Entrevista a Domingos Faria sobre Filosofia Prática

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01/08/2015

Filosofia Prática

DOMINGOS FARIA

PhD student of philosophy at the University of Lisbon

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Filosofia Prática Gosto

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Fiz a seguinte entrevista ao Dr. Jorge Humberto Dias, que é um grande especialista na área da filosofia prática. Qual entende ser o papel do filósofo no mundo social de hoje? JD – Penso que a Filosofia Social é hoje uma área cada vez mais importante. Com a complexificação do tecido social, sobretudo ao nível das relações pessoais e institucionais, considero um bom investimento profissional e social, por parte dos alunos universitários, a especialização em Filosofia Social Aplicada. Tal como acontece noutras áreas (académicas e profissionais), desde o Direito à Educação, passando pelo Serviço Social, penso que é uma resposta extremamente actual e com sentido, a Filosofia dedicar-se à análise e intervenção social, nos mais variados domínios. Para isso, necessitamos da articulação entre as ofertas universitárias (que devem ser cada vez mais diversificadas, indo ao encontro dos interesses dos alunos, assim como das reais necessidades das sociedades e das pessoas), as entidades de estágio, as associações profissionais na área da Filosofia e o mundo social em geral (empresas e organizações não-governamentais, por exemplo). O contributo do filósofo sempre foi importante para o debate de ideias, para a formação das pessoas e para o desenvolvimento das organizações sociais. No entanto, vivendo hoje num mundo cada vez mais tecnicizado e profissionalizado, com fortes influências sociais e tecnológicas, os licenciados em Filosofia deverão, também, obter formação especializada e experiência profissional nas diferentes áreas de intervenção social. Está aqui em causa a questão da habilitação profissional para uma determinada função. Neste âmbito, sabemos que as instituições de formação, em Portugal, estão ainda em processo de desenvolvimento, no que diz respeito à implementação de cursos de formação inicial (universitários) e de formação contínua (profissionais) e de grupos de investigação académica/científica. Em que consiste o aconselhamento filosófico? JD – Trata-se de uma área de aplicação da Filosofia, que consiste no fornecimento de um serviço especializado de aconselhamento, a

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pessoas ou instituições/organizações, utilizando para isso o domínio dos conhecimentos e dos métodos filosóficos, na abordagem a uma determinada situação. Neste processo, é necessário dominar competências de aconselhamento, assim como competências filosóficas. Tal como existem outros aconselhamentos, o jurídico, o financeiro, o psicológico, o dietético, o empresarial, o imobiliário, o social, etc., também o Aconselhamento Filosófico pretende ajudar o seu cliente a melhorar a sua situação concreta de vida. Em geral, o conselheiro filosófico trabalha as várias dimensões filosóficas da vida e do pensamento do cliente. O que é que uma pessoa pode esperar quando se dirige a uma consulta de aconselhamento filosófico? JD – O consultante, quando procura um serviço de aconselhamento, pretende obter uma espécie de ajuda. Actualmente, em Portugal, já muitas pessoas conhecem o tipo de serviço que o Aconselhamento Filosófico pode fornecer. No entanto, ainda é frequente encontrar pessoas, com problemas específicos da sua situação de vida e/ou da sua subjectividade, e que depois de terem experimentado outros tipos de ajuda, decidem experimentar a ajuda filosófica. Estas, na sua larga maioria, desconhecem a metodologia de trabalho utilizada pelo conselheiro filosófico. Por outro lado, já vamos encontrando em Portugal consultantes que procuram intencionalmente este tipo de serviço, pois têm noção da sua utilidade nas suas vidas/pensamento. Podemos ver alguns exemplos: a felicidade é, quanto a mim, um problema humano e filosófico, que poderá levar um consultante a solicitar os serviços de um conselheiro filosófico, e o qual poderá ser útil na reflexão metodológica sobre o problema, pois a concepção de felicidade tem uma relação única e insubstituível com a concepção de vida do consultante. Problemas relacionados com o sentido da vida e da morte, com a compreensão relativa a um conflito de valores, com a interpretação relativa a um conjunto de ideias e acções, com a análise de uma situação pessoal complexa, etc. Hoje, vemos empresas a contratar licenciados em Filosofia, pois conhecem os benefícios que o trabalho filosófico pode ter na gestão empresarial, desde as questões éticas/deontológicas às questões de recursos humanos, de filosofia da empresa, de qualidade, etc. O que é o método “PROJECT@”? JD – É uma forma de trabalhar a consulta filosófica. Ao longo da minha carreira como Consultor Filosófico, fui-me apercebendo de alguns instrumentos específicos e próprios que utilizava nas consultas individuais e organizacionais. Aos poucos fui escrevendo e esquematizando esses instrumentos, pois considero fundamental partilhá-los com os colegas de profissão, assim como com os leitores interessados em conhecer e explorar esta área de trabalho.

