Entre o público e o privado: modos de visibilidade do consumo paulistano

June 1, 2017 | Autor: Jenara Miranda | Categoria: São Paulo (Brazil), Consumo, Shopping centers, Semiótica Discursiva
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Graziela F. Rodrigues Jenara Miranda Lopes Sílvia Sampaio de Alencar Tatiana R. C Pereira Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Entre o público e o privado: modos de visibilidade do consumo paulistano

Apresentação do corpus Com vistas a mapear os sentidos que as mais variadas formas de consumo propõem para a visibilidade da cidade de São Paulo, este atelier inicia seus estudos com foco em um corpus que abrange dois shoppings centers da cidade: o Shopping Metrô Tatuapé, inaugurado em 1997 e localizado no bairro do Tatuapé, na Zona Leste, e o Shopping Cidade Jardim, operante desde 2008 no bairro do Morumbi, na Zona Sul. Ambos configuram-se como importantes centros comerciais para os sujeitos que os frequentam. O bairro do Tatuapé tem boa parte de sua população (46% dos moradores) nas faixas de classificação de renda de cinco a quinze salários mínimos, sendo que metade desses (23% dos moradores) encontra-se no subintervalo de cinco a dez salários, mostrando a relevância da participação da classe C no centro de compras estudado (dados do Censo 2000 IBGE, com base no salário mínimo da época, no valor de R$ 151,00). O público do primeiro shopping é caracterizado predominantemente pelas classes socioeconômicas B e C, a última especialmente, beneficiada pela recente abertura ao crédito, durante o governo Lula. Por diversas vezes, este grupo tem sido apontado pela mídia como emergentes econômicos, já que, após a mudança na configuração de acesso ao crédito, seu poder de consumo de bens e serviços, antes restritos às classes A e B, aumentou vertiginosamente. O Shopping Metrô Tatuapé está situado em contiguidade com um terminal de ônibus, uma estação de trem, uma grande via expressa – a Av. Radial Leste – e a estação Tatuapé da linha Vermelha do metrô (que integra as Zonas Leste e Oeste da cidade). A passarela que liga as paradas do transporte público coloca-se sobre a avenida e conduz diretamente ao interior do shopping, que se apresenta como um centro comercial repleto de lojas e conveniências, para um público que chega ao bairro ora para fruir de tais lojas e conveniências a caminho de casa ou do trabalho, ora para passar longos períodos nos finais de semana, devido à multiplicidade de ofertas de bens e serviços de caráter prático ou de entretenimento. Já o bairro do Morumbi é composto por 58,5% dos moradores com renda acima de vinte salários mínimos (também baseado em dados do Censo 2000 IBGE, a partir do valor do salário mínimo da época, R$ 151,00). O público do segundo shopping pode ser descrito como pertencente prioritariamente à classe A, com possíveis variações para a B. Este centro atende à parcela da população que concentra a maior renda, ou seja, a elite do consumo na cidade e se posiciona, portanto, como um novo conceito de ambiente de luxo, que se perfaz sobre um eixo axiológico calcado em segurança, exclusividade e ludismo do contato com o mundo natural, implantado por um projeto paisagístico como parte integrante deste espaço. Localizado na Av. Marginal Pinheiros, em pista de acesso pouco evidente via transporte particular, o Shopping Cidade Jardim é parte integrante de um complexo de alto padrão: possui nove torres residenciais e três comerciais, interligadas por vias de acesso exclusivas aos moradores e trabalhadores. O shopping abriga marcas luxuosas de produtos nacionais e internacionais, restaurantes refinados, uma academia e um spa que seguem o mesmo conceito. Há

apenas um ponto de ônibus em frente a ele e a entrada para pedestres é restrita a uma porta cortafogo que desemboca na garagem, como se fosse apenas para funcionários ou como se ter um veículo particular fosse pré-requisito para transitar até lá. Neste artigo, serão abordados aspectos que diferenciam ou aproximam os dois centros comerciais pelos modos de compartilhamento da coletividade que constrói formas e estilos de vida baseados no consumo de bens e serviços e do próprio espaço dos shoppings. Assim, pretendemos tratar das formas de visibilidade que tais manifestações constroem na e para a cidade de São Paulo, construindo, por vias semióticas, um modo de presença único da metrópole no Brasil e no mundo.

Figura 1: O mapa sinaliza a localização dos dois shoppings na cidade e seus respectivos arredores. Se inicia aí o delineamento de suas oposições, pelas regiões onde estão localizados. O Shopping Cidade Jardim é mais central, sendo englobado por um entorno que apresenta condomínios residenciais com imóveis de alto padrão e centros empresariais e comerciais ativos e expandidos, como os do bairro do Brooklin. Já o Shopping Metrô Tatuapé se configura como um centro de periferia, próximo ao qual há, atualmente, galpões industriais e armazéns em funcionamento e muitas residências térreas ou sobrados.

