como revés a saturação da imagem, o que significa uma subtração na ordem simbólica da cidade. Mas a lógica positiva da diversidade de mensagens e a riqueza de sua comunicação são capazes de adicionar significados à paisagem urbana. “E significado, é a palavra de hoje.” (SCOTT BROWN & VENTURI, in: L’Architecture D’ Aujourd’hui, abr. 2011).

Figuração s.f Ato ou efeito de figurar. (Pop.) Meneio para chamar atenção. (Do lat.: figuration, onis.) Figurar v.t. Traçar figura; significar por meio da figura; representar, ter a figura; ornar com figuras (estilo); fingir, imaginar, supor. V.int. Ter notabilidade social; aparecer em cena, desempenhar papel em peça de teatro ou em romance; entrar no número na lista ou na conta; ter parte num negócio ou acontecimento. V. rel. aparentar o que não é), parecer, imitar. Figura s.f. Forma exterior; aspecto; exterioridade, feição aparente; estatura e configuração geral do corpo; impressão produzida pelas coisas; imagem, representação, forma; símbolo, emblema, alegoria. (Geom.) Espaço delimitado por linhas ou superfícies. (Heráld.) Peça móvel do escudo. Figuras de linguagem: aspecto que assume a linguagem para obter expressividade, afastando-se do valor linguístico normalmente aceito. Fazer figura: dar importância, dar na vista. (Mudar de figura: tomar outro aspecto, tornar-se diferente. Do lat. Figura).

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5.0| METODOLOGIA DE PESQUISA - OS POLOS CONCEITUAIS DE ANÁLISE Mas esse assunto de construção urbana na democracia é interessante porque isso cria caos, não é? Todo mundo fazendo o que quer cria um ambiente caótico e se você conseguir entender como trabalhar um com outro -- Quero dizer, não é isso -- se conseguir juntar um monte de genteque respeita o trabalho do outro e que coopere um com o outro, você pode conseguir criar modelos para construir partes da cidade.

Conversa entre Frank Gehry e Richard Saul Wurman, fev/2012 Fonte: TED.com Diante da diversidade de manifestações da fachada contemporânea, tornou-se necessário reunir qualidades e questões coincidentes para a definição de conjuntos, senão hegemônicos e dominantes, ao menos majoritários. A pesquisa começou de forma despretensiosa a partir da coletânea do maior número de exemplares de fachadas contemporâneas, com o objetivo de identificar as recorrências através da maior amostragem de casos. Naquele momento, era necessário compreender as características principais que determinam as singularidades das superfícies contemporâneas, um dos objetivos dessa pesquisa, através da “saturação” de casos. Mais de oitenta projetos foram organizados em arquivos, contendo imagens ilustrativas e informações acerca da materialidade das fachadas, além de outras dezenas de exemplos compilados superficialmente, através de livros, revistas e meio eletrônico (blogs e websites). Ainda em fase inicial de reconhecimento do tema, a amostragem confirmou a caracterização geral das fachadas contemporâneas que, em diálogo com outros autores, resultou na conclusão apresentada no esquema anterior. No entanto, esse rumo enveredou para o caminho exclusivo da arquitetura deslocado do referencial urbano. A relação entre as fachadas e a cidade enfraqueceu-se, de tal modo

Conceito s.m. Tudo o que o espírito pode conceber; síntese, símbolo; mente; entendimento; juízo; ideia concebida pelo espírito acerca de coisa ou pessoa: Faço bom conceito deste homem; opinião; dito com agudez de espírito. Conceituar v.t. Fazer conceito, formar opinião; analisar, julgar; classificar, tachar; avaliar, ajuizar (De Conceito + ar) Polo s.m. Cada uma das duas extremidades do eixo-ideal em torno do qual gira a Terra; cada uma das duas extremidades de qualquer eixo ou linha; região circunvizinha dos polos e limitada pelos círculos polares. / (Fig.) Termo absolutamente oposto ao outro: A sinceridade e a hipocrisia são dois polos

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que elas foram “classificadas”, com uma leitura imediata e sem critérios, de acordo com a aparência física de suas superfícies: fachadas verdes, virtuais, digitais, porosas, dentre outras. O momento de inflexão na pesquisa ocorreu a partir da preocupação em estabelecer uma leitura entre a pele e a cidade, a cultura da imagem e a aparência da superfície. Se as fachadas são caracterizadas como peles e telas, cuja essência reside na imagem observada do exterior, já que a relação com o interior tornou-se menos evidente do ponto de vista da cidade, que mensagens elas emitem para o contexto urbano? Como os seus contornos sem profundidade, ligeiros e frágeis, mas extremamente decorados se comunicam (ou não) com o observador urbano? A partir da cisão relativa da dicotomia entre interior e exterior, que outras relações são estabelecidas com a cidade, entre a vontade de se fazer presente e, por que não, ausente do entorno? A partir do confronto entre polaridades, pouco a pouco foram estabelecidos conceitos de análise segundo contraposições. Na verdade, a maior dificuldade de uma pesquisa voltada para a situação contemporânea não é apenas a ausência do distanciamento histórico, mas o fato de que a velocidade das transformações sobrepõe-se à construção do pensamento sobre essa realidade. BAUDRILLARD (2011) afirma que, na ordem natural, o pensamento deve avançar mais depressa do que o mundo. No entanto, a partir de certo ponto de vista, ele tem sido precedido pelo mundo, que avança mais rápido do que ele. Essa lógica contradiz a própria dinâmica do campo da arquitetura e urbanismo, no qual o pensamento projetual antecede a materialização dos espaços. Analogamente, em uma realidade na qual a reprodução e transformação das fachadas têm sido feita de forma mais instantânea do que a sua própria formulação conceitual ou da compreensão do seu propósito, a

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análise das fachadas esbarra sempre no estado intermediário entre mudanças, antes do aparecimento de um novo elemento que vai “perturbar” o conjunto de fatos. “Encontramo-nos em uma incerteza total, trata-se da não verdade do mundo, a não realidade do mundo. É o princípio da ilusão” (BAUDRILLARD, 2003, p. 107). Caso análogo ocorreu justamente ao final da pesquisa, quando já em 2012, Carla Juaçaba introduziu na paisagem de Copacabana uma superfície relacional que desmaterializou a noção de fachada, a dicotomia entre o interior e exterior não como as superfícies até então estudadas, cuja aparência era autônoma dessa relação causal ou conceitual, mas essencialmente ambígua de modo a dissolver os limites e contornos. Exemplares semelhantes já haviam sido coletados, mas constituíam casos icônicos, aparentemente não atingíveis numa realidade tão próxima ao cotidiano carioca. Baseado em uma das conclusões mais relevantes da pesquisa, a fachada como superfície comunicativa, foram estabelecidos polos conceituais para a compreensão das diferentes manifestações ou imposições dessas superfícies na paisagem da cidade. Numa cultura da imagem, a ênfase na decoração das superfícies atua como estratégia midiática diversa para a sua “imposição” urbana; fragmentos destacam-se na paisagem como exceção. Mas que mensagem, de fato, essas superfícies emitem? Que relação elas estabelecem com a cidade? Para tanto, ao contrário de categorias estanques, desenvolvidas pela utilização de rótulos e denominações específicas, foram estabelecidos polos conceituais que se assumem como agrupamentos de características para a compreensão das fachadas por 'aproximação’. Eles são uma

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tentativa de compreensão da realidade através de uma estratégia policêntrica, que evita o 'afã classificatório' de criar categorias e subcategorias com o objetivo de distribuir dentro destas todos os fenômenos ‘novos’, reconhecendo-os como meio e não ‘fim’; e seu ‘fim’ ou objetivo é sempre um conhecimento que não se esgota na nominação. Desse modo, os pólos estabelecem-se por oposição entre si, como entidades com abrangência teórica definida, porém refutam a 'utopia' de encerrar todas as manifestações das fachadas contemporâneas, em vista da diversidade e potencial de transformação de suas peles envolventes. O conceito não existe no abstrato, mas se constrói como uma distinção entre coisas a partir de então tidas como diferentes. Conceitua-se não somente para caracterizar algo, mas, sobretudo para definir o que algo não é, e assim torná-lo distinto dos demais. (PAZ, 2008)

É o reconhecimento de que uma mesma fachada pode apresentar características híbridas que as aproxima de dois ou mais polos, porém refutam ou se opõem aos outros dois. Reconhece também que, diante da mutabilidade dessa pele, sua autonomia, descarte ou maquiagem, sua relação com o contexto urbano pode ser alterada em intervalos de tempo ainda menores e, um edifício de transparência literal e diálogo direto com a cidade, por exemplo, pode se transformar em uma fachada opaca e indiferente às suas relações de vizinhança. Segundo Solà-Morales (SOLÀ-MORALES, 1987 in: HAYS, 2000), a linguagem é tão diversa que não pode ser lida de um modo linear, de tal modo que o significado não responde com precisão ao significante. As ambiguidades caracterizam essa leitura. E a experiência das fachadas recentes é experiência da super imposição, na qual o significado não é construído por meio de uma ordem, mas

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por peças. E a mesma lógica de construção do pensamento por peças foi utilizada para a definição das polaridades conceituais. Desse modo, o método para a compreensão das fachadas contemporâneas resultou na formatação dos quatro polos conceituais definidos a partir de (1) comparação entre os diferentes, de uma forma que 'acabou de aparecer', com o seu equivalente em outros momentos ou cidades, de modo que a argumentação é realizada com base em comparações, dos contrastes estabelecidos para ser descrita; (2) descrição, que encaminha a caracterização da superfície, seguida de análise. A primeira comparação foi estabelecida entre a fachada de transparência literal, que revela o propósito do interior ou é gerada a partir de qualidades tectônicas (estrutura, funcionalidade, dentre outras) e a fachada que encobre o uso do interior e não revela os seus propósitos. Uma oposição clara entre a típica fachada de ‘Janela Indiscreta’ (1954), de Alfred Hitchcock e as fachadas de opacidades que impedem a relação visual entre o interior e a cidade. No entanto, como a transparência literal foi progressivamente substituída e na contemporaneidade transformou-se na opacidade (o seu oposto aparente) e na reflexividade (o seu reverso), nenhum polo conceitual a contempla. Apesar do predomínio na paisagem da cidade, ela foi considerada uma estratégia reminiscente, ainda fortemente arraigada às noções anteriores de verdade, propósito e autenticidade, que não podem ser ingenuamente relacionadas apenas ao movimento moderno, mas à própria gênese da arquitetura e urbanismo. O descarte da “fachada literal” e o foco de observação e análise sobre as “fachadas de

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opacidades” resultaram na identificação de duas polaridades definidas em estado intermediário por “competição decorativa” e “neutralidade, nulidade e indiferença ao contexto”. Em ambos polos contrastantes, a fachada poderia ser definida como pele ou tela, já que são carregadas da identidade visual para a qual o outro lado não importa, mas eles se diferenciavam na contraposição aparente entre a evidência ou ausência no entorno. No momento de análise e descrição da primeira polaridade, “competição decorativa”, dois outros polos conceituais surgiram: as máscaras publicitárias e as superfícies de sedução urbana. Na verdade, a máscara acrescenta na superfície a característica de uma transitoriedade mais acelerada. É a fachada não apenas determinada por uma imagem relativamente estática, mas que foi concebida para ser trocada e renovada pela sobreposição e acúmulo de superfícies. A sua aparência não é intocada pela expressividade ornamental da superfície ou a durabilidade de uma “tatuagem sobre a pele”, mas pode ser trocada em intervalos de tempo menores, seguindo uma estratégia de publicitação da mudança de aparência. As “superfícies de sedução urbana”, por sua vez, também possuem em sua origem a publicitação da aparência, mas suas fachadas icônicas não aceitam mudanças. Sua assinatura e potencial imagético as tornam paradoxalmente imutáveis na cidade. O campo da neutralidade/indiferença ao contexto também foi desmembrado em dois polos conceituais, sendo o primeiro da “superfície (in)diferente”, opaca, que não estabelece relação com a cidade, a sua Fig. 109 - esquema de polaridades

implantação é de contraste e negação com a estética do próximo. Por outro lado, há outras relacionais, cujo diálogo com o contexto depende do ponto de vista relativo do observador urbano; as ambiguidades nesse relacionamento e na própria compreensão da aparência acarretam a

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“desmaterialização da fachada” na cidade. Os quatro polos conceituais, (1) máscara sobre o rosto, (2)a superfície (in)diferente, (3) superfície de sedução urbana e (4)a desmaterialização da pele, serão mais bem ilustrados a partir da argumentação apresentada nos capítulos subsequentes, através da (2) descrição. É importante destacar, no entanto, que eles não foram estabelecidos de acordo com as características físicas e construtivas distintas (peles duplas, fachadas verdes, digitais, fachadas plug in etc.), mas segundo a capacidade comunicativa, a manifestação de sua presença e posicionamento diante da cidade; todas elas posicionam-se entre a aparência e a relativa ausência no espaço urbano. Digo relativa porque até as superfícies neutrais, indiferentes ou que ‘desaparecem’ possuem nesse contraste a estratégia máxima de aparição frente à diversidade de individualidades na paisagem contemporânea. E é justamente este foco que será tratado mais adiante.

Fig. 110 – os quatro polos conceituais e os seus pictogramas.

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A MÁSCARA SOBRE O ROSTO

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6.1| A MÁSCARA SOBRE O ROSTO A metáfora da pele na fachada contemporânea apresenta uma mais específica, relacionada ao rosto, à face frontal. De fato, na cidade com loteamento tradicional (lotes retangulares de dimensões reduzidas) a fachada predominante é a que se relaciona com a rua. A própria noção da fachada

Pictograma s.m. Elemento, sinal ou figura de uma escrita pictográfica; inscrição pictográfica. (Do Lat.: pictus= pintado +gr.= grámma = letra)

pressupõe a aparência urbana, a face. Mas qual face? O rosto é justamente o que é ‘diferente de e único’ em cada indivíduo. Personificando a fachada, ela varia entre aparência e realidade, entre máscara, maquiagem, acessório, identidade e comunicabilidade. “Talvez não apenas a face, mas as diversas faces, superficiais ou veladas, interações variáveis de uma série de modos contraditórios

Pictografia s.f. Sistema primitivo de escrita no qual as ideias são expressas por meio de desenhos ou cenas figuradas ou simbólicas, sem correspondências fonéticas. (Do Lat.: pictus= pintado +gr.= graph, raiz de grápho = escrever + ia).

entre ser e aparecer, fragmentada nos seus poros constituintes, suas partículas e pixels” (Transformations, 2010). O paradoxo da face que é natural, artificial ou mutável, que precede o corpo a priori, contando de onde viemos e para onde vamos. No editorial da revista eletrônica Transformations, o número intitulado The Face and Technology (n. 18 de 2010) argumenta que no momento atual, diante da cultura da imagem e da interface, obcecada pelas aparências, juventude, efeitos temporais e das promessas transformadoras dos materiais e tecnologias, o questionamento sobre a função do rosto na cultura contemporânea tornou-se um paradigma. A pergunta da publicação é 'O que está acontecendo com a face hoje e como se diferencia dos momentos anteriores?' Apropriando-se desta pergunta e tendo como abrangência os edifícios com uma fachada frontal, através da qual se relacionam prioritariamente com a cidade, delineamos o discurso a

Cenário s.m Decoração de teatro, de cinema, conjunto de vistas apropriadas aos fatos representados; paisagem; lugar onde se passa alguma cena. (Do it. scenario)

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respeito da fachada como figuração na cidade contemporânea. Na verdade, a sua função representativa não é uma 'novidade' atual. O famoso corte de um edifício na Paris de Haussmaan é um dos inúmeros exemplos da fachada como superfície representativa, na qual se aplicavam ornamentos de acordo com o padrão econômico e opulência do interior: antecedendo as benesses do elevador, à medida que se subia para os andares mais altos do edifício, além do pavimento térreo, mais desvalorizada era a unidade residencial. Como consequência, os balcões e janelas mais ornamentados estavam nos dois primeiros pavimentos, em detrimento da ausência decorativa dos demais. A fachada – como representação do interior (função, programa, estrutura) ou 'cenário' para o exterior (status econômico, político, religioso, ou panos de fundo para renovações urbanas)– faz parte do potencial imagético dessas superfícies verticais na cidade. No entanto, na contemporaneidade a fachada não recebe apenas apliques simbólicos ou ornamentais, mas torna-se o próprio aplique ou máscara, autônoma e superficial, justaposta ao edifício. Robert Venturi e Denise Scott Brown, na década de 70 em Aprendendo com Las Vegas, Fig. 114 – Os balcões e a aplicação de ornamentos na fachada coincidem com a representatividade da opulência do interior.

identificaram como recorrência na paisagem comercial, fachadas caracterizadas por letreiros, em contraposição a um edifício simples e “banal” aos fundos, “uma necessidade modesta”. O pictograma galpão decorado, traduzia a face frontal do edifício como anteparos falsos, superfícies-cenário, maiores e mais altas do que o interior para comunicar a importância do edifício (notadamente comercial) e realçar a qualidade e unidade da rua. O Galpão Decorado era composto por uma frente

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retórica e fundos convencionais, um abrigo simples sobre o qual se aplicavam os símbolos, em uma clara fachada 'falante', comunicativa, relacionada à aparência publicitária explícita, competitiva em sua vizinhança e entorno; criada para surpreender e se impor no contexto urbano. Independente da fachada, os fundos da edificação não tinham importância porque “o todo está voltado para frente e ninguém vê o que está atrás” (VENTURI & SCOTT BROWN, 1977, p. 50). A teoria de Venturi e Scott Brown não constituiu apenas uma constatação das fachadas em Las Vegas, e notadamente nos edifícios comerciais, mas foi formatada como contraposição teórica à autenticidade do Movimento Moderno, à verdade da relação entre a forma e a função. Nesse sentido, a fachada falsa ou simbólica ofereceu camadas de significação para além da mensagem 'expressionista abstrata', derivada das características fisionômicas inerentes às formas (geradas pelo interior, pela função ou estrutura), incorporando jogos de tamanho, texturas, cor, imagens. No entanto, mais do que resultado da observação de uma nova relação estabelecida entre a fachada e a cidade, o Galpão Decorado cumpriu a sua função como argumentação teórica na tentativa de justificar os projetos 'pós-modernos' de seu escritório. Como uma 'receita' aplicada, que extrapolou a arquitetura comercial, sofreu ‘distorções’ justificadas para se adequar

a outros programas,

distanciando-se da teoria origina que valoriza a 'face' do edifício, a aplicação de uma superfície bidimensional dotada de significado, a estética das aparências, a valorização do superficial e o uso desmedido do 'falso' sem o valor pejorativo atribuído por seus antecessores. De fato, a teoria do galpão decorado valorizou a dimensão comunicativa da fachada como superfície criada para ser

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observada de fora, um cenário urbano de ilusão, instigante, no qual, segundo os autores, “andar nessa paisagem é como mover-se por uma vasta textura expansiva: a megatextura da paisagem comercial” (VENTURI & SCOTT BROWN, 1977). Fora do contexto de Las Vegas, no entanto, Venturi e Scott Brown não conseguiram alcançar na prática o que a sua teoria preconizava. O projeto da Guild House (1962-1963), uma moradia para Fig. 115 – O discurso do Galpão decorado foi uma tentativa de justificar a produção de Venturi & Scott Brown. Na prática, no entanto, as fachadas criadas não se aproximam com o discurso do ornamento aplicado sobre a fachada. (Fonte: preservationalliance.com)

idosos na Filadélfia, por exemplo, é a aplicação clichê de uma placa com o nome do edifício, distante da manipulação visual e expressão simbólica dos painéis publicitários frontais;as janelas-guilhotinas são, na verdade, apenas janelas-guilhotinas, apesar de o discurso valorizá-las como “leves distorções simbólicas da janela convencional”; o revestimento em tijolo aparente, mais sujo do que o usual para se aproximar dos tijolos manchados pelas vizinhanças, adquire status de revestimento que apenas 'omite' suavemente a composição do material das paredes; e a ilusão de óptica criada pelos quatro pavimentos 'monumentais' da fachada frontal, esconde os seis pavimentos existentes, melhor identificados quando comparamos às janelas da fachada frontal em plano imediatamente recuado. O galpão decorado aplicado cumpre o seu papel parcial como exercício de ruptura com a 'verdade' das fachadas, um laboratório de experiências para as camuflagens, o retorno da decoração aplicada, o desejo de encobrir o interior e destacar as superfícies externas, porém de forma ainda incipiente e menos alegórica do que o seu discurso traduzido claramente pelo pictograma.

