Entre o mundo acadêmico e as realidades das favelas: (des)encontros e sobrevivências de uma pesquisa que se quer junto e misturada

May 29, 2017 | Autor: Pâmella Passos | Categoria: Anthropology, Etnografía, Ciencias Sociales Y Humanidades
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Entre o mundo acadêmico e as realidades das favelas: (des)encontros e sobrevivências de uma pesquisa que se quer junto e misturada

...Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma alça para poder segurá-lo. Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e minha fome. Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você. Para me tornar mais íntima comigo mesma e consigo. Para me descobrir, preservar-me, construir-me, alcançar autonomia... Gloria Anzaldúa Quando fui convidada para escrever um texto que falasse da temática da sobrevivência, imediatamente pensei: quais conceitos trabalhar? Que foco de meu trabalho de campo eu darei? Seria melhor explorar os resultados de meu doutorado sobre lan houses nas favelas do Santa Marta e Acari ou aprofundar meus últimos anos de pesquisa sobre os impactos culturais da instalação das Unidades de Política Pacificadora (UPPs)? Embrenhada nesta difícil escolha folhei diários de campo, revi fotos e postagens nas redes sociais, abri inúmeros arquivos em meu computador...Nessa “viagem no tempo” dos últimos 8 anos em que fiz pesquisas COM as favelas e não apenas sobre elas, percebi que sobreviver também foi uma palavra presente na minha trajetória como pesquisadora. Não imune a um conflito interno que questiona a importância do falar de si ao mesmo tempo que afirma a potencialidade e riqueza das narrativas e do cotidiano, resolvi arriscar. Inspirada por Michal de Certeau, apresentarei nessas páginas a paisagem de meu processo de investigação, e nele meus passos de pesquisadora, ora regulares , ora ziguezagueantes.(CERTEAU,2012) Neste percurso sei que nunca estive só, as angústias e alegrias aqui trazidas foram frutos de muitos encontros, alguns potentes que se desdobraram em problematizações, mudanças, linhas de fuga, outros dolorosos, mas que mesmo assim possibilitaram reflexões importantes sobre meu lugar de fala e ação nesse mundo da produção acadêmica.

Dito isto, agradeço a todxs aquelxs que no trabalho de campo conjunto, nas apresentações acadêmicas, nas postagens de facebook e nos papos dos bares, dividiram seus “causos” comigo. Em suas narrativas, por vezes encontrei as minhas, vocês, mesmo sem saber, são co-autores destas páginas que emergem de uma sobrevivência de fazer pesquisa acadêmica de forma engajada. Mas...,antes de falar das dificuldades, quero falar de como cheguei até aqui. Para tal, faço referência a um livro lido na disciplina de historiografia, que cursei durante o mestrado na UERJ em 2006. Chama-se Fora do Lugar1, de Edward Said. Conhecido crítico literário que, às vésperas da morte, decide escrever um livro de memórias, Said materializou o incômodo que eu sentia. Ao falar do processo doloroso e enigmático da construção de suas raízes e identidades, ele me levou para minha história. Perdi-me e encontrei-me nos caminhos abandonados, nos distanciamentos vividos, nos lugares tão familiares, mas não mais reconhecidos. Cabe situar que falo do lugar de mulher de 32 anos, mãe de uma menina de quase 3 anos, com pós-doutorado, professora efetiva da rede federal de ensino desde 2008, oriunda de uma família de classe média baixa na qual fui a primeira a entrar para a Universidade. Entre os mundos acadêmico, familiar/ popular, fui me perdendo..., e hoje, quem sabe, me achando. Ainda usando das memórias de Said (2004) para falar de meu percurso, lembrome bem de que na ocasião em que li o livro, fiquei bastante impressionada com o fato (que o próprio autor destaca) de que a contradição Oriente X Ocidente por ele vivida se materializava inclusive em seu nome: Edward Said. Nestes entrecaminhos, decidi mudar o tema de doutorado e com esta decisão, nascia uma maneira de ser pesquisadora e fazer pesquisa. Passei da análise das fontes documentais para o diálogo com pessoas, a observação, a etnografia. Do discurso anticomunista produzido na construção do golpe de 19642 para as lan houses de duas favelas cariocas, pensei estar perdendo o sentido, a conexão com a realidade, mas, como indica o filósofo de uma teoria nômade:

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SAID, Edward. Fora do Lugar. São Paulo: Cia das Letras, 2004. DEUSDARÁ, Pâmella Passos.Vozes a favor do golpe! O discurso anticomunista do Ipês como materialidade de um projeto de classe. Dissertação de Mestrado em História. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.

