Entre o Industrial e o Intelectual: Os Livros nas Exposições Universais e o Campo Gráfico Latino-Americano

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LIVRO REVISTA DO NÚCLEO DE ESTUDOS DO LIVRO E DA EDIÇÃO

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ENTRE O INDUSTRIAL E O INTELECTUAL Os Livros nas Exposições Universais e o Campo Gráfico Latino-Americano1 !

Juan David Murillo Sandoval Tradução: Cláudio Giordano ¶ Introdução

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ste texto, muito além de qualquer conjectura prévia, insere-se num rol de questionamentos associados à construção, transformação e evolução, se assim se preferir, dos campos culturais da América Latina entre os séculos xix e xx. Por isso, procura investigar as atuações e desenvolvimentos de alguns atores e cenários da geografia cultural da região, interessando-se pelas interações, transferências, recepções e intercâmbios de ordem principalmente editorial e intelectual, que estes conseguiram estabelecer tanto com outros espaços como entre si mesmos. Isto posto, as exposições internacionais serão aqui os lugares a priorizar, e a relação que estabeleceram com elas certos Estados nacionais e atores do espaço público latino-americano, como gráficos e livreiros, nossa principal preocupação. ¶ Esta atenção se justifica pelo fato de que, da mesma forma que recursos naturais, amostras químicas, produtos industriais e maquinários de todo tipo, os livros e suas indústrias associadas também foram objeto de exibição durante as diversas exposições universais realizadas na Europa e na América nos séculos xix e xx. Esta incursão nos chamados “certames do progresso” avalizava um amplo processo de industrialização do livro, uma espécie de selagem da sua condição de bem de consumo rentável na era do capital. Este momento industrial foi replicado pelos países da América Latina, que participaram com a exposição de diversas e, em certos casos, numerosas bibliotecas oficiais e privadas, que, muito além de representarem um simples conjunto de bens industriais,

1. Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no Congreso Internacional las Edades del Libro, Universidad Nacional Autónoma de México (Unam), Instituto de Investigaciones Bibliográficas.

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Visita da Rainha e do Príncipe Albert à gráfica da Grande Exposição. Gravura inserida em The Illustrated Exhibitor. Guide to the Great Exhibition, 1851. Fonte: The Great Exhibition, British Library.

foram formadas em razão de aspectos como o reconhecimento literário ou os projetos de modernização educativa, dois objetivos não menores associados a estes eventos, e que se somam em sua consideração como momentos também de caráter intelectual. Tendo isso em conta, enfocam-se dois assuntos principais que funcionarão como eixos do texto: em primeiro lugar, julgamos que as Exposições Universais conseguiram converter-se em espaços para onde as necessidades e interesses do capitalismo editorial e dos países latino-americanos lograram convergir, sobretudo em aspectos de alcance intelectual e educativo. Em segundo lugar, postula-se que estes eventos puderam incidir – embora de forma desigual – na sofisticação do panorama cultural da região, por meio da formação de redes de intercâmbio que en30 ◆

volveram impressores, editores (publishers), fabricantes de papel e livreiros de ambos os lados do Atlântico. Questões como a ampliação e modernização do parque gráfico ou o aumento da oferta bibliográfica se destacam nesse âmbito. Na conclusão deste artigo se fará uma reflexão sobre a importância destes espaços para a formação de uma indústria editorial própria dos países do continente, que se verá florescer no ocaso deste tipo de eventos durante as três primeiras décadas do século xx. ¶ Sobre exposições, livros e impressos As feiras e exposições universais realizadas em diversas partes do mundo entre os séculos xix e xx têm atraído fortemente a atenção dos historiadores nas últimas três décadas. Como espaços ideais para o estudo dos arquétipos Livro

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nacionais, das iconografias pátrias e das relações imperiais, assim como das experiências rapidamente mutáveis do mundo moderno e industrial, estes eventos têm sido objeto de múltiplos exames da parte de acadêmicos interessados em sua dimensão cultural e política, em sua evidente aura comercial e econômica, e inclusive em seu aspecto colonialista e etnológico. No entanto, a análise das experiências expositivas de cada país tem variado de acordo com as distintas posições que cada um assumiu no contexto do século xix ou do início do xx. As cidades anfitriãs da Europa e dos Estados Unidos têm sido analisadas, comumente, como lugares onde o poder imperial se tornou patente e onde as distâncias industriais em relação aos demais países conseguiram sobressair. Foi justamente nessas experiências que o “progresso” apareceu como medida do moderno, no calor de noções como “avanço”, “bem-estar” e “liberdade”, em termos econômicos e com todas as suas dissimulações e ambiguidades2. A relação entre exposição universal e comemoração também marcou o desenvolvimento de vários destes eventos. A Exposição de Filadélfia foi também a celebração do centenário da revolução norte-americana, assim como a de Paris de 1889 comemorou a tomada de Bastilha. Outras exposições justificaram-se pela celebração dos quatrocentos anos do encontro euro-americano3. Nacionalismo, imperialismo e industrialização 2. Dada a ampla bibliografia sobre feiras e exposições, chamamos atenção apenas para os trabalhos de Robert W. Rydell, All the World’s Fairs: Visions of Empire at American International Expositions, 1876-1916, Chicago, University of Chicago Press, 1984; Ricardo Salvatore, Imágenes del Imperio. Estados Unidos y las Formas de Representación en América Latina, Buenos Aires, Editorial Sudamericana. 2006; e Alexander C. T. Geppert, Fleeting Cities: Imperial Expositions in Fin-de-Siècle Europe, New York, Palgrave Macmillan, 2010. 3. Foi o caso da Exposição Histórico-americana de Madri (1892), assim como da chamada Exposição Colombina de Chicago (1903).