Fig. 116 – O ‘galpão decorado’ de Venturi & Scott Brown (1977).

O fim da autenticidade e a noção do 'falso', que simula e encobre, relacionam-se no senso comum à noção do cenário. Joseph Pine, em sua conferência para o TED, define a autenticidade

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através de dois exemplos contrastantes: as fachadas da Disneylândia e da Universal CityWalk, dois 'parques' temáticos com atributos de cidades cenográficas, 'réplicas' de ilusão com paralelismos às cidades reais. De fato, as 'falsas' fachadas como cenários aplicados relacionam-se à realidade dos valores americanos (pouco autênticos), das cidades-clichês fabricadas com propósito comercial, como Las Vegas ou seus estúdios cinematográficos. Nas últimas duas décadas, no entanto, a progressiva autonomia das fachadas, a ênfase na sua superfície, o retorno ao ornamento e decoração, à aplicação de novos materiais e tecnologias, reflexos da cultura da imagem, onde a comunicação visual assume o protagonismo, tratou progressivamente a fachada como máscara, maquiagem, acessório aplicado, com exemplos recorrentes em qualquer cidade contemporânea. Soma-se ainda, a ‘cultura do descarte’, cuja origem reside na dinâmica do consumo, na lógica entre a ‘inovação’ e a rápida obsolescência, desde os bens de consumo mais imediatos e não duráveis, até a escala urbana da aparência dos edifícios.

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6.1.1| A APARÊNCIA DO CONSUMO E A NOÇÃO DO SIMULACRO Apesar de a relação direta entre consumo e arquitetura ter como marco teórico, nas últimas décadas, o discurso do Galpão Decorado de Venturi, Scott Brown e Izenour, a presença da publicidade na imagem urbana não é uma novidade de tempos mais recentes. Em L’Espirit Noveau: Architecture and Publicité (1988), Beatriz Colomina (COLOMINA, 1988, in: HAYS, 2000, p.625) defende que a sobreposição da arquitetura (feita para durar) e a publicidade não constituía apenas uma estratégia “pós-modernizadora do modernismo” como alguns críticos alegaram, mas foi observada até mesmo nos estudos de Le Corbusier em pleno Movimento Moderno. Para ela, a presença de catálogos e peças publicitárias nos exemplares de L’Espirit Noveau, na Fundação Le Corbusier em Paris sugere a preocupação do arquiteto com uma nova realidade emergente caracterizada pela cultura da propaganda e da mídia de massa. Historicamente, a produção urbana e arquitetônica de Le Corbusier refletiu o impacto da passagem de uma sociedade industrial para uma de consumo e a consequente formação de uma cultura intensificadora da imagem e do descarte: a aparência da perenidade. Os desenhos e traços do arquiteto sobre os catálogos sugerem a sua apropriação de imagens relacionadas à produção de novos artigos industriais, seja na escala doméstica ou urbana, como inspiração conceitual para suas “máquinas de morar”. No entanto, para Le Corbusier, a essência da arte/arquitetura era a sua permanência e a durabilidade, o que ainda diferenciava o trabalho de arte do objeto do cotidiano, a pintura dos pôsteres. Ele rejeitava a teoria de caducidade ou efemeridade e distinguia o trabalho de arte do industrial, no qual apenas o último seria perecível e descartável.

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Em Las Vegas, no entanto, a evolução da arquitetura aparece diretamente relacionada à aparência publicitária das fachadas, cuja constante substituição de suas superfícies por outras maiores e tecnologicamente mais avançadas imprime o rápido ritmo de transformação de toda a imagem urbana. Inclusive, as edições revisadas da publicação “Aprendendo com Las Vegas” acrescentam registros de uma nova fase ‘evolutiva’, no curto intervalo de 25 anos, não apenas das fachadas, mas como consequência de todo o contexto urbano: de imagens-signos a cenas, do eletrográfico ao cenográfico, da iconografia à cenografia, do espalhamento urbano à densidade urbana. E é esta justamente a mudança que afeta a produção das fachadas na cidade contemporânea: a transitoriedade de sua aparência, os sucessivos apliques e descartes das máscaras sobre a pele dos edifícios que interferem não apenas na imagem de suas superfícies, mas na construção da aparência urbana; a fachada tornou-se um bem de consumo para ser visto como imagem exterior e cuja durabilidade assemelha-se à dos objetos do cotidiano. De modo semelhante, em seu artigo Weak Architecture (1978), Sola-Morales também definiu que o mundo contemporâneo consome imagens incessantemente, em uma constante expansão da cultura da metrópole, cujos edifícios não são mais do que alguns exemplares infinitos de “habitações figurativas e informativas” que nos cercam; “córregos de informações” numa cultura arquitetônica do ‘evento’. Para eles, essas percepções do tempo e lugar (genius loci) mudaram profundamente, tornando irrelevantes não apenas as preocupações de Vitruvius com a durabilidade e estabilidade, os conceitos de genius loci, mas também uma produção de negação desses mesmos contextos. A experiência estética superlativou-se na cultura contemporânea, tornou-se também transitória e

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explorada na superficialidade da pele, caracterizada pelo consumo maciço das imagens impressas e televisivas, um apetite pela informação e produção visual que fomenta o apelo à estética das aparências externas. Robert Segrest, no artigo “The Perimeter Projects: Notes for Design” (SEGREST, 1984 in: HAYS, 2000, p. 555), também produz um conceito de arquitetura que não se encerra mais na essência do objeto permanente, mas constitui uma espécie de dispositivo de comutação que se movimenta e se classifica entre diferentes imagens dadas pela cultura contemporânea. Uma cultura do evento, das aparências e das imagens transitórias na qual não prevalece o propósito das soluções formais, a dicotomia entre o interior e exterior, mas a conexão das texturas de suas superfícies. A fachada constitui-se, então, como uma superfície para a troca de eventos ou cenas urbanas. Essa questão também foi abordada por Eisenman na década de 70, em seu artigo ‘Pós Funcionalismo’, que apresentou a definição “card board architecture”, ou arquitetura de papelão, com o objetivo de conceituar uma ruptura no foco da concepção formal, antes resultante de condicionantes estéticas ou funcionais, para a consideração de uma forma como uma marca ou sistema de notação urbano. Atrelado à noção de superficialidade, perenidade e simulacro, o conceito distingue as superfícies projetadas para atuar como sinais ou mensagens urbanas, trasvestidas na prática pela sua representação como mensagem. A arquitetura de papelão conceitua as superfícies ligeiras e temporárias que se sobrepõem às peles dos edifícios, imagens que comunicam, simulam e decoram as superfícies da cidade. Baudrillard também afirma que a arte contemporânea transformou o seu desaparecimento, a sua

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autodestruição anunciada, em sua própria matéria mais comercializada, negociada em termos de prática. Tratada como performance na arte e informação na fachada urbana (transvestida da função simbólica) suas superfícies pretendem recuperar todas as dimensões conceituais de palco, a visibilidade, induzindo subliminarmente a lógica do consumo nas fachadas. Para o filósofo francês, surge uma espécie de visibilidade forçada, na qual a arte penetra no mesmo campo da mídia e publicidade, de modo que já não se distinguem os dois campos. O mesmo se pode dizer da arquitetura. A pele dos edifícios tornou-se publicitária no sentido mais literal, como outdoors urbanos, ou disfarçada, como as peles inteligentes que ganham certificações verdes no discurso (embora o edifício seja uma catástrofe ambiental em sua completude) para fomentar o consumo de um novo mercado 'verde' e altamente rentável. O que Baudrillard disse sobre as artes visuais pode se estender para as fachadas (na relação arquitetura-urbanismo), uma vez que se relacionam à lógica do consumo, não só do ponto de vista do funcionamento mercadológico (como commodities), mas igualmente da visão estética. E as massas entraram neste jogo, numa demanda imperceptível, mas ampliada pela proliferação do maciço e, como Venturi, Baudrillard e outros definiram, ao destino da banalidade. A hipótese mais radical de Baudrillard, descrita em seu livro De um Fragmento ao Outro(2003), é que tanto o pensamento quanto a imagem estão orientados para o destino de saturar, no caso do pensamento, o espaço do discurso, e no que se refere à imagem, o espaço visual. A noção da máscara sobre a pele está imbuída da aparência do novo, do rejuvenescimento e da ideia de que tudo que se acrescenta é melhor. Segundo Baudrillard, no entanto, ela instala a lógica

Fig. 117 – A fachada como máscara com alto valor de mercado. Superfícies inteligentes, verdes, digitais ou dezenas de outras manifestações físicas relacionadas a um discurso de mercado rentável. Tal como máscaras, a fachada é composta pelo acúmulo e sobreposição de camadas temporárias. (Fonte: o autor)

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de que “tudo o que se acrescenta anula o que precede”. De fato, apesar de temporária, o aplique da máscara não reforça a imagem original do edifício, nem a valoriza, mas a esconde da memória da cidade. A máscara por acumulação faz com que o gênio próprio da imagem seja apagado, dissimulado e quanto maior a adição das máscaras, maior a dissimulação e o distanciamento da realidade.

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6.1.2| AS FACHADAS-MÁSCARAS COMO SIMULACRO As máscaras como superfícies falsas colocam em evidência uma nova questão na paisagem urbana contemporânea: a problemática do simulacro. Essa noção apareceu em Collage City (ROWE; KOTTER, 1984), como proposta de uma mudança de valores na aparência da cidade, numa contracultura à monotonia da verdade. A negação aos pares, ‘a forma segue a função’ e a relação dialética entre o propósito e a sua concretização, cedeu lugar a uma postura em prol das simulações, na qual as coisas nunca seriam o que de fato aparentam, em um fenômeno de disfarces entre a essência e a aparência, o falso e o verdadeiro, o genuíno e a réplica, o original e o seu duplo. “É o universo da colagem, do curto-circuito entre qualquer coisa e sua representação, uma imersão no visual”. (BAUDRILLARD, 2003, p.65) Essa desestruturação do real entra na imediaticidade das coisas e de suas aparências. E a máscara torna-se um modelo de simulação efêmera, na qual o mundo nunca mais será real e original. Baudrillard afirma que “tudo está fadado à maldição da tela, a maldição do simulacro”, a uma nova ordem mundial cuja imagem é “disneycas”, não apenas do ponto de vista das cidades, mas também das relações humanas. E, segundo Nietzsche, “não se deve crer que a verdade permanece verdade quando se retira o véu” (NIETZSCHE apud BAUDRILLARD, 2011, p.67). De fato, as máscaras são um efeito do real, considerando-as pela via de simulação. No entanto, sua permanência, motivada pelo frenesi comercial, é colocada em questão quando Baudrillard se pergunta “quanto tempo durará esse ilusionismo, esse ocultismo: cem anos, duzentos anos?” (BAUDRILLARD, 2011). Apesar de Baudrillard abranger a questão da aparência em diversas áreas que

Simulacro s.m Representação fingida de um ato; imitação de um fato para exercício: simulacro de combate; vã representação, aparência sem realidade, exterior falso e fingido; imagem fac-símile. (Do lat. Simulacrum). Simular v.t. Fazer parecer real ( o que de si não é), fazendo que as atitudes, as coisas falsas se mostrem semelhantes às verdadeiras; fazer crer, aparentar: simular amizade; disfarçar, imitar, arremedar. (Do lat. Simulare)

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influenciam a sociedade, do ponto de vista da fachada, não se sabe exatamente a durabilidade dessa postura, mas os intervalos de tempo da transformação são ainda menores do que estimado por ele: de 15 a 25 anos e, em alguns casos, em pouco menos de 5 (cinco) anos! A motivação da mudança é fomentada não apenas pela troca individual da pele do edifício, mas por um evento externo que atua como “agente catalizador”, seja uma renovação na infraestrutura urbana no entorno, a transformação dos vizinhos ou um ato de ‘rejuvenescimento’ mercadológico. Afinal, numa disputa das aparências, na cidade do predomínio da imagem, as superfícies sobrepõem-se numa estratégia máxima de diferenciação, através do modelo visual de “tornar-se melhor que o seu exemplar anterior”. Paradoxalmente, a aplicação das máscaras sobre as fachadas e a sua velocidade de transformação aparentam ser ainda maior nos edifícios mais recentes. A lógica do retrofit como a solução para as superfícies danificadas tornou-se uma motivação secundária, frente ao ‘status’ visual de uma nova superfície na paisagem urbana. No Recreio dos Bandeirantes, por exemplo, um dos bairros mais recentes do Rio de Janeiro, do ponto de vista de consolidação urbana, a paisagem urbana muda continuamente não apenas através da construção da infraestrutura da cidade, mas nas transformações contínuas das peles de seus edifícios. O alargamento de uma via, a inauguração de um edifício institucional ou religioso ou a consolidação de uma nova área é suficiente para estimular a aplicação de máscaras nas superfícies das fachadas do entorno, seja para evitar o medo da obsolescência ou porque suas peles já foram concebidas para a “troca contínua de roupa”. Na Avenida Guignard, por exemplo, um condomínio de cinco blocos residenciais ganhou nova aparência após mais de 12 anos de interrupção das obras durante a construção. As “carcaças”

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abandonadas em fase de revestimento das fachadas, devido a um litígio judicial, finalmente estão sendo finalizadas, ainda que não acompanhem a aparência externa anterior. Em vez de completar os acabamentos que faltavam ou seguir o memorial descritivo do período de execução da obra, que previa o revestimento cerâmico em cores e formatos ainda existentes no mercado, os novos compradores resolveram alterar a aparência da fachada e desvinculá-la definitivamente da estética do abandono dos últimos anos. Quem nunca passou por esta rua do bairro, imagina ser um empreendimento novo, já que as fachadas “mascaram” a idade real do imóvel. Ainda na mesma rua, um edifício comercial com pouco mais de 15 anos também sofreu remodelação completa de suas fachadas. Porém, neste último caso, a nova máscara foi sobreposta à pele existente. Por trás dos painéis espelhados é possível visualizar as antigas esquadrias e a pele original do edifício. A transformação, motivada pela consolidação urbana da rua e o predomínio de uma aparência mais nova na vizinhança, foi acompanhada de uma valorização das salas comerciais, o que resultou numa ocupação maior do edifício e na facilidade de aluguel de suas unidades. A nova fachada renovou a sua visibilidade urbana e atraiu novas empresas para o seu interior. Essa rapidez na transformação das fachadas não é uma exclusividade do bairro, mas pode-se afirmar que nele se reproduz de modo mais veloz, porque as fachadas já são concebidas como peles, prontas para a aplicação de novos apliques, sem a preocupação com a descaracterização da paisagem urbana, já que ela existe motivada pelo acréscimo do novo. De modo mais modesto e sem a assinatura de grifes, as fachadas refletem a proliferação das imagens veiculadas pela mídia especializada, as revistas de arquitetura e a produção industrial atual.

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O interesse especial pelas texturas verticais urbanas (as fachadas dos edifícios), a exacerbação da pele, a decoração das superfícies eas fachadas temporárias das tecnologias virtuais movimentam um novo mercado de consumo da imagem, das simulações e simulacros acompanhados por uma grande indústria de painéis e componentes pré-fabricados.

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6.1.3| A APARÊNCIA DO CONSUMO: A MÁSCARA COMERCIAL Na paisagem comercial da Avenida das Américas no Recreio dos Bandeirantes, um bairro notadamente residencial no Rio de Janeiro, predominam as fachadas frontais tratadas como cenário, roupas ou maquiagem. A comparação feita entre fotografias recentes (julho de 2012) e imagens registradas pelo Google street um ano antes (julho de 2011) demonstra a rapidez da troca da pele frontal. Na verdade, esse período foi marcado pela urbanização desta importante via comercial (pavimentação, definição das vias de transporte coletivos e individuais, calçamento para pedestres, obras de infraestrutura e comunicação visual), acompanhada pela rápida renovação da superfície das fachadas. Projetado por Lúcio Costa, o plano urbanístico do bairro é caracterizado por loteamento em glebas, com terrenos com dimensões frontais entre 15 e 20 metros, edificações coladas nas divisas, com recuo frontal de 5 metros, taxa de ocupação no terreno de 50% e gabarito máximo de três pavimentos. O zoneamento destina o uso comercial para os terrenos com frente para a Avenida das Américas e em alguns pequenos centros comerciais distribuídos proporcionalmente pelo bairro. Apesar do seu caráter comercial, o desenho da avenida não é priorizado para o pedestre: faixas de ruas largas entre canteiros ajardinados e pouco arborizados, formatados para velocidade média de 70km/h, foram projetadas para circulação rápida de veículos automotores e transporte coletivo. Os eventuais transeuntes cruzam localizadamente a avenida ou andam pequenos trechos nas calçadas adjacentes aos edifícios.

Fig. 118 – A Avenida das Américas (Fonte: google maps).

