Entre o laboratório, a indústria e a intervenção política e administrativa. O químico José Júlio Rodrigues na sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX

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(publicado em SERRÃO, José Vicente, PINHEIRO, Magda de Avelar e FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo (org), Desenvolvimento Económico e Mudança Social nos últimos dois séculos, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2009, pp. 173 -190, ISBN: 978-972-671-2374)

Entre o laboratório, a indústria e a intervenção política e administrativa O químico José Júlio Rodrigues na sociedade portuguesa da 2ª metade do século XIX.

Ana Cardoso de Matos Universidade de Évora

No século XIX a ciência aplicada surgiu como o corolário da ideia de progresso e de desenvolvimento económico e social dos países. Como consequência a “elite científica” passou a ter uma intervenção muito directa na vida política e administrativa. Em Portugal o desenvolvimento material do país preconizado pelo Fontismo, que assentava no incremento das comunicações, no progresso tecnológico da indústria e agricultura, na modernização dos espaços urbanos e no incentivo à disseminação da formação técnica, deu uma nova projecção aos detentores de uma sólida formação técnico/científica, que frequentemente foram chamados a desempenhar importantes cargos políticos e administrativos e consultados sobre várias das grandes questões que estavam no centro da política governamental. Na área da química homens como Júlio Máximo de Oliveira Pimental, José Júlio Bettencourt Rodrigues ou Vicente Lourenço associaram a sua actividade científica a uma participação activa na vida política, administrativa e económica do país, desempenhando cargos no Parlamento, na administração local ou em empresas industriais. A sua acção foi determinante no ensino técnico, nomeadamente na Escola Politécnica e no Instituto Industrial de Lisboa, onde introduziram novos métodos de ensino e transmitiram às gerações seguintes conhecimentos técnico/científicos actualizados e uma nova postura face à prática científica, que assentava na aplicação da ciência ao desenvolvimento da economia e da qualidade de vida das populações. Aderindo ao espírito associativo que marcou o século XIX, estes homens foram membros de várias associações e academias, nas quais a “instrução” dos povos surgia como um dos objectivos prioritários. Nesta qualidade pugnaram pela defesa da generalização do ensino primário e técnico e realizaram conferências com o objectivo de divulgar as vantagens da aplicação prática da ciência e da técnica à vida social e económica. Pela sua participação em projectos industriais procuraram potencializar os

recursos naturais do país e dar respostas às necessidades que o desenvolvimento económico ia colocando. Neste texto procura-se realizar um estudo de caso centrado em José Júlio Bettencourt Rodrigues, químico que aliou uma carreira de “homem de ciência” ao ensino e à intervenção directa na vida política e económica do país. A formação e a actividade docente Formado pela Universidade de Coimbra em Matemática e Filosofia1, foi professor no Liceu de Lisboa, na Academia Politécnica e no Instituto Industrial da mesma cidade. Em 1868 acumulava o cargo de professor de Elementos de física e química e Introdução à história natural no Liceu de Lisboa, com o lugar de lente substituto de António Augusto de Aguiar, na 6ª cadeira, Química Mineral, da Escola Politécnica de Lisboa, para a qual entrara em 18672. A proximidade e a tutela de António Augusto de Aguiar contribuíram para que escrevessem em conjunto a obra, Curso elementar de ciências físicas e naturais para uso dos liceus, editada em 1868. Na Escola Politécnica de Lisboa José Júlio Rodrigues teve uma acção determinante no carácter experimental que passou a caracterizar o ensino da química e na modernização do laboratório dessa mesma escola. Com as obras realizadas em 1890, o laboratório passou a dispor de iluminação eléctrica, fornecida a partir de um dínamo encomendado à Société Anonyme d’Électricité de Paris, e várias das experiências eram realizadas como o auxílio do gás fornecido pela Cª do Gás de Lisboa. Os aparelhos existentes neste espaço, comprados em Portugal ou encomendados no estrangeiro, seguiam as mais actualizadas técnicas de experimentação científica. Por tudo isto o laboratório da Escola Politécnica de Lisboa foi considerado por August von Hofmann3 como um dos mais belos e bem apetrechados da Europa4. Nos trabalhos que realizou neste laboratório José Júlio Rodrigues privilegiou as aplicações industriais e a investigação sobre processos fotográficos. É possível que tenha sido também aqui que analisou as características das águas minerais de Peneda e Rebordochão pertencentes à empresa Pedras Salgadas5. Foi, talvez, por influência de António Augusto de Aguiar que José Júlio Rodrigues integrou o corpo docente do Instituto Industrial de Lisboa6, onde começou por ser lente da 7.ª cadeira – Princípios de Física e de Química, e Introdução à História Natural dos três reinos. Em 1884, quando foi criado nesta escola o curso de Comércio7, passou a 1

Descendente de uma família madeirense, José Júlio Rodrigues nasceu na Ilha da Madeira em 1845. Em 1887, com a morte de António Augusto de Aguiar passou a lente proprietário desta cadeira. 3 August von Hofmann (1818-1892) foi um químico alemão que teve uma importante acção no desenvolvimento da investigação e ensino desta ciência em Inglaterra e na Alemanha. 4 Sobre este laboratório veja-se JANEIRA, Ana Luísa, MAIA, Maria Elisa e PEREIRA, Pilar (ed.) O Laboratório de Química Mineral da Escola Politécnica de Lisboa (1884-1894), Lisboa, 1996 e RAMALHO, Maria da Graça SantaBárbara Chorão, Contributo para a Recuperação e Integração Museológica do Laboratório e Amphiteatro de Chimica da Escola Politécnica de Lisboa., Lisboa, FCSH/UNL, 2001 (policopiado). 5 Sobre as mesmas publicou as obras Breve noticia sobre a composição chimica das aguas mineraes das Pedras Salgadas (em colaboração com Bernardino António Gomes), Coimbra, 1871 e Breve noticia ácerca de uma nascente mineral em Trás-os-Montes, perto de Rebordochão, Lisboa, 1871. 6 Aguiar era professor deste Instituto desde 1868. 7 Decreto 6 de Março de 1884 2