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PROJECT@ é assim uma metodologia criada para o desenvolvimento da consulta filosófica individual, embora possa ser adaptada à consulta organizacional. Tal como acontece em todas as criações, as influências são várias: a filosofia dos clássicos antigos (o questionamento de Sócrates sobre as ideias essenciais da vida, a metodologia sistemática de Aristóteles, os conselhos de Epicuro, Séneca, Epicteto e Marco Aurélio), a filosofia do existencialismo (escola que desenvolveu várias análises sobre a existência humana em geral, embora alguns autores tenham abordado, mais em específico, alguns tópicos como por exemplo, a liberdade, a responsabilidade, o sentido da vida, a felicidade, o suicídio, a morte, os projectos, etc.), a filosofia vitalista (nomeadamente de autores espanhóis, como Ortega e Gassett e Julián Márias) e o movimento contemporâneo da Philosophical Practice, iniciado em 1981 por Gerd Achenbach (com os seus diversos projectos: gabinete de consulta filosófica, centro de formação de praticantes de filosofia e associação nacional e internacional de filosofia prática) e nos anos 90 com Lou Marinoff e Ran Lahav (com a organização do primeiro congresso internacional de prática filosófica). O aconselhamento filosófico é uma alternativa à psicologia e à psiquiatria? JD – De facto, alguns autores têm abordado o Aconselhamento Filosófico partindo de uma comparação com as ciências da psique. No que diz respeito ao meu ponto de vista, já em várias entrevistas me posicionei em relação a este tema: penso que estamos perante áreas diferentes e que utilizam conceitos e metodologias diferentes. Entendo que possam existir alguns autores a explorar o facto de alguns filósofos, no passado, terem dedicado os seus estudos às três áreas em conjunto. Mas com a especialização de cada área, na época contemporânea, já não faz sentido confundirmos Filosofia, Psicologia e Psiquiatria. São áreas que trabalham de modo diferente e que tratam problemas diferentes. No entanto, há uma questão que pode ser pertinente analisar, que é a utilidade que cada uma pode ter no processo de ajuda a um determinado consultante. Também poderá ser objecto interessante para a investigação académica, a definição clara de qual a área indicada para trabalhar a situação concreta do consultante que decide solicitar os serviços de um destes profissionais: consultor filosófico, psicólogo ou psiquiatra. Para terminar a minha resposta a esta pergunta, recordo umas jornadas de saúde e de toxicodependência, em que participei como conferencista convidado, no painel dedicado ao trabalho da ética em equipas multidisciplinares. Com este exemplo, pretendo transmitir a minha posição, ou seja, penso que na actualidade, os problemas das pessoas e das organizações são tão complexos, que só um trabalho de equipa, composto por profissionais de diferentes áreas, poderá ajudar a desenvolver novas formas de gestão, resolução, etc. Consegue-se viver de filosofia prática (aconselhamento filosófico, filosofia para crianças, ética empresarial, etc) em Portugal?