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Nesse sentido, as fachadas como commodities justapõem-se em uma superfície linear contínua, uma pele comercial expansiva formatada para ser observada à distância, na velocidade rápida dos fluxos da avenida. A fachada junto à rua, desprendida das faces laterais do edifício, tornase uma tela relativamente bidimensional de propaganda, contínua, conformando uma unidade com as linhas de fachadas de outros edifícios, também 'geminados' de ambos os lados. A preocupação em se manter competitivo com os vizinhos traduz-se em peles mutáveis, sobrepostas em estruturas neutras que sobrevivem à sucessão de tatuagens, apliques ou cirurgias plásticas de ‘temas à frente’. As mensagens são diferentes, mas os métodos são os mesmos: a superficialidade da fachada como decoração aplicada, que descarta a reminiscência dos tempos de estabilidade entre forma e funções, agora transitórias, cujos programas podem mudar durante a própria construção. “As fachadas são efêmeras como a moda e atraentes como a publicidade que vende ilusões” (MACÊDO, 2007,p. 49). Na Avenida das Américas, a bidimensionalidade da fachada facilita a mudança da superfície em intervalos de tempo ainda menores. A fachada de um comércio para blindagem de veículos, ao lado da loja de móveis Dellano (igualmente uma tela 'plana' sobreposta ao edifício genérico), foi 'ajustada' para receber a marca Evivva Bertolini. Concorrentes do mesmo setor, do outro lado da via, a Criare ampliou verticalmente a sua fachada publicitária para equiparar-se, literalmente em altura, à loja Romanzza, sua concorrente imediata. Ambas as lojas Dinamicar de pneus e a marmoraria Realce substituíram seus letreiros publicitários em lona simples e investiram em uma aparência mais Figs 119 a 121 – antes e depois – fachada aplicada como face representativa.

'sofisticada' para o seu comércio. Enquanto isso, o galpão simples e ‘barato’, em fase de construção da madeireira Flaviense, foi totalmente encoberto pelo ‘cenário’ frontal finalizado. O mesmo ocorreu

123

ANTES

DEPOIS

RESTAURANTE MERCATO NERO

Fig. 122 – O desnível entre a fachada da Criare e Romanzza (Fonte: google street)

Fig. 123 – Complemento de fachada para equiparação das concorrentes.

Fig. 128 – O antigo galpão do mercado de frutas Bora Bora ...

Fig. 124 – O galpão em construção, independente da concepção da fachada

Fig. 125 – A fachada aplicada sobre o galpão ao fundo. (Fonte: flaviense.com.br)

Fig. 129 – A fachada do restaurante é um painel aplicado sobre 2/3 da testada do lote. Ao lado, o letreiro do hortifruti é ampliado para tornar-se mais visível.

Fig. 126 – Na loja Dinamicar, a fachada se resumia ao letreiro publicitário.

Fig. 127 – Fachada mais alta, alinhada às adjacências.

Fig. 130 – fachada parcial atual

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com a fachada do restaurante italiano Mercato Nero, que se sobrepõe a dois terços do antigo mercado de frutas Bora Bora, um galpão antigo e ‘barato’, que a partir de sua nova aparência, adquire status de restaurante 'badalado'. Ainda no Rio de Janeiro, estratégia semelhante é encontrada no Casa Shopping na Barra da Tijuca. A criação de um grande painel publicitário pelo artista Victor Hugo Cecatto, uma pele temporária, foi utilizada por aproximadamente dois anos como fachada do conjunto e, remetendo aos ícones urbanos e turísticos da cidade, escondia a fachada ‘antiga’ dos blocos internos. A pele externa somente foi removida após a renovação das fachadas frontais dos edifícios, através da aplicação de uma superfície espelhada. Na verdade, no intervalo de uma década o shopping já possuiu três peles como ‘imagens’ distintas e temporárias. Do mesmo modo, a fachada como máscara ou plug-in, também ‘renovou’ a aparência do Colégio Anglo-Americano, no mesmo bairro. Apesar do caráter propagandístico ser menos literal Figs. 131 e 132 – fachada do Casa Shopping de Victor Cecatto.( Fonte: vhd.com.br)

neste caso, a nova fachada remete a uma ‘inovação’ da própria imagem da escola, que se transformou em uma faculdade associada ao centro cultural de mesmo nome. As antigas janelas que remetem ao passado longínquo da instituição são escondidas por superfície que “supera e instaura um novo tempo” frente à cidade. Constituída de brises semitransparentes, a nova pele encobre as antigas janelas vistas à distância, enquanto os seus resquícios são visíveis com a proximidade do observador à fachada do edifício.

Fig. 133 – a fachada espelhada aplicada sobre os edifícios. (Fonte: google street)

Em palestra para o site TED, o arquiteto Bjarke Ingels, do escritório dinamarquês BIG,

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demonstrou a aplicação de máscaras no edifício MTN (Edifício Montanha), na fachada perfurada do embasamento desse conjunto residencial. Ao controlar a dimensão e profundidade dos furos, necessários para ocultar e ventilar simultaneamente a garagem, o arquiteto percebeu a composição de um padrão decorativo que adquiriu expressividade máxima com a aplicação de uma fotografia do Monte Everest. Apesar de a imagem se relacionar simbolicamente à inclinação do talude do conjunto, ela faz parte de uma estratégia propagandística que vende a aparência de 'ares de montanha', em um país notadamente plano e sem topografia. Além disso, a fachada de madeira dos apartamentos superiores, a coleta de água de chuvas e o sistema de irrigação automático contribuem para o crescimento de uma vegetação simulada 'no topo'. Apesar de não estar localizado em um lote com fachada frontal, o anteparo 'publicitário' está disposto de modo a se relacionar com a rua, em um ângulo de importante visualização urbana, cuja imagem foi dimensionada para ser observada à distância. Independente de suas especificidades, no entanto, todas elas estão fortemente vinculadas ao

Figs. 134 e 135 – a nova pele de material translúcido aplicado sobre a fachada existente. (Fonte: google street e o autor)

paradigma das transformações temporárias e tal como a pele e suas camadas, que podem ser cobertas, descobertas, tatuadas, plugadas ou maquiadas, as fachadas contemporâneas renovam-se em uma velocidade maior, como indivíduos que se recusam às ‘obsolescências da aparência’ e das marcas do tempo. Por fim, a casa de Frank Gehry, em Santa Mônica, pode ser considerada como síntese dos valores da fachada como máscara aplicada, já em 1978: a renovação rápida da aparência do imóvel e,

Fig. 136 – Superfície perfurada na garagem. (Fonte: TED.com)

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por consequência da cidade, a custos reduzidos; a instalação de uma segunda pele ou ‘máscara’ atribuindo à fachada pré-existente uma nova aparência; a perenidade dos materiais frente à estabilidade e permanência da pele tradicional; e o valor propagandístico de uma superfície que, apesar de residencial, foi concebida em contraste com a vizinhança, com valor atribuído de ‘marca’ de um arquiteto. A permanência dessa fachada nos últimos 35 anos talvez esteja mais fortemente vinculada ao status de ‘obra de arte’, que permitiu a manutenção dessa superfície ‘com aparência de Figs. 137 – ‘a montanha’ na superfície perfurada. (Fonte: BIG.com)

Fig. 138– a manutenção do antigo bangalô e a instalação de uma fachada ‘plug in’. (Fonte: greatbuildings.com)

descarte’, do que com o desejo do proprietário, que poderia renová-la a cada intervalo menor de tempo. Até quando cheguei à minha casa, onde o cliente era minha mulher. Nós compramos esse pequeno bangalô em Santa Mônica por 50 mil (dólares) e construí uma casa ao redor dele. E algumas pessoas ficaram entusiasmadas com isso. Estava visitando um artista, Michael Heizer, no meio do deserto perto de Las Vegas. Ele está construindo esse enorme lugar de concreto. Estávamos no meio do deserto, sozinhos, e ele disse à respeito de minha casa: “Já te ocorreu que se você construísse algo mais permanente, entre agora e daqui a 2000 anos, alguém há de gostar?" Então pensei – sim, isso provavelmente é uma boa ideia. Tive sorte e aos poucos comecei a ter clientes com um pouco mais de dinheiro, então o que eu fazia era um pouco mais permanente. Mas, descobri que o mundo não vai durar tanto tempo assim. Um cara estava nos falando outro dia. Então, para onde vamos agora? Voltamos a: tudo é tão temporário.

Conversa entre Frank Gehry e Richard Wurman, fev/2012 (Fonte: TED.com) Desse modo, as superfícies-cenário estabelecem o jogo de falsidades e aparências, e estendem-se por toda a paisagem da cidade, denunciadas por 'paredes cegas’, atrás de módulos de Fig. 139 – A nova pele sobreposta - Gehry House. (Fonte: greatbuildings.com)

esquadrias que simulam janelas ou cenários propagandísticos mutáveis, que constroem cidades cujas

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peles são apliques de imagens temporárias.

Fig. 140 – Supostas janelas para a rua...

Fig. 141 – As máscaras cobrem a fachada principal. Hostal La Buena Vida, México.

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6.1.4| AS MÁSCARAS RESIDENCIAIS A demanda pela estratégia das máscaras aparenta se enquadrar melhor às peles comerciais, motivadas pela necessidade publicitária de instigar ao consumo. No entanto, na contemporaneidade onde até as empenas cegas exibem-se como superfícies comerciais, a estratégia dos apliques ou ‘troca de roupa’ torna-se recorrente na paisagem urbana e engloba também as fachadas residenciais. Além de alguns exemplos icônicos anteriores, como a residência de Frank Gehry em Santa Mônica, ou o edifício residencial MTN, de Bjarke Ingels, o acréscimo de varandas sobre edifícios existentes, como elementos ‘plug and play’, constituem os casos mais recorrentes de máscaras residenciais. No Rio de Janeiro, a ideia de anexar varandas sobre as fachadas dos edifícios existentes partiu do escritório do arquiteto Hugo Hamann. Segundo ele, foi Lúcio Costa quem determinou a inclusão no Plano Urbanístico da Barra da Tijuca de que as varandas dos novos edifícios no bairro não fossem computadas como área de construção e sim como um “bônus” à área total edificada no terreno. Antes, as sacadas faziam parte dos cálculos do interior, de modo que era mais rentável construir um apartamento de 3 quartos do que outro com 2 quartos e varanda. A norma influenciou o aparecimento de edifícios com enormes varandas na Barra da Tijuca e despertou o interesse do mercado imobiliário, de tal modo que em 1976 houve a alteração da legislação para contemplar a inclusão das varandas em toda a cidade do Rio de Janeiro. Todos os edifícios poderiam ter varandas sob a condição de não ultrapassarem 20% da área útil e serem construídas em balanço, suspensas sobre o ar. Até então, as varandas eram executadas recuadas e pertencentes ao interior do edifício, mas esta última condicionante atribuiu a elas o status de pertencer às fachadas, ou seja, às

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superfícies verticais urbanas, uma espécie de outorga de uso sobre o espaço público (ou semipúblico) da cidade. A solução de adicionar as varandas aos edifícios existentes surgiu a partir da comparação entre fachadas do entorno, uma espécie de ‘estética da proximidade’ como definida por Ábalos e Herreros, na qual superfícies adjacentes conviviam no mesmo contexto urbano sob legislações diferentes. Numa estética de comparação, as fachadas mais recentes e avarandadas possuíam um apelo visual maior e, como consequência, uma valorização pela aparência. A argumentação de que os edifícios antigos também deveriam ser contemplados com a modificação da lei, foi responsável por uma autorização especial em 2003 adquirida na prefeitura pelo arquiteto Hugo Hamann, para a construção de varandas em um edifício no Leblon. Mais adiante, outro projeto foi aprovado em caráter especial, até que a Resolução 578 de 2005 autorizou este acréscimo em todo o município do Rio de Janeiro. O novo decreto argumenta a necessidade das varandas, para aproveitar “o clima da região da baixada da Guanabara que propicia a vida ao ar livre”, para manter o tradicional uso das varandas na cidade e as “melhorias ambientais e paisagísticas que elas promovem no espaço urbano carioca”, ou seja, a norma reconhece a fachada não apenas como um elemento arquitetônico, mas principalmente de valor urbanístico e inclui essa mudança como estratégia de renovação da paisagem da cidade. O discurso também reforça a valorização da aparência, da ligeireza das fachadas e da troca de pele ou aplicação de novas máscaras para “requalificar edificações vistas como obsoletas”, uma obsolescência no curto intervalo de tempo de duas décadas. Até então, a legislação vigente no Rio de Janeiro não exigia licença de obras para a alteração de fachadas em sua própria

Fig. 142 – Edifício na Rua Cupertino Durão, n. 135, no Leblon, foi o primeiro a receber as novas fachadas com varandas. A sequência de imagens ilustra a transformação da sua aparência. Acima, a superfície recuada contrasta com as varandas do vizinho. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

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superfície, mas também não contemplava nenhum acréscimo de área. O decreto foi necessário para legalizar uma demanda crescente que não possuía parâmetros oficiais para a sua execução. O primeiro edifício no Rio de Janeiro que investiu na construção de varandas, 27 anos depois de erguido, foi o número 135 da Rua Cupertino Durão. Em 2002, a partir da iniciativa dos moradores que procuraram o escritório de Hugo Hamann para projetar a ideia, um estudo inicial foi apresentado e o projeto aprovado (indispensável nessas situações) pelo Departamento de Edificações do Leblon. O resultado foi rapidamente noticiado na mídia de grande circulação, aumentando a visibilidade da transformação da fachada e o número de pessoas interessadas no assunto. Desde então, o escritório já elaborou mais de 300 estudos de viabilidade de inclusão de varandas, dentre os quais 30 já foram executados ou estão em fase de finalização. As requisições predominam nos bairros do Leblon, seguidos por Ipanema, Lagoa, Humaitá e uma exceção construída na Ilha do Governador. Porém, nemtodos podem fazer a intervenção por conta do recuo frontal ou dos custos da obra, que giram em torno de R$ 6.000,00 (seis mil reais) o metro quadrado. Em média, cada varanda significa um Fig. 143 – A estrutura é montada adjacente ao envelope externo da edificação, descarregando todo o peso no solo. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

investimento na ordem entre R$80.000,00 a R$ 120.000,00 (oitenta a cento e vinte mil reais), que variam em função das dimensões e das características estruturais das fundações. Na Avenida Atlântica em Copacabana, no entanto, a permanência das fachadas que caracterizam esse famoso cenário urbano se deve ao impedimento de aplicação da mesma lei das varandas, já que não existe recuo frontal. Cerca de 90% podem fazer apenas varandas de oitenta centímetros e, nestes casos, a relação entre o custo e o benefício não compensa. A troca de máscaras nas fachadas de Copacabana fica por conta, então, dos painéis pré-fabricados com espessura reduzida ou intervenções virtuais que

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podem se sobrepor no futuro às superfícies existentes. Inspiradas estruturalmente nas escadas externas de alguns edifícios nova-iorquinos, as varandas são concebidas como planos independentes da estrutura do edifício, sustentadas por pilares apoiados no solo, devido à impossibilidade de ancorá-las às vigas existentes. De acordo com a legislação, a seção dos pilares não pode ultrapassar 0,35 metros x 0,35 metros e o afastamento deve ser no máximo de 1 metro em relação ao plano da fachada existente. Em tese, uma varanda balanceada não pode ter pilares, mas eles tornam-se o ponto chave para viabilizar a modificação, já que a estrutura deve ser adjacente à existente para evitar a sobrecarga. A duração da ‘montagem’ é estimada em seis meses e executada quase em sua completude pela parte externa do edifício. Apenas na fase final de acabamentos, entre duas e três semanas antes do encerramento da obra, é instalado um tapume dentro de cada apartamento, a 1 metro da esquadria, para a compatibilização final. Segundo o próprio arquiteto, “não há sensação de aplique”, e do ponto de vista da cidade a aparência é como se a fachada sempre possuísse varandas. No entanto, o arquiteto e parceiro do escritório Sérgio Fagerlande complementa que no interior são construídos degraus para solucionar os problemas das vigas invertidas existentes na fachada antiga. Em geral, abaixo das janelas há no mínimo 20 centímetros de vigas em concreto que não podem ser quebradas, já que não há interferência na antiga estrutura da edificação. Ele afirma que em um único caso, no edifício número 186 da Rua Aníbal de Mendonça, houve intervenção na estrutura pré-existente como solução para uma viga invertida com 1 metro de altura exatamente nos limites da fachada. Mas, casos como estes são evitados porque os custos inviabilizam as construções, além de aumentar o tempo de execução

Fig. 144 – A nova máscara de varandas encobre completamente a fachada antiga e apaga a sua presença na cidade. A atual aparência não revela a idade real da edificação, já que ela se confunde com o padrão de revestimentos predominante nos novos edifícios da cidade. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

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da transformação. Apesar do degrau no interior da edificação, os moradores também se sentem satisfeitos com a transformação: além de significar um ganho em área, as varandas valorizam os imóveis em até 30%. De fato, Fagerlande explica que a procura por apartamentos aumenta com a modificação da fachada. Ele conta que um corretor imobiliário fez contato durante a construção das varandas para se informar se já havia equipe de vendas para as “novas unidades residenciais”. É comum muitos pedestres confundirem os edifícios, ao pensarem que são construções novas, afinal os proprietários também solicitam que os acabamentos (cores e revestimentos) sigam o ‘padrão’ mais consumido no momento: mármores e pastilhas brancas, esquadrias em alumínio na mesma cor e superfícies envidraçadas verdes. Novamente, a estética da proximidade (abordada por Ábalos e Herreros) e a comparação entre superfícies adjacentes, uma estética do consumo e status, ditam a estratégia e aparência das máscaras residenciais. Fig. 145 – A situação atual na avenida Delfim Moreira, número 920, no Leblon.

Apesar da Resolução 578 de 2005 sugerir que se “deverá levar em consideração a harmonia com a linguagem estilística da edificação existente, bem como o seu entorno”, na prática os proprietários desejam uma transformação que desvincule a fachada da aparência do passado. Fagerlande conta que as requisições pelo “padrão de mercado” são unânimes e não há desejo pela manutenção ou resgate da aparência anterior. Um elemento antigo somente é mantido para reduzir os custos de obra, como o caso do mármore branco que retornou recentemente como material de valor estético do mercado imobiliário. Em um estudo de viabilidade mais recente realizado pelo escritório de Hugo Hamann, o arquiteto Índio da Costa participou das reuniões de condomínio do

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edifício onde mora a mãe. Ele propôs a utilização de materiais como aço corten para alterar a superfície da fachada, mas a decisão ainda depende da aprovação por unanimidade dos demais proprietários. Atualmente, já se estuda a substituição para o percentual de 2/3 de votantes, segundo arbitra o código civil como quórum mínimo para outras decisões condominiais. Na prática, porém, se um dos condôminos rejeitar a proposta, o alto custo do investimento inviabiliza todo o conjunto. A alteração das fachadas é resultado de reuniões sucessivas entre os proprietários e arquitetos, no qual são apresentados estudos de viabilidade que contemplam as questões numéricas e os impactos estéticos da edificação. Do ponto de vista legal, apesar da legislação prever essa modificação, o prazo de aprovação dos projetos varia. Os casos são estudados individualmente e, devido às condições particulares e a legislação pouco precisa, o entendimento do órgão municipal não é padronizado em todos os casos. Como dado interessante, apesar da inclusão das varandas corresponder a um acréscimo de área não previsto originalmente, a prefeitura não exige a cobrança de uma contrapartida financeira, a maisvalia. O licenciamento possui taxas normais de aprovação, o aumento da área reflete no pagamento do IPTU anual do proprietário, e o habite-se, ou aceitação da obra, é simultaneamente coletivo e individualizado por unidade.

