Entrevista a Revista E do Serviço Social do Comércio de São Paulo

August 20, 2017 | Autor: Susana Ventura | Categoria: Literature and Society
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Entrevista à Revista E do Serviço Social do Comércio – setembro de 2011 Revista E: É, possível aproximar o publico da literatura através de eventos, contações de história, etc? Susana Ventura: Em nossa sociedade a leitura é, tradicionalmente, uma atividade solitária, que demanda, no mínimo, tempo e concentração.O momento que atravessamos não favorece a atividade da leitura: o tempo é escasso, os chamamentos do mundo contemporâneo, muitos, a concentração, difícil. Isso para não falarmos na desigualdade social ainda presente em um país como o nosso, que não permite que a leitura seja prioridade na vida da maior parte das pessoas. Quando digo leitura estou primeiro pensando de maneira ampla, pode ser de jornal, revista, história em quadrinhos, manual de funcionamento de qualquer equipamento.Quando passo para a leitura de literatura, então, a dificuldade é ainda maior, devido à aparente falta de utilidade imediata dela.Por tudo isso, acredito fortemente em vários projetos dos quais tenho participado ou que tenho observado e que têm como objetivo a aproximação entre (potenciais) leitores e obras literárias.Assim, as atividades que “tiram a literatura do papel”, tornando-a uma atividade lúdica, partilhada e coletiva são, do meu ponto de vista, extremamente importantes. Revista E: Existem muitos programas e iniciativas, como encontros, eventos organizados, que promovem esse tipo de inserção literária? Susana Ventura: Atividades como rodas de leitura, leitura dramática, clubes de leitura, conjugação entre literatura e outras artes têm aumentado muito, mas ainda há muito a ser feito. A contação de histórias, na maior parte das vezes destinada ao público infantil, já está mais sedimentada e costuma ter grande adesão – e é importante lembrar que o público infantil é dos mais exigentes, porque não tem as travas sociais do adulto. Se a contação de histórias não for boa, a criança se aborrece e, ou se abstrai ou demonstra claramente seu desinteresse. Revista E: Existem obras mais adaptáveis à literatura falada. Alguns autores são mais fáceis de trabalhar do que outros, na literatura falada? Susana Ventura: Tirar a literatura do seu modo de fruição habitual: ou seja, leitura individual e silenciosa pode receber vários nomes. Parece-me, então, que a literatura que você chama de falada se refira a toda a atividade que envolva a oralização da literatura (leitura dramática, leitura em voz alta, roda de leitura, adaptação teatral de texto literário). Naturalmente, existem sim, obras mais simples de oralizar de maneira simples, ou seja, através de uma leitura em voz alta ou de trabalhar, de maneira mais complexa, em formato teatral (seja leitura dramática ou adaptação). Um exemplo interessante é José de Alencar: lido simplesmente em voz alta, um livro como Iracema torna-se imediatamente compreendido e amado por potenciais leitores que não conseguem enfrentar sua leitura, considerando-a difícil ou aborrecida. A leitura deste específico autor requer mesmo mediação, estímulo: pelas questões vocabulares, pelas escolhas que realizou, pelo século e meio que nos separam do momento em que ele publicou suas obras. Muitas vezes eu ouço coisas como: “Ah,com você lendo, Iracema fica tão legal, tão bonito.” Eu naturalmente digo: “Você lendo também ficará muito

bonito, vá para casa e leia.Em voz alta, silenciosamente, como quiser, mas leia.Quando você consegue entrar no texto, ele vira uma grande viagem”. Quando as pessoas deixam as atividades com vontade de ler, sinto que valeu a pena. Algumas pessoas voltam para contar que leram, dizer o que acharam ou mandam recados pela internet a respeito.Há autores que, pela maneira de expressão e pela linguagem empregada, são mais fáceis de trabalhar. A identificação das pessoas é imediata, por exemplo, Jorge Amado, um mestre na maneira de fazer falar a nossa gente. Ainda outros, com forte ligação com o universo da oralidade, são de difícil compreensão à primeira leitura, mas quase imediatamente amados quando “falados”, como José Saramago ou Guimarães Rosa. Revista E: A literatura falada não pode ser feita por qualquer pessoa não é? Existem especialistas, digamos assim? Susana Ventura: Agora vem uma questão muito delicada. As pessoas podem e devem se aproximar da literatura da maneira que melhor parecer a elas. Já para falar sobre literatura, dizer em público textos literários, dirigir rodas de leitura, realizar contação de histórias ou leituras dramáticas será preciso algum tipo de treinamento. Mas acho importantíssimo lembrar que, num passado ainda recente, as pessoas liam umas para as outras em voz alta. Normalmente havia um leitor que era escolhido e este lia para os demais. Acho importante resgatar isso, a habilidade de ler bem em voz alta. Em vários dos trabalhos de realizo, como as rodas de leitura, há espaço para as pessoas, se quiserem, lerem em voz alta textos selecionados para os demais. As pessoas precisam muito sentir que a literatura pertence a elas, fala com elas, é dirigida a elas. Revista E: Quais os elementos que captam as pessoas nas apresentações, seria também o lado cênico, do suspense, da emoção? Susana Ventura: O ser humano está programado para a narrativa – todos necessitamos de nossa dose diária de histórias. Alguns satisfazem essa necessidade vendo telenovela, outros lendo revistas sobre o que vai acontecer na telenovela - o que é um aspecto muito interessante, veja: a pessoa vai ler e depois irá assistir ao capítulo, ou se programa para estar em casa quando tal ou qual situação vai acontecer. Ou seja, quer saber o que vai acontecer, mas também quer ver “como” aquilo será encenado – espera sentir a emoção de saber como o vilão será desmascarado ou a mocinha encontrará por acaso um novo amor. Já outros irão buscar sua dose de narrativa nos noticiários – lidos, ouvidos pelo rádio ou vistos pela televisão, ou nos casos relatados por colegas de trabalho, por companheiros de ônibus e metrô. É esta necessidade que também é preenchida pela leitura e pelas atividades que partem da leitura de literatura. Por exemplo, na roda de leitura ou na leitura dramática, observo que a maior parte do público desconhece o que vai ser narrado e faz parte do jogo tanto o anseio por ouvir uma história inédita quanto ver como está colocada em cena – então, todos os elementos cênicos contam. Como é a sala que recebe a atividade, onde está a pessoa ou pessoas que irão ler, contar, encenar? Que roupas usam, que voz têm, como se movimentam? Acho que uma boa contação de histórias, uma roda de leitura bem conduzida, uma leitura dramática bem feita, uma leitura em voz alta com entonação correta e emoção dosada realizam a tão necessária mediação de leitura de que vejo tanta carência. Ler é