E na medida em que nos perdemos do mundo e das velhas referências projetadas que nos formatavam por introjeção, ganhamos a ocasião de tocar e habitar as zonas (ou vácuos) e os tempos (ou hiatos) de produção de nós mesmos (autoprodução) que estavam encobertos por todos os supostos do Real e suas teorias. (Fuganti, 2008, p.16)

A receptividade com que minha orientadora escutou e defendeu a nova temática apresentou-se como a bússola necessária para seguir viagem nesta autoprodução. Mais desejante, embarquei sem alimentos prévios, levei apenas uma rede. Para explicar tal rede, uso as palavras de Rubem Alves:

“Você já pensou na semelhança que há entre os cientistas e os pescadores? O pescador está diante das águas do rio. Ele sabe que nas funduras daquelas águas nadam peixes que não são vistos. Mas ele quer pegar esses peixes. Se as malhas forem largas, peixes grandes. Se forem apertadas, vêm também os peixes pequenos... O cientista está diante do mar chamado “realidade”. Ele também quer pescar peixes. Prepara então suas redes chamadas “teorias”, lança-as no mar e pesca seus peixes. Note: com suas redes o pescador pesca peixes. Não pesca o rio... Imagine que ele olha para as nuvens e deseja pescá-las. Para isso suas redes não chegam. O laboratório de um cientista são as redes que ele lança no mar da realidade para pescar conhecimento. (Alves, 2007, p.9) Um dos poucos artefatos que resistiu à minha “faxina” ao barco foi a rede tecida por mim ao longo de uma trajetória de pesquisa que começa na graduação. Consolidando-se como instrumento fundamental de subsistência ao longo dessa viagem rumo ao desconhecido, a rede trazia os fios de uma formação acadêmica originária da área de história, seguida de uma importante interface com a Análise do Discurso. Os pontos mais recentes davam conta de diálogos com a comunicação social, psicologia social e antropologia. Variando os pontos de costura, criamos malhas diversas que visavam minimizar os escapes inerentes à relação rede-rio. Pesquisando lan house, ou ainda, ponto de acesso pago à internet e lançando mão da imagem acima, tornou-se inevitável o trocadilho com a palavra REDE. Seus múltiplos significados: concretos ou abstratos nos levaram a pensar nos usos que fazemos das redes pelas quais passamos e/ou construímos ao longo de uma vida. Quando a rede não nos enreda, potencializa. A mesma rede que prende os peixes os

acolhe do turbulento mar. A rede que impede a queda do trapezista o impulsiona a voltar ao picadeiro. Assim, também vislumbramos a internet num contínuo movimento de ambiguidade: retenção e expansão, cabendo a nós, humanos, escolhermos que forças desejamos potencializar. Em alto mar, os semestres foram passando, novas leituras, novas metodologias, a aproximação com a comunicação social, com a psicologia social, as dúvidas no campo que ao invés de me paralisar me chamavam cada vez mais. Um leque se abriu, e nos becos e vielas de Acari e do Santa Marta descobri a conexão existente entre minha pesquisa de mestrado e de doutorado: a produção dos discursos sobre o outro, o indesejável, seja ele comunista, pobre ou comerciante varejista de substâncias ilícitas. Percebendo essa ligação, analisei com outros olhos o capítulo do livro As cores de Acari ,de Marcos Alvito, 3, resultante de sua tese de doutorado. Alvito intitula seu capítulo 0 de “Atenas-Acari via Estácio”, mapeando os caminhos que o levaram a desistir de uma tese quase pronta sobre Antiguidade e ir parar numa favela da Zona Norte carioca. O historiador enamorado pela antropologia acalentou o coração desta historiadora, disparado pelo impulso da mudança, considerada por mim irresponsável, de trocar meu projeto de pesquisa original, que possuía todas os documentos arquivados e catalogados, por um novo projeto nas lan houses de Acari e do Santa Marta. A decisão foi tomada, temática trocada, e para minha surpresa, apesar de lidar com as periferias, meu novo tema não era tão bem visto por muitos acadêmicos de esquerda. Afinal, o que tem de interessante numa lan house? Esse espaço não só “aliena” os jovens? Entre meus supostos pares descobri alguns ímpares. Segui então procurando novos encontros, dentro da academia e nas lan houses, procuro aqui compartilhar este percurso. É impossível falar somente sobre o que encontrei na lan house. Tenho que falar sobre o que observei nas favelas pesquisadas, o que produzi com as pessoas, as relações que criei, para assim, quem sabe, vislumbrar os caminhos que produziram o retorno mais potente para esses interlocutores que me fizeram perder as fronteiras entre pesquisa, trabalho e militância. Proponho aqui uma certa cartografia da pesquisadora, apresentando os nós, potentes ou não, que foram surgindo no tecer dessas redes nas favelas que conheci e acompanhei durante minhas últimas pesquisas de 2009 a 2015. Cabe aqui destacar que