Fig. 146 - Montagem sobre foto existente permite aos proprietários compreender o projeto antes mesmo da execução. Material pertencente ao estudo de viabilidade da fachada apresentado pelos arquitetos para simular o resultado final. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann).

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Fig. 147 – Na Rua Aníbal de Mendonça, n. 156, em Ipanema, o edifício mais alto e mais recente que os vizinhos, com uma legislação que já permitia os gabaritos mais elevados, sofre uma nova transformação de sua fachada, aumentando ainda mais o aparente intervalo temporal entre eles. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 148 – A montagem de uma estrutura independente encobre a fachada existente (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 149 – A aparência contemporânea valoriza em 30% o custo do imóvel, cuja antiga ‘identidade’ desaparece da paisagem da cidade.

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Fig. 150 – Fachada do número 182, da Rua Maria Eugênia, no Humaitá, antes da inclusão das varandas. A imagem demonstra o recuo da edificação em relação à fachada adjacente com varandas. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 151 – A estrutura de sustentação possui fundações profundas, à frente da fachada original, mas respeitam o novo recuo permitido pela a legislação. Durante a execução, a pele antiga permanece intacta, vestida por uma nova camada de estrutura metálica. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 152 – Apesar do acréscimo de varandas não cobrir toda a fachada, os antigos materiais de revestimento são totalmente retirados. À esquerda, as janelas pré-existentes recebem novas peles e apagam as texturas antigas. As mudanças estendemse também para a renovação completa da fachada no térreo, o que altera a relação visual dessa superfície com a rua e o pedestre. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

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Fig. 153 – O número 13 da Rua Paulo Redfern, em Ipanema, antes da “máscara” de varandas. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 154 – Em uma fase intermediária, as lajes são sustentadas por vigas longitudinais, independentes da estrutura da fachada pré-existente, por um mecanismo simples de suporte do balanço. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 155 – A nova roupa finalizada altera a aparência da fachada do edifício, observada do ponto de vista da rua. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

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Fig. 156 – A fachada original na Avenida General Artigas número 97, no Leblon, possuía escultura aplicada sobre a pele como tatuagem. Na prática, ela constituía uma máscara para encobrir a caixas de ar condicionado. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 157 – A retirada da escultura evidencia os condicionadores de ar e já prepara a troca de revestimentos para receber a nova máscara sobre o edifício. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 158 – A nova fachada em fase de finalização, sem nenhuma referência à anterior. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

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Fig. 159 – A fachada original já possuía uma pequena sacada que foi incorporada à nova, no projeto de alteração. Não se trata, portanto, da criação de varandas como zona de transição entre o interior e exterior, mas na sua ampliação e a alteração do processo de “obsolescência” da aparência da fachada, de acordo com a descrição da resolução. Rua João Lira, n.50, Leblon. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 160 – A fase de revestimentos da estrutura metálica e finalização da nova máscara. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 161 – O surgimento de uma nova face na cidade. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

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Fig. 162– A fachada original do numero 300, na Avenida Delfim Moreira, Leblon, recuada em relação aos vizinhos adjacentes. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 163 – O processo de transformação das fachadas através da aplicação de estruturas metálicas como suporte das varandas (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

Fig. 164 – A nova fachada alterou completamente a relação do edifício com a cidade, em um processo de transformação progressiva das superfícies verticais urbanas. (Fonte: arquivo do arquiteto Hugo Hamann)

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Em síntese, a importância das varandas como zona de transição entre o espaço público e privado, a sua função na iluminação e ventilação do interior e a identidade cultural que adquiriu no Rio de Janeiro, não apenas em decorrência da legislação edilícia, mas da proximidade com o mar e da integração entre a natureza e o espaço urbano são inquestionáveis, mas não foram abordados neste estudo. Essa tese compreende o acréscimo de varandas como uma estratégia de máscara aplicada sobre a pele, como mudança de roupa das fachadas, que altera a relação visual e temporal dessas Fig. 165 – Em Santos, ao contrário do Rio de Janeiro, a legislação não definiu a sessão máxima dos pilares. Como consequência, o acréscimo de varandas no edifício Ronchamp foi construído em estrutura de concreto armado com pilares robustos, vigas bi apoiadas e sem balanço. Enquanto a estrutura metálica permite execução rápida, no intervalo de seis meses, no caso da de concreto o resultado demorou pouco mais de um ano. Esteticamente perdeu-se a ligeireza, rapidez de transformação características dos apliques e “máscaras contemporâneas”. Abaixo, o edifício após a transformação. (Fonte: google street view).

novas superfícies e a paisagem da cidade. Essa mudança destaca-se sob a lógica de uma estética do consumo, da tentativa de cobrir uma “obsolescência” no curto intervalo de tempo de poucas décadas, no descarte de uma aparência do passado e o seu rejuvenescimento como estratégia de valorização da superfície na paisagem da cidade.

Ela não pode ser compreendida como uma

estratégia de “retrofit”, uma vez que o processo de modernização não foi motivado por mudanças de funcionalidade do edifício, pelo estado de desgaste das fachadas ou comprometimento da segurança dos pedestres e moradores. Essa renovação se limita à superfície e tem como efeito a alteração estética e a valorização imediata dos imóveis, uma espécie de pequena vitrina para a cidade, completamente desconectada de uma proposta de renovação também do interior da edificação. Mais do que uma intervenção arquitetônica, o acréscimo das máscaras possui rebatimento urbano imediato. O acréscimo de varandas como uma máscara de renovação urbana não é novidade no Rio de Janeiro e teve outros exemplares em São Paulo. Em Santos, um dos mais valorizados edifícios da orla, construído em 1986, também aderiu à estratégia semelhante para renovação da fachada. Localizado

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no número 74 da Avenida Vicente de Carvalho, na Praia do Gonzaga, o desejo pela transformação da fachada do edifício Ronchamp surgiu em 2008 inspirado nos casos do Rio de Janeiro. A partir de consultoria com o escritório carioca, os arquitetos Celina e Daniel Proença elaboraram o projeto de inclusão de varandas com dimensões de 12,5 metros de comprimento e 2,5 de largura. Para Celina, a intervenção “cai como um banho de loja no edifício antigo. Ficará mais moderno. Ele irá rejuvenescer pelo menos uns 15 anos” (Jornal Tribuna de Santos, 12 de agosto de 2010). O secretário municipal de infraestrutura, em entrevista para o Jornal Tribuna de Santos, também se mostra um entusiasta dessa estratégia e a vê como uma “tendência” para valorizar o imóvel, agregar valor à fachada e ainda melhorar a aparência da cidade. O acréscimo de varandas também dependeu de uma mudança em 2008 na Lei 312/98, que rege o Uso e Ocupação do Solo, complementar ao Plano Diretor. O mais interessante é que todos atribuem a essa mudança a possibilidade de renovação da aparência do edifício, “obsoleta” em pouco mais de duas décadas. A fachada é vista como uma superfície de valorização urbana, cuja aparência constrói a imagem da cidade. Marcos Teixeira, presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Santos, ao citar que em Guarujá todas as fachadas possuem varanda, indica que a aparência das fachadas constitui um elemento estratégico na competição turística entre as duas cidades. Neste caso, as máscaras atuam como commodities para renovar a estética urbana e movimentar, inclusive, a economia de uma cidade, adequando-as aos novos padrões de consumo visual.

Fig. 166 – A robustez dos pilares no térreo, avançados em relação ao plano original da fachada, reduz a percepção da varanda como um aplique sobre a superfície existente do edifício. A transformação assemelha-se mais a um acréscimo de área de construção do que uma mudança visual da face do edifício. A ligeireza, planaridade, superficialidade perdem-se no método construtivo. No entanto, segundo os arquitetos, a motivação é visual. (Fonte: www.juicysantos.com.br)

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2 Em junho de 2008 o presidente francês Nicolas Sarkozy convocou 10 equipes interdisciplinares para propor estratégias de intervenções futuras para a Paris do século XXI, especialmente nas décadas de 2020 e 2030. A proposta de renovação metropolitana da equipe de Jean Nouvel, Michel CantalDupart e Jean-Marie Duthilleul utiliza os apliques, máscaras e texturas sobre as fachadas como estratégias factíveis para a transformação visual da cidade.

6.1.5| AS MÁSCARAS URBANAS No concurso Le Grand Paris2 em 2008, a equipe formada por Jean Nouvel, Michel CantalDupart e Jean-Marie Duthilleul propõe a aplicação de máscaras sobre as fachadas como estratégia de renovação de contextos urbanos mais amplos. Em entrevistas e vídeos de divulgação sobre o projeto, Jean Nouvel destaca a grande aplicabilidade da proposta, ao contrário de planos teóricos que não apresentam um rebatimento direto sobre a cidade. Segundo o arquiteto, uma transformação real em Paris não pode ser motivada simplesmente por arquitetos ou por questões estilísticas, mas pela experiência da mudança na própria vida dos parisienses: If we really want Paris to change, if we’re ready to accept the conditions of this change, the measures taken must concern everybody. It can’t be simply a change for architects or style. All Parisians must experience the changes in their lives. All the banal buildings, and there are plenty, can be completely transformed with additions, superposing, covering, transparence or decoration which create something, which brings textures and a new kind of harmony to Paris and those areas that are perceived badly. We’re changing both living conditions and image.

(entrevista em Cité Architecture. Disponível em www.dailymotion.com) As imagens ilustram adições de varandas, mudanças de texturas e todo tipo de aplicações sobre a pele dos edifícios, verdadeiras máscaras que encobrem a aparência precedente. Os estudos defendem a transformação nas superfícies edificadas como estratégia de renovação urbana e a tradicional intervenção nos espaços livres-públicos ou no sistema de transportes aparecem em segundo plano, encobertos pela lógica numérica do problema da mobilidade nas grandes Figs. 167 e 168 – Imagens antes e depois.

metrópoles. Jean Nouvel destaca a dificuldade de percepção visual como um dos grandes problemas das próximas décadas e relaciona a qualidade visual das fachadas diretamente com a qualidade de

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vida da população. Em seu projeto, as peles dos edifícios tornam-se grandes superfícies verticais urbanas. Nesse sentido, a “decoração” na cidade contemporânea, como abordada anteriormente na revisão de literatura, deixa de constituir um elemento pejorativo, banal e desnecessário, para ser reconhecido como meio de expressividade e variedade das superfícies. É a emergência de uma cultura das aparências, na qual a percepção visual e mudança da imagem trazem como valor agregado também a qualificação e valorização mais ampla do espaço da cidade. A cultura das máscaras encobre o antigo e “banal”, maquia aparências e cria imagens de superfícies ilusórias, simulando a presença de cenários urbanos ainda não existentes. Se antes a fachada constituía uma mediação entre o interior e exterior de um edifício, a face mais visível da edificação, hoje se prolifera como superfície que não informa o interior, constitui uma textura concebida para ser observada de fora, uma exterioridade que não possui o “outro lado” porque ele simplesmente “não existe” para a cidade. Na Leipziger Platz em Berlim, por exemplo, não existe o “o outro lado” da superfície, já que as supostas fachadas são superfícies-cenários, simulacros de uma realidade que apenas existe no âmbito da imagem. Na prática, são terrenos vazios adjacentes a uma praça, cujo traçado geométrico rigoroso é reforçado pela presença das superfícies verticais falsas, que simulam futuros lançamentos imobiliários. Sem elas, perder-se-ia a perspectiva monumental do eixo viário e a percepção visual da consolidação urbana de uma área que abriga o importante Sony Center Berlin e outros espaços que refletem o capitalismo e consumo da cidade ocidental. Segundo Baudrillard, a contemporaneidade é

Figs. 169 e 170 – Exemplos de renovação urbana a partir da intervenção nas fachadas. (Fonte: entrevista para o site oficial do concurso Le Grand Paris).

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o momento em que a imagem ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no hiperespaço do nem verdadeiro nem falso, mas da credibilidade instantânea. A imagem transmite não apenas uma mensagem, mas preenche literalmente o vazio físico de algo que nem mesmo existe; “a profundidade não é mais física, mas cerebral” (SCOFFIER in: OLIVEIRA et al., 2009, P. 198). Em Glasgow, Escócia, a principal praça também se utiliza do mesmo artifício para a Fig. 171 – Vista aérea da praça Leipziger e os vazios existentes. Imagem de 05 de abril de 2006. (Fonte: Google maps)

manutenção da imagem da cidade. Datada de 1781, ela abriga os principais edifícios cívicos de uma municipalidade escocesa (a prefeitura, os correios, a câmara do comércio) e possui o seu traçado retangular reforçado pela presença desses marcos visuais. Desde 2007, no entanto, uma das superfícies está estampada por um painel publicitário sobre pintura que simula uma transparência da fachada centenária inexistente, já que, na prática, o terreno é um espaço vazio preparado para receber um novo empreendimento comercial. A superfície-simulacro cumpre a função de antecipar a fachada final, evitar o vazio da imagem e reforçar a identidade cívica da praça. Se por um lado as falsas fachadas evitam o vazio da imagem e antecipam uma realidade que ainda não existe, por outro, escondem as aparências “indesejáveis” na cena urbana. No contexto brasileiro, mais precisamente no Rio de Janeiro, superfícies lineares translúcidas estendem-se por quilômetros ao longo das principais vias de acesso ao município (Linhas Amarela e Vermelha) revestidas “oficialmente” pela função de “barreiras acústicas” como separação entre as favelas adjacentes e as vias. Porém, na prática, elas atuam como verdadeiras máscaras que encobrem a

Figs. 172 e 173 – Painéis simulam falsas fachadas. Janelas e portas como cenários. (Fonte: google street view)

realidade que se deseja camuflar na cidade. Não se mensurou exatamente a redução da poluição sonora para as comunidades de residentes, mas do ponto de vista visual, da observação da cidade,

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elas atuam como verdadeiras máscaras sobre a pele urbana: sua colocação é imediata, a materialidade é temporária, não possuem profundidade física, são ligeiras, descartáveis, criam novas aparências, literalmente de “fachada”. Compostas de estrutura em acrílico, painéis de aço, muros de concreto e placas forradas com isopor, o projeto custou mais de vinte milhões de reais e foi financiado em parte pela concessionária LAMSA, que possui a concessão da Linha Amarela. Localizadas especialmente nas áreas de favelas, elas possuem ilustrações de artistas que vivem nas comunidades, como uma contrapartida social de valorização do produto local. Na prática, os desenhos são voltados para a via, invertidos para a comunidade, que está às costas dos painéis: como

Fig. 174 – À distância, a máscara temporária se comporta como as superfícies de fachadas vizinhas. (Fonte: google street view)

uma tela, não existe o outro lado da fachada, e esse coincide com a favela. Numa sociedade do consumo, da imediaticidade do visual e do embate entre o real e virtual, no qual a realidade não é mais palpável e concreta, mas um subproduto das aparências (a lógica de que se “eu vejo, logo ele existe”), as máscaras se propõem, construindo uma realidade urbana a partir das superfícies. A estratégia de renovação imediata das máscaras extrapola os edifícios e atinge a escala da cidade.

Fig. 175 – Na George Square, em Glasgow, painel translúcido atua como fachada temporária para preservar a identidade desse importante centro cívico. (Fonte: google street view)

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Fig. 176 – O painel translúcido possui janelas impressas que simulam as características estilísticas da aparência predominante na praça. No interior, ainda o espaço vazio em construção. (Fonte: google street view)

Fig. 177 – Desenhos elaborados por artistas das comunidades transmitem a produção do que está por trás dessas máscaras, mas eles “dão as costas” para o outro lado; são apenas “aparência”. (Fonte: do autor)

Fig. 178 – Painéis na Linha Amarela como máscaras urbanas. (Foto: do autor)

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Fig. 179 - quadrinhos “Tatoo you” de Diogo Salles (blog.estadao.com.br)

A SUPERFÍCIE (IN)DIFERENTE

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6.2| A SUPERFÍCIE INDIFERENTE Uma obra que não tem forma, que não se preocupa com a distribuição dos pesos nem com os percursos, nem com a sombra, somente dedica-se a assombrar, a ignorar a gravidade. Sua imagem é exibida inabitável, um espaço impossível de reflexos. (…) Nada indica que é habitável, não há portas, janelas, beiral, tudo isso que diferencia a arquitetura de uma escultura ou um monumento. Inquieta a metade da quadra, não ampara, surpreende. É contextualizada em qualquer meio, despreza o conceito de lugar, ainda que viva neste, o consome, poderia estar em qualquer parte, em Veneza, em Nova York, em uma favela, e sempre estará narrando de outra maneira o que acontece ao redor para dizer outra coisa, não o que é e o que acontece em seu interior, nem sua história, mas dizer de onde vem. A arquitetura sempre diz em sua linguagem quem é: sou uma casa, um edifício, uma prisão, uma escola, etc. Esta obra interpreta o que sucede ao seu redor de outra maneira, e vê como isto a transforma… Não copia a realidade (...), zomba dela.

O texto do arquiteto argentino Rafael Iglesias, elucidativo sobre a fachada que idealizou para a clínica de fertilização em Rosário, poderia descrever dezenas de superfícies urbanas que emergem indiferentes ao seu contexto. Completamente 'mudas' em relação à cidade, elas não estabelecem nenhum diálogo com o entorno, nem ao menos divulgam a atividade realizada em seu interior. Ao contrário das máscaras com aparências temporárias de valor comercial, publicitário ou simbólico, que emitem mensagens, comunicam-se com o entorno e criam realidades-simulacro, existem outras superfícies completamente indiferentes e insensíveis a sua vizinhança. Na verdade, se por um lado essa multiplicação de máscaras “renova” a aparência da cidade em pequenos intervalos de tempo, por outro, na ordem simbólica e conceitual da cidade, equivale a uma subtração e perda, já que “tudo o que é reproduzível ao infinito só pode ser de baixíssima resolução” (BAUDRILLARD, 2011). Segundo

Indiferente adj. Que mostra indiferença; que não é contra nem a favor, nem bom nem mau; que não apresenta motivo de preferência; que não se importa; apático; que esfriou relações de amizade com alguém; desinteressado. (Quim.) Que não tem tendência para se combinar com outro (corpo). s.m e f. Pessoa indiferente (Do lat.: indiferentia) Indiferença s.f Estado ou qualidade de indiferente; falta de cuidado, interesse, zelo, diligência; desprendimento; desdém; negligencia; apatia; insensibilidade moral; (Fis.) Que por si não tende para o repouso nem para o movimento (equilíbrio); (Quím) estado de um corpo que não tem tendência a combinar-se com outro.

