ENTRE PAISAGENS: DEAMBULAÇÕES SOBRE O PROCESSO PICTÓRICO

June 8, 2017 | Autor: Jociele Lampert | Categoria: Painting
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ENTRE PAISAGENS: DEAMBULAÇÕES SOBRE O PROCESSO PICTÓRICO

! BETWEEN LANDSCAPES: ROAMINGS ABOUT THE PICTORIAL PROCESS ! Resumo: Questionar 'qual o lugar da pintura hoje’, implica em derivar sobre a práxis do processo pictórico em consonância com o tempo/espaço da contemporaneidade, sem esquecer da tradição que o objeto pictórico apresenta. Ou, de outra forma, para Sales (1998), um artefato artístico surge ao longo de um processo complexo de apropriações, transformações e ajustes, neste sentido, a criação surge de um plano de valores e do contexto que instaura-se em constantes trajetos/sentidos. Deambulando sobre este caminho, realizei pesquisa como professora visitante no Teachers College da Columbia University - NY, onde tive a oportunidade em ser Bolsista Fulbright (2013), e desenvolvi um diário como resultado da pesquisa intitulado: “Artist’s diary and professor’s diary: roamings about painting education”. Este diário está dividido em duas partes: na primeira, há uma conversa (troca de emails) entre eu e outra professora, que geram comentários e reflexões sobre textos relevantes sobre a pintura; também constam nesse primeiro item, escritos/anotações sobre leituras que fiz dos diários de artistas (Diário de Paul Klee, Diário de Frida Kahlo e Cartas a Theo de Van Gogh), onde por meio destas leituras, reativei reflexões e práticas da produção pictórica. Na segunda parte do diário é apresentado um caderno de viagem (vivi o verão de 2013 em New York - EUA), e apresento um ‘coisário pictórico’, relatando impressões sobre as aulas de pintura, formas metodológicas observadas no contexto americano da The Art Students League of New York, bem como, meu próprio processo criativo no fazer pictórico, e por fim, apresento relato da Residência artística que desenvolvi no Vermont Studio Center (Vermont - norte dos EUA) tendo como tema, projeto de pintura (paisagem), intitulado “Para Hopper com amor”. Dentre os autores que ancoram minhas reflexões estão: Dewey (2010), Marín (2005) e Sullivan G. (2005). Palavras-chave: pintura, processo de criação, arte como experiência

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Abstract: To question 'what is the place of painting today' implies deriving the pictorial on praxis process in line with the time/space of contemporaneity, without forgetting the tradition that the pictorial object features. Or otherwise, to Sales (1998), an artistic artifact arises along a complex process of appropriation, adjustments and transformations, in this sense, creation arises from a plan values and the context establishing themselves in constant paths/directions. Wandering on this path, I conducted research as a visiting professor at Teachers College at Columbia University - NY, where I had the opportunity to be Fellow Fulbright (2013), and developed a daily as a result of the research titled: "Artist's diary and teacher's diary: about roamings painting education”. This diary is divided into two parts: first, there's talk (email exchange) between me and another teacher, that generate comments and thoughts on relevant texts on painting; Also included in this first item, writings/notes about the daily readings that made artists (Daily Paul Klee, Frida Kahlo Diary and Letters to Theo Van Gogh), where through these readings, reflections and reactivated practices of pictorial production. In the second part of the diary is presented a notebook travel (the summer of 2013 I lived in New York USA), and present a 'pictorial coisário', reporting on impressions painting classes, methodological forms

observed in the American context of The Art Students League of New York, as well as my own creative process in making pictorial, and finally present account of artistic residence that developed in Vermont Studio Center (Vermont - north of USA) on the theme, design painting (landscape) entitled "For Hopper with love." Among the authors that anchor my reflections are: Dewey (2010), Marin (2005) and G. Sullivan (2005). Keywords: painting, creative process, art as experience

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O termo paisagem vem sendo utilizado com mais freqüência na contemporaneidade, em área do conhecimento como a geografia, a biologia, o urbanismo e a política. Na História da Arte o termo é usado para explicar um gênero de pintura. Para Maderuelo (2010), a paisagem não é uma realidade física, ou objetos ou a própria natureza em si, mas sim, é uma construção, uma elaboração mental que ativamos por meio de fenômenos culturais. Desta forma, mapas e telas, podem configurar cartografias pictóricas tecidas a partir de experiências. Assim, compreendendo que toda a experiência, conforme Dewey (2010), começa com uma impulsão, e tentativa de uma narrativa em um diário foi um norte, um rumo, um caminho específico para deambular em um projeto que versa sobre o ensino de pintura, construído a partir de exercícios e projetos práticos sobre o meu próprio processo pictórico. O diário serviu de instrumento ou dispositivo por ser, conforme Agamben (2014, pág. 25): "um conjunto heterogêneo, linguístico e não-linguístico, que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo título: discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de polícia, proposições filosóficas, etc. O dispositivo em si mesmo é a rede que se estabelece entre esses elementos. O dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre numa relação de poder. Como tal, resulta do cruzamento de relações de poder e de relações de saber” A relação entre processo criativo, fazer artístico pictórico, ensinar a produzir arte (vinculado ao contexto universitário, onde me situo), serviram para uma estratégia auto-reflexiva. Assim, a pintura em seus procedimentos ativos, frente ao estudo de técnicas e materiais, da argumentação teórica de seu lugar na contemporaneidade versus um modo de operação tradicional, também das observações de seu ensino/aprendizagem como metodologia de trabalho em ateliê, serviram de norte para minhas experiências estéticas e inquietações com a pesquisa. A exemplo disto, na primeira parte do diário surgem inserido na ideia da construção de dispositivo, a rede, a busca e a tentativa: MH - O que significa, para ti, a participação da paisagem no teu trabalho?
 JL - No meu trabalho a paisagem surge como tema ou propósito