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têm, pois, cercado a análise deste aspecto da experiência exibicionista mundial. Critérios semelhantes, embora de um ângulo mais crítico, também têm permeado os estudos dos países não anfitriões. Sendo galerias públicas, as feiras e exposições constituíram um espaço tentador para que países periféricos pudessem exibir-se no concerto das nações. Segundo Ricardo Salvatore4, no caso latino-americano o processo de exibição obedeceu a dois princípios básicos: de um lado, o aspecto etnológico que evocava a natureza racial do continente e, de outro, a questão econômica, que identificava os países da região como territórios exportadores de matérias primas. Consequentemente, a imagem que se configurava era a de espaços necessitados de investimento ou de imigração. Não obstante, esses dois aspectos não surgiram de forma isolada; ao contrário, conseguiram enriquecer-se com harmonizações da vida política e cultural de cada país, cujo resultado foi que o quadro de problemas se viu ampliado à ideia de modernidade que envolveu cada momento, às variações na representação conforme os regimes de poder ou aos interesses geopolíticos em jogo5. 4. Ricardo Salvatore, op. cit. 5. Pode-se encontrar o melhor exemplo no estudo de Mauricio Tenorio Trillo, Mexico at the World’s Fairs. Crafting a Modern Nation, Berkeley, University of California Press, 1999. Ver também os artigos publicados na compilação realizada por María Di Liscia & Andrea Lluch, Argentina en Exposición. Ferias y Exhibiciones Durante los Siglos xix y xx, Sevilla, csic, 2009, sobre o caso argentino. O estudo da dimensão etnológica ou antropológica, manifesta claramente nas mostras latino-americanas, tanto no tocante a peças arqueológicas transportadas como a grupos indígenas apresentados in situ, também conseguiram articular-se com o exame histórico da construção do nacional, da “necessidade” de homogeneização cultural e a consequente representação e eliminação do outro diferente, do prolongamento das fronteiras agrárias e, inclusive, do gradual fortalecimento dos espaços dedicados à ciência. Ver um exemplo disso em Álvaro Fernández-Bravo, “Las Fronteras de lo Humano: Fueguinos

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Ora, em contraste com a maciça produção acadêmica que se concentrou nos ciclos de exposições europeias e norte-americanas, é relativamente pouco o que se escreveu acerca daquelas exposições que ocorreram em cidades alheias às experiências de modernidade e cosmopolitismo percebidas nos centros do poder global. As exposições internacionais realizadas em cidades latino-americanas, como Lima (1872), Santiago do Chile (1875) e Buenos Aires (1882), as únicas de seu tipo antes da época do centenário, atraíram atenção muito pequena dos historiadores. Sendo exibições periféricas, é evidente que o grau de notabilidade, investimento e participação internacional foi menor nestas do que em suas congêneres europeias; no entanto, uma olhadela nas marcas que sua passagem deixou revela um conjunto de características partilhadas, que vão desde os diferentes grupos sociais envolvidos, passando pelos objetivos traçados e pelas formas de expor os objetos, até à capacidade de legar transformações de ordem urbana, econômica e científica6. Todas as exposições compartilharam, pois, uma série de atributos que permitiriam analisá-las não como rodas soltas, mas como parte de um padrão mundial de desenvolvimento de uma ideia de modernidade e progresso, atravessada pelo consumo, pelo exotismo e pelo imperialismo; questões todas que não podemos ignorar se quisermos situar e analisar o rol das construções gráficas nestes momentos que hoje poderíamos chamar, novamente, de globalizantes. Indagar quais as razões que possibilitaram a exposição de livros, periódicos e

panfletos nesses eventos é também perguntar sobre a economia do livro, bem como sobre os agentes associados a ela, sobre seus interesses e objetivos. Como advertimos no início, a entrada dos livros nesses eventos correspondia, em grande medida, a seu status de bem comercial, de artefato produzido num circuito industrial dinâmico e próspero. Diversos fatores ajudam a explicar o alcance deste status: o aumento das taxas de alfabetização na Europa Ocidental e Central e a relativa “solvência” econômica em grande número de lares, deixando excedentes para o consumo de periódicos e literatura recreativa, isso tudo no século xix7. Esta evolução do mercado do livro interagia, por sua vez, com fatores de caráter tecnológico, pois foi justamente no século xix que as tipografias descendentes do modelo de Gutenberg começaram a ser substituídas por máquinas mais velozes, adequadas a formatos menores e modificáveis de acordo com as necessidades. Os formatos pequenos, certamente mais acessíveis, puderam também valer-se de novos canais de distribuição, como os quiosques de estação na Inglaterra e na França, e explorar outros já existentes, como os gabinetes de leitura e as bibliotecas ambulantes que praticavam o sistema de empréstimo8. Outros aspectos importantes, como a potencialização do gênero da novela e o surgimento do editor (publisher), acentuaram a imagem do livro como um bem com produtores e consumidores bem definidos. Dessa forma, o circuito de comunicação, em sua versão mais esquemática elaborada por Robert Darn-

en las Ferias Mundiales, 1881-1889”, em Maria Silvia Di Liscia & Andrea Lluch (eds.), op. cit., 2009, pp. 85-113. 6. Uma investigação muito bem documentada dos vínculos entre as diversas exposições e feiras, assim como da relação destas com a cidade, com o urbano, pode ser vista em Alexander Geppert, Fleeting Cities, op. cit..

7. Martin Lyons, Historia de la Lectura y la Escritura en el Mundo Occidental, Buenos Aires, Editoras del Calderón, 2012, p. 272. 8. Ver, por exemplo, os trabalhos de Jean-Yves Mollier, L’Argent et les Lettres. Histoire du Capitalisme d’Édition, 1820-1930, Paris, Fayard, 1988; e de Martyn Lyons, op. cit.

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ton9, não só nos ajuda a evidenciar quais são os componentes nos jogos de intercâmbio cultural ou simbólico, mas também nos econômicos e, inclusive, nos tecnológicos. Tal como outros milhares de produtos de consumo, os conjuntos de livros que participam das exposições universais mostram um mercado complexo, integrado por agentes interessados, que vão desde os produtores e comerciantes de papel e tintas, por exemplo, passando pelas empresas fabricantes de prensas e tipos, até chegar aos jovens burgueses e artesãos interessados em participar deste ofício intelectual, ou simplesmente em satisfazer suas curiosidades literárias. Houve, nesse sentido, uma razão capitalista que justificou a entrada e a exibição de livros e leituras nesses eventos, cujos quadros de organização, classificação e premiação são muito úteis para identificar esta lógica. As exposições universais de Paris (1855) e de Londres (1862), duas das primeiras do ciclo de exibições europeias, já dividiam em duas classes principais as mostras referentes ao mundo impresso; uma primeira constituída por máquinas de impressão e de fabricação de papel, assim como por mostras de impressos, litografias, gravuras e encadernação, um conjunto quase especificamente material-industrial, no qual figuraram também papéis de diferentes fibras, formatos e qualidades, bem como equipamentos e instrumentos próprios de gráficas: tipos, pincéis, tintas ou placas. A segunda classe, porém, recorria a tema estritamente acadêmico: “What to teach and How to teach?” (O que ensinar e Como ensinar?) foram as perguntas com que um cronista da exposição londrina abriu a explanação desse segmento dedicado à educação10. Livros de texto, mapas e ilustrações 9. Robert Darnton, El Beso de Lamourette. Reflexiones sobre Historia Cultural, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2010, p. 122. 10. The Illustrated Record of the International Exhibition of the Industries arts and Manufactures, and the