leccionar a cadeira de Química Industrial. Com a reorganização dos cursos decretada em 18868 assumiu a regência da Tecnologia Química, cujo programa incidia sobre as matérias-primas de origem mineral e suas transformações, as características físicas e químicas desses produtos, o seu valor comercial, as falsificações a que os mesmos podiam ser sujeitos e os meios práticos de as reconhecer. A química ao serviço dos levantamentos Geodésicos, Topográficos e Geológicos O conhecimento do território era um factor fundamental à definição das políticas governamentais. Daí que os levantamentos geodésicos, topográficos e geológicos etc., tenham sido uma preocupação constante dos governos oitocentistas9. Contudo, a representação gráfica e a posterior reprodução desses mesmos levantamentos era determinante para que os mesmos pudessem servir de base às políticas tendentes ao aproveitamento dos recursos naturais, ao traçado das vias de comunicação ou à correcta delimitação de fronteiras. Neste contexto em 15 de Novembro de 1872 o governo criou uma secção de fotografia ligada à Direcção Geral dos Trabalhos Geográficos e Geológicos de Portugal, para cuja direcção nomeou José Júlio Rodrigues10. Instalada no Convento de Jesus, a secção de fotografia foi montada de acordo com os mais modernos processos de reprodução de imagens, o que obrigou a realizar importantes obras que permitissem uma racionalização do espaço e dotassem as várias oficinas de canalizações de gás e água e de uma rede de distribuição de electricidade. A produção de electricidade era assegurada por um aparelho de Gramme, o primeiro instalado no país, movido por uma máquina a vapor vertical proveniente das oficinas de Leleu e Clavier de Paris11. Segundo o depoimento do director deste estabelecimento, “a secção fotográfica da Direcção da geral dos trabalhos geodésicos [foi] o primeiro estabelecimento do mundo, que organizou e instalou, (…), uma série de trabalhos e serviços industriais, feitos com intervenção da electricidade”12. Entre os vários maquinismos instalados na secção de fotografia contavam-se um prelo litográfico de Voirin movido a vapor, um prelo litográfico de Poirier, uma calandra de assetinar e um forno para aquecer as chapas durante a gravura. Enquanto instalava esta secção, José Júlio Rodrigues desenvolveu uma série de estudos e experiências de reprodução de imagens13 e realizou várias viagens de estudo, nomeadamente a Paris14, acções que contribuíram para que a mesma tivesse atingido uma grande perfeição, visível na exposição pública inaugurada em 15 de Abril de 1875 8

Decreto de 20 de Dezembro de 1886. Sobre o assunto veja-se BRANCO, Rui, O Mapa de Portugal. Estado, Território e Poder no Portugal de Oitocentos, Lisboa, 2003. 10 Rapport sur les Travaux Geodésiques, Topographiques, Hydrographiques et Géologiques du Portugal, Lisboa, 1878, p.7. 11 RODRIGUES, José Júlio, A Secção Photographica ou Artística da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos no dia 1 de Dezembro de 1876, Noticia, Lisboa, 1876, p. 18. 12 Idem, p.25 13 Sendo sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, Rodrigues publicou alguns desses trabalhos no Jornal de Sciencias Mathematicas, Phisicas e Naturaes publicado sob os auspícios desta Academia. 14 Onde visitou o serviço fotográfico do Ministério da Guerra. MENDES, H. Gabriel, “As origens da Comissão de Cartografia e a Acção Determinante de José Júlio Rodrigues, Luciano Cordeiro e Francisco António de Brito Limpo” in Revista do Instituto Geográfico e Cadastral, nº 2, Setembro de 1982, p.32 9

no Convento de Jesus15. O processo de fotolitografia aí apresentado era “essencialmente português”, tendo sido este químico o primeiro a estabelecer “em bases seguras o emprego de lâminas metálicas muito delgadas, que excelentemente funcionam em vários métodos de impressão foto-química”16. Nestas oficinas era possível a reprodução de cartas geográficas e de imagens através da fotografia, da utilização do cautchuc e da estampagem com tintas de impressão. A técnica do cautchuc, que permitia reduzir o tempo de reprodução das imagens, combinada com a utilização do vapor e com a iluminação eléctrica, permitiu aumentar a capacidade de produção da Secção Fotográfica, a qual, aliando a rapidez dos processos à qualidade, entre 1872 e Novembro de 1876, imprimiu mais de 20.000 estampas, tendo ainda reproduzido mais de 1.000 gravuras para particulares. A qualidade das imagens reproduzidas nesta oficina foi elogiada por vários jornais científicos de países como a Inglaterra, a França, a Bélgica ou a Áustria, e reconhecida pela atribuição de medalhas nas exposições da Sociedade Francesa de Fotografia de 1874 e 1876 e na Exposição Filadélfia de 1876. No Congresso Internacional das Ciências Geográficas, realizado em Paris em 1875, foi-lhe também atribuída uma carta de distinção. Por essa razão jornais como o Moniteur de la Photographie e o Bulletín de la Société Française de Photographie, de Paris, e o Photographische Correspondens de Viena de Áustria solicitaram-lhe imagens para incluir nas suas páginas17. Da actividade comercial à actividade editorial O interesse que José Júlio Rodrigues sempre demonstrou pela fotografia e pelos progressos da imprensa devem ter contribuído para que a firma Rodrigues & Rodrigues, pertencente à sua família e de que chegou a ser director, se tivesse especializado na importação de produtos ligados com este sector. Esta firma era uma “Casa de Comissões” que se encarregava de “executar quaisquer ordens, por preços sempre mínimos e pequeníssima comissão”18, que diversificando as suas representações vendia uma grande disparidade de produtos que iam desde a perfumaria até aos motores de gás, como era o caso do motor de gás vertical do sistema Bénier19. Dispondo de um fábrica de tintas de imprensa, que fundara em 1881, e de uma tipografia, em 1886 iniciou a publicação de um jornal – O Interesse Público, folha Diária, Política e Noticiosa—, de que era proprietário. No folheto de apresentação deste jornal indicava-se que o mesmo teria as seguintes secções: política; administrativa, oficial, provincial; colonial; económica e comercial: noticiosa; internacional; e literária. O primeiro número do jornal foi publicado em 15 de Março de 1886, sem qualquer referência ao director ou principal redactor, mas a partir de 13 de Abril, José Júlio 15