A figuratividade dos bairros reiterada no percurso dos shoppings Para chegar aos shoppings estudados, foram realizados diferentes percursos, utilizando-se de diferentes meios de transporte, com a finalidade de aproximar a experiência sensível das pesquisadoras à dos sujeitos-frequentadores destes espaços. O Shopping Metrô Tatuapé admite maior variedade de meios de transporte para se chegar a ele: veículos particulares tais como carros e motos, metrô, trem, ônibus ou mesmo a pé. Com isso, procurou-se reconstituir a figuratividade do entorno do estabelecimento. Nas análises realizadas a seguir, busca-se o acesso aos valores discursivizados na expressão plástica local. Como postulou A.J. Greimas:

“Assim, a figuratividade não é uma simples ornamentação das coisas, ela é esta tela do parecer cuja virtude consiste em entreabrir, em deixar entrever, graças, ou por causa de sua imperfeição, como que uma possibilidade de além (do) sentido.” 1 0F

Nos percursos realizados, portanto, buscou-se reconstituir os valores vivenciados pelos sujeitos (que habitam o entorno ou que lá frequentam) nas e pelas interações com a expressão plástica – tela do parecer que, na pluralidade de suas diferentes marcas textuais, entreabre para a existência axiológica das formas de vida que coexistem com os objetos em questão.

A topologia do entorno pressupõe prédios baixos, com poucos andares, e muitas residências que se limitam a sobrados, em termos de altura. Há muitas casas antigas e pequenas, com fachadas de grades baixas e pequenos jardins com roseiras em seu terrenos. Muitas casas são geminadas e não possuem garagem, fazendo crer que o modo de vida de seus sujeitos-habitantes não é obrigatoriamente permeado pelo uso de automóveis e motos.

Figura 2:

Desta forma, iniciamos esta análise pelo percurso de carro, com o qual se chega ao Shopping Metrô Tatuapé pela Av. Radial Leste (via expressa com numerosas faixas de trânsito que liga o centro expandido da cidade à Zona Leste). A cromaticidade tende dos tons de cinza claro ao escuro da pavimentação, um multicolorido dos estabelecimentos comerciais, contando ainda com 1 A.J. Greimas. Da Imperfeição. Trad. Ana Claudia de Oliveira. São Paulo: Hacker Editores, 2002. p. 74

alguns canteiros e frondosas árvores de folhas verde-escuras, espalhadas de maneira pontual. A via é ladeada, por um lado, pelas linhas ferroviária e de metrô e, por outro, armazéns, lojas concessionárias de carros e motos populares, casas de materiais deconstrução e também alguns armazéns cuja materialidade constituinte é de tijolos de barro, com aspecto de abandono. Essa aparência se delineia principalmente no trajeto entre os bairros da Moóca e do Tatuapé, visto da Radial Leste. A região é também um dos corredores de saída de São Paulo, pois é acesso às cidades do ABC (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano) – ou seja, a orientação da linha e os embarques e desembarques, somados à cinética agitada da via expressa, da ferrovia, do metrô e a própria presença dos armazéns contribuem para a sensação de que se está chegando a uma parte menos centralizada da cidade, uma região periférica, em que se pode alojar produtos e pessoas, já que o movimento pendular para trabalhar no centro expandido é também sabido.

Figura 3: A extensão da Av. Radial Leste que leva ao shopping e o céu aberto, com vistas ao horizonte. Configura-se aí uma paisagem predominantemente horizontal, cuja presença é reforçada pelo cinetismo multidirecional dos veículos da via expressa e do ir-e-vir dos vagões do metrô e dos trens.

Ao nos aproximarmos do Shopping Metrô Tatutapé, podemos ver as sinaléticas institucionais de seu estacionamento e também do metrô. As placas geralmente estão posicionadas juntas, explicitando a convivência direta dos meios de transporte público (metrô) e privado (automóveis e motocicletas). Apesar disso, a rua que dá acesso ao estacionamento é mais estreita e, não raro, forma-se uma fila pequena para poder adentrar à direita e, finalmente, chegar à entrada do estacionamento privativo do edifício. Lá, a largura é adequada para carros de pequeno e médio