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ALVITO, Marcos. As cores de Acari: uma favela carioca. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

um vínculo de identificação e compromisso foi criado nas comunidades estudadas. Assim, Acari, Santa Marta, Complexo do Alemão e Borel, com seus respectivos moradores, e principalmente lideranças, tornaram-se parceiros de caminhada; era de fato uma pesquisa-intervenção (KASTRUP,2008). Por mais que me julgasse sabedora das nuanças de um trabalho COM e não SOBRE, fui percebendo claramente a diferença entre lidar com fontes e pessoas. É uma história dos sujeitos e não dos objetos. Tais sujeitos sentem saudade, raiva, ciúme... e, assim, fui identificando que uma ausência em tais espaços, ainda que breve, significaria uma cobrança por parte daqueles que já não se consideravam objetos de minha pesquisa, mas sim amigos, parceiros, sujeitos desse processo de investigação. Mas não só “eles” sentiam minha falta, eu também tinha me acostumado com os becos e vielas. A saudade dos encontros e atividades nas favelas por muitas vezes misturavam-se com a angústia de saber das operações policiais, dos abusos de poder e violências físicas e/ou simbólicas com aqueles que me acolheram de forma tão especial. Nesses momentos, e não foram poucos, questionei o papel da pesquisa acadêmica com favelas em contexto de tantas violações e retiradas de direitos.

À deriva: notas sobre questionamentos e perdas de rumos

À deriva... foi assim que me senti ao iniciar o trabalho de campo nas favelas em 2009. Historiadora, militante, professora, mulher, católica, oriunda de camadas populares, jovem... Enfim, múltiplos pertencimentos que me acompanharam nas constantes idas à Acari, Borel, Complexo do Alemão e Santa Marta. Este novo ambiente do fazer pesquisa fez emergir muitas questões. Teorias foram revistas, metodologias repensadas, valores consolidados. Como exemplo, trago um trecho de meu diário de campo da pesquisa de doutorado: Durante esse tempo de espera, passa um menino do movimento4 e cumprimenta o Freitas5. Daí começa um longo papo em que conheci Diego6, um jovem negro, de 21 anos, pai de um filho de 4 e que já está no movimento há 4 anos. Ele estava todo

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“Movimento” é como recorrentemente a linguagem popular se refere ao vendedores varejistas de substâncias ilícitas. 5 Pseudônimo para designar o dono da lan house em Acari que foi acompanhada pela pesquisa. 6 Pseudônimo.