de início para a pintura. Gosto de olhar, apreciar uma paisagem e realizar desenhos e estudos em fotografia, e assim, buscar elementos para uma composição. No entanto, nos estudos iniciais a paisagem mais realista deverá obrigatoriamente ser re-interpretada pela cor, pela pincelada na tela, e assim, tenho buscado desconstruir uma paisagem mais realista ou que se pareça com paisagem para buscar algo que saia da cor e no tratamento e que tenha vínculos abstratos mas ainda seja uma paisagem. Gosto também de pensar em possibilidade para montagens (embora de fato não tenha realizado) usando colagens e interferências nesta paisagem, ou seja, é uma paisagem trabalhada pela cor, com possibilidade a ser sempre ampliada. MH - Tens preferência por algum tipo de paisagem, em especial, ou qualquer imagem de cena exterior te motiva a trabalhar? JL - Neste momento qualquer imagem de cena exterior me toca e me provoca. Mas fico remoendo muito tempo estas imagens, até realmente levar isto para o trabalho. Visto meu ritmo de pintura ter ficado mais lento em função do tempo que tenho. De todo o modo, tenho buscado referencias para o que chamo de paisagem e tenho tentado levar isto ao trabalho de forma não representativa mas que apresente algo, uma lembrança, um conceito, uma forma que vislumbre o que foi visto - também reconheço isso em trabalhos que não são paisagens mas me recordam diretamente, como os trabalhos de Tápies, que aprecio muito, talvez pelo caráter ou mensagem ou discurso social que há no seu trabalho, embora aprecie o que vejo e sinto, não o discurso da obra.

! A ideia de que a pintura poderá deixar de ser a cópia ou representação, e sim a experimentação de um pensamento visual, ou seja, é no ato concreto de experimentar ou de realizar experiências singulares, que busca-se tentativas de empreender, praticar, ou aproximar o tempo/espaço de criação com um tempo/espaço real e cronológico. Neste sentido tangencia-se a construção formal da imagem, em meio, ao derivar sobre a construção da imagem em meio a processo pictórico. Durante os estudos no Teachers College e na The Art Students League of New York, no que referese a pesquisar e observar o processo e procedimento de outros artistas (especificamente pintores), deparei-me com os procedimentos investigados por Joe Fig (2009) no livro Inside The Studio, que apresenta um questionário que reflete, registra e cartografa o contexto de produção da obra e aponta a construção de um saber permeado pelo tempo/espaço:

1. Quando foi que você se considerou um artista profissional, e quando se sentiu capaz de se dedicar em tempo integral à arte? 2. E então, quanto tempo você tem estado em estúdio? 3. Quando você começou a trabalhar neste espaço? 4. A localização do seu estúdio influenciou seu trabalho de alguma forma? 5.Você pode descrever um dia típico em sua vida? Seja bem específico, com horários e seus procedimentos. 6. Você costuma ouvir música, rádio, TV quando está trabalhando, e isso afeta o seu trabalho? 7. Que tipo de tintas que você usa?
 8. Fale-me um pouco sobre sua paleta de pintura ?
 9. Existem objetos específicos (no ateliê) que têm um significado importante para você? 10. Você tem ferramentas que são exclusivas para o seu processo criativo?
 11.Você trabalha em uma pintura (gravura ou projetos) de cada vez ou várias ao mesmo tempo? 12.Quantas vezes você limpa seu estúdio, e qual o efeito sobre seu trabalho?
 13.Quando você está pensando em seu trabalho, onde você costuma se sentar ou ficar? 14.Como é que você escolhe ou cria os títulos? 15.Você tem assistentes? 16.Alguma vez você trabalhou para outro artista? 17.Como um artista, você tem um lema ou credo? 18.Que conselho você daria a um jovem artista que estão começando?