porte e o pé direito apresenta uma característica notória: já que não é muito alto, o fato de um longo túnel com essas dimensões levar ao pátio superior causa um efeito de sentido de sufocamento, embora o trecho seja naturalmente bem iluminado. O estacionamento comporta 2000 veículos, mas o acesso principal se dá pelo metrô, cuja passarela da saída da estação leva diretamente à porta principal do shopping center. É uma relação aberta ao público, aberta a quem quiser entrar, e a qualificação do sujeito se dá na modalidade atualizante de poder-fazer (poder entrar, ir e vir, sem restrição). Para sentir em ato a vivência do trajeto de ônibus para o Shopping Metrô Tatuapé, partiu-se do Terminal Parque Dom Pedro II, estação integradora de linhas de ônibus, próxima ao centro de São Paulo, da Praça da Sé, do Mercado Municipal e da famosa rua de comércio popular 25 de Março. Do Terminal, saem inúmeros itinerários que ligam os bairros da Zona Leste à região central e ao metrô – e, consequentemente, às outras regiões da cidade. A estação é muito usada por trabalhadores, nos seus percursos diários entre as residências e os locais onde exercem suas atividades profissionais. Os prédios próximos ao Parque Dom Pedro II, no geral, apresentam traços estéticos que fazem crer um mau cuidado, pelo menos em sua parte externa. Muitos são antigos, alguns inclusive estão abandonados. O comércio de rua popular, o trânsito de fluxo intenso e contínuo, somado ao intenso vai-e-vem de pedestres contribuem para o efeito de sentido de poluição visual e excesso de informações, a atrair o olhar e os corpos dos sujeitos – os quais, ao final, ficam como que paradoxalmente alheios a toda a profusão de ritmos e estímulos que ali ocorre. A sinalização dentro do Terminal caracteriza-se pela simplicidade matérica e uma certa confusão cromática, impactando a topológica. Dispostas em um grande painel branco e verde, as indicações das linhas de ônibus estão impressas em tinta preta sobre papéis sulfite A4 brancos, não metodicamente dispostos por trás do acrílico. Alguns cartazes coloridos ocupam a mesma superfície, informando a população sobre problemas de saúde pública como abuso de drogas, alcoolismo e dengue. Um aspecto interessante a se ressaltar são os inúmeros comedouros entre os corredores dos pontos de ônibus. Ali, são vendidos, em pequenos quiosques, para o consumo rápido, em pé ou mesmo dentro dos ônibus durante o trajeto, alimentos considerados “lanches” (não refeições), de baixo custo, geralmente ricos em carboidratos: pães de queijo, cachorrosquentes, tapiocas, pastéis, churrascos gregos, salgados diversos, refrigerantes e refrescos. Este tipo de refeição rápida também se fará presente nos arredores do Shopping Metrô Tatuapé ou mesmo dentro dele, nos quiosques de sorvete e nos fast foods da praça de alimentação. São os modos de comer de sujeitos que não têm tempo a perder ou não podem se dar ao luxo de se preocupar com a qualidade da alimentação, no cotidiano corrido da metrópole. Ainda dentro da estação central, encontra-se uma área de serviços com inúmeros caixas eletrônicos de bancos, uns ao lado dos outros, localizados entre um grande ponto de venda de salgados e os banheiros. Os veículos de transporte coletivo param em fila nos corredores da estação, enquanto os usuários, também em fila, esperam sua vez de embarcar rumo ao destino final. Saindo do Parque Dom Pedro II, já dentro do ônibus, sentido Shopping Metrô Tatuapé (mais comumente chamado apenas de Shopping Tatuapé), se percebe as colunas de concreto cilíndricas e a estrutura metálica azul entrelaçada que sustenta o teto retangular e as proteções laterais contra chuva e vento, que descem em semicírculo do teto. A grade que separa as faixas de trânsito da avenida que ali passa são amarelas, compondo um interessante jogo cromático conforme nos afastamos do Terminal. Quanto mais se ruma em direção à Zona Leste, mais o cenário é composto por residências térreas ou sobrados, ao menos nas proximidades da grande avenida que liga aquela região ao centro da cidade. Os prédios começam a aparecer em menor quantidade no horizonte. Construções abandonadas, muros pichados ou grafitados, viadutos de concreto, comércios fechados, casas sem uso à beira da avenida, alguns moradores de rua, uma academia sob um viaduto, inúmeros containers empilhados, linhas de trem paralelas e vendedores de rua vão compondo o cenário de uma cidade que parece transitar intensamente entre um passado com o qual não se tem tempo a

perder e o encaminhamento para um futuro que não pode perder tempo. Nos arredores do Shopping Metrô Tatuapé, já fora do ônibus, se reiteram os viadutos, os pichos e grafites e a ausência de grandes prédios no skyline. Também ali, nas proximidades do espaço de consumo e de transporte, há uma concessionária de motos, se colocando à vista e ao alcance dos sujeitos que, em seu desejo de compra e precisando chegar a um destino, podem então adquirir uma moto. Ao lado da concessionária, uma unidade da instituição de ensino Senac, famosa pelos seus cursos livres, cursos de graduação e pós-graduação. Em uma das ruas laterais ao Shopping, cabe notar a presença de duas grandes pastelarias, uma ao lado da outra, numa repetição do modo rápido de comer que permeia o cotidiano da população em trânsito por ali.