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Baudrillard, a sua proliferação somente seria positiva em um sistema de acumulação, mas no mundo onde tudo é convertido em aparência, deixa de haver a imagem como ilusão, exceção e singularidade, uma verdadeira “crise da imagem”. Retomando a metáfora da pele, do mesmo modo que a proliferação da tatuagem no corpo perdeu progressivamente o seu estereótipo transgressor, como estratégia máxima de diferenciação, as superfícies neutrais e indiferentes das fachadas destacam-se na cidade, em oposição à ênfase nas superfícies decoradas das fachadas contemporâneas. Como um mecanismo de ‘tatuagem ao revés’, essas superfícies apáticas e indiferentes constituem uma quebra nas fachadas super sensibilizadas e comunicativas, como estratégia de indiferença e, principalmente, destaque urbano máximo através da diferenciação. Fig. 181 – Espaço Tim UFMG do Conhecimento em Belo Horizonte. (Fonte: o autor)

Segundo IBELINGS (1998), essa aparência neutral e indiferente é uma estratégia típica da globalização contemporânea, na qual as obras são espalhadas por cidades em distintas latitudes, num processo de simplificação de quem não quer competir com diferentes contextos nos quais se implantam; a conveniência de uma aparência globalizada, “mas de uma convicta renúncia a uma destacada presença urbana” (BAHIA, 2004). Por outro lado, essa indisposição de dialogar com o local, segundo ÁBALOS e HERREROS (1998), constitui a estratégia máxima de diferenciação, à semelhança das superfícies de sedução. As fachadas neutrais impõem-se no contexto urbano pelo estranhamento. Este estranhamento convida às leituras não literais, à descoberta de uma mensagem codificada nas opacidades e incertezas.

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Se por um lado, há a proliferação de estratégias imagéticas e informacionais na pele dos edifícios, à primeira vista, a fachada indiferente é uma atitude crítica, uma posição não conformista e de resistência a uma cultura do trivial, que não constrói o conjunto da paisagem urbana, mas constitui simplesmente uma experiência da ausência. “Distribuímos generosamente o direito à diferença, mas, em segredo e, desta vez, de modo inexorável, trabalhamos para construir um mundo exangue e indiferenciado.” (BAUDRILLARD, 1997, p.24). A fachada indiferente rompe a totalização das máscaras que emitem mensagens propagandísticas ou simbólicas, através de uma estratégia que aparentemente funciona segundo a mesma regra (que mascara), mas que conceitualmente lhe é oposta. É a forma de atacar o sistema em sua própria lógica. Utilizando a distinção de Baudrillard entre o fractal e o fragmento descrita em seu livro Fragmentos, é possível criar um paralelo semelhante entre a máscara-simulacro e a fachada indiferente. Ambas possuem semelhanças: nenhuma participa do conjunto do real, da “verdade” e do propósito da superfície. No entanto, o fractal é uma espécie de proliferação, réplica, na qual cada elemento não cria um vazio à sua volta. Há uma noção de contiguidade, continuidade, pertencimento a um conjunto de semelhantes. O fragmento, por sua vez, institui as singularidades, o vazio e o branco ao redor. O fractal se abre em todas as direções, enquanto o fragmento se fecha. O fractal está para a máscara-simulacro, assim como a superfície indiferente constitui o fragmento. Parafraseando Derrida, em seu artigo “Point de folie – Maintenant L’architecture”, de 1986, as máscaras publicitárias geram atração, enquanto a superfície indiferente significa “interrupção, interferência e diferença: uma relação sem relação” (DERRIDA, 1986 in: HAYS, 2000, p.569).

Fig. 182 – Espaço Tim UFMG do Conhecimento, ao lado do edifício da antiga Secretaria de Educação, atualmente Museu das Minas e do Metal (projeto de Paulo Mendes da Rocha que preservou a fachada existente). Apesar de estarem no mesmo alinhamento, a superfície ‘lisa’ do Espaço TIM contrasta e se destaca na paisagem da Praça da Liberdade, na capital mineira. (Fonte: o autor)

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A estratégia de nulidade da pele foi adotada recentemente pelo shopping São Conrado Fashion Mall, em São Conrado, bairro do Rio de Janeiro; em oposição à fachada anterior comunicativa que revelava com detalhes a atividade do edifício. Desde a sua inauguração em 1982, a superfície da fachada era coberta por letreiros que informavam a programação dos cinemas, vitrines transparentes que expunham diretamente para a cidade o movimento de algumas lojas, além de diversas campanhas publicitárias que renderam ao edifício o nome informal de “outdoor mall”. No entanto, contrariando a vocação propagandística da fachada anterior, uma nova superfície foi instalada completamente indiferente à função do interior e de sua visibilidade urbana. Caracterizada por placas de mármore e painéis metálicos, a opacidade e mudez da superfície contrastam com a função propagandística da fachada que consolidou a imagem do shopping nas últimas décadas. A escolha dos materiais e cores sóbrias faz parte da estratégia de sofisticação adotada pela administração para renovar a imagem do shopping, mas, na prática, há pessoas que não se “identificam” ou não se Fig. 183 – esquema do autor

agradam da nova superfície, já que uma espécie de “vazio” conceitual foi instalado na paisagem linear da Estrada Lagoa-Barra. Alguns cartazes publicitários e informativos sobre a programação do cinema apareceram discretamente como ruptura à neutralidade da superfície. James Howard Kunstler, em sua conferência para o TED, questiona que tipo de mensagens essas superfícies insensíveis emitem na paisagem urbana, os seus 'vocabulários gramaticais' e como elas nos informam onde estamos. Considerando as fachadas como conformadores dos espaços públicos, ele relaciona o uso da rua ao potencial comunicativo dessas superfícies com os pedestres e, sendo

Fig. 184 – A fachada publicitária do shopping antes (Fonte: google maps).

elas mudas e silenciosas, o rebatimento imediato na cidade é a constituição de áreas igualmente

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silenciosas e pouco convidativas; calçadas vazias e inseguras como reflexo imediato das superfícies verticais ‘lisas’ e austeras. Uma aparência de ‘clausura’ e separação completa do espaço da rua. No entanto, trasvesti da de uma estratégia máxima de diferenciação como ataque às superfícies publicitárias e comunicativas, a indiferença constitui, na prática, um reforço da mesma estratégia das fachadas-simulacros: o destaque do neutral e indiferente no contexto urbano; o excesso de indiferença como estratégia máxima de diferenciação. Fig. 186 – A antiga fachada, à esquerda, como grande superfície expansiva publicitária ao longo da principal via do bairro. (Fonte: google maps, agosto de 2011).

Fig. 185 – Perspectiva ilustrativa da nova fachada e a ausência de informações sobre a atividade do interior. Uma nova “cobertura” sobre a fachada existente com função “neutral” e silenciosa na paisagem. (Fonte: www.patriciabrandao.com).

Fig. 187 – Slide de James Kustler demonstrando a presença na cidade de superfícies indiferentes. “A mensagem é: estamos pouco nos lixando! Não estamos nem aí”. (Fonte: TED.com)

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Fig. 188 - Claes Oldenburg, 1972

AS SUPERFÍCIES DE SEDUÇÃO URBANA

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6.3| AS SUPERFÍCIES DE SEDUÇÃO URBANA A superfície é domada – é partida e vai sendo dobrada. (Amilcar de Castro) Se as fachadas que atuam como máscaras com caráter propagandístico ou, por oposição, indiferentes, constituem estratégias de diferenciação na paisagem contemporânea, são nas superfícies de sedução urbana e suas peles flexionadas que a competição por imagens mais atraentes induzem à máxima fascinação. Apresentadas na cidade como fachadas para contemplação, elas constituem símbolos especiais na paisagem contemporânea, ícones urbanos com capacidade de revitalizar e renovar

Seduzir v.t. Cativar, atrair, deslumbrar, fascinar, arrebatar, encantar, influir sobre a imaginação de. Fazer apartar do bom caminho, usando artifícios, iludindo, dizendo boas palavras; levar à prática de atos censuráveis ou contrários à virtude; corromper por meio de ardis; enganar empregando razões tentadoras; iludir com astúcia. (Do lat.: seducere = levar para o lado). Sedução s.f. Ato ou efeito de seduzir ou ser seduzido; atrativo das coisas o qual seduz a vista ou a imaginação; atrativo irresistível; objeto que seduz. (Fig.) Encanto, beleza de formas ou de estilo, que prende a atenção geral. (Do lat. seductio, onus).

setores da cidade ‘por contaminação’, a partir da estratégia visual de contrastes. Apesar de se destacarem como objetos, a tese se concentra em suas superfícies, texturas e geometrias que tecem padrões visuais variados. Utilizando a expressão “heroica e original” por Venturi, Scott Brown e Izenour (1977) para descrever a expressividade dos edifícios modernos em contraposição “ao feio e banal”, que originou a teoria de oposições entre o “pato” e “o galpão decorado”, pode ser mais bem empregada hoje para definir o fetiche das superfícies superlativas contemporâneas, inauguradas ‘oficialmente’ a partir da estratégia bem-sucedida do Museu Guggenheim de Bilbao (1997). Atuando também como commodities na cultura de consumo, adquiriram o status publicitário vinculado às cidades, como instrumento de rivalidade em escala urbana (e global). No entanto, diferenciam-se das máscaras porque não envelopam edifícios “banais” e não constituem estratégias de renovação ou maquiagem na escala do edifício. Paradoxalmente possuem as qualidades da

Fig. 190 – As opacidades, reflexões e texturas das superfícies do Museu Guggenheim de Bilbao. (Fonte: archdaily)

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fachada contemporânea, mas são feitas para durar: verdadeiros monumentos urbanos, cuja assinatura e “originalidade” de suas superfícies não aceitam máscaras ou correções que “desfigurem” sua identidade. Concebidas “para serem vistas de fora”, têm como objetivo principal demonstrar que são diferentes de tudo o que está ao seu redor e, por consequência, contagiar o entorno e transformá-lo; antecedem traçados urbanos e atuam como catalizadores, criando novas dinâmicas na cidade por contaminação. O Walt Disney Concert Hall, por exemplo, destoa das torres de escritórios no coração da cidade de Los Angeles. Como uma pequena versão do Museu Bilbao, também de Frank Gehry, suas Fig. 191 – A implantação do edifício no terreno, além da sua superfície, destoa das torres em primeiro plano na imagem do Google Maps. (Fonte: google earth)

superfícies com geometria complexa, diferenciam-se das torres prismáticas que definem a paisagem de negócios da cidade, destacando-se como o “evento” arquitetônico, inserido na rota turística que parte de Hollywood. Um verdadeiro exemplo de profusão e superlativação da superfície. Apesar da recorrência da planaridade e perda de espessura da fachada contemporânea, as superfícies de sedução constituem uma resistência à superficialidade da pele bidimensional. O português Marcos Cruz, em sua tese de doutorado “O Corpo Habitável da Arquitetura”, defendida na universidade de Bartlett, em Londres, opõe-se à metáfora da pele e defende a ideia da “flesh”. Segundo ele, a analogia das fachadas à pele plana, sem espessura e profundidade, resulta numa arquitetura de quatro faces cobertas por uma pele bonita, que nada mais é do que uma membrana

Fig. 192 – A profusão da superfície como um marco visual na cidade. (Fonte: o autor)

superficial, fria e indiferente. Como contraproposta ele propõe um envolvimento mais intenso com a superfície, paredes de látex, que permitiriam as pessoas sentarem e interagirem com essa pele

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hipersensível. “Vestir a superfície como um ato literal” (COELHO, 2009). Na prática, suas ideias são materializadas através de superfícies cheias, maleáveis, mutantes, viscosas e viscerais. Não há lugar para o branco da arquitetura portuguesa de Álvaro Siza, nem as linhas puras e superfícies simples. Cercado por inúmeras imagens produzidas com materiais maleáveis, as maquetes em látex causavam estranhamento durante a pesquisa, mas não era o lado estético que interessava e sim a experimentação dos materiais e das relações resultantes a partir deles, “um corpo deformado, bizarro, com uma pele porosa” (CRUZ in COELHO, 2009). No entanto, ele reconhece que há poucas oportunidades de experimentar a sua arquitetura e destacou a sua participação no projeto do Kunsthaus, em Graz, em 2003, também reconhecido como “friendly Alien”, um projeto de Peter Cook e Colin Fournier do qual fez parte na fase do concurso. A cobertura em acrílico mediatizada, que cobre uma membrana de borracha, foi projetada originalmente para ser móvel e flexível, mas posteriormente foi adaptada às tecnologias existentes. O mesmo aconteceu com o Pavilhão da Feira

Fig. 193 – A contraposição conceitual entre pele e flesh, reflete-se diretamente em seus projetos. 2º Lugar no Concurso de Projetos para um Centro Comercial no Cairo, Egito. (Fonte: marcoscruzarchitect.blogspot.com.br)

do Livro, projetado por Marcos Cruz e o arquiteto Marjan Colleti. Ambos iniciaram um projeto mais complexo e ambicioso, que sofreu adaptação para se enquadrar ao orçamento reduzido: 500 mil euros para viabilizar o custo total da feira. O resultado foi um edifício vermelho, escultural, assimétrico e impactante do ponto de vista da paisagem, capaz de ser percebido a grandes distâncias, mas longe de ser um exemplar da “flesh” defendida por ele. A proposta para o concurso do novo Museu Tomihiro também ousa plasticamente. Com forma semelhante a uma gaita de fole, ele possui poros que funcionam como bolsos para as exposições. Espaços comunitários externos tornam-se internos, “contaminando” o interior da edificação, similar às vísceras e estruturas internas do corpo

Fig. 194 – Kunsthaus www.archithings.com)

Graz.

(Fonte:

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humano. As imagens são perspectivas ilustrativas de um projeto que ainda não saiu do papel. Na verdade, apesar da discussão a respeito da plástica e definições estéticas, os projetos constituem soluções de superfícies que se propõem ao destaque urbano máximo, como exemplares únicos nos contextos em que se inserem. O escritório americano NOX compartilha da mesma rejeição à simplicidade formal das superfícies prismáticas e da materialidade previsível. Eles defendem a força de expressão como Fig. 195 – Redução da complexidade da superfície para se adequar ao custo global disponível para o projeto. Pavilhão da Feira do Livro, Lisboa, 2005. (Fonte: marcoscruzarchitect.blogspot.com.br)

necessidade nas cidades contemporâneas. Como consequência, sua estética escultural e “heroica”, parafraseando Venturi e Scott Brown, visa o destaque urbano e o potencial de atração máximo do visitante. Suas superfícies inovam pela materialidade física, as tecnologias empregadas e as superfícies sedutoras do ponto de vista do exterior. Na verdade, “o pato” definido em Aprendendo com Las Vegas seria muito melhor empregado como caracterização das superfícies de sedução urbana: expressividade (ornamento expressivo, expressionismo integral), inovação, arte elevada, revolucionário, criativo, único, original, heroico, bonito (ou pelo menos unificado em tudo), coerente, tecnologicamente avançado, com tendência à megaestrutura e ao custo (“parece caro”). De fato, essas superfícies reúnem todas as características que as tornam singulares no contexto da cidade. Seu envelope exterior não admite, nem mesmo, a aplicação de máscaras que signifiquem desfigurações da pele. Sua superfície provavelmente permanecerá “congelada” e museificada na cidade, como reverência à sua aparência icônica.

Fig. 196 – Son-O-House, projeto de escultura/arte pública interativa projetada para Breugel, Holanda, em 2004. (Fonte: www.nox-art-architecture.com).

Urbanisticamente, elas surgem como aparências “a priori” para publicitar a renovação ou investimentos urbanos na área em que estão situadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Cidade das

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Artes, de Christian de Portzamparc, iniciada em setembro de 2003, na Barra da Tijuca, motivou a completa reestruturação das vias adjacentes para evitar o conflito do tráfego intenso de veículos e os acessos ao edifício. O desmonte de parte de um aterro existente, a criação de duas vias subterrâneas, com duas pistas cada uma, a alteração do traçado da Avenida das Américas no trecho, além de outras obras de pavimentação somam-se à construção da casa de concertos carioca. Na zona portuária, o Museu do Amanhã, de autoria do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, o Aquário de Alcides Horácio Azevedo Arquitetos Associados e o MAR, Museu de Arte do Rio, de Bernardo Jacobsen, são

Fig. 197 – A Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Projeto de Portzamparc. (Fonte: www.portzamparc.com)

celebrados no projeto de revitalização Porto Maravilha. Mais do que a atenção concentrada no objeto, é na superfície de cobertura desse novo edifício que a sinuosidade das ondas do mar, que a imagem do projeto ganha a força da expressão; na superfície reside a identidade do objeto. Na Avenida Atlântica, em Copacabana, outro ponto privilegiado da paisagem carioca, o Museu da Imagem e do Som (MIS), de autoria do escritório americano DillerScofidio + Renfro, emerge progressivamente em fase de construção para abrigar o acervo musical da cidade. Sua imagem é constituída por uma superfície sinuosa e contínua, cujo fator gerador conceitual é o padrão

Fig. 198 – O Museu do Amanhã, de Santiago Calatrava. (Fonte: www.arcoweb. com).

decorativo das calçadas do bairro. A disseminação das superfícies de sedução como estratégia global amplia em centenas os casos que poderiam ser citados para ilustrar essa argumentação. No entanto, mais importante do que a aparência física e particularidades de cada projeto é a constatação de sua recorrência como elemento de atração visual nas cidades. Como objetos, elas se destacam na paisagem, mas em suas superfícies elas ganham a potência e a singularidade da ilusão.

