Entrevista a respeito do livro \"Álvaro Lins - Sobre Crítica e Críticos\", organizado por Eduardo Cesar Maia

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Diário Regional

SEGUNDA-FEIRA, 4 DE FEVEREIRO DE 2013

u Entrevista

Editora de Pernambuco resgata em livro o pensamento do intelectual Álvaro Lins e o (re) coloca em evidência no cenário nacional  Fernando de Oliveira Repórter [email protected]

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oi o imperador da crítica brasileira”. A sentença proferida pelo genial poeta Carlos Drummond de Andrade resume a importância e influência que o intelectual e crítico literário pernambucano Álvaro Lins (1912-1970) teve no Brasil entre 1941 e 1963, quando expunha suas ideias nas páginas de jornais de renome como o extinto diário carioca Correio da Manhã. De lá para cá, no entanto, Lins praticamente caiu no esquecimento, o que se deve em boa parte ao desprezo da crítica literária e da universidade ao seu legado. Para pôr fim a essa desfeita, (re) colocar o pensamento do crítico em evidência no cenário nacional e apresentá-lo às novas gerações, a Companhia Editora de Perbambuco (Cepe) mandou às livrarias a coletânea Álvaro Lins - Sobre Crítica e Críticos, organizada pelo jornalista Eduardo Cesar Maia. O livro reúne artigos em que Lins reflete, entre outros assuntos, sobre o próprio ofício e o papel da literatura na vida individual e social. “Tive como critério primordial de escolha dos textos fornecer uma visão antagônica ao preconceito acadêmico que costuma rotular Álvaro Lins como um crítico ‘meramente impressionista’, um diletante que não conhecia as correntes de teoria literária e as metodologias de análise da época”, explicou Maia. Sobre Álvaro Lins, o jornalista respondeu, por email, às seguintes questões ao Diário. Diário Regional - Gostaria que você falasse sobre sua relação com a obra de Álvaro Lins.

Eduardo Cesar Maia Venho estudando a obra de Álvaro Lins há aproximadamente quatro anos, quando iniciei meu doutorado em Teoria Literária pela UFPE. Sou jornalista de formação e sempre me interessei por um tipo de crítica literária muito diferente daquela que acabei encontrando na academia. Meu interesse em Álvaro Lins - despertado pela influência do professor Lourival Holanda (orientador de minha tese) - começou porque encontrei nele uma independência intelectual, um personalismo crítico e uma maneira de encarar a literatura que se torna cada

dia mais rara entre nós.

“Encontrei em Álvaro Lins uma independência intelectual, um personalismo crítico e uma maneira de encarar a literatura que se torna cada dia mais rara entre nós” DR - Com que critério você fez a seleção dos textos para o livro? Maia - Tive como critério primordial de escolha

dos textos fornecer uma visão antagônica ao preconceito acadêmico que costuma rotular Álvaro Lins como um crítico “meramente impressionista”, um diletante que não conhecia as correntes de teoria literária e as metodologias de análise da época. Escolhi, portanto, textos em que o crítico pernambucano trata de problemas teóricos e especula sobre a função da crítica e da literatura. DR - A universidade ainda desdenha a obra de Álvaro Lins? Maia - Completamente. Simplesmente não se es-

tuda a obra crítica de Lins nas universidades brasileiras. Mais recentemente, professores e críticos como João Cezar de Castro Rocha, Lourival Holanda ou Ivan Junqueira começaram a chamar novamente atenção para importância de seu legado. DR - Qual a atualidade do pensamento crítico de Lins? Maia - No caminho contrário ao que normalmente se apregoa nas universidades, acredito que a atualidade do pensamento de Lins está justamente em sua não subordinação

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Um mestre da crítica

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a metodologias rígidas, a sistematizações e a valores ideológicos inquestionáveis. Não quero dizer que ele não se utilizasse de métodos e teorias, mas defendo que ele nunca submetia sua perspectiva individual, sua personalidade, a nenhuma dessas coisas. Portanto, seu personalismo crítico é algo, para mim, atualíssimo. Em minha tese, que será defendida em fevereiro, apresento uma visão pessoal a respeito da atualidade do pensamento crítico de Álvaro Lins, e estabeleço relações entre sua abordagem crítica e o pensamento de filósofos e críticos como José Ortega y Gasset, Richard Rorty, Ernesto Grassi, Harold Bloom e outros. A tese será publicada em livro posteriormente e espero que ela possa gerar alguma discussão a respeito do tema. DR - Como você vê a crítica literária contemporânea? Maia - Acredito que a crítica contemporânea está diante de uma encruzilhada. Depois da “ressaca teórica” chegou o momento de se repensar o papel do crítico como intelectual público, e não somente como alguém fechado dentro dos muros da universidade, escrevendo somente para seus pares,