F Figura 4: Chegada ao terminal de ônibus. Ali se repete a presença dos quiosques de snacks, com salgadinhos e bombonière. Dali, se sobe uma escada rolante idêntica à que liga a estação de metrô à passarela, para acesso ao Shopping.

O terminal de ônibus, metrô e trem que constitui a Estação Tatuapé é interligado nas e pelas expressividades cromática, eidética e matérica ao Shopping, por uma mesma estrutura de concreto, de formas retilíneas, por onde se faz o acesso simples e direto (via passarela) do transporte público ao centro de compras. Não se pode deixar de notar que o nome do centro de compras traz, em si, a presença do transporte público e a região da cidade onde está localizado: Shopping Metrô Tatuapé, dizendo-se, assim, facilmente acessível e localizável para os sujeitos na topologia da metrópole. Quem chega a pé ou desce no ponto de ônibus da avenida (não dentro do Terminal), acessa o

Shopping pelas entradas de rua. No entanto, o grande fluxo se dá pela entrada principal, que conduz os visitantes vindos do transporte público para adentrar um espaço de lazer e compras. Apesar da grande concentração de sujeitos que chega a este shopping pela Av. Radial Leste, o fluxo maior advém da própria estação do metrô Tatuapé, por onde também chegam trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Esta estação comporta populosos fluxos e traz marcas textuais que manifestam valores relacionados ao cotidiano dos sujeitos-passantes, como um imenso painel com cenas de operários urbanos e rurais trabalhando, respectivamente, na construção e na agricultura. Esta arte presentifica o público que realiza estes tipos de trabalho, ou que possuem histórias comuns à narrativa do painel. Utilizando-se a escada rolante, pode-se notar no teto as telhas de polietileno transparente, que deixam entrever, pelos suportes metálicos multiangulares, a luz do dia. A sonoridade das pessoas falando e o barulho do trânsito intenso e agitado propõem um ritmo de andar acelerado sobre o piso negro e tátil. Logo que se chega à catraca, é possível sentir uma lufada de ar fresco, advinda dos largos corredores que formam uma ponte sobre a avenida, ligando a estação ao shopping. Este corredor é aberto por um meio-muro de cimento queimado, materialidade presente em toda a estação, cujo design moderno apresenta linhas predominantemente retas. Logo ao passarmos pela catraca e dobrarmos à direita, podemos ver a sinalética do Shopping integrada a uma placa de localização do próprio metrô. Seu logotipo apresenta uma seta, figura que indica a direção onde se localiza. Esta peça de comunicação é uma ação privada em um local de domínio público e estatal, no caso, a estação de metrô. Vê-se aí, o início de uma hibridização que será reiterada como isotopia espacial em diversos pontos do percurso deste shopping.

Figura 5: Entrada do shopping Metrô Tatuapé pela passarela do metrô Tatuapé. Aqui, as esferas do

público e do privado coexistem topologicamente e nas ações de comunicação do centro comercial.

Ao apreendermos as marcas textuais do entorno do shopping Metrô Tatuapé, percebemos o seu modo de presença na cidade. Tanto o modo de presença, quanto as marcas textuais que fazem ver as formas e estilos de vida presentificadas na região se encontram reiteradas para o ambiente interno do shopping, desde a disposição topológica dos corredores, que fazem o percurso parecer um labirinto, até os jogos cromáticos multicoloridos das vitrinas das lojas, até a praça de alimentação, com opções de restaurantes de gostos típicos dos habitantes da região, enfim, formas de partilha do coletivo que estão intimamente ligadas aos modos de viver no entorno. Deste modo, a programação espacial do entorno que organiza o modus vivendi dos sujeitos que habitam a região é mesma que regula, por meio de reiterações nas marcas textuais, a programação do espaço de consumo, de modo que este seja, assim como o entorno, produtor de sentidos para os sujeitos que o freqüentam. A este respeito, postulou A.J. Greimas: “O espaço enquanto forma é, pois, uma construção que, para significar, escolhe apenas estas ou aquelas propriedades dos objetos “reais”, um ou outro de seus níveis de pertinência possíveis: é evidente que toda construção é um empobrecimento e que a emergência do espaço faz desaparecer a maior parte das riquezas da extensão. Entretanto, o que ele perde em plenitude concreta e vivida é compensado por aquisições múltiplas em significação: erigindo-se em espaço significante, torna-se simplesmente um 'objeto', diferente.” 2 1F

Figura 6: Corredor do Shopping Metrô Tatuapé. A aglomeração de informações visuais, tanto cromáticas quanto eidéticas, a massiva presença de luzes brancas e diretas e a reflexividade da materialidade dos vidros das vitrinas e do piso são altamente estimulantes, causando um efeito de sentido de frisson pelo

2 A.J. Greimas. Por uma semiótica topológica. In: Semiótica e ciências sociais. São Paulo, Editora Cultrix, 1981, p. 115.

rebatimento das luzes que incidem sobre objetos e sinalética multicoloridos.