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seriam os elementos mais salientes do conjunto, acompanhados de materiais como globos terrestres, instrumentos de laboratório, jogos didáticos, entre outros. Os editores de bibliografia escolar foram, naturalmente, os principais expositores deste setor, ao lado de diversas associações preocupadas também com temas educacionais e que promoviam métodos de aprendizado para determinados grupos, como a Congregational Board of Education ou a Association for Promoting the Welfare of the Blind, ambas para o caso inglês11. Com modificações graduais em suas classificações e objetos incluídos, o que as tornou mais ou menos variadas e detalhadas, estas duas dimensões – a editorial-industrial e a editorial-escolar – acompanharam o desenvolvimento de todas as exposições e feiras mundiais até o início do século xx, tanto na Europa como nos Estados Unidos e na América Latina (ver Quadro 1). Nesta última região, aquela que nos interessa em particular, ambas as dimensões adquiriram especial vigência devido aos problemas estatais e culturais envolvidos. De um lado, em vários dos países latino-americanos começou-se a conceber e pôr em prática diversos projetos de instrução pública primária, secundária e universitária, que, em alguns casos, implicou a contratação de missões pedagógicas europeias e, em outros, apenas a criação de uma burocracia criteriosa das leis de educação. De outro lado, as necessidades inerentes à esfera pública no tocante à gestão dos meios de comunicação e da opinião política partidarista, em países geograficamente tão amplos, impôs a necessidade de expandir e melhorar a infraestrutura tipográfica, o que só se poderia alcançar mediante a atualização do maquinário gráfico. Fine Arts of All Nations, em 1862, London, The London Printing and Publishing Company, s. d., p. 252. 11. Idem, pp. 252-253.

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¶ l e i tu ra s Quadro i. Relação de seções que levaram em conta o trabalho da imprensa nas exposições universais realizadas até 1904* Exposição

Tipo de Seção Editorial/Industrial

Editorial/Escolar

Londres 1851

a) Tipografia, Material de escritório, Textos científicos, técnicos

a) Sem informações.

Paris 1855

a) Máquinas relativas às artes das tintas e da impressão.

a) Material de ensino elementar.

b) Litografia, Tipografia, Gravura, Caligrafia, Registros, Encadernação, Baralhos. Londres 1862 Paris 1867

a) Papel, Material de escritório, Impressão e Encadernação.

a) Trabalhos e aplicações educacionais,

a) Gravura e Litografia

a) Material e métodos de ensino das crianças; bibliotecas e material de ensino dados aos adultos na família, na oficina, no comércio ou na empresa.

b) Produtos de impressão e de livraria

Peru 1872

a) Gravuras litográficas b) Obras de imprensa e livraria, Modelos de tipografia, Provas autógrafas, Provas de litografia em P/B e em cores, Provas de gravuras.

a) Coleções de obras escritas, impressos, periódicos. b) Materiais de ensino.

c) Máquinas de corte e de rotular papel, máquinas e instrumentos de tipografia e litografia. Viena 1873

a) Indústria de papel.

a) Educação, Ensino, Instrução.

b) Artes gráficas, Tipografia, gravuras, tipografia, cromografia.

b) Educação primária, secundária e superior. c) Meios auxiliares para a instrução do adulto.

Santiago 1875

a) Máquinas e equipamentos empregados na tipografia, a) Seção Especial: Instrução Pública. litografia e para compor e distribuir tipos. b) Máquinas usadas na encadernação. c) Máquinas para a fabricação de papel e suas aplicações. d) Papel e utensílios de escritório, material de tipografia, litografia e encadernação.

Filadélfia 1876 a) Papel, Livros em branco, material de escritório. b) Impressoras, Produção de livros, Textos científicos, técnicos. Paris 1878

a) Papelaria, encadernação, material de artes, de pintura e de desenho.

a) Sistemas, Métodos e Livrarias educacionais. b) Instituições e Organizações. a) Material de ensino elementar, primário, secundário e superior.

b) Impressão e livraria. Londres 1885

a) Papel, Impressão, Material de escritório, comércio de livros.

a) Materiais de ensino.

Chicago 1892

a) Exposições de tipografia

a) Educação nacional: Planos e modelos de escolas e colégios.

b) Edições de livros, periódicos, desenhos, atlas, álbuns etc. c) Encadernação de diversos tipos e material de escritório.

b) Livros de textos, móveis (pequenos modelos). c) Exposições do trabalho dos alunos de ambos os sexos. d) Estatística escolar, método e sistema de educação, fotografias de edifícios escolares, subvenções nacionais.

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¶ l e i tu ra s Paris 1900

a) Tipografia, impressões diversas (Material, procedimentos e produtos).

a) Educação e ensino: Educação da criança; ensino secundário; ensino superior.

b) Livraria, edições musicais. Encadernação (material b) Ensino artístico, Ensino agrícola, e produtos); Periódicos, Cartazes. especial, industrial e comercial. Búfalo 1901

a) Artes gráficas: Impressões, gravuras, encadernações.

a) Artes liberais: Educação, instrução pública, livros. b) Literatura científica, agrícola, estatística, zoológica, de mineração, industrial, militar-naval.

St. Louis 1904

a) Livros e Publicações; Encadernação. b) Indústria do papel.

a) Materiais educacionais.

* As classificações aqui incorporadas não pretendem ser definitivas, mas apenas orientativas, face à grande diversidade de seções ou subdivisões que, em cada uma das diferentes Exposições, incorporaram livros e materiais impressos em suas vitrinas ou estantes.