Fig. 199 – O MAR, de Bernado Jacobsen. (Fonte: www.jacobsenarquitetura. com.br)

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Segundo SOLÀ-MORALES, “essas arquiteturas brilhantes”, sedutoras e atraentes falam mais sobre a cidade do que aparentemente previam os seus autores. “São como episódios de emoção perdidos no magma cinza da produção comum.” Como resultado do individualismo próprio da cultura da imagem, constituem exemplares de uma luta competitiva para alcançar uma posição mais destacada e atrair a atenção exclusiva. No entanto, funcionam melhor como estratégia do fragmento, já que a cidade dificilmente poderia suportar a concentração de “experiências sublimes, carregadas de mensagens potentes e hedonistas” (SOLÀ-MORALES, 2002, p.28). O fenômeno de mercantilização da cidade através das superfícies de sedução urbana ganha destaques, no mínimo, curiosos: no caso do Rio de Janeiro, já citado como exemplo, a proliferação dos ícones urbanos resultou na versão carioca do jogo Banco Imobiliário. Os jogadores realizam um percurso previamente estabelecido e acumulam dividendos graças à valorização urbana de terrenos pela proximidade de um dos ícones urbanos ou outros projetos de urbanização na cidade. A Cidade da Música, o Museu MAR, o Museu do Amanhã, dentre outros, tornam-se marcos geográficos e de valorização imobiliária no jogo simulado. Além da distribuição comercial realizada pelo fabricante, a Prefeitura do Rio adquiriu cerca de 1000 exemplares para serem distribuídos nas escolas públicas como parte de uma política publicitária relacionada exclusivamente à imagem da cidade.

À

semelhança das máscaras publicitárias, as superfícies de sedução urbana constituem commodities de uma competição com cunho comercial. Fig. 200 – A calçada de Copacabana como superfície geradora do MIS. (Fonte: www.dsrny.com)

As diferenças entre estas e as máscaras, no entanto, consistem não apenas na facilidade da troca de revestimento, em detrimento da preservação da imagem congelada do evento, da máscara

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como aplique superficial, em oposição ao conjunto coeso do envelope expressivo da superfície de sedução, mas principalmente do custo: as máscaras são mais baratas e ligeiras, a troca das roupas é realizada em curtos intervalos de tempo, enquanto as superfícies icônicas são projetos audaciosos, com custos elevados proporcionais à inovação e ineditismo de seus acabamentos. Investimentos polêmicos que geram custos elevados e construção duradoura, de acordo com a capacidade financeira das cidades que as recebem. O projeto da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, por exemplo, foi apresentado pela Prefeitura em 2002, mas a inauguração ocorreu mais de uma década depois, em janeiro de 2013. Com custo efetivo de 550 milhões de reais. Ela incluiu não apenas a construção do objeto

Fig. 201 – A fotomontagem das superfícies do MIS, Museu da Imagem e do Som, e a paisagem urbana, também icônica, da Praia de Copacabana ao fundo. (Fonte: www.dsrny.com)

arquitetônico, mas demandou o desmonte do “Trevo das Palmeiras” e projetos de reorganização da estrutura viária do entorno para compatibilizar os novos acessos para a casa de espetáculos e o crescente fluxo de veículos na região. Com prazos de obras alongados respectivamente de 2004 a 2008 e, em seguida até 2013, ela custou aos cofres públicos um investimento real quatro vezes superior à estimativa inicial. Em geral, apesar de pertencerem ao âmbito do objeto arquitetônico, o investimento nessas superfícies icônicas está sempre relacionado à municipalidade ou instituições notadamente de caráter público, uma vez que elas fazem parte da cultura de promoção urbana. O apelo retórico da superfície adquire a dimensão mais ampla da escala da cidade. Os altos investimentos, as dificuldades financeiras e atrasos gerados por eles, no entanto, não são uma exclusividade do Rio de Janeiro. Tal como as superfícies de consumo visual, com ápice no “fenômeno Bilbao”, é justamente nessa mesma Espanha que a crise econômica parece derreter as

Fig. 202 – Das superfícies de atração urbana à aparência do descarte. A fachada ‘feita para durar’ com ares de descarte e temporário. Museu da Biodiversidade no Panamá, projeto de Frank Gehry (Fonte: www.architzer.com)

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ambições das peles icônicas. A declaração ‘não oficial’, porém registrada, da prefeita de Madrid, Esperanza Aguirre, sobre um edifício premiado em fase de construção e, por consequência sobre os arquitetos, evidencia a temporária crise financeira do modelo de sedução urbana. Tal como peles ‘commodities’, elas só possuem razão de existir atreladas à rentabilidade urbana, ao consumo de imagens das ‘cidades globais’, cujo esforço financeiro era considerado como investimento público em épocas mais abastadas. La única ventaja de lacrisis, que se acabó. ¡Ya! Es que habría que matarlos. Me caen mal losarquitectos porque suscrímenes, perduran más ala de su propiavida. Se ha muerto y ahí nos há dejado esto.

Esperanza Aguirre em Telemadrid, 05 de setembro de 2012

À semelhança da imagem derretida de Claes Oldenburg (1972), que ilustra o início deste subcapítulo, a crise econômica parece reduzir as ambições das superfícies de sedução urbana, embora sua estratégia perdure historicamente, e de forma bem-sucedida, no sistema de produção da imagem da cidade.

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A DESMATERIALIZAÇÃO DA FACHADA

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6.4| A DESMATERIALIZAÇÃO DA FACHADA O pavilhão temporário Humanidades, projetado por Carla Juaçaba em ocasião da Conferência das Nações Unidas Rio+20, atraiu cerca de 200 mil visitantes e tornou-se quase uma superfície de sedução urbana, se não fosse a sua intrigante materialidade: impactante sobre o Forte de Copacabana, não se sabe exatamente onde a sua fachada começa ou termina, se é na superfície ‘leve’ dos andaimes ou ‘hermética’ das caixas que aparentam pairar sobre a cidade. De acordo com o ponto de vista e a posição do observador urbano, essa pele cria o jogo relacional entre a presença e a

Fig. 204 – A instalação de Carla Juaçaba sobre o Forte de Copacabana. (Fonte: www.carlajuacaba.com.br)

relativa ausência na paisagem; os tradicionais limites entre o dentro e o fora são ‘borrados’ e a fachada do edifício reside na dualidade entre o jogo de profundidade e superficialidade, entre a pele das caixas suspensas e dos andaimes. Não há um limite estabelecido entre o interior e exterior porque simplesmente o outro lado não existe, ou melhor, ele não foi definido. De modo semelhante, a Clínica PROAR, projeto de Rafael Iglesias na cidade argentina de Rosário, ‘ausenta-se’ da imagem da cidade. A fachada de espelhos, uma superfície lisa que nada informa sobre a atividade do interior, não apenas emerge silenciosa, como parece negligenciar a sua permanência física no espaço urbano. A sua materialidade física resulta do reflexo diluído do entorno que, 'perturbado' pela imagem desconstruída da vizinhança, possui a dúbia interpretação de desmerecer a paisagem próxima, ao mesmo tempo em que depende de seu reflexo para que asuperfície seja 'decorada' e transformada continuamente. Ele assume a aparência transitória que captura o instante dos movimentos, das permanências e fluxos no espaço urbano, e o jogo dúbio e

Fig. 205 – Fachada da clínica PROAR. (Fonte: archdaily.com)

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paradoxal de profundidades variadas na superfície da pele. O intervalo da “troca de sua aparência” é instantâneo, já que a sua superfície é relacional: ela existe como reflexo à dinâmica dos fluxos e à presença dos elementos fixos na paisagem da cidade; a desmaterialização resulta da sua camuflagem no entorno. Estratégia semelhante de desmaterialização através de espelhos foi adotada pelo Tree Hotel, na Suécia. Apesar de não estar presente no espaço urbano, ele é constituído por quartos suspensos nas árvores, cujas paredes externas camuflam-se com as imagens da paisagem natural, de modo a subtrair a sua presença. À distância, ele torna-se invisível a olho nu, mas para evitar os danos à fauna local, uma película de material infravermelho (invisível para os homens) foi instalada sobre os espelhos para evitar o impacto das aves e outros animais. Aparentemente, os cômodos desafiam a gravidade, mas estão ancorados nas árvores existentes e fixados com tirantes ao solo. Fig. 206 – Fachada somente existe em relação ao outro. (Fonte: archdaily.com)

Independentemente dos detalhes construtivos e arquitetônicos, a sua estratégia não é apenas de nulidade ou indiferença, mas de completa ausência no espaço em que se instala. O entorno deve aparecer através dele, ao contrário das máscaras publicitárias ou superfícies indiferentes que se destacam na paisagem. Baudrillard e Nouvel (2001) afirmam que a desmaterialização é alcançada muitas vezes por estratégias de desvio. Tal como o polêmico quadro de Manet, Un Bar aux Folies-Bèrgere, de 1882, criticado por seus contemporâneos pela distorção da perspectiva, do retrato irreal da cena e a

Fig. 207 – Un Bar aux Folies-Bèrgere

superposição simultânea do que está à frente (o salão com mesas) e ao fundo do bar, a superfície da fachada desmaterializada adquire profundidade na superposição de planos e ela só existe,

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condicionada ao outro; no jogo relacional entre reflexos ou camadas que se sobrepõem e a tornam ao mesmo tempo visível e invisível, entre a aparência e o desaparecimento, onde o foco não é mais a superfície em si, mas o que está ao lado, adjacente e que simultaneamente constrói imagens de uma ‘terceira’ dimensão que não existe na pele real, mas na segunda pele (ou máscara) virtual. A semelhança da estética do próximo, de Ábalos e Herreros, é justamente essa não legibilidade e a dúvida que incitam o desejo de ler e percorrer essa superfície vertical. Em outro livro, intitulado De um Fragmento ao outro (2003), Baudrillard complementa que o princípio da realidade está relacionado ao princípio do conjunto. A eliminação da realidade, ou desmaterialização, somente acontece por meio da desestruturação ou reorganização desse mesmo conjunto. Na Fundação Cartier, em Paris, por exemplo, projeto de Jean Nouvel, a ambiguidade visual pretende ‘borrar’ os limites entre a aparição e a desaparição. “Em um edifício como o da Maison Cartier – onde misturo voluntariamente imagem real e virtual – significa que no mesmo plano não sei nunca se a imagem é real ou virtual” (BAUDRILLARD; NOUVEL, 2001, p. 16). Scoffier (2009) também descreve o edifício como uma superfície contaminada, cujas imagens da própria fachada e o entorno mesclam-se para tecer um real estranhamente transformado. Segundo Ribeiro (2007), o reflexo dos objetos distantes adere à superfície, sobrepõe-se aos relevos próximos até que não há mais separação entre o que é refletido e o que é atravessado pela luz. “Every surface is an interface between two milieus in which a constant activity prevails, taking the form of an exchange between two substances placed in contact with one another.” (VIRILIO, 1984 in: HAYS, 2000, p.545).

Figs. 208, 209 e 210 – A cidade se sobrepõe à pele do edifício. Fundação Cartier. (Fonte: archdaily)

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No Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, o CCCB, o entorno mescla-se com a fachada do edifício, criando profundidades simultâneas que retiram o sujeito da própria cena e a mescla à paisagem da cidade. Os arquitetos Piñón y Viaplana ao fechar o quarto lado de um claustro, através da construção de um novo bloco, exploram o recurso da transformação das superfícies à contraluz: a superfície torna-se uma silhueta, sem profundidade e os vidros adquirem a expressividade do reflexo na penumbra. Constituído de dois pavimentos, a fachada superior inclinase para frente e, ao deixar de receber luz, torna-se uma superfície espelhada sem a obviedade e massificação do vidro espelhado. Como resultado, a superfície superior inclinada reflete a cobertura do claustro criando a imagem etérea de todo edifício visto de cima. Ao mesmo tempo, como o acesso de pedestres em rampa está localizado no lado oposto, paralelo e frontal à superfície, quanto mais o visitante desce, paradoxalmente, mais essa vista refletida nos tira do claustro, de modo que a última visão ao se chegar ao pavimento inferior é todo o perfil de Barcelona, o horizonte e o mar. O sujeito, no entanto, não é capturado pela superfície, já que a medida que o visitante se aproxima, ela perde a sua capacidade reflexiva e se torna um vidro com transparência literal. À distância, o observador percebe a sobreposição das diversas profundidades do entorno imediato e o reflexo da paisagem longínqua da cidade. A desmaterialização da superfície se dá por estratégia de desvio de percepção; uma profundidade mental. Figs. 211 e 212 – A superfície de vidro se inclina na penumbra, reflete a cobertura do claustro e resgata a paisagem de Barcelona e o mar. (Fonte: www.cccb.org)

É justamente nesse ponto de inflexão que se instaura o paradoxo conceitual dessas fachadas: a profundidade ilimitada. Apesar de sua desmaterialização residir na aparência de sua pele frente à paisagem da cidade, a fachada não apenas se dissolve como adquire o jogo de ambiguidades entre

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presença e ausência, e o espaço ora se dilui, ora revela-se na percepção dúbia de distâncias indecifráveis. Essa relação ambígua desafia a própria superficialidade da fachada contemporânea, como pele que contraditoriamente adquire ‘profundidade’ na “superposição de planos que parecem

Desmaterializar v.t. Tornar imaterial; v. pron. Perder a forma material. Desmaterialização s.f Ato ou efeito de desmaterializar.

pertencer a um mesmo nível ou separar-se por intervalos indefinidos” (RIBEIRO, 2007). Para Ribeiro (2007), a difícil legibilidade dessas superfícies aproxima-se à visão teleobjetiva descrita por Virilio, onde as distâncias perdem a sua importância visual devido à comunicação instantânea e à “crise” dos intervalos entre tempo e espaço. Em uma face hiper-real, as imagens não são facilmente identificáveis, oque gera uma estética da revelação do invisível. Virilio (VIRILIO, 1984 in HAYS, 2000, p. 540) acrescenta que a representação da cidade contemporânea não é mais determinada pela abertura cerimoniosa de portões, o ritual de procissões e paradas urbanas, mas pelo advento de tecnologias de espaço-tempo, em um processo de transformação que desafia as linhas de demarcação entre aqui e lá, as fachadas ou as faces da cidade. Ele questiona se, de fato, uma grande metrópole ainda possui uma fachada. Nesse ponto, Virilio destaca duas ordens de transformação dos meios e superfícies confrontantes entre si: uma é a materialidade, composta por elementos físicos; outra imaterial caracteriza-se pelas suas representações, imagens e mensagens, sem apego local geográfico ou a estabilidade temporal, já que existem apenas como vetores de expressões momentâneas, dotadas de todas as interpretações equivocadas e manipulação de significados que elas implicam. Segundo Virilio, esse novo conceito científico ilustra como a contaminação está implícita no conceito de superfície: a superfície-invólucro tornou-se uma membrana osmótica, 'um mata-borrão'. Do mesmo modo, as fachadas antes vistas

Indefinido adj. Que não é definido; incerto; vago; genérico; ilimitado. (Quím.) Que se fazem em proporções arbitrárias, à vontade entre certos limites (combinações). (Geom.) Sem extensão determinada (linha). S.m. O que é indefinido. (Dol lat. Indefinitus). Camuflar v.t. Dissimular; disfarçar sob falsas aparências (Do fr.: camoufler)

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como superfícies 'terminais', tornaram-se vias de acessos menos perceptíveis, cuja “aparência esconde uma transparência secreta, uma espessura sem espessura, um volume sem volume, uma grandeza imperceptível”. (VIRILIO, 1984 in: HAYS, 2000, p. 546). Nesse sentido, a desmaterialização ou desaparecimento da fachada surge como consequência da ênfase (1) na “materialidade imaterial” da superfície, caracterizada pela instantaneidade das imagens e mensagens emitidas pelas fachadas, que criam uma materialidade paralela ao mundo físico, de apreensão mental, um espaço de percepção virtual; (2) na instantaneidade e rapidez das transformações da superfície que acabam com as noções de estabilidade e permanência; e principalmente (3) do fim dos limites físicos e demarcações, já que a superfície como tela e aparência não possui o outro lado (ele existe, mas não é condicionante) e, portanto, não há distinção entre o dentro e fora, entre o mais distante e o próximo, a exemplo da fachada de Carla Juaçaba, no Forte de Copacabana. A desmaterialização constitui uma nova ordem de representação, distinta da fachada material fixa e permanente. Jean Nouvel, por sua vez, afirma que o espaço não legível é um prolongamento mental do que se vê, ou seja, ele prolonga o percurso visual sobre a superfície bidimensional da fachada, transformando-a em um espaço que não existe no concreto, mas se materializa virtualmente na paisagem da cidade. É como criar ‘espaços’ ou ambientes tridimensionais através do convite a percorrer o contorno ou “paisagem da pele”. Se a fachada como pele sensibilizada adquire dimensão touch screen, a desmaterialização da superfície e o jogo de ambiguidades a transforma numa tela de visualização 3D, cujas imagens somente existem no plano mental do observador urbano.

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Segundo BAUDRILLARD (2011) ainda há outros modos de desaparecimento e atribui aos artistas Cristho e Jeanne-Claude uma das formas estéticas mais interessantes: a embalagem. A

embalagem

= máscara ou nulidade

fragilidade > ligeireza > temporário

embalagem, que nada mais é do que uma máscara, nesse caso é tratada conceitualmente por Baudrillard como um fantasma para apagar definitivamente o objeto. Uma forma mais próxima do desaparecimento, através da aceitação do mundo tal como ele é, sem perturbá-lo: a utilização da estratégia do mundo das aparências e das máscaras. A máscara, no entanto, não apaga o objeto, do ponto de vista de sua visualização, das ambiguidades entre o real e o virtual, não desestrutura o conjunto da superfície ou a organiza de outras formas, nas múltiplas profundidades ou do jogo relacional com o entorno; não é uma ferramenta de ilusão que cria imagens apenas existentes no plano mental do observador urbano. Na verdade, ela cria a ilusão do desaparecimento, mas que na prática assemelha-se à estratégia de nulidade das superfícies indiferentes, que por diferenciação depois de embaladas em atitude de “negação da sua presença”, adquirem o seu estado máximo de “aparição”. As figuras 205 a 207 ilustram o empacotamento do Reichstag em Berlim (1995) pelos artistas Christo e Jeanne-Claude, após 25 anos de negociações. Rejeitado três vezes durante o período da Guerra Fria, o projeto foi aceito somente após a reunificação da Alemanha e antes da reintegração do edifício como sede do parlamento nacional. No intervalo de quase três meses, de abril a junho de 1995, foram instalados mais de duzentos mil quilos de armações de aço adjacentes à fachada do edifício que permitiram a fixação dos cem mil metros quadrados de tecido sobre a fachada existente. Com o custo de 15 milhões de dólares, a embalagem atraiu milhões de visitantes e foi definida pela

Figs. 213 e 214 – A fachada embalada destacase na paisagem da cidade. (Fonte: www.christojeanneclaude.net)

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mídia como um invólucro de “leveza e suavidade”, um símbolo do “desaparecimento” da dureza da Prússia e a emergência de uma superfície “ideal” da nova Alemanha unificada. Apesar do apelo popular da nova superfície, com desdobramentos de “espetáculo”, o empacotamento teve durabilidade de apenas duas semanas para explorar a extrema intensidade que uma superfície possui em sua curta durabilidade, em detrimento da “perda” desse potencial em uma fachada feita para durar por uma eternidade. Segundo Christo, a grande durabilidade da antiga fachada diminui a potência da imagem e transmite certa “arrogância” de que a superfície foi criada para a eternidade. A desmaterialização é apenas simbólica, já que a estratégia da embalagem atua como uma máscara Fig. 215 – A fachada embalada atraiu multidões de visitantes, e em detrimento do “desaparecimento” aparente e da estratégia de nulidade, a superfície adquiriu toda a potência da imagem. (Fonte: www.christojeanneclaude.net)

publicitária, interpretada como promoção ou marco de uma nova conduta política e econômica, ou indiferente, já que pretende apagar a imagem austera da fachada (e do governo) anterior através da nulidade da superfície. No mesmo ano, o arquiteto Shigeru Ban consegue, de fato, desmaterializar a fachada da Curtain Wall House, com estratégia estética e física semelhante à de Christo: uma grande cortina de tecido vence dois pavimentos de vão e recobre completamente a fachada de esquina de uma residência unifamiliar. Nesse caso, no entanto, ao contrário da embalagem de Christo, a cortina de fato desconstrói ironicamente o termo genérico “cortina de vidro” e desmaterializa a noção dos limites entre o dentro e o fora. Leve, ligeira, sem profundidade e dinâmica, ela cria imagens instantâneas e diversas que se mesclam e transformam continuamente à paisagem. A superfície não é estanque e adquire profundidades distintas em suas alternâncias entre transparência e opacidade.