Da mesma forma que o shopping Metrô Tatuapé é erigido enquanto espaço significante para os sujeitos que ali circulam, o shopping Cidade Jardim também o é. No entanto, as marcas textuais empregadas, não são as mesmas, e sim, programadas de acordo com os gostos e as formas e estilos de vida de quem habita a o bairro do Morumbi. Ainda que a grande maioria do público freqüentador e consumidor do Shopping Cidade Jardim acesse o local por carro, para uma consistente comparação das visibilidades dos espaços de consumo na cidade de São Paulo, também foi feito o trajeto por transporte público (neste caso, mesmo que se use o metrô como transporte inicial, é preciso finalizar o trajeto por ônibus). É interessante notar que, na seção Acesso da página online do site Shopping Cidade Jardim (http://www.shoppingcidadejardimjhsf.com.br/acesso.aspx), sobre como chegar ao lugar, são informados: um mapa da localização do centro de consumo e seu entorno, valores de estacionamento e valet para carros e motos e o número de telefone do ponto de táxi. Ao clicar sobre o mapa, é possível traçar a rota de onde o internauta está até o shopping, contanto que seja de carro ou a pé. O destinador não considera os usuários de transporte público, ao menos na mídia digital, como seus possíveis destinatários. Este é um não-dizer que, em si mesmo, já diz muito sobre o que será enunciado na espacialidade, nas interações e na sociabilidade do Shopping Cidade Jardim. O ponto inicial para o trajeto sem carro foi o Terminal Bandeira, estação de saída de inúmeras linhas, também próximo ao centro de São Paulo. Por ele, se acessa, a pé, por um lado, o início das Avenidas 9 de Julho e Consolação, a Avenida São João, as Grandes Galerias e o comércio da região da República e, pelo outro lado, a Rua Libero Badaró, a Rua São Bento e o Largo São Francisco, com sua Faculdade de Direito. O Terminal é ainda interligado à Estação Anhangabaú de metrô por uma passarela. Dele, partem itinerários que unem a região central aos bairros da Zona Sul e algumas linhas que fazem o trajeto para a Zona Oeste. A estação é predominantemente usada por trabalhadores de perfil variado (funcionários públicos, balconistas de lojas, advogados, atendentes de lanchonetes e muito mais), nos seus percursos diários entre as residências e empresas, e também, aos finais de semana, por pessoas que desejam fazer compras no popular comércio das imediações ou passear e interagir socialmente nas galerias das proximidades. O Terminal Bandeira, seguindo a identidade visual, a topologia e a funcionalidade que rege as estações de ônibus paulistanas, também tem seus vários quiosques para refeições rápidas, ainda que estes estejam dispostos em duas laterais, com os corredores de ônibus entre eles. Em uma destas laterais, estão os banheiros e, na base de uma escada rolante, os caixas eletrônicos dos bancos. Os painéis com as indicações das linhas que dali partem se assemelham aos encontrados no Terminal Parque Dom Pedro II. Os prédios das proximidades se diferenciam entre si nos traços estéticos apresentados: alguns estão em uso com boa conservação externa, outros estão em uso com pouca conservação externa e uns poucos estão sem uso e mal conservados externa e internamente. As duas grandes avenidas que triangulam o Terminal Bandeira (Avenida 9 de Julho e Avenida 23 de Maio) colocam o lugar em meio ao intenso e incessante fluxo de veículos que cortam a cidade do Centro à Zona Sul, enquanto o passageiro aguarda, não raro parado em uma fila, a saída de seu ônibus. As linhas que se dirigem à Marginal Pinheiros – extensa e larga avenida que margeia o poluído rio homônimo e liga as Zonas Norte e Sul – são as indicadas para acessar o discreto ponto de ônibus em frente ao Shopping Cidade Jardim. Iniciado o percurso, o ônibus percorre toda a Avenida 9 de Julho pelo corredor de ônibus, de trânsito exclusivo para este tipo de veículo e para táxis com passageiros. Tal configuração da via pública visa reduzir o tempo do trajeto do transporte coletivo, em uma metrópole de ritmo acelerado, mas trânsito engarrafado. As paradas ocorrem nos pontos, que apresentam uma estrutura metálica cinza e cobertura, alguns bancos para os passageiros sentarem enquanto