SILVA, Francisco Maria Pereira da, Relatório do Anno de 1875. Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos, Topographicos, Hydrographicos e Geológicos do Reino, Lisboa, 1876, p. 37. 16 Direcção-Geral dos Trabalhos Geographicos Portuguezes. Secção Photographica. Primeira Exposição Nacional inaugurada no dia 15 de Abril de 1875. Photogaphia applicada aos trabalhos geograficos. Processos de Impressão photographica com tintas gordas. Noticia abreviada, Lisboa, 1875, p.8. 17 Idem, p.13 18 Tal como é referido nos vários anúncios desta casa comercial. 19 Sobre a importação de máquinas industriais e agrícolas veja-se PEREIRA, Miriam Halpern, Livre-Câmbio e desenvolvimento Económico, Lisboa, 1983., pp. 249-250.

Rodrigues surge como principal redactor, enquanto Fialho de Almeida é indicado como director literário, situação que se mantém até 30 de Maio. Em Setembro Rodrigues volta a surgiu como principal redactor. A alternância de fases de maior ou menor envolvimento na redacção do jornal era provavelmente determinada pelos vários compromissos a que este químico tinha que dar resposta. Com este jornal José Júlio Rodrigues passou a dispor de um meio de levar até à opinião pública as suas posições face à política seguida pelo governo. Ao longo dos vários números do Interesse Público deu notícia dos acontecimentos políticos, sociais ou recreativos que iam pautando a vida portuguesa e manifestou a sua opinião sobre assuntos como o ensino, a questão ultramarina ou o problema vinícola. Neste jornal procurou publicar imagens que ilustrassem alguns dos principais acontecimentos da época, como foi o casamento de D. Amélia e D. Carlos, mas devido à qualidade do papel as mesmas nem sempre correspondiam às expectativas. A publicação do Interesse Público era completada pela Revista Intelectual Contemporânea20, de periodicidade quinzenal que era distribuída gratuitamente aos assinantes do jornal. Tendo como director literário Fialho d’Almeida e contando entre os seus colaboradores com destacadas figuras da sociedade portuguesa, como Júlio César Machado, J. I Ferreira Lapa, Ramalhão Ortigão, Camilo Castelo Branco ou o Conde de Ficalho, entre outros, a revista procurava difundir conhecimentos de forma “popular”. A duração destas publicações foi, no entanto, curta. Cerca de um ano depois as várias actividades porque se dispersava o tempo e o trabalho de José Júlio Rodrigues e, provavelmente, a dificuldade em garantir colaborações regulares daqueles que no início se tinham assumido como colaboradores, inviabilizaram a sua continuação. Do laboratório para a indústria: a química aplicada à produção industrial Na segunda metade do século XIX o interesse pela modernização económica do país levou ao aumento das publicações em que a divulgação de novas técnicas susceptíveis de serem introduzidas nos vários sectores da economia foi uma constante. Como referiu Miriam Halpern Pereira, a nível agrícola “O acolhimento do público a livros estritamente técnicos e práticos é significativo de uma grande vontade de inovação e progresso”21. Vontade que se estendia aos outros sectores da economia, mas que era dificultada pelas condições económicas e sociais do país. O aumento do número de obras monográficas, revistas e jornais e as grandes tiragens da colecção Biblioteca do Povo e das Escolas iniciada em 1881 por Corazzi, com o objectivo difundir conhecimentos científicos de forma correcta mas acessível ao grande público, contribuíram para criar condições favoráveis ao investimento na produção nacional de tintas de imprensa. O próprio José Júlio Rodrigues reconheceu que “ O gosto pela leitura só recentemente se desenvolveu em Portugal e antes de 1860 nem

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Revista Intellectual Contemporânea. Publicação Quinzenal adscrita ao Jornal O Interesse Público. Impressa na Tïp. Do Interesse Público, 1886. 21 PEREIRA, Miriam Halpern, Livre-Câmbio e desenvolvimento Económico, Ob. Cit., p. 6