Um exemplo destas necessidades de sofisticação do campo gráfico encontramos na Exposición Internacional de Chile em 1875, que, em sua etapa de planejamento, revelou os benefícios de atrair empresas ligadas a esta indústria. Em carta dirigida a Alberto Blest Gana, cônsul chileno em Paris em 1874, o chefe da comissão organizadora, Rafael Larraín, expõe a importância de persuadir fabricantes e comerciantes franceses de materiais e utensílios gráficos a assistirem à exibição. Declara Larraín de forma direta: […] suplico a V.S. que dê alguma atenção ao que possa relacionar-se com o desenvolvimento intelectual do país. O grupo de instrução oferece um vasto campo a este avanço, assim como a introdução de material gráfico. Nossas publicações de todo gênero crescem rapidamente em número e essa produção não é proporcional ao escasso material gráfico que possuímos. Hoje não há aldeia que não deseje ter garantido seu periódico12.

mero crescente de produções impressas. Em carta anterior, Larraín declara inclusive – em tom exagerado – que “ultimamente as gráficas de Santiago estavam tão abarrotadas, que não havia onde publicar sequer uma folha”13. Essa escassez do material gráfico em relação à alta produção, como menciona Larraín, e ainda que possa parecer ilógico, pode-se confirmar em virtude das numerosas obras de autores latino-americanos que tinham de ser impressas em cidades da França ou da Alemanha, onde uma edição de maior tiragem e melhor qualidade podia custar muito menos do que uma feita no país. Por isso, melhorar o parque gráfico local tornava-se uma necessidade, se o que se queria era construir um espaço econômico em torno da imprensa e dos grupos de leitores. A oportunidade que se podia oferecer aos impressores locais era expressa ao cônsul Blest Gana nos seguintes termos:

Como se infere, não se tratava de introduzir apenas as gráficas propriamente ditas com seus materiais auxiliares, mas também assegurar seu contínuo abastecimento diante do nú-

O impressor Helfmann (alemão radicado em Santiago) viajou para Viena e outras capitais em busca de prensas para seu estabelecimento, e existem empresas importantes, como a do Ferrocarril, que aguardam a Exposição para melhorar suas prensas. Conviria introduzi-las de todo o

12. Rafael Larraín a Alberto Blest Gana, Santiago, 6 de julho de 1874, em Boletín de la Exposición, n. 4, p. 277.

13. Idem, 26 de setembro de 1874, em Boletín de la Exposición, n. 5, pp. 429-430.

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tipo, desde aquelas que imprimem de cinco a seis mil exemplares por hora, frente e verso ao mesmo tempo, até as mais simples. Aqui encontram mercado garantido14.

Esta dimensão industrial-editorial, tão interessada no tecnológico quanto no comercial, foi complementada, por meio das exposições, por aquela ligada à instrução pública e aos diferentes método e materiais voltados para o ensino. Emerge aqui uma relação entre produtores, fornecedores e consumidores de livros e leituras, a qual também, em certa medida, justifica o que temos denominado a razão capitalista por trás da exposição de impressos. Ora, acreditamos que esta racionalidade foi também acompanhada, às vezes separadamente e outras nem tanto, de uma razão que poderíamos chamar de intelectual, e que teve a ver com a dimensão editorial dos Estados nacionais, onde assuntos como a já mencionada problemática educativa, o reconhecimento literário ou a autonomia editorial ocuparam importante papel. ¶ A projeção gráfica da América Latina: entre reconhecimento e educação Não são poucas as fontes que indicam que a exibição da literatura nacional foi assunto de interesse para muitos Estados latino-americanos no século xix, bem como para muitos de seus próprios círculos letrados15. As razões eram tanto a busca de reconhecimento artístico-literário como a oportunidade de responder às controvérsias que, acusando teorias como a do determinismo 14. Idem, 6 de julho de 1874, em Boletín de la Exposición, n. 4, pp. 277-278. 15. É o caso do livreiro chileno Roberto Miranda e sua missão sob a administração de José Manuel Balmaceda em 1890. Ver Pedro Pablo Figueroa, La Librería en Chile. Estudio Bibliográfico del Canje de Obras Nacionales Establecido i Propagado en Europa i América por el Editor i Librero don Roberto Miranda 1884-1894, Santiago, Imprenta de Vicuña Mackenna, 1894.

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geográfico, postulavam que, na América Latina, não podia existir uma grande arte nem uma grande cultura intelectual. É o caso de acadêmicos como o alemão Eduard Pöeppig, que afirmavam em suas cátedras que os letrados latino-americanos, mesmo valendo-se de uma língua vigorosa como o espanhol, expressavam enorme “pobreza de ideias”, devido, em boa parte, ao sol tropical, que não apenas diminuía a possibilidade de uma natureza pródiga, mas também a de uma vida intelectual na região16. Contra ideias como essas, que se juntavam às de outros publicistas como Gustave Le Bon ou Cecil Rhodes, foi que países, como o Peru, organizaram para a Exposição de Paris de 1900 enormes coleções de sua produção intelectual e científica. Segundo o livreiro e editor Carlos Prince, contratado pelo governo peruano para essa iniciativa, graças à criação da biblioteca de obras nacionais se teria na Europa “uma ideia exata e completa do grau de avanço científico, artístico, literário, comercial, industrial e político a que chegou o Peru, e das diversas faculdades intelectuais de seus filhos, ao mesmo tempo em que se compreenderam e apreciaram os progressos feitos neste país nos diversos ramos do saber humano”17. Tratava-se, pois, de representar o Peru não apenas como um território rico em matérias primas ou produtos naturais exportáveis, talvez a representação mais esperada, mas também de apresentar uma síntese do avanço cultural do país no século xix. Nenhuma representação nacional estaria completa, 16. Sobre a trajetória intelectual de Eduard Poeppig ver o estudo de Carlos Sanhueza, “Eduard Poeppig: en Busca del Hombre Tropical en la América Latina del Siglo xix”, em Rafael Segredo (ed.), Ciencia-Mundo. Orden Republicano, Arte y Nación en América, Santiago, dibam- Editorial Universitaria, 2010, pp. 147-164. 17. Carlos Prince, La Biblioteca Peruana en la Exposición Universal de París de 1900. Informe Presentado a la Comisión Central del Instituto Técnico, Lima, Imprenta del Autor, 1900, p. 6.

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chegamos na América ficarão assombrados e arrependidos de seus preconceitos diante da Biblioteca do Pavilhão do Peru na Exposição de Paris19.