molhado, havia acabado de jogar um balde d’água gelado na cabeça para acordar, estava virado — disse ele. Seu semblante misturava tristeza e cansaço. Freitas o incentivava a voltar a estudar, pois ele só tem o 1º ano do Ensino Médio, mas sua fala, a meu ver, só traduziu desesperança. Freitas me apresentou como professora, falou sobre o Proeja7, e ele me escutou atento, apesar de transparecer que acreditava que aquilo não era para ele. Apesar de outros alunos irem chegando, como Freitas ainda estava ligando os equipamentos, fiquei conversando com Diego, ouvindo sua história de tristeza e solidão, seu cansaço, a relação de amor com o seu filho que mora com ele e que fez aniversário há pouco tempo, mas ele não pode ir à festa, pois ela foi na Fazenda Botafogo e lá é outra facção do tráfico. Enfim, muitos relatos que me desnortearam, me fizeram pensar se havia algum sentido no que eu estava fazendo ali. Diego chegou a trabalhar de guia social no PAN do RIO, em 2007, e hoje vaga feito um zumbi, pelos becos e vielas de Acari. Já perdeu conhecidos, parceiros e seu melhor amigo. Vi nos olhos desse menino, que tem quase a minha idade, o que é desigualdade e a desesperança. (Diário de Campo. Acari. 26/09/2009) Nesse dia ocorria a terceira e última oficina na lan house em Acari. A realização de oficinas foi uma opção metodológica de grupo focal que fizemos durante o doutorado. Tal prática foi norteada por nossa concepção de pesquisa-intervenção, que pretendia não apenas “recolher informações” do campo, mas também interferir no mesmo. Assim, demos um conjunto de três aulas em cada lan house pesquisada. Após essa conversa na porta da lan house, foi difícil conduzir a oficina. A todo momento eu me perguntava: O que estou fazendo aqui? Serei mais uma pesquisadora que sairá da favela com uma tese e tantos outros Diegos continuarão aqui? O desenrolar da oficina aliviou minha sensação de perda de rumo, deriva, pois a animação, criatividade e disposição dos participantes mostraram-me que na favela existem apenas Diegos, mas também e tantos outros meninos e meninas. Ao pegar o metrô, de volta para casa, escrevi esse relato em meu diário de campo, dei forma ao que senti. Porém, a presença de Diego me acompanhou e ainda acompanha em vários momentos de minha vida acadêmica ou cotidiana. Quando penso na pesquisa que fiz, e somente agora, neste momento de escrita, novas forças ganham forma e posso claramente perceber que na história de Diego não existe apenas tristeza e decepção. Existe resistência a uma pseudo política de inclusão através de cursos de 7

Programa de Ensino Médio Técnico na modalidade Jovens e Adultos existente no IFRJ, local no qual trabalho, desde 2007.

qualificação profissional que restringem-se aos períodos de grandes eventos

com

baixíssimas remunerações. Diego relatou que nos Jogos Pan-americanos de 2007 trabalhou como guia, segundo ele o valor era irrisório e logo depois do evento o projeto acabou. Percebemos a volatilidade da política pública que é norteada pelos mega eventos. Recordo-me também quando ele relatou que ali (no varejo das substâncias ilícitas) ele ganhava o suficiente para poder cuidar de sua mãe e seu filho. Essas reflexões

indicam que Diego não estava

entregue à situação de

desigualdade do sistema em que vivemos, ele trilhou outras rotas, impostas por uma sociedade que tornava os caminhos tradicionais como estudo, emprego formal e etc talvez bem mais incertos e dolorosos ainda que longos. Como afirma Rene Lorau: O diário da pesquisa - que, por sinal, não é, necessariamente, redigido todos os dias - reconstitui a história subjetiva do pesquisador. Mostra dentre outras coisas, a contradição entre temporalidade da produção pessoal e a institucional, ou burocrática. (Lourau,1993, p. 78) Contradições e temporalidades, palavras que nos ajudam a seguir e compreender que tanto o triste encontro com Diego como os diversos encontros alegres em outros becos e vielas, inclusive de Acari, constataram que minha pesquisa era com a favela e não sobre ela. No linguajar no funk, estávamos “juntos e misturados”. Os desafios decorrentes dessa percepção foram e são muitos. A militância e a pesquisa se misturaram de maneira indissociável, recusei-me a tentar produzir uma situação laboratorial para a fictícia separação dessa mistura. Optei por analisar essa imbricação, e para isso o diário de campo foi um instrumento indispensável. Neste processo analisar minhas implicações e sobreimplicações nas pesquisas que desenvolvo passou a ser fundamental. No artigo “Pesquisadora ou militante? Análises do pesquisar (sobre)implicado (LACAZ, LOUZADA & PASSOS,2013) pude refletir acerca da composição dos lugares do pesquisador e do objeto, bem como dos conflitos inerentes a esta definição de fronteiras. Compreendi que objeto de pesquisa e pesquisador forjam-se mutuamente no ato de pesquisar, sob este prisma concebo a pesquisa como um encontro com o outro e deste encontro é preciso reviver cheiros, angústias e incertezas.A cada lembrança algo se cristaliza e algo se perde no vai e vem da memória, da visita ao instante passado.