metade de da porção referida [de tinta de imprensa] era gasta em regiões portuguesas”22. Ora, até à década de 1880 a tinta de imprensa utilizada em Portugal era quase toda de origem francesa ou alemã, o que colocava o país na dependência das conjunturas internacionais e dificultava os empreendimentos jornalísticos. Para um homem que considerava a imprensa um importante veículo civilizador e que era defensor da substituição dos produtos importados pela produção nacional, esta situação era uma razão suficientemente forte para que José Júlio Rodrigues procurasse colocar os seus conhecimentos de química e a experiência que tinha enquanto negociante de tintas de imprensa ao serviço do desenvolvimento da produção deste produto no país. Sob a firma Rodrigues & Rodrigues estabeleceu em 1881, na Calçada do Duque nº 29, um “microscópico laboratório”, que “era e foi apenas a matriz da futura fábrica”23. Apesar das suas reduzidas dimensões este estabelecimento produziu até Outubro de 1881 seiscentos quilos de tinta tipográfica mediante o processo por ele inventado e que privilegiara em Portugal e Espanha24. A sobrevivência desta indústria era, contudo, comprometida pela importação de tinta, principalmente alemã, a preços mais baixos. Daí que quando se realizou o Inquérito industrial de 1881, José Júlio Rodrigues tenha solicitado a António Augusto de Aguiar que fossem elevadas as taxas de importação de tintas estrangeiras, considerando que as tintas finas deveriam pagar 10 a 15% do seu valor25. Procurando aperfeiçoar o seu método de produzir tintas de imprensa e substituir várias das matérias-primas importadas por produtos nacionais, durante os primeiros meses de 1882 José Júlio Rodrigues realizou várias experiências que lhe exigiram um grande esforço, pois “A tão árdua tarefa tinha de associar o meu serviço como professor na escola politécnica, no liceu e no instituto industrial de Lisboa, tudo acumulado com a direcção dos negócios da firma Rodrigues & Rodrigues”26. Apesar das dificuldades financeiras com se confrontava o seu estabelecimento e que o obrigaram a recorrer a vários empréstimos, José Júlio Rodrigues investiu na sua ampliação, transferindo-o em Outubro de 1882 para Alcântara e posteriormente para a Praça Luís de Camões nº 6, espaço em que já funcionava a casa comercial Rodrigues & Rodrigues. A fábrica foi montada para uma produção anual de 30.000 quilos anuais de tinta, tendo sido investidos em material fixo 4.5000$000 réis, investimento que nos anos seguintes não foi possível rentabilizar, visto que a procura, que apenas se elevara a 15.000 quilos, tornava inúteis vários dos equipamentos que tinham sido adquiridos. Em 1883 a empresa encerrou o ano económico com um deficit de cerca de 300$00 e em 1884 o proprietário considerava que o mesmo poderia ser ainda maior, pois a 22

RODRIGUES, José Júlio, A Fábrica Nacional de Tintas de Imprensa. Contribuição para a História da Indústria em Portugal. Descripção, Notícia e Comentários, Lisboa, 1884, p.11. 23 Idem, p.27. 24 RODRIGUES, José Júlio, Carta ao Illmº e Excmº Conselheiro António Augusto d’Aguiar a propósito do presente inquérito industrial e dos direitos que deve pagar a tinta estrangeira de impressão, Lisboa, 1881, p. 5. 25 Idem, p.7. Nesta altura, vários foram os industriais de outros ramos que também solicitaram um aumento das pautas aduaneiras. 26 26 RODRIGUES, José Júlio, A Fábrica Nacional de Tintas de Imprensa, ob. cit., pp. 90-91.

concorrência das tintas estrangeiras que se comercializavam a 180 réis, obrigara a vender grande parte da tinta produzida nesta fábrica a 160 réis o quilo, preço que José Júlio Rodrigues considerava incomportável para o sucesso da empresa. A viabilidade económica da fábrica dependia da possibilidade de aumentar a produção até pelo menos 25.000 quilos e da venda das tintas a um preço não inferior a 200 réis o quilo. Nesta situação o estabelecimento podia dar um lucro líquido de 879$00027. Embora a maioria das tipografias do país tivessem passado a utilizar a tinta desta fábrica, a Imprensa Nacional, que era o maior consumidor deste produto, continuava a trabalhar com tintas importadas. Consciente que para o sucesso da sua empresa era necessário contar com a Imprensa Nacional como cliente, ao longo dos anos José Júlio Rodrigues fez várias diligências tendentes a impedir que esta tipografia trabalhasse com tinta importada. Em 1886 enviou ao Ministro do Reino um requerimento em que solicitava que fossem tomadas providências em relação à Imprensa Nacional que se recusava a consumir os produtos da sua fábrica, na altura utilizados “em todo o país e em todas as imprensas oficiais, com exclusão apenas da Imprensa Nacional”28. O consumo das tipografias particulares, particularmente da Tipografia Universal ajudava a manter a fábrica em funcionamento embora com grandes dificuldades29. Nos anos seguintes a Fábrica Nacional de Tintas deve ter conseguido aumentar a carteira de clientes30 já que em 1888 a sua produção anual de tinta preta de impressão se elevava a 26.000 Kg e era escoada para Portugal Continental, Madeira, Açores e Brasil31. Nesta altura a fábrica dispunha de um motor de 4c/v, 2 moedores, l misturador, 2 destiladores, 2 caldeiras e um engenho para o fabrico do negro de fumo As matériasprimas utilizadas eram a resina da Real Fábrica da Marinha Grande, o alcatrão da Companhia de Gás de Lisboa e o óleo mineral proveniente de Inglaterra32. A preocupação em rentabilizar novas produções agrícolas, que fossem susceptíveis de se adaptar ao clima e características do solo português, despertou o interesse daqueles que pugnavam pelo desenvolvimento económico do país. Este facto e a necessidade de importar açúcar levaram José Júlio Rodrigues a interessar-se pela possibilidade de produzir açúcar no continente a partir da beterraba açucareira. Com esse objectivo em Julho de 1888, depois de regressar de uma viagem ao estrangeiro, iniciou no laboratório da Escola Politécnica de Lisboa uma série de experiências tendentes a obter açúcar de beterraba33. As beterrabas que serviram para 27

De acordo com os cálculos realizados por José Júlio Rodrigues uma fábrica de tintas de imprensa feitas pelo seu método ou “método português” montada para uma produção anual de 100.000 quilos permitiria um lucro líquido de 3.036$000. 28 O Interesse Público, 1º Ano, nº 29, 16 de Abril de 1886, p.1 29 Em 1886 a dificuldade em escoar os produtos deve ter obrigado a reduzir os preços e na imprensa foi anunciado que a tinta da marca A se vendia a 160 réis enquanto a tinta da marca B se vendia a 180 réis 30 É possível que sequência destas diligências a Imprensa Nacional tenha passado a ser cliente da Fábrica Nacional de Tintas. 31 Associação Industrial Portuguesa, Catálogo da Exposição Nacional das Indústrias Fabris realizada na Av. da Liberdade em 1888, Lisboa, 1889. Vol. III, p. 917. 32 Idem. 33 Para realizar estes ensaios José Júlio Rodrigues instalou “um pequeno gabinete de ensaios sacarimetros”. RODRIGUES, José Júlio, O Assucar Portuguez da Beterraba. Episodios de uma industria no seu período de gestação, Lisboa, 1889.