Frontispício de La Biblioteca Peruana en la Exposición Universal de París de 1900. Informe apresentado à Comisión Central del Instituto Técnico por Carlos Prince, Lima, Casa del Autor, 1900.

afirmava o livreiro, sem as produções intelectuais próprias, “marca de honra e de glória para um país tão jovem”18. De modo mais direto com relação à velha controvérsia sobre as possibilidades intelectuais do continente, o mesmo Prince explicava que A maioria das pessoas dos países europeus supõe que estes povos americanos vivem, senão num estado de barbárie quase primitiva, pelo menos num grau de atraso intelectual aviltante e completo, [de forma que] aqueles que não têm a mínima ideia do movimento intelectual a que 18. Idem, p. 7.

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O catálogo da exposição, segundo o mesmo compilador, foi de 771 títulos em 538 volumes, quase seis vezes o tamanho da coleção antes apresentada na exposição de 1878. Esse grande conjunto incluiu publicações oficiais, revistas de círculos e sociedades de todo tipo, trabalhos científicos e religiosos e um acervo não menor de literatura de ficção. No entanto, durante as exposições e apesar das convicções de Prince de que iria impressionar o público europeu e fazê-lo arrepender-se dos preconceitos que alimentava, era muito difícil entregar as obras para leitura. Um jurado espanhol na Exposição de Viena de 1873 expressou-se, por exemplo, sobre os livros exibidos que: “Era inútil pensar sequer em vê-los; não se perde tempo nas Exposições universais com leituras nas bibliotecas das nações”20. Anos antes, na Exposição de Paris de 1867, um observador chegou a afirmar em tom semelhante que seria “impossível enumerar as obras e editores da França e do estrangeiro que figuram nesta sala; além disso, seria inútil tão árduo trabalho, considerando a abundância com que se imprimem e distribuem catálogos particulares”21. Evidentemente os catálogos das coleções expostas foram talvez a única coisa que se podia ler de forma atenta por observadores e comentaristas destas “galerias do progresso”. Não é exagerado dizer que muitos desses livros foram avaliados em 19. Idem, pp. 6-7. 20. J. Navarro Reverter, Del Turia al Danubio. Memorias de la Exposición Universal de Viena, Valencia, Imprenta de José Domenech, 1875, p. 204. 21. Román De Castro, Exposición Universal de París de 1867. Memoria Presentada a la Comisión Provincial de Puerto Rico, Puerto Rico, Imprenta de Acosta, 1868, p. 55.

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termos editoriais, mas não sob o aspecto literário. Ora, tampouco a experiência peruana seria a única nem muito menos. O Chile também apresentou vários conjuntos de edições nacionais na Exposição Centenária de Filadélfia de 1876. Eduardo de la Barra, um de seus comissionados, expôs uma coleção formada exclusivamente de obras “literárias”, enquanto Eduardo Séve, então cônsul belga em Santiago, exibiu grande mostra de impressos, panfletos e boletins periódicos chilenos. O mais numeroso destes conjuntos bibliográficos foi, no entanto, o coligido pelo escritório de comércio internacional, que reuniu ampla série de publicações oficiais, jurídicas e científicas, entre elas a portentosa obra geográfica e histórica de Claudio Gay22. Décadas mais tarde, para a Exposição Pan-americana de Buffalo, em 1901, a representação chilena reuniu um número menor de obras impressas, mas, diferentemente das bibliotecas enviadas à Filadélfia, organizadas por comissionados e funcionários, dessa vez deu prioridade à participação de impressores e encadernadores locais, destacando-se a presença das tipografias Barcelona e Gillet, duas das mais modernas oficinas com sede, respectivamente, em Santiago e em Valparaíso23. Em contraste com as experiências peruana e chilena, as participações argentinas priorizaram a dimensão educativa em vez de mero agrupamento de livros e leituras, como forma de destaque nas exposições, sobretudo naquelas realizadas a partir da década de 1880, período em que começaram a ser implantadas as leis de educação

pública neste país24. Em outras palavras, a faceta intelectual da representação argentina expressava mais uma responsabilidade do Estado do que uma possível reivindicação intelectual ou artística: a educação pública, por meio da qual se podia expor também sua bagagem editorial. O Consejo Nacional de Educación (cne), entidade burocrática por trás da educação argentina, foi também o encarregado de direcionar a representação, reunindo, para a Exposição de Paris de 1889, um vasto conjunto de livros e leituras que foi dividido em seis partes: a) memórias, informes, coleção de periódicos de educação e obras de pedagogia; b) um álbum com vistas fotográficas dos edifícios das escolas; c) as memórias dos professores sobre a organização e o andamento de suas escolas; d) diversas obras de texto; e) aparelhos, utensílios e mapas e, por último, f) os trabalhos dos alunos das escolas públicas, que abrangiam cento e setenta e sete volumes e abarcavam todas as áreas de ensino25. A importância dada a esta dimensão pode ser explicada pela própria valorização que se atribuía às exposições, que eram vistas não apenas como espaços oportunos para obter algum reconhecimento internacional, mas também como cenários ideais para o aprendizado. Para o cne, uma Exposição Universal constituía um espaço pedagógico, ou, nas palavras de um de seus membros, “uma grande escola de ensino industrial, popular e prática”26. Todavia e a nosso ver, esta consideração particular reflete alguns dos receios práticos existentes no cne sobre sua capacidade de suprir

22. Ver Catálogo de la Esposición Chilena en el Centenario de Filadelfia, Valparaíso, Imprenta del Mercurio, 1876, pp. 46-83. 23. Ver a reportagem de Tadeo Laso, sob o título de La Exhibición Chilena en la Exposición Pan-Americana de Buffalo, 1901, publicada na Imprenta, litografía y encuadernación Barcelona de Santiago, 1902.

24. Ver, por exemplo, o recente trabalho de William Acree, La Lectura Cotidiana. Cultura Impresa e Identidad Colectiva en el Río de la Plata, 1780-1910, Buenos Aires, Prometeo libros, 2013. 25. El Monitor de la Educación Común, año IX, n. 145, 15 de dezembro de 1888, pp. 193-207. 26. Idem, año viii, n. 118, setembro de 1887, pp. 663-665.