aguardam o embarque e um painel de acrílico informando os nomes das linhas que por ali passam. Eles se localizam no meio da avenida, entre as pistas de sentidos opostos, próximos às faixas de travessia de pedestres.A avenida é caracterizada por casas e edifícios de boa conservação, muitos deles comerciais, como hotel, escola de idioma, clínicas médicas, lanchonetes, pizzaria e loja de decoração para casas de praia e jardins. Ao fim da Avenida 9 de Julho, se acessa a Avenida Cidade Jardim, também com suas construções comerciais e residenciais bem conservadas, condizentes com a Figura 7: Vista da chegada ao Parque Cidade Jardim, complexo residencial-comercial que abriga as torres de estilo neoclássico e o shopping. Estas torres são exemplares do estilo vertical da região, bem como a forte presença de árvores frondosas.

população de classe média e classe alta que lá vivem, trabalham ou freqüentam nas suas atividades de lazer. Por fim, se atravessa por sobre o rio Pinheiros e inicia-se a etapa final da rota, já na Marginal Pinheiros. Do lado de lá, vê-se as estações de trens, novas, bem conservadas e de arquitetura contemporânea, bastante diferente das estações de outras linhas da CPTM. Os prédios, em sua maioria, seguem o estilo neoclássico, em voga na arquitetura dos prédios de luxo paulistanos. Do lado de cá, as residências térreas ou sobrados de alto padrão e muita arborização marcam o bairro que envolve o shopping center. A avenida segue expressa e o Shopping Cidade Jardim e os edifícios que integram o condomínio de prédios de luxo sobre ele surgem na paisagem diante dos olhos. A visão do outro lado da Marginal Pinheiros que se tem deste ponto – e também do Shopping Cidade Jardim – é formada por inúmeros edifícios altos, residenciais ou comerciais, contemporâneos. .

Descendo-se do ônibus, em frente ao Shopping, a entrada de pedestres é muito discreta, por uma estreita porta de pouca sinalização, que não coloca o consumidor na área das lojas, mas sim na garagem do centro comercial. De lá, ele deverá se dirigir ao mesmo elevador de acesso que serve aos motoristas que chegaram em seus veículos.

Figura 8: Entorno do shopping Cidade Jardim: de cromaticidade predominantemente cinza, proveniente da materialidade do asfalto, metais e cimento da Av. Marginal Pinheiros. Possui uma orientação vertical, construída topologicamente pela altura dos prédios do bairro empresarial.

De formantes eidéticos predominantemente retilíneos, o prédio do shopping conta com três pisos de forma retangular, com corredores de espaços uniformes, que circundam, por toda sua extensão, um jardim de inverno aberto para o tempo. Naquele espaço é possível presenciar as mudanças climáticas conforme ocorrem: lufadas de vento, a presença do sol, da garoa, da chuva. Há grande incidência de iluminação natural e a artificial é difusa, harmonizando com as materialidades que revestem o interior do shopping. Esta, por sua vez, foi submetida a uma programação visual que tende à uniformidade de tons de marrom, ocre, marfim e verde, para integrar as fachadas das lojas ao conceito arquitetônico e paisagístico local. Neste mundo compartimentado, no qual as formas orgânicas da natureza coexistem em harmonia com as linhas retas e são integradas pela cromaticidade e a materialidade dos vidros e da madeira, o ritmo do andar é conduzido lentamente pela cadência dos ventiladores que circulam lentamente. Com o objetivo de reproduzir a atmosfera das ruas de compras mais elegantes das grandes capitais, utilizou-se o material fulget para o piso, um revestimento de granito lavado cuja textura remete a calçadas. Durante as pesquisas, os corredores estiveram relativamente vazios, sem muito

trânsito de pessoas. A ritmicidade lenta do andar é proposta também pela música nacional em volume baixo. No período da pesquisa ouviu-se o álbum Universo ao meu redor, de Marisa Monte, que possui uma voz suave e músicas de ritmo vagaroso. No último piso, chega-se a um jardim suspenso, com vista panorâmica para o skyline da cidade. Dali, é possível avistar, com distanciamento, a agitada cinética da Marginal Pinheiros e os prédios de design futurista do Brooklyn. O estar nos jardins das jabuticabeiras, árvore-símbolo dos quintais paulistanos daquela região, propõe outros tipos de fruição, como a alimentação nos requintados restaurantes que figuram entre os espaços dos jardins, e muitas vezes, oferecem mesas no próprio.

Figura 9: Fachada de uma no entorno. Assim como no shopping Cidade Jardim, manifesta o mundo natural de maneira abundante. Seu quintal é privativo, não é possível vê-lo na imagem. A presença de um carro estacionado no jardim frontal, sem grades, gera o efeito de sentido de segurança.