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Neste sentido construí o diário baseado no procedimento diário sobre o fazer pictórico. Relatando, como eram as aulas, os alunos, os trabalhos apresentados, bem como, a construção de meu próprio fazer/saber com a pintura. Assim, o diário intui articulação entre memória e construção de subjetividade, como artista e como professora. Desta forma, percebe-se no processo pictórico e diferentes formas de representações e interlocuções na contemporaneidade, e isto estende-se ao ensino de arte. Por outro lado, além do objeto pintura como temática para este estudo, ancoram-se a reflexões sobre quem é o artista/professor, conforme o pensamento de Almeida, 2010, pág. 36:

ser artista, ser professor – os motivos que levam um artista a ser professor, o gostar e o não gostar de ser professor, as relações entre criar e ensinar – o artista na instituição – os prós e os contras de ser professor de arte numa instituição, a pesquisa em arte, a carreira acadêmica e a avaliação da produtividade do artista – o ensino de arte – concepções e procedimentos referentes ao ensino de arte. O objetivo desta proposição coincide com o que aponta Sullivan (2005), a pesquisa em Arte Educação envolve fazer perguntas e procurar respostas que permitam entender como produzir e ensinar Arte. Neste caso, o ensino da pintura configura o espaço/tempo para compreender o seu ensino/ aprendizagem de forma significativa e colaborativa, em uma dinâmica contextual.

Figura 1. Pintura óleo, título: Minha Manhattan, NY, EUA, 2013. (Acervo do Artista)

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Nos projetos que desenvolvi construí abortes que permeavam o estudo de técnicas/fatura, da pintura em camadas com tinta óleo considerando a observação formal, e estudos de composição. Quanto estive em Vermont Studio Center (http://www.vermontstudiocenter.org), que localiza-se ao norte dos EUA, na New England, exatamente onde E. Hopper passava o verão, desenvolvi a série de pinturas, monotipias e desenhos “Para Hopper com amor”. Neste projeto, o objetivo esteve em desdobrar o figurativa em partes diferentes, como uma montagem, estimulando o trânsito entre a construção, planejamento e criação de fato do trabalho. No diário consta o registro da deambulação, da busca por alternativas para o trabalho:

Me deparo dentro dentro de um cubo branco. Por onde começar. Pelo meio. Mas onde fica o meio? Organizo minha paleta, espalho o material pela mesa de trabalho. Folhas de papel em branco e meu computador. Desconectar? Isto é possível? Talvez. Vou tentar. Enquanto ouço o CD do Leonard Cohen: fiz algumas monotipias usando tinta óleo, partindo dos registros de desenho. Depois fui desenhar mais. O silêncio é absurdo, se eu me concentrar escuto a respiração do meu colega que está no estúdio do outro lado da parede. Olhando a seqüência de fotografias que fiz, pensei em fazer uma tela grande com vários pontos de paradas. Recortes. Eis que surgem as janelas. A construção de cor vermelha me seduz, é inebriante, enigmática e eu quero pintar. Esticar as telas, colocar na seqüência certa, escolher os desenhos e me atirar as tintas. Ouço o carrinho com a paleta de um lado para o outro. Desenho usando caneta, lápis de cor, giz pastel, tinta óleo, faço aquarelas, faço tentativas ainda, me perco. Desta forma a aprendizagem por experiências estéticas constitui investigação intelectual e sensorial, que perpassam pela forma da construção do diário, da construção de um conjunto de obras desenvolvidas durante o verão de 2013. O fazer como a construção das práticas de ver, o que Susanne Langer, considera de “chamariz de sentimento”, implicados na elaboração de projetos artísticos. A procura pela articulação entre o projeto de pesquisa, unindo produção e reflexão ancorou o norte da construção do diário, que trata também da deambulação, do caminhar lentamente percorrendo distintos terrenos, desejando ultrapassar limites e refletir sobre o tempo de produção e reflexão do que foi constituído como campo de estudo.

Figura 2. Pintura óleo, título: Para Hopper com amor, Vemont, EUA, 2013. (Acervo do Artista)

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Figura 3. Fotografia do Vemont Studio Center, Vemont, EUA, agosto de 2013. (Acervo do Artista)

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Bibliografia: ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Ser artista, ser professor: razões e paixões do ofício. São Paulo: Editora da Unesp, 2009 AGAMBEN, Giorgio. O amigo & O que é um dispositivo? Chapecó, SC: Argos, 2014 DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. FIG, Joe. Inside the panter’s studio. Princeton Architectural Press: New York, 2009. LAMPERT, Jociele. Artist’s diary and professor’s diary: roamings about painting education. 2013 190 f. Relatório de Pós Doutorado, realizado no Teachers College na Columbia University em New York, EUA. LANGER, Susanne. Problems of art. NY: Charles Scribnres Sons, 1957. MADERUELO, Javier. Paisaje: un término artístico. IN: BULHÕES, Maria Amélia; KERN, Maria Lúcia B. Paisagem: desdobramentos e perspectivas contemporâneas. Editora; UFRGS, 2010.

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