estas análises tinham sido produzidas com sementes que este químico remetera para Portugal no final de 1887 e que tinham sido entregues a vários agricultores que se haviam prestado a experimentar a sua produção. Na sequência dos resultados positivos que obteve com estas experiências, José Júlio Rodrigues associou-se com Joseph Görz para estabelecer uma empresa destinada a explorar a produção de açúcar de beterraba, iniciativa que encontrou grande receptividade no Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Assim, em 13 de Agosto de 1888 foi assinado entre estes empresários e o governo um Termo do contrato provisório para a introdução e desenvolvimento do fabrico do açúcar de beterraba no continente do reino. De acordo com as condições estabelecidas neste contrato os concessionários obrigavam-se a constituir uma empresa com um capital efectivo de 500.000 libras esterlinas, dividido em séries. A primeira série, de 75.000 libras, era destinada a adiantamentos aos agricultores que se dedicassem a esta cultura, ao estabelecimento da primeira fábrica e à caução 10.000 libras esterlinas que deveriam entregar na Caixa Geral de Depósitos. As séries seguintes eram estabelecidas em função dos fundos necessários para a construção e laboração de novas fábricas. A primeira destas fábricas devia estar pronta a funcionar na colheita de 1889-1890. Nos anos seguintes a criação de outras fábricas, distribuídas por diferentes regiões do país segundo critérios estabelecidos de acordo com o governo, devia assegurar que ao fim de quatro anos a totalidade da sua capacidade produtiva atingisse 10.000 toneladas, ao fim de seis anos de 20.000 toneladas e ao fim de oito anos de 30.000 toneladas. Para estimular a produção de beterraba açucareira nas várias regiões do país os concessionários deviam distribuir gratuitamente sementes aos agricultores, comprometendo-se a comprar toda a cultura resultante das sementeiras por preços estabelecidos em função da percentagem de açúcar segundo a polarização34. À cronologia desta iniciativa e à receptividade que a mesma encontrou junto do governo não deve ser alheia a crise da cerealicultura que estava a assolar o país e que contribuiu para uma maior diversificação das culturas. A dificuldade de pôr em prática esta iniciativa levou a que passados poucos meses o contrato fosse alterado, alargando-se em mais um ano os prazos que se haviam estipulado para a produção das várias quantidades de açúcar. Este negócio tinha, entretanto, interessado outros empresários e constituíram-se duas outras Companhias35, que se manifestaram contrárias ao contrato que fora assinado com José Júlio Rodrigues e Joseph Göez. Perante esta situação o governo apresentou na sessão parlamentar de 18 de Maio de 1889 uma proposta de lei que, embora confirmasse o contrato de Maio de 1889 e a alteração de Dezembro desse ano, impunha à Companhia de Joseph Göez e de José Júlio Rodrigues a obrigatoriedade de incorporar,

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Os ensaios de polarização seriam à entrada da fábrica e fiscalizadas por um perito fiscal nomeado pelo governo. Uma destas Companhias, a Companhia dos Açucares Portugueses de Beterraba, manifestou na Câmara de Deputados o seu interesse em beneficiar das mesmas condições. Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 6 de Maio de 1889 35

caso elas o pretendessem, as outras empresas já existentes que pretendessem continuar a dedicar-se a esta actividade36, pagando-lhes o seu valor em acções da sua Companhia37. Não se conhece se esta empresa chegou a ser uma realidade, mas se o foi seguramente que já não contou com a participação de José Júlio Rodrigues que em 1892 partiu para o Brasil. Aliás este químico, que teve uma importante acção na análise de vários produtos que podiam ter aplicação industrial, não incluía nas suas qualidades a capacidade de gestão nem o sentido prático que uma actividade económica exigia. Os projectos industriais em que se envolveu, a defesa do progresso baseado na ciência e no trabalho e as tentativas de aproveitamento os recursos naturais do país, remeteram-no para a discussão sobre o livre-cambismo e proteccionismo que marcou grande parte do século XIX. Afirmando-se “livre-cambista nos limites do possível”38, acabou por defender o proteccionismo como forma de desenvolver a indústria portuguesa, considerando mesmo que “proteger a indústria nacional é uma das primeiras obrigações dos altos poderes do Estado, o primeiro cuidado financeiro duma nação que se preze”39. A participação na Sociedade de Geografia e a defesa dos interesses ultramarinos As questões coloniais sempre estiveram no centro das atenções de José Júlio Rodrigues que, talvez por isso, foi nomeado para representar Portugal no Congresso Internacional de Geografia organizado, em 1875, pela Sociedade de Geografia de Paris, no qual se destacou pela sua participação. Na sequência deste Congresso, nesse mesmo ano foi fundada, por iniciativa de Andrade Corvo e Luciano Cordeiro, a Sociedade de Geografia de Lisboa. Englobando professores do ensino superior, civil e militar, comerciantes, industriais, profissões liberais e oficiais do exército, esta Instituição aliou ao desenvolvimento das ciências geográficas a defesa do “projecto imperial, em concordância com os interesses de uma larga faixa da burguesia metropolitana que defendia o proteccionismo e um aproveitamento económico das colónias”40. A partir da década de 1870, face ao desenvolvimento industrial, à subida de preços dos produtos coloniais e à afirmação crescente do proteccionismo, o continente africano surgiu como uma importante fonte de abastecimento de matérias-primas e como um potencial mercado de consumo dos produtos manufacturados. Por outro lado, passou a ser pensado como um espaço onde era possível alargar a influência política/militar e o domínio territorial. Contudo, o interesse pelas colónias e a pressão europeia sobre as possessões portuguesas em África encontraram o país num desconhecimento profundo das suas colónias e tornaram mais evidente a necessidade do seu reconhecimento.