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Diploma de Menção Honrosa à Imprenta Elzeveriana de José Toribio Medina por seu trabalho tipográfico. Exposição Panamericana de Búfalo, 1901. Fonte: Biblioteca Nacional do Chile, Sala Medina.

as novas necessidades que a instauração do modelo público, obrigatório e laico na educação acarretava27. Como mencionamos antes com relação ao caso chileno, a capacidade editorial dos países latino-americanos não era suficientemente grande para que pudesse conduzir uma revolução no plano educativo. Nem a grande exposição argentina deixou de solicitar o apoio de livreiros e editores locais para realizar 27. Sobre a implementação da lei de Educação na Argentina, a formação de bibliotecas e a seleção de leituras para as escolas ver Roberta Paula Spregelburd, “¿Qué se puede leer en la escuela? El control estatal del texto escolar (1880-1916)”, em Héctor Rubén Cucuzza y Pablo Pineau (eds.), Para una Historia de la Enseñanza de la Lectura y Escritura en Argentina, Buenos Aires, Miño y Dávila Editores, 2002, pp. 149-176.

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sua mostra28. Com efeito, precisavam-se de mais e melhores máquinas de impressão, exigiam-se grandes quantidades de livros e cadernos, além de utensílios e mobiliário de todo tipo, para o que era quase uma obrigação espelhar-se nos Estados Unidos ou na França, países que lideravam a economia editorial ligada à educação. 28. O convite a livreiros e editores para que participassem como expositores justificou-se em virtude de não estar nas mãos do Estado “todas as obras escritas, traduzidas ou confeccionadas no país”; ver El Monitor de la Educación Común, año ix, 1888, p. 676. Alguns desses livreiros e editores que, por meio de subscrições ou concursos procuravam atender aos pedidos do cne, como Jacobo Peuser, chegaram a ganhar medalhas na mostra de “Papelaria, Encadernação e Materiais de Pintura e Desenho” da Exposição Universal de Paris de 1889; ver Le Moniteur de la Papeterie Française, vol. 25, n. 7, 1o de outubro de 1889.

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O caso das mostras francesas de livros, leituras e materiais escolares é bastante expressivo de sua condição de potência nessa área, que combinava o educativo com o artístico e o literário. Desde os eventos da década de 1850 até o início do século xx, as delegações francesas incorporaram vultosas coleções, bibliotecas e catálogos que representavam não só os órgãos oficiais, como a Imprimerie Impériale, mas também o numeroso – e poderoso – grupo de livreiros e editores dedicados à produção de textos acadêmicos para todos os níveis, desde o infantil até o adulto. É o caso de empresas como Hetzel, Hachette, Masson, Ollendorf, ou Dupont, participantes frequentes de feiras e exposições, tanto individualmente como agrupadas sob a associação do Cercle de la Librairie de Paris29. Diante de uma dessas coleções, um observador porto-riquenho declarou que, embora as edições inglesas e do norte da Europa pudessem ser superiores em papel, tipos, impressão e até encadernação, os livros franceses eram mais baratos e atraíam maior atenção no que se refere ao panorama educativo. Conforme explicava, nenhuma outra nação como a França fizera tanto para popularizar os conhecimentos humanos, com tantos livros de instrução primária, manuais de ciências, artes e ofícios, traduções de todas as línguas e edições populares de literatura antiga e moderna. Todos os produtos industriais da imprensa francesa, concluía ele, tinham “por objetivo principal a instrução do povo, e seus preços são verdadeiramente módicos”30. 29. Um exemplo interessante da bibliografia que o Cercle de la Librairie conseguia reunir pode-se encontrar no catálogo de mais de cento e oitenta páginas levado à Exposição Universal de Nova Orleans de 1884; ver Exposition Universelle de la Nouvelle-Orléans 1884-1885. Exposition Collective du Cercle de la Librairie de Paris (1885). 30. De Castro, Exposición Universal de París de 1867, op,. cit., 1868, pp. 56-57.

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Desse modo, os certames universais ofereciam um espaço útil não só para dar-se a conhecer, para mostrar repertórios e autoimagens nacionais, mas também para aprender, discutir e, é claro, negociar. Ao lado do já falado, este último assunto expõe o que se pode considerar – e aqui o temos feito – uma primeira engrenagem na relação entre livros, impressos e exposições, a interposta entre o capitalismo editorial e as responsabilidades de Estado. Essa mesma engrenagem nos permite agora entrar no cerne deste artigo, procurando refletir sobre o legado das exposições no que se refere ao campo da tipografia na América Latina, tanto por meio dos espaços Livro

¶ l e i tu ra s Seção de Bibliotecas e Fotografias do Pavilhão do Chile na Exposição Panamericana de Buffalo. Fonte: Tadeo Laso J., La Exhibición Chilena en la Exposición Pan-americana de Buffalo, E.U. 1901: Historia y Documentación Oficial de la Parte que Cupo Á Chile en Aquel Torneo Industrial, Acompañada de Algunas Descripciones de los Productos Premiados en Ella; Santiago, Impr. e Enc. Barcelona, 1902.

oficiais, já percorridos sumariamente, quanto dos privados, encabeçados por impressores e livreiros, que também atuaram nestes cenários de contato e intercâmbio cultural e industrial. ¶ Da exposição à transformação: os agentes do campo gráfico Em seu Diccionario Biográfico de Extranjeros en Chile, o escritor Pedro Pablo Figueroa, um dos muitos letrados chilenos interessados nos assuntos bibliográficos, descreve o alemão Wilhelm Helfmann como um dos maiores impulsionadores da imprensa no país. Dono de uma das principais tipogra41 ◆

fias de Santiago, a Imprenta del Universo, Helfmann era considerado por Figueroa o introdutor no país dos “carimbos de borracha, da fabricação de fichas, das gravações em zinco e em cobre e das ilustrações heliográficas”31. Esta capacidade de estar certamente na vanguarda devia-se, entre outros fatores, como já ilustramos com a carta dirigida a Blest Gana em 1874, à frequente participação deste impressor nas exposições. Além de visitar a de Viena de 1873, Wilhelm Helfmann visitou as exposições de 1889 em Paris, a Exposição Colombina de Chicago de 1892 e a Exposição Universal Francesa de 1900. Suas diversas participações não só assinalam um quadro temporal diante dos momentos de atualização industrial, como também dão uma ideia de quais eram os centros onde a indústria editorial das nações desfilava orgulhosa. Mais do que Viena, cidade que industrialmente funcionava em sintonia com a pujança alemã da década de 1870, Paris constituíase numa capital do livro europeu nas últimas décadas do século xix. Seus editores e livreiros, geralmente interessados no mercado do livro em castelhano, recrutavam tradutores espanhóis e gostavam de estabelecer intercâmbios e negócios com seus congêneres latino-americanos. Quanto aos Estados Unidos, cidades como Chicago já conseguiam 31. Pedro Pablo Figueroa, La Librería en Chile, op. cit., 1900, p. 104)