com uma linguagem obscura e carregada de jargões. O jornalismo crítico também tem que ser repensado. O modelo da simples resenha atende aos apelos do mercado, porque acaba divulgando com mais simplicidade e efetividade as obras, mas não atende aos anseios de um público que quer saber a opinião do crítico, suas ressalvas, suas comparações... Falta, enfim, personalismo à boa parte da crítica de hoje. DR - Álvaro Lins foi o nosso H. L. Mencken, como escreveu o crítico cultural Jotabê Medeiros? Maia - Compreendi a intenção dessa comparação, mas ela não me parece de todo acertada. Sou um grande admirador de Mencken e de sua verve satírica, mas o polemismo crítico de Álvaro Lins era de outra natureza. Mencken era basicamente um destruidor, um satírico, alguém que tinha um talento incrível para expor as misérias intelectuais de seu tempo. Lins, por sua vez, tinha um projeto de construção: ele achava que a literatura brasileira precisava de críticos fortes para amadurecer, para chegar ao nível da literatura europeia e norte-americana. DR - Quem são, digamos, os seguidores de Álva-

ro Lins na imprensa? Maia - Eu não falaria em “seguidores”. Acho mesmo que não é salutar tentar copiar mecanicamente seu modelo de crítica. Vivemos outros tempos. A literatura não é mais o centro da vida intelectual como era naquela época.

“Acredito que a crítica contemporânea está diante de uma encruzilhada. Depois da “ressaca teórica” chegou o momento de se repensar o papel do crítico como intelectual público” Aprender com o exemplo de Lins e usá-lo nos dias de hoje deve ser, antes de tudo, um exercício de sutileza. No Brasil, hoje, por sua atuação crítica na imprensa, eu destacaria novamente o nome de João Cezar de Castro Rocha como um crítico da estirpe de Álvaro Lins, apesar das diferenças circunstanciais. A quantidade de lançamentos editoriais hoje em dia faz com que seja impossível que um único crítico consiga realizar o recenseamento da literatura contemporânea, coisa que Lins, durante mais ou menos duas déca-

das, pode realizar. DR - Em dezembro de 2012 Lins teria completado 100 anos e, não fosse o lançamento do livro pela Cepe, a efeméride passaria praticamente em branco, uma vez que a imprensa, com raras exceções, falou sobre o assunto. Por que isso? Maia - A campanha, encabeçada por Afrânio Coutinho, contra o tipo de crítica praticada por Álvaro Lins e outros intelectuais de seu tempo teve muito sucesso. Além disso, como eu já enfatizei, os tempos são outros, e o lugar da literatura na sociedade é outro.

riquíssimo, pois ele teve uma existência extraordinária, e não só em sua atividade de crítico. DR - Gostaria que você destacasse a principal herança de Álvaro Lins à imprensa brasileira. Maia - Sua atitude personalista como crítico, seu exemplo moral e sua versatilidade. Numa época de especialistas como a nossa, é difícil imaginar um intelectual polímata como Álvaro Lins, que escrevia sobre literatura, filosofia, política, religião, sociologia etc.

DR - Está nos planos da Cepe lançar um novo volume de artigos de Álvaro Lins, que, talvez, revelem sua faceta de polemista político? Maia - A Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) está interessada em divulgar a obra de Álvaro Lins. Mas ainda não há nada confirmado. DR - Álvaro Lins, assim como muitos outros pensadores brasileiros, carece de um livro sobre sua vida. Você tem interesse em biografá-lo? Maia - Não. Não é um projeto meu. Mas acredito que, quem se dispor a fazêlo encontrará um material

Livro: Álvaro Lins - Sobre Crítica e Críticos, org. Eduardo Cesar Maia; Ed. Cepe; 241 páginas. Preço: R$ 35,00. Onde comprar: Cafeteria e Livraria Iluminura, Rua Borges de Medeiros, 471, Centro, em Santa Cruz do Sul. Fone: 51-3056-2871.

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