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Para o que se deviam manifestar num prazo de sessenta dias após o qual perdiam o direito a exercer a actividade. Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 18 de Maio de 1889. 38 RODRIGUES, José Júlio – Carta ao Illmº e Exmº Sr Conselheiro António Augusto d’Aguiar, Ob. Cit., p.5. 39 RODRIGUES, José Júlio, A Fábrica Nacional de Tintas de Imprensa, ob. Cit., pp. 28-29. 40 MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, Lisboa, 1993. vol 5, p.309. 37

Pertencendo à Sociedade de Geografia de Lisboa, onde integrou o Conselho Central 41 e a Comissão Central Permanente de Geografia, José Júlio Rodrigues deu o seu contributo para o reconhecimento do território africano42. Entre outras iniciativas redigiu, conjuntamente com J. Vicente Barbosa du Bocage, as instruções para a expedição de exploração e investigação do interior do continente africano que, em 1876, a Sociedade de Geografia propôs ao governo e que veio a ser aprovada no ano seguinte, tendo sido escolhidos como exploradores Hermenegildo de Brito Capelo, Serpa Pinto e Roberto Ivens43. Sobre esta expedição José Júlio Rodrigues realizou conferências na Sociedade de Geografia44. Simultaneamente os homens ligados com a Sociedade de Geografia procuraram, através das conferências e palestras que proferiram nas sociedades europeias congéneres, defender os direitos de Portugal em África. Foi esse o objectivo da conferência que em 1888 José Júlio Rodrigues proferiu perante a Sociedade de Geografia de Anvers45. O aproveitamento industrial dos recursos naturais ultramarinos foi-lhe também um tema caro. Mas, a possibilidade de aproveitar os produtos coloniais como matérias-primas industriais passava necessariamente por experiências que, analisando as suas qualidades, determinassem a sua utilidade industrial. Situação que voltava a remeter para a necessidade do desenvolvimento das várias áreas científicas, nomeadamente da química, e para a falta de técnicos e de laboratórios especializados em que essas análises e experiências pudessem ser feitas. Como referia José Júlio Rodrigues a propósito das análises relativas aos vernizes tipográficos, “se o químico fosse português, (se se pudesse ser químico em Portugal) escusariam por exemplo, dentro de pouco de seguir viagem para o estrangeiro as nossas resinas coloniais – copal e outras – para de lá voltarem mais tarde, transformadas em vernizes muitas vezes caríssimos”46. A Participação na Vida Política e Administrativa do País. À semelhança de outros homens de ciência, José Júlio Rodrigues participou, também, activamente na vida política e administrativa do país, tendo sido eleito deputado pela Madeira e exercendo os cargos de inspector técnico das contribuições indirectas e de Presidente do Conselho do Mercado Central de Produtos Agrícola. Este mercado, que foi criado em Lisboa pela carta de lei de 19 de Julho de 1888 como dependência dos serviços aduaneiros, tinha como objectivos garantir: a genuinidade dos produtos agrícolas, criando-se para isso um laboratório químico; o valor dos produtos em harmonia com a oferta e procura; e a entrega dos produtos de acordo com as

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Deste Conselho para que foi nomeado em 3 de Abril de 1875 faziam também parte Carlos Ribeiro e Gerardo Augusto Pery. 42 Várias das suas obras incidem sobre as expedições realizadas no continente africano. 43 MENDES, H. Gabriel, “As origens da Comissão de Cartografia, ob. Cit., p. 40 44 Por exemplo, RODRIGUES, José Júlio, Conferência realizada em 3-XI-1877, na sala de sessões da Comissão Central de Geografia, no Arsenal da Marinha, acerca do itinerário da expedição Africo-Portugueza, Lisboa, 1877. 45 RODRIGUES, José Júlio, Les colonies Portugaises. Extrait dess Bulletins de la Société Royale de Géographie d’Anvers. Lisboa, 1888. 46 RODRIGUES, José Júlio, A Fábrica Nacional de Tintas de Imprensa, ob. Cit.,p.34.

amostras apresentadas à venda47. Pela Regulamentação publicada em 20 de Setembro de 1888, este mercado possuía três secções: cereais e fava; vinhos e vinagres; e azeites. O seu funcionamento era assegurado por uma Câmara Sindical e por um Conselho do Mercado Central. A primeira era formada por cinco membros efectivos e dois suplentes, que eram eleitos anualmente e representavam as várias secções do mercado. O segundo era composto por três delegados da Associação Comercial de Lisboa, três delegados da RACAP e um delegado do governo, que presidia. Fazia ainda parte deste conselho um dos sete síndicos eleitos, sem direito a voto, mas que desempenhava as funções de secretário48. Quando se instituiu este mercado José Júlio Rodrigues foi nomeado representante do governo no Conselho assumindo, por isso, a presidência, cargo que desempenhou até 1892. Em 1890, numa altura em que Portugal se confrontava com uma crise de sobreprodução de vinhos que levou os agricultores a virarem-se para a sua destilação, foi nomeado inspector técnico das Contribuições Indirectas e encarregado de proceder a um inquérito sobre a indústria do álcool, trabalho que realizou para a Madeira e Açores49. Ao longo dos anos foi solicitado pelo poder central e pela Câmara Municipal de Lisboa a dar pareceres sobre assuntos em que os conhecimentos químicos eram essenciais. Em 1873, por exemplo, integrou uma comissão nomeada pela edilidade destinada a dar parecer sobre o fotómetro que devia ser utilizado pela Cª Lisbonense de Iluminação a Gás50. Em 1876 foi encarregado, conjuntamente com o Marquês de Sousa Holstein, de organizar o serviço de permutação científica, literária e artística entre Portugal e os outros países. Eleito deputado pela Madeira, em 1890 entrou para o Parlamento onde defendeu os interesses da região que representava51. As obras públicas destinadas a melhorar as comunicações no interior da ilha52 e com a metrópole53 foram alguns dos tópicos das suas intervenções. Os outros ligaram-se com o problema das pautas aduaneiras54, com a política do fomento industrial e com o ensino técnico, sobretudo no que nestes campos dizia respeito à Madeira. 47