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produzir, em 1888, cerca de 35 mil volumes de livros diários, num valor aproximado de 4,7 milhões de dólares, segundo relata o também livreiro e editor Charles B. Norton (1890), frequente participante de feiras e exposições universais32. Voltando a Helfmann, está claro que, como experiente empresário do livro, visitava apenas as exposições que lhe pudessem ser proveitosas33. Assim, e muito além da retórica de Figueroa a respeito das contribuições de Helfmann, é inegável a importância de sua trajetória empresarial na configuração de um campo gráfico moderno no Chile na segunda metade do século xix. Chegado em 1852 da Alemanha, Helfmann começa rapidamente a desenvolver-se nos espaços da imprensa, primeiro como administrador da Imprenta de El Mercurio de Valparaíso, e depois em razão de suas próprias publicações, como The Chilean Times (1876). Na década de 1860, Helfmann e sua Imprenta del Universo já prestavam serviços ao Estado chileno, imprimindo suas estatísticas comerciais; no início da década de 1890, seu estabelecimento editorial de Valparaíso conseguiu abrir uma sucursal em Santiago, caso não menos importante se se levar em conta o tamanho do campo gráfico chileno34. A 32. As memórias de Norton que ele próprio escreveu tem o título de Worlds Fairs from London 1851 to Chicago 1893, e foram publicadas em Chicago em 1890, pouco antes de sua morte. 33. Não há, por exemplo, registro de que tenha participado da Exposição Universal de Barcelona de 1888, nem da Histórico-Americana de Madri de 1892, centros onde sempre se agrupavam os principais fabricantes, editores e livreiros, seus espaços preferidos. 34. Existem dados contraditórios a respeito da fundação da Imprenta del Universo. Bernardo Subercaseaux (Historia del Libro en Chile. Desde la Colonia Hasta el Bicentenario, Santiago, lom Ediciones, 2010), respaldado talvez no já citado Diccionario Biográfico de Extranjeros en Chile, de Pedro Pablo Figueroa, afirma que teria ocorrido em 1892, ano que também repetem pesquisadores posteriores. Todavia, o nome dessa gráfica e a menção de Helfmann como seu responsável já aparecem nos Anales de la Universidad de Chile,

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prosperidade de seu negócio lhe permitiu também abrir caminho para a publicação de revistas, como Sucesos (1895), coeditada com seu filho Gustavo, e depois Zig-Zag, um dos primeiros magazines modernos do continente, fundado em 1905 e que, sob a administração dos Helfmann, subsistiu com sucesso até a década de 196035. Sobre Ignacio Balcells, outro impressor de Santiago, responsável pela Imprenta Barcelona, também sabemos que visitou a Exposição Universal de Paris de 1900, evento certamente especial na medida em que, somando e ampliando as diferentes classificações anteriores, dispunha de mais de catorze classes de objetos onde podiam aparecer os diversos produtos, materiais e maquinários ligados ao mundo do impresso, a livraria e o campo escolar36. Considerando tudo isso, fica evidente que as diversas exposições universais serviram de espaços de modernização técnica do parque gráfico latino-americano. No entanto, esta capacidade de incidência foi muito desigual, e dependente tanto da recorrência quanto da procedência dos agentes interessados. Muitos países da região, por exemplo, até podiam enviar aos certames coleções ou mostras impressas, sem maior ânimo do que tomos 122 e 123, correspondentes ao ano de 1863. O website Memoria Chilena fornece a data de 1859 como ponto de partida, talvez o mais fidedigno. 35. Helfmann foi também fornecedor de textos escolares de certa recorrência para o Estado chileno. Em 1905, consegue, por exemplo, qualificar-se num concurso para fornecimento de cinco mil exemplares de livros de presença diária; ver Noticias Gráficas, año II, n. 7, janeiro de 1905, p. 120. Uma visão ampla do campo do livro no Chile neste período é oferecida por Subercaseaux, Historia del Libro en Chile, op. cit.. 36. Segundo Jorge Soto Veragua (Historia de la Imprenta en Chile. Desde el Siglo xviii al xxi, Santiago, Editorial Árbol Azul, 2009, pp. 182-183), a viagem de Balcells à Europa e à Exposição de Paris lhe possibilitou introduzir em sua gráfica melhorias nos processos mecânicos e seus elementos de trabalho, inovações que lhe permitiram ganhar reconhecimento no Chile por suas impressões em cores, fotolitos, tricromias, fototipias e litografias.

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Frontispício de La librairie, l’Édition musicale, la Presse, la Reliure, l’Affiche à la Exposition Universelle de 1900. Recueil précédé d’une Notice Historique par Lucien Layus. Paris, Cercle de la Librairie, 1900.

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o de marcar presença; e não foram muitos os impressores ou livreiros que atravessaram o Atlântico em busca de alternativas ou vantagens para seu ofício. A importância que esses eventos lograram alcançar no que tange à complexização dos campos culturais latino-americanos no período entre os séculos xix e xx tampouco foi assunto ligado estritamente ao técnico ou industrial. Sendo espaços de contato, interação e intercâmbio, as Exposições puderam converter-se em cenários onde não só apareciam as necessidades latino-americanas relativas ao impresso, mas também onde coincidiam com as existentes na Europa ou nos Estados Unidos. Em outras palavras, feiras e exposições universais evidenciaram necessidades distintas mas conectadas. Se os livreiros latino-americanos procuravam livros para satisfazer as necessidades acadêmicas, científicas ou intelectuais de suas cidades letradas, os editores europeus, com produção em espanhol ou português, também precisavam de livreiros e agentes de diversos tipos para penetrarem num mercado tão vasto como o da América. Ao mesmo tempo, uma leitura dos catálogos de livreiros e antiquários como os alemães Karl W. Hiersemann ou Bernard Quaritch ilustra muito bem o interesse de certo tipo de leitor europeu, como os filólogos, colecionadores ou encarregados de museus e bibliotecas, pelas produções latino-americanas, sobretudo por aquelas anteriores ao século xix, bem como pelas produções claramente bibliográficas. Os caminhos de editoras francesas como Hachette, Ollendorf, Larousse ou Garnier também coincidiram, nestes espaços, com as necessidades dos livreiros latino-americanos de melhorar sua oferta, tanto no tocante a autorias e títulos, como em qualidades editoriais e gráficas. Situação semelhante encontraram alguns fabricantes de papel, como Laroche-Joubert, de Angoulème, uma das fir44 ◆