O consumir, ali, é um fazer que beira o fruir a calmaria do tempo, enunciada naquele espaço. São postas em cena grandes marcas de luxo nacionais e internacionais, as quais exibem discretamente seus produtos nas vitrinas, como se fossem plenamente acessíveis aos habitantes do local, tais quais as jabuticabas que se colhe nos jardins da própria casa. Cada vez mais, os programadores dos universos de consumo se apropriam das figuratividades traduzidas em marcas textuais dos estilos de vida dos sujeitos que se almeja para público-consumidor. Veremos agora, como o gosto destes sujeitos modalizam seu fazer consumidor e fornecem importantes dados na edificação destes universos, que, em última instância, os levam a quereremfazer, a quererem consumir produtos e serviços que parecem se pôr diante dos seus olhos como se

os programadores do consumo adivinhassem suas volições.

Modalizações do consumo pelos gostos Seria ingenuidade pensar que as programações dos espaços de consumo se fundamentam aleatoriamente e sobrepõe umas às outras por força de outrem, como por exemplo, a mídia. Fato é, que a figuratividade manifesta no entorno destes templos de consumo é fruto do gosto dos sujeitos, que fundamentam o parecer identitário, por sua vez, calcado em formas e estilos de vida das duas distintas regiões. A este respeito, afirmou Landowski: “E o que entre a escolha de uma posição determinada a respeito do que se pensa ou se gosta e a afirmação da própria “identidade” de quem assim se autodefine, uma relação estreita, necessária, essencial, supostamente existe.” 3 2F

Deste modo, colocar para o outro do que se gosta e encontrar aí afinidades pode gerar uma forma de sociabilidade, baseada na partilha do gosto comum. O parecer identitário que é expresso na estética dos gostos individuais, como na moda, por exemplo, pode ser aqui invocado para a problematização dos espaços de consumos estudados neste artigo. O gosto dos sujeitos coletivizados, pode, portanto, reger a figuratividade dos espaços de consumo, que a eles se apresentam como espelho de suas próprias volições. Assim, no Shopping Metrô Tatuapé, por exemplo, as reiterações de um gosto pelo fragmentário, pelo excessivo, se manifestam em diversos pontos, desde as vitrines multicoloridas, com vários manequins emparelhados e itens expostos em todo e qualquer espaço, até a grande variedade de lojas, que vão desde magazines como C&A e Renner, a lojas de especialidades de artigos esotéricos e serviços de podologia, formas de entretenimento em cinemas e a praça de alimentação, que comporta um grande fluxo de passantes e lhes oferece opções gastronômicas que reiteram seu gosto por comidas de rápido preparo, alto teor de carboidratos e lipídios, para serem consumidas como refeições de passagem. Já no Shopping Cidade Jardim, onde o valor que impera é a exclusividade e a segurança para o desfrute do consumo de luxo, o gosto pela privacidade num ambiente tranquilo é amplamente vivenciado pelos frequentadores do espaço, que, ao transitarem por corredores repletos de vitrines com estilo minimalista de exposição de produtos, encontram na homogeneidade plástica do local um descanso seguro para a fruição da conjunção com o mundo natural, com formas de alimentação com produtos de primeira linha, opções equilibradas e espaços abertos para vivenciar o luxo, programado para ser consumido também com naturalidade. Para ilustrar estas relações de fruição do gosto coletivamente, lembremos Landowski: “Num contexto deste gênero, somente com a condição de acompanhar o movimento ambiente, é possível, para quem o deseja ou precisa, atestar à vista de todos – e, primeiro, de si mesmo – o fato de que, igual a todos, conhece e reconhece os valores autênticos (isto é, em vigor, no momento), e, portanto, não deixa de pertencer à comunidade.” 4 3F

De acordo com o autor da citação, é possível concluir que fruir da partilha do gosto numa coletividade que igualmente o celebra, é um fazer atualizante dos sujeitos, que, no caso do consumo dos espaços estudados e dos produtos e serviços ofertados, reconhecem em si a