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JD – Esta é mais uma boa questão. Eu não conheço todos os profissionais que se dedicam, em Portugal, à Consultoria Filosófica. A experiência que tive como presidente da Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, entre 2004-2008, permitiu-me verificar que não existia nenhum associado que vivesse exclusivamente da prática profissional da filosofia. A sua grande maioria eram professores de filosofia do ensino secundário/superior que exerciam a actividade de consultoria filosófica em regime de acumulação. Relativamente à filosofia para crianças, a situação é diferente, pois estamos perante uma área que também faz parte do paradigma mais utilizado em Portugal: o estudo da disciplina de filosofia no sistema de educação. Sei que existem alguns professores a leccionar a disciplina de filosofia para crianças em escolas do 1º e 2º ciclo do ensino básico, que optaram por apresentar esta oferta. Outros, têm-se dedicado à formação de professores e outros ainda, têm participado em ateliês/oficinas de curta duração. Quanto à ética empresarial, a situação é ainda mais peculiar, dado que a maioria dos profissionais que trabalha esta área não tem qualquer formação na área das ciências filosóficas. No entanto, existem alguns licenciados em filosofia a desenvolver projectos nesta área. Resumindo, penso que é necessário criar, em primeiro lugar, as condições necessárias e legais para o exercício de uma profissão. Só nessa base fará sentido perguntar se existem profissões na área da filosofia. Como todos sabemos, em Portugal só está prevista a profissão de professor de filosofia. As outras saídas profissionais, anunciadas pelas universidades, dependem da “boa vontade” das entidades empregadoras. Portanto, com este cenário, somos levados a dizer que há ainda um longo caminho a percorrer por parte das associações profissionais do sector. Os consultores filosóficos, a exercem a sua actividade em Portugal, têm preenchido o seu IRS com a designação da categoria profissional de: «Consultores» - também utilizada por outros licenciados, profissionais de outros sectores. Quer-nos falar sobre a filosofia para crianças, os cafés filosóficos, filosofia na empresa, e pertinência destas actividades na sociedade? JD – Penso que essas actividades têm de ser organizadas de acordo com os interesses dos eventuais participantes. E claramente, dependem dos objectivos estabelecidos pelo facilitador. Se o público-alvo fôr o cidadão comum, então o filósofo terá de adaptar a sua linguagem e metodologia, de modo a que todo o trabalho seja perceptível e possa vir a resultar em utilidade. Por outro lado, se o público-alvo fôr o próprio filósofo, isto é, em que o objectivo seja a formação interpares, então os instrumentos técnicos deverão ser suficientemente pertinentes... Que perspectivas pode ter um recém­licenciado em filosofia para exercer  uma profissão em Portugal? JD – Na sequência do que eu já disse anteriormente, penso que  falta uma associação profissional forte na área da filosofia, que 

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trabalhe no sentido de promover melhores condições profissionais  para os licenciados em filosofia, dialogando com vários parceiros,  desde os organismos governativos, passando pelas universidades,  pelas empresas, pela comunicação social, etc. Neste processo, é  essencial a organização de reuniões científicas e profissionais,  com a presença de personalidades de reconhecido mérito, nacional e  internacionalmente.  Penso que os filósofos têm muito a aprender com o trabalho realizado  pelas ordens profissionais, já existentes no sector da advocacia, da  medicina, da arquitectura, da engenharia, da economia, etc. Todos  sabemos que não existem modelos perfeitos, mas a realidade tem mostrado  que as profissões mais fortes e que subsistem no mercado são aquelas que  têm melhores formas de organização e que conseguem promover os seus  serviços e obter condições de trabalho digno, sério e útil.  No panorama actual, um licenciado em filosofia está dependende da “boa  vontade” (infelizmente, não no sentido kantiano do termo) das  instituições com que contactar e/ou da sorte nos concursos de  professores. Se nalgum momento necessitar de apoio/aconselhamento,  desconheço se existe alguma associação de filosofia a prestar esse  serviço aos seus associados. Talvez fosse uma boa ideia, contactar  algumas empresas de filosofia, que actualmente existem um pouco por todo  o mundo... Interessante

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