Relatório sobre os Assumptos Discutidos na Câmara Syndical do Mercado Central de Productos Agrícolas no seu exercio provisório de 24 de Novembro de 1888 até egual data de 1889 comprehendendo as principaes propostas apresentadas em differentes datas das suas sessões, Lisboa, 1889, pp. 12-13 48 Regulamento do Mercado Central de Productos Agrícolas aprovado pelo Decreto de 20 de Setembro de 1880 [8], Lisboa, 1888, pp.5-6. 49 RODRIGUES, José Júlio, Simples Apontamentos de Alguns Trabalhos e Serviços, durante 28 amos de vida pública, Lisboa, 1892, p.12. 50 Desta comissão faziam também parte o representante da Companhia, Eduardo Ahrens e os químicos António Augusto de Aguiar e Agostinho Vicente Lourenço.

FIGUEIREDO, Filipe, “RODRGUES, José Júlio Bettencourt (1843?-1893)” in Dicionário Biográfico Parlamentar 1834-1910, coord. Maria Filomena Mónica, vol III, Lisboa, 2006, pp. 490-492. 51

52Por

exemplo o projecto de lei que em 1891 apresentou, conjuntamente com Fidélio de Freitas Branco e José Maria Greenfield de Mello também deputados pela Madeira, de isentar a Companhia de Caminho de Ferro do Monte dos direitos de importação de todo o material necessário para a construção e primeiro ano de exploração de um caminho de ferro de rampa na Ilha da Madeira desde a cidade do Funchal até ao norte da mesma ilha. Diário da Câmara dos Deputados, Sessão na 37 de 4 de Março de 1892. 53Em 1892 propôs a criação de uma comissão especial que elaborasse um projecto de porto e doca de abrigo que substituísse o molhe do porto do Funchal, que não correspondia às necessidades da ilha. Diário da Câmara dos Deputados, Sessão nº 34 de 30 de Novembro de 1891. 54 Diário da Câmara dos Deputados. Sessão na 31, de 22 de Fevereiro de 1892.

A questão corticeira que no final do século agitou os meios políticos e industriais, foi também objecto de considerações por parte deste deputado55, que sobre o assunto escreveu Documentos respectivos à indústria fabril e agrícola da cortiça, onde acentuava que a interdição de exportar cortiça em bruto, como forma de proteger a indústria, não resolveria o problema corticeiro português, pois as fábricas existentes no país não absorveriam toda a cortiça que se produzia. Fazendo eco das ideias defendidas por José Júlio Rodrigues a revista Portugal Agrícola dirigida por João Achilles Ripamonti propunha – “Porque não se forma uma liga corticeira entre a França e suas colónias, a Itália, a Espanha e Portugal?” que “impusessem fortes e iguais direitos de saída à cortiça em bruto, por forma a obrigar os centros consumidores a preferirem à importação da matéria prima a da rolha fabricada”56. Descontente com a situação política do país, que o afastara de vários dos cargos que exercia, e talvez por influência de seu irmão António Maria Bettencourt Rodrigues que fixara residência em São Paulo57, em Agosto de 1892 José Júlio Rodrigues partiu para o Brasil, onde se propunha iniciar, a convite de Domingos Jaguaribe, uma Escola elementar de agricultura em S. Paulo58. O “evangelismo pela ciência”: a divulgação de conhecimentos científicos em conferências, jornais e obras monográficas Defensor da divulgação dos conhecimentos científicos José Júlio Rodrigues realizou, como grande parte dos intelectuais desta época, conferências científicas e pedagógicas. Algumas destas conferências tiveram lugar nas sociedades científicas a que pertencia, como era o caso da Academia Real das Ciências de Lisboa ou da Sociedade de Geografia, outras foram realizadas em associações, como a Associação Comercial de Lisboa ou a Real Associação de Agricultura Portuguesa. O facto de estas duas últimas instituições terem convidado o professor de química a proferir palestras para os seus membros é representativo da importância que os conhecimentos científicos começavam a assumir entre os homens ligados com o desenvolvimento económico do país. Procurando que a divulgação dos progressos da ciência e da técnica atingisse um público mais alargado e heterogéneo, José Júlio Rodrigues realizou também conferências em locais normalmente destinados ao lazer, como era o caso do Teatro do Príncipe Real, do Teatro de D. Maria ou do Teatro da Trindade59. Em 1884 tiveram lugar neste último as seguintes conferências públicas: A chimica dos pobres, A vida e o micróbio, Coisas portuguezas, O Universo, Os cinco sentidos, O cholera, as quais foram grandemente concorridas devido à forma entusiasmada e clara como este químico 55