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No entanto, salvo o requinte na concepção projetual de arquitetos como Jean Nouvel, Carla Juaçaba, Shigeru Ban, Rafael Iglesias, e outros nomes não citados em pormenor, a desmaterialização da fachada é atingida com maior recorrência na cidade através das tecnologias digitais, capazes de criar novas estampas, planos e imagens virtuais sobrepostas às peles reais e pré-existentes. As estratégias de desvios, a relação alternada entre real e virtual, a simultaneidade e sobreposição de imagens que revelam superfícies de profundidade ilimitada, imagens mentais, desafiam a permanência e estabilidade material das superfícies urbanas em poucos instantes. A realidade virtual desestabiliza e transforma a imagem da fachada anterior. Nessa projeção sobre uma fachada na Rússia, em agosto de 2010 (disponível no site www.wat.tv), a realidade virtual simula efeitos de distorção, rotação e fragmentação dos planos. A superfície monumental, espessa e estável da fachada existente sofreu as deformações ilimitadas produzidas pelas tecnologias digitais. Como um novo cenário, a performance urbana atraiu centenas de pessoas que a assistiam como uma tela de cinema ou um cenário em grande escala. Na escala urbana, eventos de luzes e projeções percorrem várias superfícies da cidade, com o objetivo de fomentar a utilização do espaço público através da intervenção virtual nas fachadas existentes. Em Glasgow, por exemplo, o Festival Radiance of Light, que ocorre a cada dois anos e é financiado pela municipalidade, reúne mais de setenta mil pessoas que percorrem as ruas durante três dias para redescobrir a cidade noturna, sob o novo olhar das intervenções virtuais. É importante destacar que para o contexto de uma cidade de 580.000 habitantes, esse número representa pouco menos de 10% da população residente, considerando uma mescla

Figs. 216 e 217 – A desmaterialização conceitual da cortina de vidro. (Fonte: www.designboom.com)

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representativa de visitantes de outras cidades vizinhas. Realizado no mês de novembro, período do inverno, crianças e adultos disputam as ruas do centro apesar das baixas temperaturas (poucos graus abaixo de zero), seguindo as três rotas temáticas de projeção. O percurso não linear conduz inclusive ao cemitério da cidade e, nem mesmo as condições climáticas adversas, o trajeto desconfortável e escuro entre túmulos desestimula o interesse pelas projeções. Na verdade, a estratégia virtual desmaterializa de tal modo as imagens existentes que transforma, por exemplo, a aparência pouco agradável de um cemitério em superfícies urbanas de interesse. Fachadas históricas são revalorizadas, “suavizadas” e transformadas pelas projeções, através de uma grande celebração urbana que dinamiza o espaço público por meio das superfícies das fachadas. No livro Urban Screen Readers (2009), os editores definem a instalação do painel digital na Times Square em Nova Iorque como o marco zero, o ponto de origem das telas urbanas digitais. De fato, foi nesse momento que as superfícies digitais tornaram-se evidentes no espaço urbano. Contudo, a manifestação ainda era incipiente e essencialmente publicitária e, independentemente da inovação tecnológica, o painel ainda possuía a mesma função que os outdoors ou cartazes publicitários anteriores. Venturi, Scott Brown e Izenour, na edição revisada de Aprendendo com Las Vegas, incluem um posfácio sobre o retorno à cidade, 25 anos depois, e constatam a “evolução” do neon ao pixel, da eletrografia ao eletrônico. No entanto, há uma diferença entre a “virtualização” que desmaterializa a fachada e aquela que cumpre o papel informativo e publicitário. A relação das Figs. 218 a 220 – Como um cenário, a fachada é desmaterializada na superposição das distorções e manipulações ilimitadas da imagem. (Fonte: www.wat.tv)

superfícies digitais com a cidade e as mensagens que emitem, variam independentemente de sua materialidade.

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Erkki Huhtamo (MCQUIRE; MARTIN & NIEDERER, 2009, p.15) descreve que as fachadas dos edifícios próximos à estação do metrô Shibuya, em Tóquio, foram cobertas por telas de dimensões e formatos distintos, cuja função exclusiva é a celebração e promoção dos valores da sociedade de consumo, uma espécie de novo horizonte artificial de commodities: máscaras publicitárias em sua versão digital. É importante fazer uma distinção entre uma cidade midiática, povoada por telas de dimensões urbanas, e a tecnologia aplicada para instalar novas profundidades, padrões decorativos e ornamentos. A iconografia eletrônica confere às superfícies uma dimensão transitória e efêmera que permite e facilita a mudança e movimento. No entanto, essas transformações não são apenas físicas, mas conceituais; elas desestabilizam a permanência das superfícies na cidade. Segundo Vidler (VIDLER, 1992 in: HAYS, 2000, p. 743), a superfície contemporânea brinca com a simultaneidade e sedução; as fachadas não permitem o sujeito nem parar em sua superfície, nem penetrá-la, prendendo-nos em um estado de ansiedade. Nesse momento, a fisionomia bidimensional, a representação da “face”, transforma-se em um espaço tridimensional da subjetividade, o lugar para o palco da atividade social. O plano do espelho constitui o palco do teatro. A ansiedade do sujeito confrontado com o espaço soft da superfície é a manifestação de um estranhamento da mais recente condição da interioridade e exterioridade, no qual o fantasma do funcionalismo e propósito espelha não apenas a aparência do sujeito nem a transparência biológica do seu interior, já que os limites tornam-se borrados em uma superfície fina e quase imperceptível, se comparada com a fachada tradicional. Como um cenário frente ao espaço público, a fachada presta-se como pano de fundo para as

Fachada

> pele

Pele sensibilizada

> tela > touch screen

Pele desmaterializada > tela 3D

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sobreposições midiáticas, que desmaterializam a superfície real e criam novas ‘aparências’ e profundidades. Como “miragens”, novas “máscaras” virtuais são instaladas sobre a fachada, porém sem a dimensão física ou publicitária. De tato, parafraseando Baudrillard, “para fazer alguma coisa existir hoje, a melhor tática reside na simulação do seu desaparecimento ou em mascará-la para que encontre a potência da ilusão”.

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7.0| CONCLUSÃO Além da metáfora da pele, outras associadas à aparência do corpo, estão em rebatimento progressivo sobre as fachadas dos edifícios, como se a cultura contemporânea se tornasse um espelho às práticas arquitetônicas e urbanas. A tatuagem como estratégia milenar de diferenciação entre indivíduos, por exemplo, já associada historicamente à decoração no campo da arquitetura, transverte-se de novos ferramentais como a serigrafia, impressões superficiais e até projeções virtuais e temporárias nas fachadas; repertórios variados de cores e padrões texturais “entalhados” e sobrepostos às superfícies verticais urbanas. No entanto, mais do que um aplique decorativo, as cidades parecem assistir a mudanças sucessivas em suas fachadas: a transitoriedade da pele, modificada em intervalos de tempo cada vez menores. Os valores de estabilidade, permanência e durabilidade, que sempre diferenciavam a arquitetura das artes, foram desestabilizados por uma produção contemporânea do descarte. A cultura da imagem e do consumo, o privilégio da aparência em detrimento dos valores de verdade e o simulacro tornaram-se recorrentes em quase todas as áreas da sociedade contemporânea. A primeira parte da tese dedicou-se à definição do termo fachada e as metáforas contemporâneas da pele e tela. A fachada tratada como pele ou tela reflete essa separação do envelope do edifício e da relação causal com o interior. Ambas as metáforas trazem o conceito de aparência, de superfície produzida para ser vista de fora, associada à captura imediata e passiva do observador urbano, que “passeia” visual e virtualmente no contorno das superfícies verticais da cidade. Mais adiante, como síntese, essa pesquisa aponta ainda outra, relacionada à máscara, uma

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espécie de prótese, acessório ou aplique sobre uma fachada existente, que não estabelece relação com o interior, mas cumpre uma “função” de aparência urbana. Seja como pele, tela ou máscara, a fachada contemporânea é definida segundo os conceitos de superficialidade, simulacro, decoração, ligeireza e fragilidade, valores que se opõem à profundidade, autenticidade, estabilidade e outros associados à verdade e propósito, predominantes no pensamento progressista do século XX. Essa ruptura que não é negativa, apenas estabelece um novo sistema de produção distinto da representação: a figuração. Ao romper a relação dialética entre os dois sistemas (interior e exterior), a fachada tornou-se uma superfície indeterminada, por vezes ambígua, que não possui o caráter representativo de seu propósito ou relação causal, mas camufla, esconde, encobre e torna-se uma superfície figurativa na qual predomina a imagem e a mensagem emitida por ela. A fachada abre-se para a cidade como uma superfície potencial de transformação. No capítulo 04, o comportamento das fachadas como roupa ou maquiagem aborda a questão da temporalidade na cidade contemporânea. Como superfície ligeira e frágil, a fachada tornou-se temporária e descartável em alguns casos, uma espécie de máscara que se sobrepõe às preexistências e é trocada a cada intervalo dos “modismos” ou novas condicionantes de época. A relação entre as fachadas também se altera, já que a mudança no propósito da superfície como mediação, para um olhar sobre as adjacências urbanas acarreta a valorização da aparência do cotidiano. A ênfase decorativa, os novos materiais e o amplo repertório textural transformam a fachada como superfície para deleite visual, com todas as atribuições táteis; o olhar passeia pelos

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contornos das superfícies que competem entre si para a visibilidade ou destaque urbano máximo. A acelerada verticalização e concentração urbanas agregam valor às fachadas como “território urbano” responsável pela vinculação da imagem da cidade; os jardins públicos verticalizam-se nas fachadas verdes e vivas, que além dos atributos ornamentais, atuam comprovadamente como estratégias de conforto e controle ambiental urbano. Neste contexto, as fachadas oscilam entre elementos tradicionalmente representativos da relação causal de qualidades tectônicas ou conceituais, para o descomprometimento com os valores reais e a ênfase na imagem; a crise da representação para a valorização da cultura da imagem, como se a produção contemporânea se afastasse progressivamente do mundo real para o virtual, para a fantasia e ilusão de que “algo é simplesmente o que aparenta”. Em suas instâncias mais sérias, a busca pela experiência estética imediata acarreta a própria saturação da imagem e essa é a crise mais perversa da sociedade contemporânea: a perda da imagem como potência e ilusão, para a banalização do seu uso e proliferação indiscriminada, com a falsa sensação de que o “novo é sempre melhor do que o anterior”. A fachada como manifestação do simulacro, em alguns casos, beira aos “pastiches” urbanos,

O pastiche é definido como obra literária ou artística em que se imita abertamente o estilo de outros escritores, pintores, músicos ou outros artistas e aceita também o procedimento da mescla de “estilos”. Atualmente pode também ser considerado como uma espécie de colagem ou montagem, tornando-se retalho de vários textos e autores, o que nem sempre acarreta na produção de uma obra de qualidade inferior, apesar do termo estar associado historicamente ao pejorativo e banal.

um “faz de conta” equivocado que se reproduz com a mesma velocidade com a qual também, felizmente, é descartado. De outro, a instantaneidade das mudanças também possui o seu revés positivo: o rápido descarte dessas colagens e montagens e a substituição por outras, que podem ser ainda melhores. À semelhança das cirurgias plásticas ou às peles humanas tatuadas de modo a transformar-se em determinados animais, alguns edifícios também se vestem com a motivação da

Wikipédia, denominada de “enciclopédia livre”, é uma enciclopédia virtual que admite a colaboração de diferentes autores sobre o mesmo assunto, para a construção compartilhada de um conhecimento específico. No entanto, nem sempre possui fontes confiáveis de consulta.

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transformação da aparência, uma questão que parece atingir todos os setores e campos do conhecimento da sociedade contemporânea. A fachada compreendida como superfície de colagens e montagens admite diversas “autorias” em uma mesma obra, uma “Wikipédia” arquitetônica, não apenas ao longo do tempo e de sua inserção na cidade, mas inclusive no momento de concepção projetual. A valorização do “design de superfície”, da aparência em detrimento do conteúdo, prolifera na cidade e em outros campos do conhecimento. No entanto, a separação do projeto da fachada, que não é uma novidade contemporânea, não constituiu uma atuação pejorativa. Na vinícola Gantenein, já apresentada anteriormente, duas equipes diferentes foram responsáveis pela concepção individual da edificação e da superfície que a envolve, com excelentes resultados para o conjunto; o mesmo aconteceu no projeto do edifício de apartamentos em Luxemburgo, de Metamorf Architects (em anexo), apontado entre os melhores do ano de 2011, segundo o ArchDaily. Em outros casos, menos notáveis, novas camadas são sobrepostas à pele pré-existente por motivações variadas: desgaste da aparência, obsolescência ou estratégia publicitária. No âmbito da tese, ao definir a fachada como uma superfície retórica que é mais da cidade do que do domínio privado do edifício, tornou-se importante identificar que mensagens elas emitem na paisagem e, principalmente, que estratégias foram adotadas para o seu impacto visual sobre a cidade, cujas fachadas são constantemente modificadas. A pesquisa empírica apontou que elas gravitam entre a competição decorativa e a neutralidade ou indiferença ao contexto. Independentemente da diversidade física e material da produção contemporânea, elas se

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manifestam entre essa dualidade da presença e ausência na imagem da cidade. As máscaras publicitárias e as superfícies de sedução urbana como apelo máximo de evidência urbana; as superfícies indiferentes como reinvindicação à nulidade, aparentemente na “contracultura” da imagem, mas que possui o seu revés na diferenciação máxima no contexto que se insere; e a superfície desmaterializada que, aparentemente, desloca-se do sistema das aparências ao olhar para as adjacências urbanas e estabelece o jogo relacional com o próximo, mas que reforça as ilusões e ambiguidades: a busca por uma profundidade cerebral de imagens virtuais. Na prática, a cidade assistiu à ruptura progressiva da imagem da “janela indiscreta” de Hitchcock para o desaparecimento desse elemento; quando muito, a presença da janela simbólica, porém hermética: ela não abre, não estabelece a mediação entre o domínio privado e urbano; uma vaga simulação de uma superfície que ‘não possui o outro lado’ para a cidade. Ao mesmo tempo, a transitoriedade da fachada e o seu impacto sobre a imagem da cidade, tornou-se um fator de especial atenção na prática urbana: a paisagem em fluxo instantâneo das modificações. Esta tese não defende a fachada-simulacro como uma qualidade do cotidiano, mas como ruptura às imagens individuais cristalizadas na aparência coletiva da cidade; o “inútil” que torna o cotidiano como algo pleno e original. O perigo está na proliferação indiscriminada da imagem. Na verdade, parafraseando Baudrillard (2003) “para fazer alguma coisa existir hoje, a melhor tática reside na simulação do seu desaparecimento ou em mascará-la para que encontre a potência da ilusão”.

Figs. 221 e 222 – A contraposição entre a literalidade da Janela indiscreta de Hitchcock e a superfície-simulacro das fachadas contemporâneas. Apesar das janelas serem elementos tradicionais da fachada, no caso destas últimas, constituem apenas uma referência simbólica; a janela hermética, sem estabelecer a mediação ente o interior e exterior. (Fonte: o autor)

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7.1| POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA A fachada contemporânea é um campo fértil para diversas abordagens pertinentes ao projeto isolado da superfície e, principalmente, da própria imagem urbana. A ausência de publicações sobre o assunto e a proliferação exclusiva de análise dos objetos arquitetônicos, catálogos de fachada sem o rebatimento urbano, demonstram as lacunas de investigação existentes sobre tema. O foco específico desta tese sobre a fachada contemporânea como superfície retórica– a relação entre a cultura da imagem e do consumo e o rebatimento na aparência das cidades– é uma das diversas questões que podem ser exploradas. A verticalização e densificação urbanas trazem outros problemas como a proliferação das empenas cegas nas cidades, não apenas devido aos vazios urbanos, mas, sobretudo, em função da sobreposição de decretos e planos urbanísticos; as fachadas tecnológicas, tratadas como organismos vivos, imbuídas do discurso da sustentabilidade, também são apontadas como objeto de especial atenção nas próximas décadas; a fachada como interface digital; as texturas urbanas, o apelo visual das superfícies decorativas e a relação fenomenológica com o observador; a análise da evolução e da transformação da imagem da cidade, com olhar concentrado na fachada; além de outros temas relacionados à integração desta ao projeto urbano, são possíveis desdobramentos do assunto.