Atendendo ao convite benjaminiano de escovar a História a contrapelo (1994) retomei meu percurso dos últimos anos de pesquisa com as favelas e nele percebi silêncios. Novamente recorri ao autor alemão que no contexto europeu do início do século XX afirmou: (...) está claro que as ações de experiência estão em baixa, e isso numa geração que entre 1914 e 1918 viveu uma das mais terríveis experiências da história. Talvez isso não seja tão estranho como parece. Na época, já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos. (...) Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem. (Benjamin, 1994, p. 114)

Implicada com meus interlocutores de pesquisa, por vezes voltei da batalha do trabalho de campo com muitas experiências que julgava incomunicáveis ao mundo acadêmico. Neste hiato percebi um tipo de miséria se aproximar, aquela que silencia os conflitos nas pesquisas e em nosso cotidiano, aquela que seleciona as narrativas que são comunicáveis e por isso podem ser compartilhadas numa produção acadêmica. Afirmo então que garantir a presença visível das dúvidas, anseios, questionamentos é assumir o que Leila Domingues Machado (2004) denomina de “desafio ético da escrita”. Falar das leituras usadas e renegadas, dos caminhos desfeitos, dos encontros e desencontros é falar de si e do outro, abrindo espaço para alteridade, é lutar contra um tipo de experiência e pobreza no mundo acadêmico. Nas revisitações de meu percurso de pesquisa

somente neste momento de

escrita sobre a temática da sobrevivência entre os espaços da academia e da favela, doume conta que muitas coisas nesses últimos 7 anos não entraram em minhas anotações de campo. O relato que segue não é fruto de um diário de campo formal, ele é memória, resistência ao esquecimento, subjetividade que se afirma na academia. Nesse sentido, esclareço inclusive que não farei recuo de primeira linha como orientam as normas, visto que não se trata de citação, mas sim de forças que ganham forma neste instante de escrita. A lembrança é de um acontecimento que ocorreu durante meu estágio de pósdoutorado quando fui pega de surpresa para participar de uma banca de mestrado. Como tinha sido informada que os titulares não faltariam, fui na condição de ouvinte e apreciadora, já que a mestranda em questão é alguém que admiro muito.

No entanto, orientador e banca por compartilharem da concepção de pesquisa como encontro, decidiram quebrar o protocolo acadêmico e me convidaram à compor a banca de defesa daquela dissertação. Em meu novo posto de titular folheava meu volume da dissertação cheio de anotações acadêmicas, dicas de alterações para a versão final, sugestões para pesquisa de doutorado, elogios...enfim, tudo que de praxe se exige numa banca e para qual eu me preparei caso precisasse ir para titularidade. Mas ali, após assistir Mafalda8 apresentar sua dissertação, não tinha como silenciar sobre seu duro processo de escrita que pude acompanhar de maneira muito próxima. Ela, pesquisadora implicada que estudou a temática do silenciamento acerca dos mortos na pacificação do Complexo do Alemão, teve muitas dificuldades de escrever sua dissertação enquanto as rajadas de tiros cortavam o campo e os corpos que não eram apenas objetos de pesquisa, mas sim sujeitos por quem nutria afetos. Moradora de um bairro próximo ao Complexo do Alemão, de sua janela, podia ver helicópteros e ouvir o som das balas afirmando que, para o poder público, a vida na favela não vale nada. As postagens no Facebook confirmavam a barbárie do genocídio nas favelas cariocas. Como escrever enquanto isso acontecia? Infelizmente, essa não é uma realidade esporádica, nas favelas ela é cotidiana. Tendo que, momentaneamente, escolher entre lutar como comunicadora popular indo para o Complexo do Alemão acompanhando a resistência cotidiana, ou finalizar sua dissertação e fazer dela um instrumento de luta, Mafalda, dolorosamente, escolheu a segunda opção. Na arguição que fiz, não pude deixar de historicizar este processo e trazer à tona elementos da trajetória de uma filha de empregada doméstica que, após tentar quatro vezes o vestibular, torna-se jornalista e, sem desistir de seus sonhos, cursa mestrado em uma Universidade pública. Tomando para si um lugar que tradicionalmente vinha sendo ocupado pelas elites, ela afirma suas raízes optando pela temática da criminalização e abuso de poder policial nas favelas. Sua pesquisa, brilhantemente, analisa discursos midiáticos hegemônicos e rompe silenciamentos por eles produzidos. Hoje Mafalda está no doutorado. Nossas conversas sobre a temática de pesquisar com as favelas são contínuas e intermináveis, com ela aprendi muito, principalmente a sobreviver às nossas limitações de pesquisadoras militantes frente a um conjuntura de violações de direitos.Ao contrário do que desejamos, nossas dissertações e teses não mudam a realidade concreta com a rapidez que necessitamos e