Documentos respectivos à industria fabril e agrícola da cortiça, colligidos pelo deputado pelo Funchal, José Júlio Rodrigues para conhecimento do estado presente e do futuro d’aquellas industrias em Portugal e sua opportuna e competente apreciação, Lisboa, 1892. (não nos foi possível encontrar esta obra) 56 Portugal Agrícola, 4º Ano, nº 1, Julho de 1892, pp. 41-42 57 A sua deslocação para o Brasil foi determinada pelo facto de António Maria Bettencourt Rodrigues ter sido preterido no concurso para a vaga de director do Manicómio de Lisboa realizado em 1892 devido às suas ideias republicanas. Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira, Lisboa-Rio de Janeiro s/d,, vol 4, p.621. 58 Em 30 de Novembro de 1892 José Júlio Rodrigues apresentou as linhas gerais da organização e funcionamento desta escola publicadas em RODRIGUES, José Júlio – Escola Livre e Elementar de Agricultura Prática em S. Paulo (Estado Unidos do Brazil), Simples esboço, 2ª ed. Lisboa, 1892, p. 6. 59 RODRIGUES, José Júlio, Simples Apontamentos de Alguns Trabalhos e Serviços, ob. Cit., p.10

expunha os assuntos. Aliás, como referia o periódico O Occidente, “Em Portugal há um interesse palpitante pelas conferencias publicas, quando para faze-las sobem à cadeira homens d’este valor (…) que limam com as maiores elegâncias da forma as maiores asperezas da ciência, e que despertam sempre o mesmo interesse crescente, quer tratem dos micróbios do cólera, que analisem os vinhos da Bairrada!”60. Na conferência “Horizontes científicos”, que nesse mesmo ano proferiu na Associação Académica de Lisboa, o seu talento, o seu “evangelhismo pela ciência” e a sua “eloquência científica” foram uma vez mais realçados61. Tendo sido colega de escola de David Corazzi editor da Colecção Biblioteca do Povo e das Escolas e do director da mesma, Xavier da Cunha62, José Júlio Rodrigues propôslhes a publicação das conferências que pronunciara em 1884 no Teatro da Trindade, as quais vieram a público ainda nesse ano63. Na obra Lisboa e Cholera, em que José Júlio Rodrigues tratou da salubridade de Lisboa e as várias referências que aí surgem sobre os canos ou o número de pias caseiras, foram-lhe fornecidas pela Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa dirigida por Ressano Garcia64, enquanto os dados sobre o abastecimento de água lhe foram dados pelo engenheiro Paiva Couceiro que estava ligado à Cª das Águas de Lisboa65. Conclusão Homem de ciência, José Júlio Rodrigues participou na vida política, administrativa e económica do país aplicando o seu saber em prol do desenvolvimento do mesmo, sendo um exemplo do papel que a elite científica desempenhou na sociedade e na economia portuguesa da segunda metade do século XIX. O reverso da medalha da forma activa como colocou o seu saber científico ao serviço da sociedade e da economia foi a sua escassa produção científica. A investigação fundamental que marcou o início da sua carreira e que se traduziu na publicação da obra Estudo sobre as bases fundamentais dos novos pesos atómicos e suas relações físicas mais notáveis, publicada em 1867, não teve continuidade. O tempo e a concentração que a investigação laboratorial exigia não eram compatíveis com o desempenho de vários cargos docentes e administrativos, a realização de conferências ou as iniciativas industriais em que se envolveu. Além disso, à semelhança do que se passou com a maioria dos químicos deste período os trabalhos químicos estavam mais virados para a aplicação prática Este facto não impediu que a acção que desenvolveu na Escola Politécnica de Lisboa, os progressos que introduziu na reprodução de fotografias lhe tenham valido o reconhecimento internacional, como o comprovam as várias medalhas que recebeu nas Jayme Victor, “José Júlio Rodrigues” in O Occidente, 11 de Agosto de 1884, pp.182-183. A referência aos vinhos da Bairrada remetia para as conferências sobre vinhos que nesse ano tinham sido realizadas por António Augusto de Aguiar. 61 O Académico Illustrado. Interesses Académicos, Sciencias. Litteratura, Biographias, Teathros, etc., Publicação Quinzenal Ano l, (1), 1 de Maio de 1884, p.2. 62 RODRIGUES, José Júlio, O Cholera e seus inimigos, Lisboa, 1884, p.4. 63 Para publicar as conferências de José Júlio Rodrigues David Corazzi altera a sequência a que estava a publicar os vários volumes desta colecção. 64 RODRIGUES, José Júlio, Lisboa e o Cholera, Lisboa, 1884, p.16. 65 Idem, p.18. 60

Exposições Internacionais e de Fotografia e os elogios que lhe teceram alguns dos mais reputados químicos da altura. A nível nacional os cargos para que foi nomeado, os pareceres que lhe foram pedidos, as condecorações e distinções que lhe foram atribuídas66, os elogios saídos da pena de colegas e discípulos, traduzem o respeito científico e pessoal por este homem nem sempre de trato fácil. Pelas experiências que realizou tendentes a desenvolver vários ramos industriais José Júlio Rodrigues é bem o exemplo da química aplicada que a nível internacional marcou o século XIX, altura em que esta ciência constitui “un domaine à part entière, riche d’histoires techniques, des procédés ou d’histoires économiques des entreprises”67. E se as suas iniciativas empresariais foram marcadas por insucessos esse facto devia-se em grande parte às características do seu carácter. Como referiu um artigo do Jornal do Comercio, “A causa dos seus revezes, dos seus infortúnios, estava absolutamente em si, absolutamente. É que tinha imaginação de mais. Era uma força e, pelo reverso da medalha, uma fraqueza. Talento vigoroso, aptidão incansavelmente trabalhadora, o seu estudo, a um tempo teórico e prático, de reflexão especulativa e de experiência de laboratório, era longo, vasto, abundante, fecundo. (…) Essa imaginação servia-o admiravelmente para espalhar, sugerir ideias, para derramar, apostolizar a ciência. Mas deservia-o [sic] para as converter em realidades positivas, práticas, lucrativas. Agitava germens de dezenas de indústrias, de explorações agrícolas, e, contudo, quando se lançava numas e noutras, todas as suas tentativas, todos os seus planos falhavam por completo”68.

66 67

Em 1875 era Comendador da Ordem de S. Tiago BENSAÚDE-VINCENT, Bernadette e STENGERS, Isabelle, Histoire de la Chimie, Paris, 1993, p.14.

68

O Occidente, 16º Ano, vol XVI, nº 517, p.98

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