mas especialistas nessa área e que foi assídua participante de feiras e exposições universais, inclusive da Exposição Internacional do Chile, em 187537. Para apresentar um rápido exemplo, a experiência do livreiro chileno Roberto Miranda mostra claramente que ele tirou proveito destes contatos, pois, além de participar de exposições como a de Paris de 1889, onde marcou presença com LarocheJoubert, anos depois manteve um relacionamento com ele na criação de uma comissão oficial dedicada à divulgação da produção intelectual chilena na Europa38. Essa viagem permitiu também que Miranda aprofundasse seus contatos com livrarias como a Garnier, com a qual publicou com autorização oficial dez mil exemplares dos Códigos Chilenos39. Uma análise de seus catálogos, antes e depois de sua viagem em 1890, ilustra igualmente uma mudança qualitativa e quantitativa no tocante à oferta bibliográfica, sobretudo com relação à edição francesa40. Ora, embora nos falte analisar, no restante do continente, possíveis experiências semelhantes à de Miranda, cremos que a desse livreiro nos permite evidenciar a existência de uma segunda engrenagem entre as 37. Sua participação é comprovada pelas listas dos resultados de premiação; ver Exposición Internacional de Chile en 1875. Primera Lista de Prêmios, 1876, p. 50. 38. Sobre os prêmios que ambos receberam na Exposição Universal de Paris de 1889, ver Le Moniteur de la Papeterie Française, vol. 25, n. 7, 1o de outubro de 1889. 39. Para um exame da viagem de Miranda em 1890 e de seus múltiplos contatos na Europa e na América Latina, ver Juan David Murillo Sandoval, “Libros, intercambio cultural y diplomacia en Chile. El caso del librero Roberto Miranda a fines del s. xix”, Memorias del 1er Congreso Internacional de Historia Intelectual de América Latina, Medellín, Universidad de Antioquia, 2012. 40. Alguns dos catálogos de Miranda que ilustram esta evolução: Librería Miranda. Catálogo de las Obras de Construcción y Trabajos Públicos en Francés y Español (1891); Catalogue Général des Oeuvres en Français de la Librairie Roberto Miranda (1899); e Librería Miranda de Hijos de Roberto Miranda. Catálogo de las Obras de Medicina en Español y Francés (1905).

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exposições universais e o mundo impresso: o ocorrido entre livreiros, editores e gráficos que renovam seus catálogos, materiais e produtos intelectuais e as transformações que esses processos implicaram para a geografia cultural latino-americana. Em outros termos, as exposições desenvolveram-se como um mecanismo de encontro e encadeamento de objetivos transatlânticos, como uma fábrica de redes ou uma estimuladora de laços preexistentes entre os diversos agentes do circuito da comunicação impressa. Sem dúvida, uma análise minuciosa do impresso latino-americano nesses certames forneceria maiores indicadores de sua evolução, dos objetivos interligados com sua exposição e das dimensões que evidentemente privilegiaram as diversas mostras nacionais, fora o reconhecimento intelectual, a possível modernização técnica ou a projeção de suas iniciativas no meio educativo ou científico. Ao menos no aspecto quantitativo, é claro que a representação impressa dos países latino-americanos evoluiu de forma gradativa entre as exposições realizadas entre a década de 1850 e a de 1870, quando era nula ou, ao menos, pouco expressiva a participação de jurados ou resenhistas. Em 1878, uma reportagem sobre o setor de imprensa e livraria da Exposição de Paris argumentava, por exemplo, que as produções da Venezuela, da Argentina e do Peru não ofereciam nenhum interesse particular, isto é, não mereciam ser descritas ou analisadas41. Esta situação mudou no final da década de 1880, especial-

mente em países como a Argentina e o Uruguai, que se destacaram reiteradas vezes em segmentos como o da Instrução Pública42. O Peru, como já salientamos, levou para a Exposição Universal de Paris de 1900 mais de setecentos títulos, e o México conseguiu reunir nesse mesmo evento mais de duzentos expositores, entre públicos e privados, nas áreas de tipografia, livros, edições musicais e encadernação43. Naturalmente, essa evolução na representação impressa das nações foi diferente para cada país, e é também evidente que muitas das transformações nas geografias do impresso do continente podem ser explicadas por assuntos diferentes do proveito das exposições ou das redes nelas estabelecidas, ou inclusive por outros canais também facilitadores de interações e transferências. No entanto, estamos convencidos de que, para muitas experiências particulares, as exposições universais se traduziram em oportunidades de aprendizado e atualização, assim como em cenários onde a pujança da economia do livro pôde efetivamente ser sentida e aproveitada. É nessa medida que o impacto das exposições nas transformações da paisagem cultural latino-americana e na emergência de uma cultura impressa cada vez mais complexa na região pressupõe problemas dignos de investigação, desde que se trate de contribuir para uma história do livro e da edição menos nacional e mais continental e, consequentemente, menos isolada do restante dos espaços e dinâmicas mundiais.

41. Nas palavras do articulista: “Quant aux productions des Républiques de l’Amérique du Sud, du Venezuela, de la République Argentine et du Perou, elles n’offraient aucun intérêt particulier” (Émile Martinet, Exposition Universelle. Paris. 1878. Rapports du Jury International. Rapport sur l’Imprimerie et la Librairie, Paris, Imprimerie Nationale, 1880, p. 106.

42. Uma resenha do periodista Jules Steeg, da Revue Pédagogique, foi particularmente elogiosa a respeito da exposição argentina de Paris em 1889, descrita como a melhor de todo o continente, superando a coleção mexicana e a brasileira. Ver El Monitor de la Educación Común, año xi, n. 165, 30 de setembro de 1889, pp. 219-224. 43. Sobre o caso mexicano, ver o informe de Sebastián de Mier, México en la Exposición Universal de París de 1900, Paris, Imprenta de J. Dumoulin, 1901, pp. 38-50.

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