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Pseudônimo inspirado no que esta pesquisadora representa: ruptura, crítica, afeto e humor.

desejamos, o que podemos fazer então? Quando essa pergunta me assombra, retomo as páginas de William Foote Whyte em Sociedade de Esquina (2005): “Para mim, basta. Nunca mais farei qualquer coisa para alguém de uma faculdade.” Perguntei por que se sentia daquele modo. “Sempre dei meu tempo para eles. Sempre buscava coisas nos arquivos para eles e respondia a todas as questões o melhor possível. Nunca pedi nada em troca, porém dizia a eles: ‘Quando terminar, mande para mim uma cópia do que você escrever, certo?’ Eles sempre diziam que sim, que teriam prazer em fazer isso, mas até hoje nada recebi de volta. ‘Então, quero que vão todos pro inferno.” (...) Os pesquisadores sociais não perderam nada com a decisão de Frank Luongo de não lhes prestar mais qualquer ajuda, porque poucas semanas depois de nosso encontro ele morreu. Cito suas últimas palavras a mim, na esperança de que futuros pesquisadores façam um pouco mais de esforço para cumprir as promessas feitas às pessoas no campo, mesmo que depois não precisem mais delas. (Foote-Whyte, 2005, p. 342/343) A questão apresentada por Whyte em seu diálogo com Frank Luogo, principal interlocutor de seu trabalho de campo durante anos, nos leva a refletir sobre o retorno que nossas pesquisas acadêmicas dão a esses sujeitos que nos permitem encontros tão produtivos. Atualmente, é comum não reproduzirmos o erro apontado por Luogo de sequer enviar uma cópia da publicação da pesquisa para aqueles que a tornaram possível, mas isso basta? Em minha pesquisa mais recente sobre os impactos culturais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) percebi em boa parte de nossos entrevistados uma imensa expectativa de que nossa pesquisa pudesse fazer o baile funk nas favelas voltar. Obviamente entendo que uma pesquisa acadêmica que sistematize e analise a prática de policial de criminalizar o funk, contribui diretamente para a luta pela afirmação de suas expressões, como o baile, no entanto, eu não poderia criar expectativas que enquanto pesquisadora eu não poderia atender. A triste realidade é que apesar de nossas pesquisas que denunciam e comprovam a barbárie, as pessoas continuam morrendo nas favelas. De acordo com dados da Anistia

Internacional9, no Brasil 30 mil jovens são assassinados por ano, o que me permite fazer a cruel afirmação de que no exato dia em que escrevo estas linhas, um jovem, provavelmente negro e pobre, está sendo morto em algum lugar deste país. Como prosseguir? Que sentido dar às pesquisas acadêmicas que, por mais que denunciem as violências e abusos de poder, atuando assim de forma contra hegemônica, não conseguem garantir o fim deste cenário desumano. Neste processo, solidão e incertezas são sentimentos recorrentes, como dito antes, nos sentimos à deriva, porém: É aliando-nos, em alguns momentos, a essas derivas, fortalecendo essas linhas de fuga que poderemos, quem sabe, mesmo na camisa de forças da academia, produzir algumas rupturas. (COÍMBRA & NASCIMENTO, 2007) Acredito que estamos produzindo tais rupturas, que podem ser insuficientes, mas afirmam outros olhares, demarcam lugares, sobrevivem.