3 E. Landowski & J.L Fiorin. “Gosto se discute”. In: O gosto da gente, o gosto das coisas. São Paulo: Educ, 1997. p. 98

4 Ibidem. p. 106

aquisição de valores – operação que os aproxima de outros sujeitos que também o fazem. Esta apreciação, fundaria, portanto, comunidades de consumo que coexistem entre “iguais”, que desenvolvem uma forma de sociabilidade baseada na experiência coletiva da partilha de gostos comuns do vestir, comer, entreter, habitar, enfim, viver a seus modos. Formas de compartilhamento entre o público e o privado Ambos os espaços estudados apresentam formas de sociabilidade que são modalizadas pela partilha do público e do privado. Assim, a coletividade é experimentada de formas diferentes pelos sujeitos que formam o público-alvo de cada estabelecimento. No Shopping Metrô Tatuapé, a coletividade é construída em domínios que possuem características mais voltadas para o público, como os modos de comer, por exemplo, na imensa praça de alimentação, onde os assentos estão posicionados de maneira muito próxima uns dos outros, indiferenciada para os restaurantes. Outra forma de compartilhamento na mesma linha, que se nota neste centro de consumo, é o de serviços estéticos e de saúde, como o laboratório de exames, o salão de cabeleireiro, o estúdio de tatuagem e piercing e o serviço de reflexologia que exibem as pessoas sendo cuidadas por trás de vitrinas, para que sejam vistas em seus tratamentos e processos de mudança de características corpóreas. Este shopping também se coloca numa relação entre o público da rua e o privado do bairro, já que é um ponto de passagem de fluxo de pessoas que ora vão, ora retornam aos seus lares e por ali passam, como numa galeria, na qual podem encontrar soluções de todas as ordens para situações cotidianas. Já no Shopping Cidade Jardim, a partilha da coletividade se faz muito mais pela lógica do privado, ainda que em espaço público, a começar pelo acesso ao estabelecimento feito prioritariamente por veículos particulares, passando pela forte presença dos seguranças e pelo efeito de sentido de neutralidade da natureza que a plástica do espaço reitera. Este grande “quintal” do bairro oferece a partilha de refeições em restaurantes que não se concentram em praças de alimentação, mas sim afastados das outras lojas, em sua grande maioria com ambientes cerrados por portas. A coletividade entre os “iguais” que frequentam este espaço é feita em grupos muito menores, em locais muito mais exclusivos. A exposição de serviços estéticos, como a Academia Reebok e o Spa L´Occitante não são acessíveis ao público visitante, só aos frequentadores. Para quem habita o condomínio, o Shopping Cidade Jardim se configura como uma rua que deveria ser protegida, salvaguardada dos perigos da cotidianidade que habita os lados para além de suas entradas. É interessante ressaltar que este efeito de sentido de segurança e calmaria foi descontinuado, por duas vezes, com os assaltos ao Shopping que ocorreram no ano de 2010. O acidente da invasão por sujeitos não-iguais aos frequentadores quebrou brusca e radicalmente o programado prometido pelo destinador Cidade Jardim nas duas ocasiões, fazendo o destinatário se questionar sobre o real distanciamento em relação ao que “não é igual” a ele. Nos jogos entre iguais e os que se querem diferentes, entre o público e o privado, é que vemos se construírem e serem sentidos os diferentes espaços de consumo na visibilidade de São Paulo. Formas de visibilidade da cidade pelo consumo nos Shoppings Metrô Tatuapé e Cidade Jardim

A edificação de comunidades de consumo tem íntima relação com os modos de presença que os sujeitos constroem para si em ato, no fruir dos espaços de consumo. Seja pelo consumo privativo de luxo, onde se deseja ser invisível aos perigos da violência urbana, seja no consumo que proporciona o ter para ser (que é um fenômeno recorrente historicamente e em todas as classes, mas que foi potencializado na classe

socioeconômica C por conta da recente abertura de crédito), cada público, à sua medida, confere a si modos de visibilidade e invisibilidade que os presentificam na cidade de São Paulo. Do mesmo modo que os frequentadores do Shopping Cidade Jardim se invisibilizam para outras formas de fruição da metrópole e se recolhem a esta esfera privativa, se dão a ver entre si, como membros de uma comunidade que partilha um espaço com marcas de público, tendo sido construído por um destinador privado. Já os sujeitos-frequentadores do Shopping Metrô Tatuapé, que podem viver a invisibilidade no cotidiano de empregos de mão de obra menos qualificada, como seguranças, faxineiros, cobradores, entre outros, são, da mesma forma que o público do Cidade Jardim, visíveis entre si, quando consomem e usufruem do espaço, se dando a ver como sujeitos de consumo, com poder aquisitivo para usufruir dos próprios gostos, reiterados nas propostas ofertadas pelo comércio naquele lugar. Interagindo em comunidades regidas por gostos distintos, os destinatários de ambos os espaços constroem para si formas de visibilidade edificadas pelo consumo dos próprios espaços, produtos e serviços, que lhes permitem reconstruir a cada experiência, seus modos e estilos de vida. Desta forma, as propostas de consumo nestes dois Shoppings se apresentam como elementos fundamentais para a criação de identidades e sociabilidades que povoam São Paulo e a fazem, ao mesmo tempo, heterogênea em termos de práticas de consumo relativas aos gostos a serem compartilhados; e homogênea, no que tange às experiências de consumo como uma das bases da sociabilidade na metrópole.

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