um direito, mas é difícil por diversos motivos apossar-se dele. A boa literatura é uma notável herança, em português, e no presente temos escritores como, Mia Couto, Paulina Chiziane, o recém falecido José Saramago,Lídia Jorge, Lygia Fagundes Telles, Maria José Silveira,Ana Maria Machado, Pepetela, Luandino Vieira, Luís Cardoso, entre tantos outros , escrevendo sobre nós e nossa circunstância de seres humanos no Brasil, em Portugal, em Moçambique, em Angola, no Timor Leste. Todos os escritores que citei estão editados no Brasil, mas quem de nós os tem lido, quem tem tempo e conhecimento sobre suas obras? Indo agora para um passado bem recente, temos as notáveis contribuições de - para ficarmos agora só no Brasil - Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Mário de Andrade, Machado de Assis, José de Alencar, entre tantos outros.As atividades que aproximam as pessoas dessa sua herança são necessárias no sentido de facilitar o acesso, dar mais instrumentos para usufruir dos imensos benefícios do espetáculo de palavras criado por um elenco notável de escritores. Revista E: É possível sensibilizar os adultos a irem mais durante a contação de história? Ou esse não seria o principal objetivo com a contaçao. Seria uma arte pela arte, sem compromissos? Susana Ventura: O objetivo da contação é entreter, divertir, encantar, fazer pensar. Literatura é, como nos ensinou Barthes, espetáculo de palavras. As contações dão vida e nova dimensão a esse espetáculo. Creio que sim, que é possível. Quando a contação de histórias se destina às crianças – o que se dá na maioria dos casos, alguns pais as acompanham. As contações para adultos ainda precisam ser mais trabalhadas. Tenho visto algumas pessoas notáveis realizarem contações para adultos, mas eu mesma sinto falta de oferta desse tipo de atividade. Já atividades mistas entre conversa sobre literatura e leitura dramática são muito bem recebidas pelos jovens e adultos, a quem se destinam primordialmente.É um novo modelo de atividade com literatura para adultos e os projetos “Versos & Provas”(SESC Santos – 2009), “Contos brasileiros” (SESC Pompeia – 2010) “Diálogos sonoros” (SESC Pompéia – 2008-2009), “Rodas de leitura”(SESC Pinheiros - 2008 e Santos 2009), “Ópera literária” (SESC Araraquara – 2008). Com as “Rodas de Leitura”, o SESC Pinheiros acreditou num novo modelo, numa possibilidade de um formato até então inédito em São Paulo.Hoje vemos vários projetos com nomes e conteúdo similares sendo desenvolvidos em vários espaços de São Paulo. Foi uma proposta no novo que começou a criação de público. No presente, acho que o de mais notável que observo é a acolhida ao projeto “Versos & Provas”, que vem sendo desenvolvido em Santos, São Paulo. Cerca de oitenta pessoas comparecem, participam, interagem e, importantíssimo é dizer, dialogam efetivamente com a equipe SESC e com os responsáveis pela atividade. Ficamos sabendo, por exemplo, que o grupo da ONG Educafro - que comparece sempre e participa de maneira muito intensa - está lendo ou interessado em ler parte do repertório trabalhado: de Gil Vicente a Mário de Andrade, e manifestam o desejo de se aproximar de José Saramago e dos autores das literaturas africanas de língua portuguesa. O sucesso do projeto mereceu até crônica da principal cronista da cidade, a escritora Madô Martins. É, talvez, das minhas atividades, a que mais me emociona no momento.

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