Pode o subalterno falar e ser ouvido? Questões para pensar uma prática intelectual contra-hegemônica Inspirada na indagação de Spivak (2010) em “Pode o subalterno falar?”, publicado pela primeira vez em 1985, proponho algumas reflexões acerca desta possibilidade de fala e escuta do subalterno. Cabe iniciar retomando a afirmação da autora de que o sujeito é irredutivelmente heterogêneo. Neste sentido, o subalterno para Spivak não possui uma essência, demandando uma análise mais complexa daqueles que o tomam como foco de análise. Para autora indiana há uma impossibilidade do subalterno ter um ato de resistência sem imbricações com o discurso hegemônico. Dito em outras palavras, quando o sujeito subalterno rompe barreiras linguísticas e discursivas forjando-se como uma resistência, ele necessariamente está também permeado pelo discurso hegemônico. Neste processo, Spivak indica a centralidade de se pensar o papel do intelectual que por vezes julga poder falar pelo subalterno, representando a si mesmo como transparente, e assim, construir um discurso contra-hegemônico. De acordo com a autora, a luta deve ser para combater a subalternidade, estando o pesquisador/analista

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Dados disponíveis em https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/ Acesso em 07/07/2016 às 17h.

implicado na construção efetiva de espaços nos quais o subalterno possa falar e ser ouvido. (SPIVAK, 2010) Para ilustrar e ao mesmo tempo aprofundar tal discussão, recorro ao trabalho de Adriana Lopes (2011) que ao analisar o processo de luta dos funkeiros cariocas para promulgação da lei estadual que reconhecesse o funk como manifestação artística e cultural em 2009 tomaram o parlamento falando e sendo ouvidos. A esse respeito a autora afirma: Antes que a plenária se manifestasse ou mesmo que fosse concedida a palavra ao MC Leonardo, eram parlamentares (principalmente na figura do Deputado Marcelo Freixo) e intelectuais que construíram esses sentidos para o funk. Sem a intervenção dessas vozes, os funkeiros não seriam ouvidos naquele espaço e daquela forma. As diversas vozes de autoridade não só se misturavam com as do funk, mas também forneciam legitimidade ao ritmo musical. (LOPES, 2011.p.90) A “mistura” indicada por Lopes, também pode ser compreendida na dimensão relacional existente na construção da dominação e da subalternidade. Ou seja, ainda que estejamos cientes que vivemos num sistema de dominação capitalista com polos claros de desigualdades econômicas e sociais, isto não anula o fato de termos sujeitos subalternos que em outros contextos podem exercer dominação entre os seus. Bem como perceber que dominação e subalternidade são interdependentes. Perceber esta “verdade”, incômoda para muitos, implica em desromantizar e desessencializar o subalterno, compreendendo-o em sua heterogeneidade, e talvez, só assim abrir um real espaço para sua fala e escuta. O que é proposto por Adriana Lopes(2011) em sua análise do funk carioca é superar uma perspectiva polarizada das relações de dominação e subalternidade e nesse sentido repensar o “nós/eles” presente no trabalho de Spivak(2010). Praticando o que denomina de etnografia performativa, a autora vivencia o cotidiano do funk e dos funkeiros, percebendo como os atos de fala performativizados podem reificar ou romper com o status quo (LOPES,2011.p.93). A partir desta experiência e dialogando com Spivak Adriana Lopes reformula a indagação “pode o subalterno ser ouvido?”. Sim há esta possibilidade. Mas para tal é importante compreender que não há transparência na linguagem, tanto de quem faz a pesquisa quanto daqueles sujeitos supostamente pesquisados. Há um contínuo exercício dialógico de habitar a linguagem

do outro, ou como a própria autora afirma: “assim como meus atos de fala são afetados pela linguagem dos sujeitos de pesquisa, esta última também é atravessada pelos significados que estruturam a minha performace.” ((LOPES,2011.p.96) Nós e eles não são estanques, estão em constante movimento e reconfigurações. Nós da academia e Eles da favela, Nós das pesquisas com as favelas e Eles das pesquisas sobre as favelas, Nós da práxis e Eles das pesquisas...tantas dicotomias que silenciam as forças desses movimentos de rearranjos frente as condições de dominação e subalternidade. Nesse sentido, penso que uma pesquisa acadêmica implicada com a superação da subalternidade precisa compreender esses atravessamentos como condição da sobrevivência. Encarar as não transparências e analisar as contradições do fazer pesquisa de forma engajada é afirmar os entrelugares que habitamos, é sobreviver frente a tantas adversidades. Este percurso por vezes pode parecer solitário, principalmente porque na academia ainda há pouco espaço para as narrativas dos incômodos, das inseguranças e até dos erros. Parto do princípio então que manter-se na academia realizando pesquisas acadêmicas que não romantizem ou pasteurizem o subalterno é talvez a mais potente forma de criar espaços para que ele possa falar e ser ouvido e assim, tentar compreender e superar a subalternidade. Retomando De Certeau, nessas páginas revelamos alguns dos passos ziguezagueantes de nossas pesquisas, pondo a lupa sobre o cotidiano da investigação. E para afirmar que perder-se também pode ser um caminho, inspiro-me no conto “Nós, os que ficamos” de Rodrigo Círiaco:

Alguns me perguntam: tá o que vocês vão fazer? Estamos descobrindo. A única certeza é que vamos ficar. Nós, os que ficamos somos a única chance de salvar este lugar. Do desespero. Da ruína. Do abandono. Do comum. Não Culpamos quem partiu. Foi uma opção? Culpamos quem nos abandonou. Por isso, é preciso ficar. Quando as coisas apertam, quando temos dificuldades, não podemos simplesmente nos mudar. Abandonar nossa memória, nossa trajetória, nossos amigos e mudar.

Desistir. Fazer outro caminho e desistir. Nem sempre abrir mão é o melhor, o mais fácil. Nem sempre o mais fácil é o melhor. O Mais correto. Principalmente quando nos resta uma pergunta: e os que ficam? Não podemos deixá-los. Convites, propostas não faltam.Argumentos são duros. Muitos. Principalmente quando vêm de dentro de casa. - É isso que você quer pro futuro do seu filho?Abandonado por tiranos nas mãos de carrascos? É isso que você quer de salário? Você tem medo de mudar. Muitas horas fraquejamos. Quase nos damos por vencidos e, está bem. Vamos mudar. Mas aí pensamos, poxa, não é isso que queremos. Não é isso que queremos para nossos irmãos, primos, amigos. Não é isso que queremos para ninguém. Por isso, é preciso ficar. Para brigar, confrontar, sangrar. Somar, transformar. Unir. Para que nenhum de nós continue sendo humilhado. Nenhum de nós desprezado, desrespeitado. Esquecido. Ficar. Não queremos nos mudar do lugar onde sobrevivemos. Queremos mudá-lo. Torná-lo mais bonito, mais solidário. Mais forte. Mais humano. ( CIRÍACO, 2008.p.93) Minha proposta neste capítulo foi sustentar a ideia de que, ao assumir uma postura contra-hegemônica, nós, os que ficamos na escola, academia ou na favela, somos aqueles que sobrevivemos. Esta permanência precisa ganhar visibilidade visto que assume uma dimensão de resistência. Ou ainda, retomando Gloria Anzaldúa (2000) é preciso escrever “para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você.” Em seu artigo “Narrar ou descrever? Contribuição para uma discussão sobre naturalismo e o formalismo” Lukács escolhe dois clássicos da literatura para, a partir da cena de uma corrida de cavalos, problematizar as distinções entre o ato de narrar e o de descrever. Naná de Zola e Ana Karenina de Tolstoi servem de inspiração ao autor em sua afirmação de que a descrição parte do ponto de vista do espectador/observador, enquanto a narração implica o olhar da participação.

O contraste entre o participar e o observar não é casual, pois deriva da posição de princípio assumida pelo escritor, em face

da vida, em face dos grandes problemas da sociedade, e não do mero emprego de um diverso método de representar determinado conteúdo ou parte do conteúdo. (LUKÁCS,1965,p.50) Nestas páginas assumi uma posição. Busquei aqui trazer narrativas que, diferentemente das descrições feitas por Zola, não podem ser suprimidas de minha obra final. Nos relatos destas páginas almejei narrar episódios que, assim como a queda de cavalo em Ana Karenina de Tolstoi, trouxeram reviravoltas em meu modo de ser pesquisadora. Neste percurso entre o mundo acadêmico e as realidades das favelas, sobrevivi. Este texto fala de mim, dos meus encontros com pessoas, teorias e lugares. Segui o conselho de Alzaldúa (2000) “Para alcançar mais pessoas, deve-se evocar as realidades pessoais e sociais – não através da retórica, mas com sangue, pus e suor”.

Conversações Acadêmicas ou Referências Bibliográficas

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