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192

GLOSSÁRIO Ambiguidade. s.f. Qualidade de ambíguo; incerteza, dúvida. (Retór.) Figura que consiste em deixar incerto o espírito sobre o verdadeiro sentido de uma expressão. (Do lat. Ambiguitate). Autêntico adj. Legalizado juridicamente; certificado por testemunho público e solene; digno de fé e confiança; verdadeiro, certo, genuíno; s.f. Certidão, carta, cópia que faz fé. (Do gr.: authentikós = que faz autoridade, pelo lat.: authenticu). Camuflar v.t. Dissimular; disfarçar sob falsas aparências (Do fr.: camoufler) Cenário s.m Decoração de teatro, de cinema, conjunto de vistas apropriadas aos fatos representados; paisagem; lugar onde se passa alguma cena. (Do it. scenario) Conceito s.m. Tudo o que o espírito pode conceber; síntese, símbolo; mente; entendimento; juízo; ideia concebida pelo espírito acerca de coisa ou pessoa: Faço bom conceito deste homem; opinião; dito com agudez de espírito. Conceituar v.t. Fazer conceito, formar opinião; analisar, julgar; classificar, tachar; avaliar, ajuizar (De Conceito + ar)

Estereotomia s.f. Técnica de cortar pedra, ferro e madeira. (Do gr.:stereós = sólido + tom, raiz apofônica de témno = cortar + ia) Fàccia prov. Fassa, facha, fatz; fr. Face; cat. Feix; sp. Haz, faz; port. Face. Facciata da FÀCCIA – Prospetto, ossia la Parte anteriore ed esterna di un edifizio; così detta perché fa nelle fabbriche l'ufficio che fa la faccia rispetto alle altre membra dell'uomo, onde gli artefici si sforzano di dare ad essa maestà e decoro. - Parlando di libro Ciascuna banda o superficie di un foglio, detta altrimenti. (Fonte: Dizionario Etimologico italiano online - www.etimo.it) Fachada s.f Face da frente de uma edificação; frontispício de um livro / (fig.) Presença, aparência ou exterioridade das pessoas. / (pop.) Rosto, cara. (Do it.: facciata) Figura s.f. Forma exterior; aspecto; exterioridade, feição aparente; estatura e configuração geral do corpo; impressão produzida pelas coisas; imagem, representação, forma; símbolo, emblema, alegoria. (Geom.) Espaço delimitado por linhas ou superfícies. (Heráld.) Peça móvel do escudo. Figuras de linguagem: aspecto que assume a linguagem para obter expressividade, afastando-se do valor linguístico normalmente aceito. Fazer figura: dar importância, dar na vista. (Mudar de figura: tomar outro aspecto, tornar-se diferente. (Do lat. Figura.)

Contornar v.t. Traçar o contorno de: cercar, caminhar ou estender-se em roda de. (Fig.) Penetrar as intenções de alguém, ladear. Desmaterializar v.t. Tornar imaterial; v. pron. Perder a forma material. Desmaterialização s.f Ato ou efeito de desmaterializar.

Figuração s.f Ato ou efeito de figurar. (Pop.) Meneio para chamar atenção. (Do lat.: figuratio, onis.) Figurar v.t. Traçar figura; significar por meio da figura; representar, ter a figura; ornar com figuras (estilo); fingir, imaginar, supor. V.int. Ter

193

notabilidade social; aparecer em cena, desempenhar papel em peça de teatro ou em romance; entrar no número na lista ou na conta; ter parte num negócio ou acontecimento. V. rel. aparentar o que não é), parecer, imitar. Frágil adj. Débil, delicado, fácil de destruir. (Fig.) Instável, inconstante; pouco duradouro. (Do lat.: fragilis). Fragilidade s.f. Caráter do que é frágil; fraqueza, delicadeza. (Do lat.: Fragilitas, atis). Indefinido adj. Que não é definido; incerto; vago; genérico; ilimitado. (Quím.) Que se fazem em proporções arbitrárias, à vontade entre certos limites (combinações). (Geom.) Sem extensão determinada (linha). S.m. O que é indefinido. (Dol lat. Indefinitus). Indiferente adj. Que mostra indiferença; que não é contra nem a favor, nem bom nem mau; que não apresenta motivo de preferência; que não se importa; apático; que esfriou relações de amizade com alguém; desinteressado. (Quim.) Que não tem tendência para se combinar com outro (corpo). s.m e f. Pessoa indiferente (Do lat.: indiferentia) Indiferença s.f Estado ou qualidade de indiferente; falta de cuidado, interesse, zelo, diligência; desprendimento; desdém; negligencia; apatia; insensibilidade moral; (Fis.) Que por si não tende para o repouso nem para o movimento (equilíbrio); (Quím) estado de um corpo que não tem tendência a combinar-se com outro. Inscritos adj. Escrito, gravado, insculpido; (Geom.) Diz-se da figura que se inscreveu em outra: ângulo inscrito.

Ligeireza s.f. Qualidade de ligeiro; leveza; celeridade; rapidez; presteza; agilidade. (Fig.) Leviandade; volubilidade; superficialidade. (Bras. Pop) Esperteza; escamoteação; tratantada. Pele s.f. Membrana que reveste exteriormente o corpo humano e de muitos animais; epiderme; casca fina de frutos; couro de animal separado do corpo; odre. (Do Lat. pelle) Pictografia s.f. Sistema primitivo de escrita no qual as ideias são expressas por meio de desenhos ou cenas figuradas ou simbólicas, sem correspondências fonéticas. (Do Lat.: pictus= pintado +gr.= graph, raiz de grápho = escrever + ia). Pictograma s.m. Elemento, sinal ou figura de uma escrita pictográfica; inscrição pictográfica. (Do Lat.: pictus= pintado +gr.= grámma = letra) Polo s.m. Cada uma das duas extremidades do eixo-ideal em torno do qual gira a Terra; cada uma das duas extremidades de qualquer eixo ou linha; região circunvizinha dos polos e limitada pelos círculos polares. / (Fig.) Termo absolutamente oposto ao outro: A sinceridade e a hipocrisia são dois polos. Profundo adj. De grande importância, de grande alcance: lição profunda, feita com grandes mesuras; profunda cortesia; que evidencia ou se caracteriza por grande erudição e discernimento: pensador profundo, investigador, observador, perspicaz: que requer muito saber e discernimento para a sua compreensão. Retórica s.f Arte que dá as regras para falar eloquentemente; exibição de eloquência; discurso pomposo e vão. (Do gr.:rhetorike, techne = arte oratória, pelo lat.: rhetorica).

194

Rosto (ô) s.m. Parte anterior da cabeça; face; fisionomia; presença; frente, a parte fronteira; primeira página de um livro, na qual se coloca o título. (Do lat.: rostrum=bico, focinho) Simulacro s.m Representação fingida de um ato; imitação de um fato para exercício: simulacro de combate; vã representação, aparência sem realidade, exterior falso e fingido; imagem fac-símile. (Do lat. Simulacrum). Simular v.t. Fazer parecer real ( o que de si não é), fazendo que as atitudes, as coisas falsas se mostrem semelhantes às verdadeiras; fazer crer, aparentar: simular amizade; disfarçar, imitar, arremedar. (Do lat. Simulare) Tectônica s.f. Parte da geologia a qual se ocupa com a formação das montanhas ou, em geral, com as alterações que se dão na litosfera em virtude de forças de compressão, distensão ou torção da crosta. (Do gr.: tektoniké= corte de carpinteiro). tela s.f Tecido de fios de linho, lã, ouro, prata, seda, etc.; pano, estofo, vestidos, trajes; tecido, geralmente de linho, coberto com tinta branca ou parda, sobre a qual os pintores pintam os quadros; quadro, pintura; pano em que se projetam as imagens cinematográficas. (Fig.) [Figurado] Objeto de discussão. Superfície, geralmente branca, na qual se projetam vistas fixas ou animadas (ecrã). Superfície fluorescente sobre a qual se forma a imagem nos tubos catódicos (televisão, informática, etc.). O cinema ou a arte cinematográfica.O Cinema (Do lat.: tela) Seduzir v.t. Cativar, atrair, deslumbrar, fascinar, arrebatar, encantar, influir sobre a imaginação de. Fazer apartar do bom caminho, usando artifícios, iludindo, dizendo boas palavras; levar à prática de atos censuráveis ou contrários à virtude; corromper por meio de ardis;

enganar empregando razões tentadoras; iludir com astúcia. (Do lat.: seducere = levar para o lado). Sedução s.f. Ato ou efeito de seduzir ou ser seduzido; atrativo das coisas o qual seduz a vista ou a imaginação; atrativo irresistível; objeto que seduz. (Fig.) Encanto, beleza de formas ou de estilo, que prende a atenção geral. (Do lat. seductio, onus).

195

ANEXO I

mesma fachada pode apresentar caracterizações híbridas, aproximar-

DIAGRAMA DE POLARIDADES COM FACHADAS

se mais de uma polaridade, afastar-se de outra, ou até mesmo “sair do sistema”, já que a produção contemporânea é constante, múltipla

Como já foi abordado anteriormente, apesar da tese não ter

e, em muitos casos, imprevisível.

como objetivo o olhar exclusivo sobre as qualidades arquitetônicas da fachada, mas na relação estabelecida entre a superfície e a cidade, apresento alguns dos exemplos compilados ao longo da investigação. Essa pequena amostragem é constituída por 39 fachadas que não

MÁSCARAS – páginas 105 a 146

foram citadas no corpo teórico da tese, mas ilustram os mesmos princípios argumentativos que sustentaram a formação das polaridades. Elaborado como um catálogo, eles reforçam as

SUPERFÍCIE INDIFERENTE – páginas 147 a 153

características definidoras da fachada contemporânea e, em alguns casos possíveis, apresentam imagens do Google street view para a compreensão destas no contexto da cidade. Com um apelo mais

SUPERFÍCIE DE SEDUÇÃO – páginas 155 a 164

visual do que descritivo, essas fichas sintetizam uma parte do material coletado ao longo da investigação, uma pequena amostragem do universo de manifestações de fachadas na cidade contemporânea. Elas estão organizadas de acordo com as polaridades, com diferentes gradientes de proximidade aos conceitos, segundo apresentado no diagrama em seguida. É importante destacar que a

DESMATERIALIZAÇÃO DA FACHADA – páginas 167 a 178

196

197

198

199

200

201

202

203

204

205

206

207

208

209

ANEXO II - AS FACHADAS COMO ROUPA

Figuras 237 a 240 - ilustrações da exposição Skin + Bones, Londes, 2008.

210

Figuras 241 a 244 - ilustrações da exposição Skin + Bones, Londes, 2008.

211

Com a licença (indispensável nessas situações) a obra teve

ANEXO III

início. Logo um jornalista doCaderno Morar Bem, do Jornal O Globo se

ENTREVISTA COM O ARQUITETO SÉRGIO FAGERLANDE

interessou, fez uma matéria e isso aumentou o número de pessoas interessadas no assunto. Temos mais de 300 solicitações de edifícios

Como surgiu a ideia de acrescentar varandas às fachadas dos edifícios existentes no Rio de Janeiro? Qual foi o primeiro projeto a ser efetivamente construído? A primeira varanda realizada surgiu de uma solicitação de moradores do Edifício Carlos Cruz Lima, situado à Rua Cupertino Durão,número 135. A síndica nos procurou diretamente para a construção de varandas no edifício. Como o prédio era mais recuado do que os demais da rua, o estudo foi apresentado ao departamento

interessados em estudos de viabilidade sobre varandas, desde 2003. Deve ser salientado que a HCH Arquitetura, com Hugo Hamann à frente e eu como colaborador, somos um escritório de arquitetura, e fazemos o projeto sem a construção. Nós fazemos estudo de viabilidade, projeto de aprovação, execução e detalhes. Em reunião com proprietários, quais as suas principais demandas? Qual a motivação para o acréscimo de varandas?

de edificações no Leblon e aprovado. Em linhas gerais, o novo decreto

Em geral as motivações são diversas, mas parece que

diz que as varandas podem ser balanceadas sobre o afastamento

prevalece a ideia de se aumentar o apartamento, tanto com as

frontal em 2 metros, enquanto nas laterais e nos fundos apenas com

vantagens do uso de mais uma área, que às vezes é para recreio de

80 centímetros. Uma varanda balanceada, em tese, não pode ter

crianças, mas principalmente o fator financeiro. A valorização

pilares, mas para se conseguir a construção de varandas em edifícios

imobiliária é fator de convencimento para muitos. Também pesa o

já existentes esse é um ponto chave. A estrutura deve ser acoplada à

fato que as fachadas são modificadas e atualizadas, criando uma

existente para evitar a sobrecarga em uma estrutura que não foi

imagem de um prédio novo. Ninguém estáinteressado em preservar

calculada para tal.

fachadas, todos querem um prédio que pareça ser recém-construído.

212

Qual é o custo médio de uma varanda? Isso depende de muitos fatores. O tamanho do vão de “balanço” da varanda, que pode ter desde 80 cm de largura até 4 metros, é um deles. O número de apartamentos por andar também.

Já foi realizado algum estudo de viabilidade em edifício com fachada preservada pelo patrimônio? Alguma fachada com importância arquitetônica foi modificada? Não, e acredito que seja um caso difícil, já que as varandas

Em geral atuamos em edifícios com apenas um apartamento por

alteram muito as fachadas.

andar, mas se o número sobe para dois, como é o caso do edifício da

Tendo como base o município do Rio de Janeiro, quais são os bairros

Rua João Lira, 42, temos 3 pilares, diminuindo a proporção de custos –

que concentram a maior demanda por estudos de viabilidade? O

menos dispêndio com fundações, por exemplo. Há outros casos em

que impossibilita os demais? O escritório já realizou algum estudo

que o custo aumentou devido à transição dos pilares, para a entrada

para outros municípios no Rio de Janeiro ou consultoria em outros

de garagens.

estados?

Qual é o prazo de obras? E o período de interferência da obra no interior do apartamento? Cada caso é singular. O prazo muitas vezes depende da disponibilidade financeira do grupo. Em geral, a interferência no interior do apartamento é mínima, pois a obra é feita quase toda pela

No Rio de Janeiro, a maior parte dos casos concentra-se no Leblon. Em seguida Ipanema e Lagoa. Temos obras realizadas no Humaitá e até na Ilha do Governador, neste último foi exceção. As consultas também se espalham pela cidade, com concentração na Zona Sul, mas com casos na Tijuca e Grajaú, não executados.

parte de fora. Um dos casos que fizemos, na Aníbal de Mendonça,

Qual é o prazo para aprovação do projeto na Prefeitura? É feita uma

186, havia uma viga invertida na fachada com 1 metro de altura que

vistoria antes e depois no local? É necessário pagamento de uma

precisou ser retirada, pois impedia a saída para a varanda. Este caso

contrapartida, semelhante à mais-valia ou taxa especial? O habite-se

foi uma exceção.

da Prefeitura indica o acréscimo de áreas por unidade? O IPTU sofre acréscimo?

213

O prazo varia muito e como a aprovação é estudada caso a

situação nova na cidade, e a HCH Arquitetura foi pioneira em projetos

caso, pois as condições são muito particulares, e a legislação pouco

desse tipo, desde 2003. O escritório também foi responsável por

precisa, o entendimento inclusive do órgão que aprova tem variado

influenciara criação de uma legislação específica, que não havia até

bastante, desde a primeira varanda que aprovamos até a última. A

então. Esse processo demonstra como os arquitetos podem ter

aprovação é dentro da lei vigente, sem contrapartidas. Paga-se

influência mais ativa na transformação da cidade, mesmo aqueles que

somente as taxas de aprovação normais para a área acrescida por

exercem atividades ligadas a projetos individuais e não urbanos. A

unidade habitacional. A aprovação é coletiva e individualizada, com

necessidade de moradores em requalificar suas moradias, mesmo

aumento de área de cada unidade.O acréscimo do IPTU e habite-se

aqueles que habitam em edifícios, indica uma possibilidade de

acontecem ao término da obra, com vistoria do profissional

atuação para transformar a cidade e a relação dos moradores com

competente da Prefeitura.

ela, através da requalificação dos edifícios existentes, que imprime

Em algum edifício com varandas existentes foi feito um estudo com a intenção de aumentá-las? Algum caso em que a fachada sofreu um processo de reforma de revestimentos ou modificação nos últimos 15 anos e agora é objeto de estudos para receber varandas? Sim, já estudamos casos de interesse em aumentar varandas existentes. Alguns edifícios que receberam varandas já possuíam sacadas que foram derrubadas para dar lugar às varandas novas. Gostaria de acrescentar alguma observação final? A construção de varandas em edificações pré-existentes é uma

uma marca mais pessoal e atual nessas edificações. Hoje, vemos exemplos em outras cidades e países, mas temos orgulho de ser pioneiros, num processo em que a atuação profissional se destaca, em

conjunto

com

novas

tecnologias

construtivas

e

em

relacionamento direto com os habitantes dessas edificações, que devem ser os maiores beneficiários, e parte atuante deste processo.

214

ANEXO IV

licenciadas antes da vigência do Regulamento de Zoneamento

Resolução SMU n.º 578 de 03 de janeiro de 2005

aprovado pelo Decreto 322/76, podem se beneficiar das condições previstas pelo Decreto Municipal nº 10.426/91, desde que respeitadas

Regulamenta a aplicação do item 2.4.1 do Decreto Municipal 10.426/91 no que se refere à construção de varandas balanceadas em edificações aprovadas anteriormente à vigência do Regulamento de Zoneamento, aprovado pelo Decreto 322/76.

lhe são conferidas pela legislação em vigor, e

possuam estrutura independente, com ou sem pilar de sustentação

contrabalanço. §2º É tolerado o uso dos afastamentos para erguimento dos pilares

Considerando o clima da região da baixada da Guanabara que propicia a vida ao ar livre;

de sustentação das varandas balanceadas, desde que: a) não sejam prejudicados os espaços destinados a circulação e

Considerando o tradicional uso das varandas nos edifícios da cidade; Considerando as potenciais melhorias ambientais e paisagísticas que o uso de edificações com varandas promoverá no espaço urbano especialmente,

§1º Enquadram-se no disposto no caput deste artigo, as varandas que

para fora do corpo da edificação, segundo sistema de balanço e

O Secretário Municipal de Urbanismo, no uso de suas atribuições que

carioca,

as condições nele estabelecidas;

naquele

localizado

nas

Áreas

de

Planejamento 3 e 5; Considerando as possibilidades de requalificar edificações vistas como obsoletas, pela introdução de varandas em suas unidades, especialmente nas Áreas de Planejamento 3 e 5; RESOLVE: Art. 1.º As varandas balanceadas construídas em edificações

guarda de veículos, a área de recreação dimensionada conforme legislação em vigor, a passagem de infraestrururas e outros protegidos por lei. b) A seção horizontal acabada de cada pilar não ultrapasse a dimensão de trinta e cinco por trinta e cinco centímetros. c) Os pilares estejam afastados do corpo da edificação na máximo um metro, contado a partir de sua face mais próxima ao plano da fachada.

215

Art. 2º A execução de obras de construção das varandas balanceadas depende de projeto aprovado junto aos órgãos descentralizados da SMU, mediante apresentação de PREO, memória de cálculo estrutural e autorização condominial, bem como parecer favorável de órgãos pertinentes, quando couber. Parágrafo único. Sem prejuízo das demais disposições contidas nesta Resolução, o projeto arquitetônico para a construção das varandas balanceadas deverá levar em consideração a harmonia com a linguagem estilística da edificação existente, bem como o seu entorno. Art. 3.º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. ALFREDO SIRKIS

D.O. RIO de 04/01/2005

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